Nelson volta a recitar
boemia
Jacqueline Enger, da
redação
O boêmio voltou. Enfim
ele veio para um grande show – o último foi há cerca de seis anos, no Anhembi.
Com seu vozeirão, Nelson Gonçalves ocupa o palco do Olympia por apenas quatro noites,
nas quais por apenas quatro noites, nas quais pinta seu Auto-Retrato – título
do centésimo décimo sexto disco de uma
carreira de mais de 50 anos. No show, intitulado 50 Anos de Boemia, Nelson será
acompanhado de banda, tendo como convidados o roqueiro Lobão e a sertaneja
Roberta Miranda. No palco, o cantor apresenta seu novo trabalho, relembra
antigos sucessos e bate um papo descontraído com o público. Aproveita, ainda,
para gravar um disco ao vivo.
Aos 70 anos – completados
em junho último – ele, que vem cantar “a dor de cotovelo”, deverá se sentir bem
à vontade em São Paulo. Afinal, segundo diz, a boemia é mais viva por aqui,
onde se por “ir a um bar, um botequim e ficar batendo papo. No Rio, ou se corre
do assaltante, ou não dá mais tempo para nada”. Está certo que bar e boemia
convivem juntos. Mas que fique bem claro que boemia “é diferente de bebericar”
– alerta Nelson Gonçalves, que aliás, se diz um homem pacato, caseiro. “Chego a
ficar até dois meses sem sair de casa”. Boemia, para ele, é ser poeta, é ser
pintor – ou, pelo menos, conversar sobre poesia, pintura, “falar sobre Kipling
(Rudyard Kipling, autor de língua inglesa nascido na Índia, um dos seus
prediletos), falar de Charles Darwin... e acabar fazendo um samba numa caixa de
fósforos.”.
Acostumado a casas
menores, Nelson Gonçalves não sabe ao certo o que aconteceu. De repente, os
espaços ficaram pequenos demais para os fãs do cantor – “não sei se foi o
público ou a população que cresceu” – interroga-se. Antes seu público era
restrito ao pessoal mais velho. “Hoje é mais fácil encontrar jovens de 18 anos
na plateia do que pessoas mais maduras”. Isso ele explica: “O universitário de
hoje não é o de 20 anos atrás. Hoje, o jovem faz uma análise melhor do que é
bom e do que é ruim. Surgiu um movimento de defesa do que é nosso. E, por
acaso, eu estou no meio”.
Não exatamente por acaso,
para quem, como ele, defendeu um único rótulo – Música Popular Brasileira, onde
cabe o samba-canção, o xaxado, o frevo, o maxixe... Para o próximo ano, o
cantor pretende abrir ainda mais esse espaço, incluindo a música sertaneja e
também – por que não? – o rock. Ele quer gravar um disco com Sérgio Reis,
Tonico e Tinoco, Matogrosso e Matias e Roberta Miranda – a cantora, aliás, já
participa deste último disco. O outro disco previsto para o ano que vem deve
trazer Titãs, Engenheiros do Hawai, Paralamas, Lobão e Lulu Santos. “Eles irão
cantar em ritmo de rock e eu entro, cantando a mesma música, com a minha voz” –
antecipa Nelson.
Nascido em Livramento, no
Rio Grande do Sul, Nelson Gonçalves veio cedo para São Paulo. Com seis anos já
estava cantando com os pais pelas feiras livres. “Nem tive tempo de pensar em
qualquer outra profissão”. Completou o segundo grau meio na marra, já no Rio de
Janeiro. Mas fala inglês, espanhol e italiano. Também leu muito – “Até Proust,
que é chato. Mas hoje só leio gibi porque cheguei à conclusão de que tudo se
repete”.
Profissionalmente, ele
começou a cantar em 37 na Rádio São Paulo. Quatro anos assinava contrato com a
RCA Victor (atual BMG Ariola), de onde nunca mais saiu. Nelson é talvez o único
artista que permanece por tanto tempo com a mesma gravadora. “É que nem marido
e mulher. Eu reclamo muito. Eles reclamam muito. Mas acabamos nos entendendo.
Brigamos, mas continuamos juntos”.
Por dez anos, lá pela
década de 60, Nelson foi viciado em cocaína. “Hoje, sou contra a droga, que me
deixou até impotente. Tive força para sair do vício. Não levanto bandeira
contra a droga, só aviso que ela não leva a nada”. Preocupado com a saúde do
corpo, hoje ele prefere se exercitar num ginásio para musculação que montou em
sua casa na Barra, no Rio. Estimulante, só o café que toma muito para se
preparar para entrar no palco. Hoje, “com maior estabilidade emocional”, ele só
recorre a “proteção de Deus”, e se benze antes de entrar em cena. Ele está,
então, pronto para atender os pedidos dos fãs: “Nelson canta aquela...”.
50 ANOS DE BOEMIA- Show
de lançamento de Auto-Retrato de Nelson Gonçalves. Hoje ás 21h30, amanhã e
sábado ás 22h30 e domingo ás 20h30, no Olympia (rua Clélia, 1.517 – 864-7333).
Ingressos: NCz$ 40,00 a NCz$ 100,00.
Publicado originalmente
no Diário do Grande ABC em 2 de
novembro de 1989
Nenhum comentário:
Postar um comentário