terça-feira, 19 de março de 2019

Entrevista com o jornalista Oliveira Bastos em 1993

RECUERDOS DE YPARACAI

O desbocado do Planalto


Por Carlos Roque

Nos bastidores de Brasília, o jornalista EVANDRO DE OLIVEIRA BASTOS já representou diversos papéis: ghost-writer de Roberto Campos, desafeto de Delfim Netto e conselheiro de José Sarney. Poucos tiveram fôlego para mergulhar tão fundo no Mar de Lama da Corte e voltar à superfície ainda dispostos a revelar as intimidades da Belacap. Sobre até para o empresário Paulo César Ferreira (remember processo contra Chico Buarque, que o chamou de dedo-duro).

Você assediou sexualmente a colunista social Consuelo Badra na época que editava o “Correio Braziliense”?

EVANDRO DE OLIVEIRA BASTOS: Existe um folclore enorme a meu respeito na cidade que a própria Consuelo ajudou a enriquecer. Ela foi demitida porque houve uma traição. Consuelo foi trazida por mim para trabalhar no “Correio”. Essa contratação desperto o interesse do “Jornal de Brasília”, que tinha nítidos interesses nela. Fui informado que o namoro entre eles já estava numa fase bastante adiantada. Foi por isso que a demiti com uma simples nota de uma linha publicada no próprio “Correio”. Essa nota provocou comentários de todas as ordens aqui em Brasília. Anos depois, numa entrevista concedida à revista “Playboy”, ela, além de me caracterizar como uma figura sinistra na imprensa de Brasília, atribuiu a demissão a um desejo sexual não resolvido de minha parte em relação a ela.

E havia questão sexual?

É claro que não! Mesmo porque, diante dos meus funcionários, sou uma pessoa absolutamente broxa. Questão de princípios.

Então, a afirmação de que as jornalistas de sua época do “Correio Braziliense” não podiam se relaciona sexualmente com ninguém da redação é mera especulação?

A versão que corria nas rodas políticas e sociais era essa. Jamais tive tendência para leão-de-chácara de meus funcionários ou de quem quer que seja. Para mim, a Consuelo podia transar com quem quisesse.

A quantas anda o projeto dos livros que você está escrevendo sobre suas experiências com o poder?

Quando o governo Sarney terminou, resolvi me aposentar do jornalismo e retomar a literatura. Formulei o projeto de dois livros: no primeiro, relato minhas memórias políticas, no segundo, pretendo fazer uma releitura de toda a literatura brasileira com o propósito de voltar à crítica literária da qual, soterrado pelo jornalismo, me afastei durante anos.

E as porradas que você levou em 69, no Le Bistrô, de um assessor do Delfim?

Já sararam. Fui o primeiro jornalista enquadrado na nova Lei de Segurança Nacional por causa desse episódio. Na noite que sofri a agressão, estava de viagem marcada para Belém. Naquela mesma noite, fui convidado para jantar no Le Bistrô com os Alencar: o Marcello (ex-prefeito do Rio) e seus dois irmãos, donos de uma empreiteira. Eles estavam comprando o “Correio da Manhã” e queriam que eu assumisse a direção do jornal. Aceitei o convite sob a condição de ficar no jantar somente até as 22 horas, porque precisava viajar na mesma noite a Belém. Durante o jantar, o Delfim entrou com um grupo de assessores. De repente, um deles, o Paulo César, começou a me agredir. Meus óculos quebraram. Foi um horror. Aproximei-me do Delfim e disse: “O senhor está solidário com seu assessor, mas isso não vai ficar assim”. Antes de ir para o aeroporto, passei na “Tribuna” e escrevi o artigo “O Forte de Delfim”, acompanhado de um bilhete dirigido ao Hélio Fernandes, explicando o que havia ocorrido. Já em Belém, soube do fechamento da “Tribuna”, do confinamento do Hélio em Corumbá, e que a polícia estava atrás de mim. Como não era e não sou leão, resolvi sumir do mapa. Fui enquadrado e perdi todos os meus empregos...

E depois?

Sumi por um ano. Tive que voltar porque, uma vez enquadrado na Lei de Segurança Nacional, na terceira auditoria do Exército, não se podia deixar o processo correr a revelia. Na época, minha mulher procurou inúmeros advogados e todos se recusaram a comprar a briga. Diziam que o Delfim vasculharia o imposto de renda deles e, certamente, acabaria prejudicando-os. O único que aceitou foi o Evaristo de Morais. Ele disse o seguinte: “Você foi agredido. O artigo que você publicou é fruto de uma revolta legítima. Eu preciso que os irmãos Alencar deponham e relatem o que houve no Le Bistrô”. Evidentemente, fui procura-los.

Eles concordaram?

Que nada! O triunvirato pediu que, pelo amor de Deus, eu não citasse os nomes deles! Ou seja: fui a julgamento sem defesa alguma!

Você foi acusado do quê?

Me acusavam de querer destruir a estrutura do poder, desmoralizando as  autoridades – no caso, o Delfim.

E você conseguiu?

Claro! Na ocasião, ele era a estrela do “milagre” brasileiro. O artigo foi publicado no início do mês de agosto. No final daquele mês houve uma reunião do FMI em que ele seria a vedete e relataria o malogrado milagre. Delfim cancelou sua ida nessa reunião porque meu artigo motivou o “Le Monde” a estampar na primeira página a seguinte manchete: “Ministro das Finanças do Brasil é acusado de homossexualismo”. Apesar de tudo fui absolvido.

Qual foi sua reação depois do veredicto?

Foi uma alegria sem precedente. Não esperávamos uma absolvição. Aliás, o Evaristo diz num dos livros dele que, se eu tivesse sido encaminhado para a Justiça comum, teria sido condenado. Fui absolvido porque os militares não gostavam do Delfim. Na saída do Tribunal fui cercado por jornalistas e disse uma frase que me prejudicou por anos...

Qual frase?

Que o julgamento havia provado que aquela bunda não era área de segurança (risadas). Foi aí que o Delfim realmente ficou puto comigo, e eu não arrumava mais emprego em lugar nenhum.

Quem te ajudava nessa época de vacas magras?

O Antônio Gallotti (ex-presidente do grupo canadense Brascam), que era meu admirador e foi muito meu amigo. Na época, o assessor dele era o Rubem Fonseca, outro amigo. Através dele, fui chamado para uma conversa informal com o Gallotti. O fruto dessa conversa foi uma pensão mensal. Com uma condição: eu não deviam dizer a ninguém, e jamais aparecer por lá. Quem recebia era o meu cunhado.

A pensão era boa?

Tão boa que vivi folgadamente durante três anos – de 70 a 73.

E seu agressor, Paulo César Ferreira? Que fim levou?

Ficou rico! Depois da agressão, ele passou a ser o protegido do Delfim e foi nomeado diretor da Globo/Nordeste. Comprou estações de rádio e o escambau. Faz jus ao velho jargão do toma-lá-dá-cá. Só que nesse caso específico ele deu em mim e tomou de lá (risos).

Sua intimidade com Sarney chegava ao nível de conselhos?

Claro! Sugeri que ele fixasse o mandato como presidente, em dois anos – tempo suficiente para que fossem convocadas eleição direta e Constituinte. Sabe o que ele me disse?

O quê?

“Você está certo, nego, mas se eu fizer isso o Leônidas me prende”. Na hora, achei um absurdo. Mas como a situação era delicada, imagine que ele pudesse estar preso a um esquema militar. Errei. Ele foi prisioneiro do PMDB. Por outro lado, Sarney administrou muito bem as relações do governo com as Forças Armadas. Ele pode ter todos os defeitos: é uma pessoa fraca, indecisa, ruminante etc., contudo, ele teve a grande função de tornar pacífica a transição política. Enfrentou um PMDB esfaimado pelo poder e uma Constituinte que fez tábua rasa de todos os noutros poderes. O que houve de provocação não foi brincadeira.

Se ele tivesse ficado dois anos no poder, o Brasil estaria melhor?

Teria sido um processo mais verdadeiro.

Deduz-se, então, que o poder é bom, não?

Quando alguém chega a ocupar o cargo mais importante de um país, não quer mais sair. Ele ficou prisioneiro naquilo que o poder tem de bom.

Numa gaiola dourada.

Numa gaiola dourada. Sabe lá o que é acordar todas as manhãs ouvindo os acordes de uma banda tocando o Hino Nacional, viajar num carro confortável com uma bandeira fazendo lapt, lapt, lapt? É uma coisa inebriante. Você sai do banheiro e tem um merda batendo continência. Quem não quer?

Que história foi aquela do Sarney ter pedido a você uma carta sobre o perigo dos genros?

Numa de nossas conversas, eu narrei a ele uma história que o Tancredo contou pra mim, que falava sobre o “perigo dos genros”. Quando terminou a guerra, o Churchill se retirou para terminar de escrever a história sobre a participação da Inglaterra. Naquela época, Churchill não recebia nenhum jornalista há mais de um ano, mas tinha um grande amigo cujo filho estava começando a carreira jornalística. Por carta, esse amigo pediu que Churchill ajudasse o filho na carreira profissional, concedendo-lhe uma entrevista exclusiva. Em consideração ao amigo, Churchill recebeu o rapaz. A certa altura o rapaz perguntou: “Qual o estadista mundial que o senhor mais admira” Churchill respondeu: “Mussolini”. Imperturbável, Churchill justificou, dizendo que Mussolini foi o único estadista que teve a coragem de mandar matar o próprio genro. O Tancredo me contou essa história porque também tinha problemas com genros...

A internação de Tancredo deixou o Brasil perplexo. O que houve realmente?

Até hoje se discute se houve erro médico ou não. Mas se ele não tive sido operado e tomado posse, morreria naquele mesmo dia. Foi uma coisa tão inesperadamente surpreendente que a própria família dele não estava preparada para a hipótese de internação. Como se sabe, Tancredo foi levado ao hospital pelo médico e pelo sobrinho, o Francisco Dornelles, e não pela mulher e as filhas. Sabe por quê?

Por quê?

Porque nenhuma delas tinha um vestido que fosse sequer adequado para que pudessem entrar num hospital! Elas só tinham longos! Foi o José Hugo Castelo Branco que pediu a sua mulher que arrumasse roupas comuns para que as três pudessem entrar no Hospital de Base. Aquilo levou mais de duas horas! É óbvio que influiu na decisão da operação...

Vamos falar um pouco sobre um assunto muito em moda: romances palacianos.

Isso é ótimo! Tem histórias incríveis. O Simonsen, por exemplo, teve uma paixão fulminante por uma moça que havia sido secretária do Reis Veloso. Belíssima! Aliás, Simonsen sempre foi um sujeito muito passional. Se encontravam no Leme, num apartamento de frente pro mar, e ele prometeu a ela que ia se separar da mulher. Na semana em que ele deveria fazer essa operação de transferência, ele enviou uma carta pra moça, dizendo que se tratava de um amor impossível. Pegou a mulher, os filhos, entrou num avião e foi para Paris. Um drama! A moça cortou os pulsos e acabou parando num pronto-socorro. Eu costumo dizer que o Simonsen é o único sujeito que eu conheço que fugiu com a própria mulher (gargalhadas).

Publicado originalmente na revista “Sexy” em novembro de 1993

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