Por Jece Valadão
Desde a tenra infância,
brincando com as priminhas nos fundos dos quintais de Cachoeiro do Itapemirim,
no Espírito Santo – de onde teve de fugir do pai de uma moça – Jece Valadão já
trazia o germe do grande cafajeste. Neste texto de sua autoria, ele lembra as
mulheres com quem transou, defende sua teoria antivirgindade e garante que, em
certas circunstâncias, todo homem já foi, um dia, cafetão.
As coisas difíceis me dão
tesão. Gosto de tudo o que é difícil – como uma paciência que Napoleão
Bonaparte jogava – porque as coisas difíceis satisfazem meu ego. E conquistar o
que parece impossível. Em tudo na vida.
Se alguém está interessado em saber se foi assim que ganhei a primeira mulher
da minha vida, é bom saber que eu não me lembro quem foi a primeira mulher da
minha vida. Só posso dizer que foi assim que eu conquistei a Vera, uma mulher
difícil, até hoje. Pelo fato de ela ser uma mulher muito bonita. Na razão
direta, ela é muito desejada; e, na razão direta em que ela é desejada, mais me
desperta a necessidade de mantê-la junto a mim, presa a mim, entendem?
Vamos fazer um flash-back
até Cachoeiro do Itapemirim, uma cidade muito incrível, onde existe o Caçadores
Carnavalescos Clube, lugar de elite, onde eu não podia entrar porque era menino
pobre, filho de ferroviário. Mas eu tinha uma namorada que frequentava o clube.
Era um namoro ás escondidas, porque a família dela não queria de jeito nenhum,
porque eu já trazia em mim aquele germe do cafajeste. Um cafajeste meio
inibido, morando no interior ainda, porém com o germe do grande cafajeste, que
não é outra coisa senão uma desinibição diante da mulher, que eu sempre tive, e
e que a maioria dos homens não tem. Não é bem audácia: é desinibição. E, por
essa atitude de desinibição diante da mulher do interior, onde ela é
resguardada, cercada de todo cuidado, eu representava um perigo para as moças.
Tem o seguinte: não
existe mulher honesta, só existe mulher mal cantada. Sempre tive essa opinião:
a de que mulher honesta é aquela que nunca foi cantada direito, nunca foi
cantada no ângulo certo que ela exige. Desinibidamente. Porque, pelas próprias
circunstâncias da sociedade, a mulher sempre foi tratada com um certo recato,
em relação aos próprios irmãos, que são homens; em relação ao próprio pai.
Hoje, é evidente, isso mudou muito, elas têm um tratamento quase de igualdade
em relação aos homens. Mas não vão nunca se igualar porque é impossível mesmo,
é um problema até biológico, mas a mulher agora tem acesso a coisas que, na
minha época, não tinha, muito menos no interior. E eu era o único rapaz da
cidade que, se tivesse desejo de beijar uma moça, beijava, estivesse o pai
presente, o tio, o ex-namorado, qualquer coisa. Eu beijava, simplesmente,
desde, é claro, que houvesse uma reciprocidade por parte dela. Isso causava
escândalos na cidade. Então eu era proibido de me aproximar de qualquer tipo de
moça mais chegada à classe A de Cachoeiro do Itapemirim. Por isso, tive de sair
de lá. De família pobre, sem nenhuma tradição de nome, sem nenhum acesso aos
mais poderosos, tive de me mudar para tentar ser alguém.
Na verdade, não tive de
fugir da polícia, mas tive de fugir dos pais de uma moça de lá. Olha, desde que
eu me entendo por gente, acho que a virgindade é um negócio tão arcaico, tão
superado, que cheguei à conclusão de que, ao nascer uma criança, menina o
médico deveria fazer, imediatamente uma pequena cirurgia, entende? Uma incisão
para que o grande problema da virgindade deixasse de existir. As cuecas
melhorariam, inclusive, porque a mulher cresceria com muito mais liberdade de
ação, com muito menos preconceito. É uma membrana ridícula, que cria problemas
incríveis, medievais mesmo. Essa minha teoria anticabaço, eu a tenho desde
rapazola de 14 ou 15 anos do interior do Espírito Santo, já usando meu sexo.
Porque comecei muito cedo. Me auto-usando, mais ou menos dos 13 aos 14 anos,
depois comecei a usar mesmo. E só com as menininhas. Sempre tive alergia a
homens. Continuo tendo, e espero morrer tendo.
Acontece que sempre há uma
prima disponível para a gente brincar de médico. Não conheço nenhum homem que
não tenha tido uma prima na vida dele, disposta a iniciação. Foi o que
aconteceu comigo. Mas, atenção, que não foi da família da minha prima, ou seja,
de minha própria família, que eu tive de fugir, senão não poderia voltar até
hoje. E gosta de voltar lá de vez em quando, principalmente pelo fato de eu
antes não poder entrar no clube e tal. Em compensação, tive a satisfação de
voltar, uma vez, como homenageado principal, no aniversário da cidade que deu
tanta gente importante, como Roberto Carlos, Danusa Leão, Darlene Glória,
Carlos Imperial, Nélson Ned. Vou muito à minha cidade. E constatei que o
pessoal continua criando mulheres bonitas. Aliás, eu sempre reparo em todas as
mulheres bonitas, sou um esteta, sou de opinião que todas as mazelas devem ser
extraídas da vida, ou pelo menos disfarçadas. Sou absolutamente favorável à
beleza total. Eu e Joãozinho Trinta, que disse que intelectual é que gosta de
pobreza. E eu concordo plenamente com ele. Porque intelectual é sadomasoquista,
né?
Agora, é preciso
esclarecer uma coisa: o nome cafetão – quem é que não foi, um dia, em certas
circunstâncias? – tem um sentido assim tão pejorativo, mas que pode ser mudado
para uma colaboração entre um homem e uma mulher. Ora, se eu estou com uma
mulher e ela está melhor do que eu, nada mais justo do que a mulher me ajudar.
E a recíproca é verdadeira, certo?
Sabem de uma coisa? No
fundo, no fundo, eu devo ser um feminista. Porque sou tão machista...e os dois
extremos sempre acabam sempre se encontrando, acabam se completando. Outra
coisa: quanto mais liberada a mulher, mais chance tem o machista de sobreviver.
Na verdade, acho que a mulher deve ter acesso a tudo, para que ela independa do
homem, entende? Na razão direta da independência dela, o machismo pode ser
muito mais cultuado. Olha, com esse negócio de eu ter saído de Cachoeiro meio
desnorteado com aquela perseguição da tal família importante de lá, cheguei ao
Rio ligeiramente apavorado, garotão ainda...E agora já posso voltar, numa boa,
a moça já casou, tem filhos e tal, não há mais problemas, quer dizer, o mal foi
sanado, entende? Apareceu um boboca, encheu ela de filhos, a família se sentiu
recompensada e esqueceu a vingança jurada...
Mas, como eu ia dizendo,
cheguei ao Rio meio tumultuado, evidentemente, mas me deu uma louca, eu jogava
muito bem sinuca e ronda, aquele jogo de malandro, tanto que hoje tenho pavor
de jogo, porque sou um jogador em potencial – se eu me deixar levar, viro jogador
profissional, principalmente de cartas...Olhem, hoje não sou um marginal, não
sei por que, condições para isso tive...naquele tempo me deu vontade de sair por
aí, então fui tão São Paulo, olhava o jornal procurando emprego, arranjava uma
pensão até me enturmar, de São Paulo fui pra Curitiba, de lá para
Florianópolis, depois Porto Alegre, Uruguaiana, acabei atravessando a fronteira
e fui parar na Argentina, em Paço de los Libres, menos de idade, só com uma
carteira profissional sem qualquer emprego registrado, jogando minhas sinucas e
minhas rondas, pulando por janelas para não pagar as contas, viajando de carona
– enfim, eu era um hippie daquela época.
Em Paço de los Libres, lá
estou eu tomando uma água, um refrigerante, sei lá, um troço qualquer, sai uma
briga, chega a polícia e prende todo mundo, inclusive eu, que não tinha nada a
ver com a história. Quando descobriram que eu era clandestino, menor de idade,
sem profissão, sem lenço nem documento, me devolveram a Uruguaiana e me
entregaram ao Juizado. Dai me perguntaram de onde eu era. Eu disse de onde. O
juiz me mostrou o mapa do Brasil e perguntou: “O que é que você está fazendo
aqui?”. Eu disse que já tinha vindo andando, e que tinha chegado lá. O papo
começou a ficar agradável, eu falei da minha cidade, da minha família, do que
tinha acontecido, de como eu tinha ido parar ali, o cara ficou tão
impressionado com tudo que acabou me dando um dinheiro, uma verba especial lá
do Juizado de Menores, para eu voltar para Cachoeiro.
Peguei o tal dinheiro,
entrei num bar que tinha sinuca, perdi tudo. Uma semana depois, me virando de
um jeito e de outro, fazendo biscate, o cacete, encontro com o juiz na rua. Ele
me conheceu e perguntou o que é que eu estava fazendo ali. Disse que tinha
ficado doente, mas que iria naquele mesmo dia de volta. Resultado, peguei um
navio cargueiro, desses de pequeno porte, e vim até o Rio. Uma viagem que durou
uns 12 ou 15 dias. Eu nunca tinha andado de navio na minha vida, e tinha uns
200 cruzeiros no bolso. No dia 7 de setembro a gente estava em alto-mar, teve
de hastear bandeira, aquilo tudo, mas o que interessa é que, quando eu saltei
em Niterói, estava com mais cinco mil cruzeiros no bolso, que tinha ganho dos
marinheiros, na ronda.
Desci do navio e fui para
a casa de uns tios meus que moravam em Padre Miguel, meio Bangu. Logo depois
voltei para Cachoeiro. Ninguém exatamente como saí. Acabei locutor da rádio de
lá, voltei para cá, trabalhei na Rádio Tupi, ao lado de Ari Barroso e uma
porção de gente famosa, entrei para a televisão, teatro, encontrei a Dulce,
casei com ela, etcetera...Mas o que interessa é que, nessa viagem, a minha
base, geralmente, era a zona de cada cidade em que eu chegava, ou seja, eu tive
um aprendizado de malandragem que agora é muito válido na minha vida.
Falando sério, sou três
personagens ao mesmo tempo: o empresário bem-sucedido, quando estou atrás da
mesa do meu escritório; o chefe de família, quando estou dentro de minha casa;
e o grande cafajeste, quando estou em cena. São três homens em um só. E, já que
vocês todos estão loucos para saber, em matéria de sexo sou uma pessoa
absolutamente normal, da qual, até hoje, mulher alguma reclamou. O que me leva
à certeza de que sou um anormal, porque, pelo que sei, elas reclamam muito dos
outros homens.
Por exemplo: quando
comecei na Rádio Tupi, ganhava tão pouco que dava exatamente para pagar a
pensão da dona Matilde, na Rua da Alfândega, para a minha condução e para
comprar uma roupinha ou outra. Então, eu não tinha a menor condição de
sobreviver. Mas acontece que conheci uma mulher famosíssima na época,
estrelíssima, rainha do Carnaval, rainha do Cinema e tudo, chamada Rosângela
Maldonado. Foi uma mulher que me marcou muito. Ela me sustentou, durante muito
tempo. Por quê? Porque ela tinha condições e eu não. Em síntese: eu já fui
sustentado por mulher. Mas quem não foi? E é preciso ser muito honesto para
confessor isso! Pra culturinha geral: eu ganhava 600 mil-réis por mês, pagava
450 de pensão, o que é que sobrava de resto? Então fui morar com quem me dava casa,
comida, roupa lavada, um dinheirinho, em troca de companhia, amor, prazer,
mesmo porque ela gostava de mim, e só por isso é que me dava tanta coisa,
porque gostava de mim. E eu contando isso, hoje, ao contrário de denegri-la,
enalteço-a. Eu só tenho boas recordações dessa moça, que foi uma ajuda na minha
vida, no momento em que precisei. Não sei onde é que ela está, mas se soubesse
que estava precisando de alguma coisa, eu a ajudaria, entende? Retribuiria essa
ajuda, com o mesmo prazer e a mesma disposição. Foi uma alma boa que encontrei
na minha vida, na hora em que mais precisei.
Isto é ser cafetão?
Se essa fase da vida da
quase totalidade dos homens, principalmente da minha geração, é negada por
muitos, eu tenho a maior honra em confessar. Acho digno, tanto da parte dela,
de ter me ajudado, quanto da minha parte, de ter aceito. Agora, se esse fato é
considerado como cafetinagem, então eu me confesso um cafetão. Mas para mim é
apenas uma obrigação de agradecer a Deus ter encontrado uma determinada pessoa
num certo momento que mais precisava. Importante: uma pessoa disposta a ajudar
alguém – coisa, aliás, bem rara, cada vez mais. E para a qual eu estou disposto
a retribuir todos os favores. Se é o que o que eu dei a ela, na época, já não
tinha sido uma retribuição.
Uma coisa que também
marcou muito na minha vida era um concurso que havia entre os garotos da minha
idade: o de ejaculação a distância, através da masturbação. Era quase todo dia.
Mas a primeira sensação de orgasmo que senti, em contato com mulher – que não
foi a primeira mulher da minha vida, porque essa eu nem me lembro -, foi
exatamente com uma prima, dentro de um armário escondidos. Meus pais tinham
saído, foi uma experiência esquisitíssima, não deu nem para entender direito.
Por ironia do destino, ela se apaixonara por mim, tinha dado um problema enorme
dentro de casa, eu com uns 13 anos de idade...Agora, o último orgasmo, deixa eu
contar, foi há meia hora!
Realmente, mulher dá
muito trabalho. Se vocês pararem para
pensar, o ato sexual, em si, dá uma tremenda mão-de-obra, para dois segundos de
prazer. Mas esses segundos são tão importantes! Aí é que vem o problema da
relatividade do tempo. O tempo, que não existe. Porque se vocês pararem para
pensar, racionalizar, vão chegar à conclusão de que não compensa a mão-de-obra
de um ato sexual: a gente tem de tomar banho, tirar a roupa toda, ás vezes está
um calor tremendo, a gente transpira paca, há necessidade de um esforço enorme
para agradar, porque é o tal negócio, o bom trepador tem de agradar primeiro a
mulher, depois pensar nele. E ás vezes a gente pega mulheres tão difíceis, tão
duras de serem agradadas, que a gente tem de se esforçar ao máximo, tem de
fazer tanta coisa, tanta coisa, para no final ter alguns instantes de euforia.
Se alguém parar para pensar, vai contar até 10, antes de começar.
Eu tive um tempo – antes
de conhecer a Vera, é preciso que eu diga – em que estive numa fase de euforia
total, querendo comer o mundo inteiro. Mas chegou um momento de estafa, tão
grande, que cheguei a desejar a impotência, porque daí tirava esse problema da
minha cabeça. Só para provar que eu era macho, eu queria comer o mundo inteiro.
O que é uma besteira, porque é muito mais difícil conquistar a mesma mulher
todos os dias do que conquistar uma mulher por dia. Se eu sair por aí,
conquisto 10 mulheres a cada dia, e isso não leva a nada. É muito mais difícil
conquistar a mesma mulher todos os dias. O que existe é a perfeição da
conquista.
Quando eu fiz o Boca de Ouro, nos Estúdios Herbert
Richers, na Tijuca, depois do filme estreado e tal, pinta lá uma mulher, ás
seis da tarde mais ou menos, uma grã-fina aí, da mais alta sociedade daquela
época, tremendo carrão, dizendo que queria falar comigo. Fui. Ela perguntou
onde é que estava minha boca de ouro. Disse que estava em minha casa, que a
boca de ouro era um belo trabalho de um protético, então ela me fez ir para
casa, apanhar o tal trabalho protético, colocar na boca e tudo, para ter
relações com ela. Ela queria comer o Boca de Ouro, não o Jece Valadão. E eu não
podia ir pra minha casa, não podia ir pra casa dela, hotel ela nem pensava,
naquele tempo ainda não tinha motel, sabem aonde é que a gente foi fazer amor?
Lá em frente ao Itanhangá, em cima de um banco, no meio do mato, perto de uma
cachoeira, onde hoje há um loteamento enorme, eu com a boca de ouro, a mulher
olhando pros meus dentes, formiga me mordendo de todos os lados. Nós saímos de
lá todos os dois empolados, empoladíssimos.
É mais ou menos o
suficiente para todos nós chegarmos à conclusão de que o Nelson Rodrigues tem
razão. Todas as razões.
Vocês se lembram quando
faltava muita água no Rio? Pois eu conheci a mulher de um jornalista famoso aí,
linda maravilhosa, com a qual aconteceu uma das coisas mais apocalípticas que
já aconteceram na minha vida. Ela me conheceu e resolveu me comer. Eu,
modestamente, consenti em ser comido por ela. Marcado o encontro, no
apartamento de uma amiga, solteira, em Copacabana, ela chegou primeiro, eu fui
depois. Quando cheguei, a música era ambiental, as luzes estavam apagadas, à
tardinha, o ambiente altamente romântico. Uma garrafa de vinho foi aberta,
tudo, até a gente ir para a cama. Foi uma loucura. De repente, senti uma
quentura escorrendo pelas minhas pernas. Olha, era cocô puro! Eu fui ao
banheiro, abri as torneiras, nada de água. A mulher lá na cama. Apelei para uma
garrafa de álcool, vesti a roupa e me mandei, cheio de bronca, muita bronca.
Nunca mais vi essa mulher. Aliás, espero não encontra-la nunca mais! E acredito
que ela, também, nunca mais queira me encontrar.
Mas faço absoluta questão
de exigir uma ressalva, pra fim de papo: que tudo isso aconteceu antes da Vera,
minha mulher, entrar na minha vida. E antes de eu me transformar num executivo,
de vez em quando ator, fazendo o papel de cafajeste-padrão.
Publicado originalmente
na revista Ele Ela em julho de 1980
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