segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Jornalistas políticos em PBY: Alexandre Garcia em 1994


Playboy entrevista Alexandre Garcia


Uma conversa franca com o repórter de política da Rede Globo sobre a Rede Globo, política, repórteres e conversas francas.

Quem se admira da intimidade do jornalista Alexandre Garcia com a política, os políticos e os assemelhados certamente não sabe que ele nasceu em plena praça dos três poderes. A casa onde viveu seus primeiros anos, erguida na praça principal de Cachoeira do Sul, a 200 quilômetros de Porto Alegre, era vizinha da igreja, com a prefeitura do outro lado e a delegacia a alguns passos. Também não ficava longe o quarto poder das pequenas cidades do interior – o prostíbulo. A parte mais festejada da imprensa local estava ainda mais próxima, na figura do seu pai, Oscar Chaves Garcia, então sócio da prestigiada Voz Sonora da Princesa do Jacu – o serviço de alto-falantes da cidade – e logo depois gerente da Rádio Cachoeira. Chaves era uma espécie de Alexandre Garcia local, num tempo em que o rádio era a prova cabal de que havia mundo além dos limites da cidade. Energia elétrica era luxo do centro, e as famílias da zona rural levavam as baterias de seus rádios para carregar em lojas especializadas. Convencidas de que essa operação enfiava no aparelho toda a programação, em geral pediam dispensa de levar junto os anúncios do Melhoral.

Cinquenta e três anos depois, Alexandre Eggers Garcia é o Chaves da Rede Globo em Brasília, onde comanda o departamento de jornalismo da emissora e de onde fala da política para 60 milhões de telespectadores. Sabe aquele jeito onisciente que ele exibe quando aparece na tela da Globo afirmando que o presidente Itamar Franco determinou ao ministro da Justiça a investigação imediata sobre o escândalo do jogo do bicho? Ou então sua maneira profética de anunciar que o presidente da Força Sindical vai dizer ao titular da Fazenda que é imprescindível criar um gatilho salarial, diante do que o ministro responderá, abrindo uma pasta repleta de cálculos, que tudo é negociável, desde que não abale a linha mestra do plano econômico? Sabe aquele jeito dele? Pois é. Ele é assim o dia inteiro, em pessoa ou nos dois livros, João Presidente e Nos Bastidores da Notícia. Aos 38 anos ou 23 anos de jornalismo – se for ou não considerada a fase em que transmitia missas e repetia notícias no interior do Rio Grande do Sul – e catorze diante das câmeras, Alexandre Garcia não mudou uma vírgula na sua disposição de assumir a responsabilidade pelo que fala ou escreve desde a primeira reportagem na sucursal gaúcha do Jornal do Brasil, em maio de 1971. Naquela estreia, recusou-se a chutar junto com colegas o total de mortos na explosão de um depósito de fogos e saiu contando pedaços de cadáveres para cravar um número mais próximo da verdade.

Hoje, com o mesmo rigor, segura notícias sobre demissões de ministro por horas a fio, até obter a confirmação da boca do presidente. “Aprendi que quem faz ou desfaz ministro é o presidente da República”, explica, escaldado pelas poucas vezes em que apostou no sentido contrário. Numa ocasião, a própria ex-ministra Yeda Crusius, do Planejamento, disse-lhe que ia sair, o presidente afirmou que não e ela terminou ficando. Noutra, uma fonte de absoluta confiança garantiu-lhe que a então ministra dos Transportes, Margarida Coimbra, cairia ainda naquele dia. Ele deu a notícia e o ranzinza do presidente segurou a demissão por algumas horas, apenas para fazer birra.

Com esse estilo, não dá para esperar de Garcia um currículo recheado de furos espetaculares ou reportagens-denúncia sensacionais. Nem era isso, seguramente, o que a Rede Globo procurava quando lhe deu o emprego, logo depois que ele pediu demissão de posto equivalente na Rede Manchete, há seis anos. O papel desse jornalista que gosta de suspensórios coloridos e odeia gravatas pela mesma razão – não suporta o aperto do cinto nem o sufoco no colarinho – é informar sem causar alarde. Uma missão aliás, que ele realiza de bom grado. “Conheço o tamanho da minha responsabilidade”, afirma o repórter político, que não pretende estragar o jantar de ninguém matraqueando contra o Congresso vazio ou os preços no supermercados. Outra coisa que conhece é a impossibilidade de ser uma unanimidade diante de uma plateia tão grande. Até reclama de algumas injustiças da crítica, mas não altera um milímetro no seu jeito Rede Globo de ser, nem faz questão de cavar elogios entre os colegas. Como os políticos dos quais convive, volta-se para a aprovação das massas: “O povo me entende”.

E, aí, tem lá sua razão. Segundo o Ibope, Garcia foi considerado o melhor jornalista de política do país. Ou seja, goste-se ou não, é ele quem faz a cabeça política dos prezados telespectadores. Convertidas para o trato pessoal, sua maneira afirmativa de falar e suas ironias arrematadas por acenos de cabeça dão-lhe uma simpatia que surpreende a turma habituada a manter o pé atrás diante de quem esteve de algum modo ligado ao regime militar, ainda que no período da abertura do presidente João Figueiredo, ao qual serviu como porta-voz nos primeiros dezoito meses de governo. Alexandre Garcia conta com muito prazer histórias de pessoas que o achavam tão confiável quanto um cabo eleitoral do PFL e se renderam ao interlocutor que não economiza franqueza. Só que, no caso dele, a franqueza será sempre a do discurso oficial. É por isso que estava à vontade como porta-voz, continuou íntimo das notícias palacianas ao sair de lá e, muito provavelmente, não se apertaria para falar com as mesmas certezas sobre as informações de coxia de um eventual governo do PT.

Casado pela terceira vez, Garcia tem uma filha de 30 anos, do primeiro casamento, uma menina de 8 e um menino de 7, ambos de sua união com a advogada goiana Joaniza Nunes, de 39. A família vive numa mansão confortável do Lago Norte, com portas e janelas largas, como as da casa onde ele nasceu. Quase tudo isso, segundo Garcia, foi previsto nas duas vezes em que entregou as linhas da mão para a análise de quiromantes. Ele não nega que acredita na sorte e sabe que a tem em largas doses desde o dia em que, quase foca, foi cobrir o fechamento do Congresso no Uruguai, em 1973, e terminou entrevistando o presidente Juan Maria Bordaberry, porque o correspondente brasileiro escalado para a exclusiva, Flávio Tavares, do Estado de S. Paulo, tinha sido preso. Em pelo menos um caso, a sorte foi tanta que ele teve de joga-la fora. Escalado para tentar uma entrevista com Isabelita Perón, em 1975, acabou confundindo pelos seguranças com um namorado da presidenta argentina e teve de desfazer o engano. Foi expulso da ante-sala presidencial antes de encontra-la. Perdeu um furo, salvou a pele. Para recordar histórias, explicar um confortável emprego paralelo no Banco do Brasil, contar os bastidores e falar da distância “sanitária” que gosta de manter de autoridades e jornalistas. Alexandre Garcia conversou com o repórter especial de PLAYBOY Marcos Emílio Gomes durante seis horas, em sua casa e na sua sala da Globo.

PLAYBOY- Sua barba é platinada apenas por coincidência?

ALEXANDRE GARCIA- (Risos.) É idade e genética. Platinada só a Vênus. Marte (o Deus da guerra entre os romanos) não. Eu tenho cabelos brancos desde os 40 anos. Dizem que tenho de pintar. Nada contra os que pintam, mas eu acharia ridículo. Todo o mundo com credibilidade na TV americana tem um belo cabelo branco. O nosso Cid Moreira tem cabelo branco. A credibilidade se conquista, mas televisão também é imagem.

PLAYBOY- E você usa essa barba para esconder ou para revelar?

GARCIA- Parece vestibular de faculdade. Tem de marcar um dia ou outro (risos)? Mas, nesse caso, escondia. Eu era muito magro. Era seco. Hoje peso 85 quilos, tenho 1,82 metro. Quando eu entrei no jornalismo tinha 69 quilos, por aí. Então isso aqui (mostra as bochechas), eu era o príncipe submarino...

PLAYBOY- O Namor...

GARCIA- (Risos) Isso, eu era o Namor (risos). Bom, eu ia entrar no Jornal do Brasil no dia 2 de maio de 1971 e aproveitei a Semana Santa para deixar crescer a barba, para esconder um pouco a magreza. Aí, ficou. Depois, comecei a tirar fotografia de passaporte, de credencial, sempre de barba. Mais tarde entrei na televisão e ficou um negócio meio marca registrada. Durante umas férias no Nordeste, eu tirei a barba e achei que estava incógnito. Aí, no primeiro dia, um sujeito me disse: “Ô, Alexandre Garcia, raspou a barba para não ser reconhecido, hein?” (risos).

PLAYBOY- Então vamos falar de quando você começou a arrumar esses cabelos brancos. Como foi o seu começo de carreira?

GARCIA- Meu pai era radialista, em Cachoeira. Aos 7 anos, eu já tinha feito ponta num papelzinho infantil de uma radionovela. Mas a primeira experiência de jornalismo mesmo aconteceu aos 15 ou 16 anos, transmitindo para a rádio a missa dominical...

PLAYBOY- Como é que se transmite missa?

GARCIA- Eu ficava num cantinho da sacristia. Pegava o missal e indicava as várias partes da missa, o Ofertório, a Consagração. Era quase tudo em latim. Depois, no Sermão, o microfone ficava todo com o padre. O restou eu ia descrevendo. Também trabalhava com notícias. Teve uma vez que um motorista de caminhão tava noticiando um acidente que ele provocou. Meu pai foi falar com ele, discutiu sobre liberdade de imprensa e coisas desse tipo. Foi o meu primeiro choque entre o direito de informar e a bronca do objeto da notícia.

PLAYBOY- Isso se repetiu depois, na sua carreira?

GARCIA- Ah, sim. Teve o caso recente de um motorista de ônibus que espalhou que ia matar porque denunciei que ele apavorou passageiros fazendo ziguezague numa noite de chuva. Eu faço entradas na programação local tratando de problemas de trânsito.

PLAYBOY- Mas consta que você também já esteve sob a mira de um revólver.

GARCIA- Foi em 1975, na Argentina. Fui almoçar num restaurante fora de Buenos Aires com o subgerente do Banco do Brasil Renato Mayer, a mulher dele e a filha. Os motoristas (terroristas de extrema esquerda) tinha chegado antes, rendido todos os garçons, mas não percebemos nada. Entramos e pedimos uma salada. Um sujeito respondeu, apontando uma arma: “Acá está tu ensalada”. Levaram as chaves do carro do Renato e os meus documentos. Eles viram minha credencial da Presidência da República e me chamaram de espião brasileiro. Me encheram de desaforos. Me jogaram no chão, botaram armas na nuca. Nunca mais tive os documentos de volta. Houve também uma ameaça de “triple A” (Aliança Anticomunista Argentina, grupo paramilitar chefiado pelo ministro do Bem-Estar Social do governo Isabelita Perón, José Lopez Rega), que acabou me levando a deixar a Argentina. Eu fiz um texto descrevendo o hábito de policiais argentinos de tirar dinheiro de turistas brasileiros. Depois, no jornal Última Hora de Buenos Aires, saiu a manchete: “Macaco mentiroso”. Era eu. Me convocaram para depor. Houve pressão da polícia, até o dia em que a embaixada me comunicou ter informações de que iam me matar. Aí eu me mandei. Isso foi no ano em que vim para Brasília: 1976.

PLAYBOY- Você nunca fez outra coisa na vida, além de ser jornalista?

GARCIA- No Rio Grande do Sul, trabalhei uns dez anos no Banco do Brasil. Quando estava fazendo o serviço militar, eu já tinha arrumado namorada firme, queria casar. Tinha que conseguir um bom emprego. Nessa época, meu avô tinha começado a me passar suas escritas de contabilidade. Eu pensava muito se aquele era mesmo o meu caminho. Comecei a estudar para o concurso e passei em primeiro lugar.

PLAYBOY- Foi no seu tempo de bancário que você pegou em armas para defender o golpe de 1964?

GARCIA- Muita gente fica repetindo que eu apoiei a revolução por causa disso, mas eu estava lá no interior, não tinha nada que ver com coisa nenhuma. Era funcionário do Banco do Brasil, e o Grupo dos 11 (o movimento antigolpista ensaiado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola) vai atacar a prefeitura. Você me ajuda?”. Fomos para a prefeitura de revólver na mão. Só que o Grupo dos 11 não apareceu e ficou por isso mesmo.

PLAYBOY- Mas você sabia do que se tratava ou não?

GARCIA- Eu via que aquilo estava uma bagunça, mas eu não acompanhava muito a política. Para mim foi um choque a renúncia do Jânio Quadros. Votei no Jânio em 1960, e ele me deu aquela frustração. Eu achava o João Goulart fraco. Ele não queria nada com coisa nenhuma. Era uma lástima. Tanto que o país inteiro estava achando muito bom o Jango cair fora. E a notícia que a gente recebia era que o (marechal Humberto de Alencar) Castello branco estava assumindo para botar a casa em ordem e entregar o governo de volta aos civis no passo seguinte.

PLAYBOY- Como você voltou para o jornalismo?

GARCIA- No tempo do banco, na cidade de Encantado (RS), eu tinha fome de mais alguma coisa. Resolvi fazer o vestibular em Porto Alegre. Pensava em tirar Economia. Só que o horário do curso de Jornalismo era mais conveniente para mim. Isso significou uma opção: quando terminasse, teria que ir trabalhar em algum lugar. Mas no banco eu continuava envolvido com reportagens, porque fui escolhido para ser investigador de cadastro, uma espécie de repórter do banco. Fazia um perfil do sujeito que estava pedindo dinheiro.

PLAYBOY- Esse foi seu primeiro trabalho de informante ou você já tinha função parecida no quartel, como está escrito numa reportagem?

GARCIA- Jamais. Jamais (irritado). Isso aí é uma idiotice. Primeiro, eu não era informante do banco. Eu tinha informantes. Depois, eu sei até quem espalhou isso. Foi o porta-voz do Fernando Collor, Etevaldo Dias. Ele pediu desculpas depois. Eu disse para ele: “Você está louco. Foi escrever na VEJA que eu fui da comunidade de informações quando eu servi”. É só fazer as contas. Eu tinha 18 anos em 1959. O (marechal Duffles Teixeira) Lott ainda era ministro. Era governo Juscelino. Quando o (então coronel) Golbery (de Couto e Silva) fundou o Serviço Nacional de Informação e Contra-Informação? Foi em 1959? Não. Foi em 1964.

PLAYBOY- O Etevaldo explicou o que houve?

GARCIA- A minha mulher deu um esporro no Etevaldo, por causa disso. A gente se encontrou na casa de um amigo comum. Ele disse que escreveu isso porque sempre achou que eu era o culpado de um pito que levou em O Globo, do (diretor de redação) Evandro Carlos de Andrade. Quando eu trabalhava na Secretaria de Imprensa do Palácio do Planalto, avisei o Evandro de que a sucursal do jornal em Brasília mandaria uma matéria que não era verdade. Por causa disso, segundo Etevaldo, o Evandro quase o demitiu e ele ficou com isso travado na garganta. Ficou pior a emenda do que o soneto, porque o Etevaldo confessou que foi uma vingança. Eu me dou bem com ele hoje, mas foi uma idiotice e também um negócio mal-intencionado.

PLAYBOY- Essas histórias o irritam mais ou menos do que ser chamado de eterno porta-voz?

GARCIA- Eu fico sabendo que nos comitês de imprensa, eu entro no Jornal Nacional, os jornalistas dizem: “Olha o cascateiro”. Aí, no jornal de 24 horas depois, eles são obrigados a confirmar o que eu disse. Eu fico muito feliz quando dou uma notícia no jornal de sexta-feira à noite que é confirmada na segunda-feira. Reclamam que a Globo deu alguma coisa em primeira mão. Deu, sim, mas não porque o presidente ligou para mim. Deu porque há dez dias eu venho ligando para ele. Não concordo com essa história de eterno porta-voz. Ora, eu saio para a rua e não é isso que o povo me diz. Ouço o peão de obras, a empregada doméstica, e eles dizem que estão começando a acompanhar a política porque estou conseguindo explicar. Essa história de porta-voz é uma invenção paulistana. É especificamente na Folha de S. Paulo que se lê isso. Então, imagino que se um grupo de jornalistas vai jantar, se o assunto for esse, estão cagando regra a respeito da teoria do porta-voz. Mas o que eu vou fazer se ligo para o presidente da República, ele me fala uma coisa que ninguém sabe? Aí dizem: “Ele foi o porta-voz, foi ele que anunciou”. Isso é preconceito.

PLAYBOY- Você se considera discriminado por ter informação?

GARCIA- Veja só como são os preconceitozinhos. No dia em que estourou aquele comentário do desembargador Antônio Carlos Amorim, do Rio de Janeiro (sobre dinheiro da máfia italiana para um partido brasileiro), eu entrei à tarde no assunto. Tomei cuidado. Todo o mundo estava dizendo que esse partido era o PT. Os petistas todos me disseram que não vestiam a carapuça, queriam investigação. Eu mostrei todas as providências e manifestações e encerrei dizendo: “Embora todos, em princípio, considerem que um presidente de Tribunal não ia fazer declarações levianas no exterior, todo mundo acha melhor esperar para ele dizer se confirma ou não”. Foi uma matéria absolutamente neutra e imparcial. No dia seguinte, a Folha de S. Paulo escreveu (na coluna de televisão do jornalista Nélson de Sá): “Ora, foi por acaso; eu me escalei”.

PLAYBOY- Então você acredita que há preconceito contra você e a Globo?

GARCIA- O que se vende nesse tipo de crítica é a impressão de que tudo é decidido numa caverna escura, como se a gente ficasse procurando: “Qual é a sacanagem que vamos fazer hoje?”. E essa caverna não existe. São decisões técnicas, jornalísticas. Mas tudo bem. É bom que eu saiba o que os outros pensam.

PLAYBOY- É que impressiona esse seu jeito de contar as coisas como se soubesse o que acontece dentro da cabeça dos poderosos.

GARCIA- E eu não acerto? Eu errei alguma vez? Eu sei, por exemplo, o resultado de uma reunião que estará acontecendo daqui a pouco entre o ministro Fernando Henrique (a entrevista foi feita no final de março) e o Luiz Antônio Medeiros (presidente da Força Sindical). Eu falei ontem com o Medeiros e sei quais são as posições dele. Como eu também sei quais são as posições do Fernando Henrique, eu misturo as duas e sei qual vai ser o resultado da reunião. No final da reunião, eles vão concordar em estabelecer uma válvula de garantia para os salários, que na prática é um gatilho. (A reunião acabou não acontecendo.) Nenhum outro sabe que o resultado vai ser esse. Isso é ser porta-voz?

PLAYBOY- Você quase sempre é irônico quando fala dos colegas. Você não gosta de jornalistas?

GARCIA- Eu gosto de jornalistas, mas sou crítico do jornalismo. Acho quer a gente deve criticar para tentar melhorar. O denuncismo, por exemplo, nos levava ao limiar de um grande perigo, de a gente resolver substituir as instituições. De a gente resolver virar promotor público, juiz, policial. Acho que essa não é a função do jornalista. Sou crítico do chute, da cascata e, principalmente, da falta de cultura geral. De a pessoa escrever, por exemplo, que o Ômega é um carro da Volkswagen...” E está escrito com “W” no começo! (Vai mostrando os recortes). Outra coisa que eu critico: o engajamento político. No começo da minha carreira, numa parada de 7 de Setembro, eu vi todos os repórteres fazendo um acordo para diminuir a quantidade de pessoas presentes. Já era transição. Não era mais aquela coisa do período Medici: “Vamos bater”. São coisas quixotescas, com consequências pífias, que só pegam mal para a credibilidade da gente. Toda vez que vou fazer uma palestra aparece alguém recordando que deu uma entrevista e depois saiu outra coisa.

PLAYBOY- Você já foi vítima de algum grande erro?

GARCIA- Processei um jornalista e o sindicato aqui de Brasília e ganhei. Faz uns quatro meses. Esse jornalista escreveu para o sindicato um livro chamado História do Jornalismo em Brasília, e numa parte do livro, ele disse que eu fui demitido porque posei nu para uma revista masculina, depois de ter assediado todas as secretárias do Palácio do Planalto. Eu peço para retirar o que ele diz, porque seria repercutir a ofensa na PLAYBOY. Entrei na Justiça. Tiveram de se retratar porque na tal fotografia eu estava de bermuda. Fui atender ao telefone, ao lado da cama, e o fotógrafo aproveitou para jogar um lençol em cima de mim e fazer a foto. Por baixo do lençol, eu estava de bermuda. A edição do livro que passou a ser distribuída a partir de então tem um carimbo em cima, apagando aquelas linhas. Mas boa parte dos livros já estava circulando. Aí, o pessoal de uma paróquia do Lago Sul queria me convidar para uma palestra, mas uma jornalista que tinha lido o livro protestou: “Esse cara não. Ele posou nu. Como pode trabalhar para a Igreja?”. Uma coisa terrível.

PLAYBOY- Do jeito que você fala, parece achar que muitos colegas também não gostam de você.

GARCIA- Eu sei que tem muita gente aqui em Brasília que tem um pouquinho de preconceito contra mim porque eu nunca quis trabalhar em pool (quando os jornalistas de veículos diversos dividem todas as informações apuradas). Eu confesso que eu adoro essa coisa de foca, de dar primeiro. O meu jornalismo é o do modelo anos 40 nos Estados Unidos. Sair correndo. Já no meu primeiro dia de profissão, estava todo o mundo lá combinando o número de vítimas de um acidente. Eu decidi: “Eu vou contar para ver quantos pés tem aí. Se errar, vou errar sozinho. Mas se acertar, vou acertar sozinho também”. No Palácio, Congresso, Ministério da Fazenda, quando eu cobria lá, era aquela coisa de trabalhar junto e falar mal de quem se esgueira pelos corredores para conseguir algo exclusivo. Quando sou furado, admiro o sujeito que me furou. Quero ser como ele. Passou a perna em todo mundo (entusiasmado). Evito os lugares onde se fala mal desse tipo de profissional. Há uns quinze anos, estive numa festa que em ajudou a me afastar um pouco da comunidade jornalística. Achei a coisa muito bagunçada. Metade estava bêbada e a outra metade eu não sei o que que estava...

PLAYBOY- A metade que não estava bêbada não estava boa?

GARCIA- Não estava boa, mas eu não sei o que estava (no carro, a caminho de casa, disse que essa metade estava drogada). Eu não sei como é hoje. Não tenho a menor noção. Acho que o pessoal se reúne contando coisas que atrapalham o trabalho depois. Prefiro não estar nesses lugares. Podem até dizer que isso é isolacionismo, mas aqui na Globo, no meu trabalho, não estou nem um pouco alienado. Se eu tivesse 20 anos, talvez eu fosse lá para falar abobrinha, leréia. O (Fernando) Gabeira (da Folha de S. Paulo, na época) veio a Brasília e descobriu que os jornalistas daqui resolvem os problemas do país no bar, depois escrevem sobre o que falaram no dia anterior e ainda acreditam neles próprios.

PLAYBOY- Você conhece um apelido que corre na praça: “Alexandra da CIA”?

GARCIA- Alexandre da CIA? Nunca ouvi falar. É um bom trocadilho, mas é uma coisa tão idiota. A justificativa para esse tipo de coisa é que eu nunca me curvei à patrulha de esquerda, que havia numa época. Eu gozava essa turma. Talvez a patrulha que gostaria de ser intelectual tenha resolvido se vingar. Lembro que uma vez, durante uma greve, estava entrando ao vivo e um piquete de jornalistas se colocou atrás de mim, para aparecer na TV com cartazes, e eu morri de rir. Aquilo era ridículo. Eu não posso botar ridículos no ar. Cheguei a encenar uma gravação ressaltando o direito de trabalhar. Era uma greve de empregados. Eu era chefe. Então já começava por aí: não podia entrar em greve. E eu falei que as pessoas que cerceiam o direito ao trabalho não passam de camisas-pretas. E olhava para trás e ria deles, que não sabia o que era camisa-preta (sinônimo de fascista). E acrescentava: “Parece que estão gritando na Piazza del Pòpolo”.

PLAYBOY- Como você faz para garantir exclusividade? Vive encontrando suas fontes?

GARCIA- Não, eu telefono para a fonte.

PLAYBOY- E um sujeito pode virar fonte por telefone?

GARCIA- Vira. Estou em Brasília há dezoito anos. O sujeito me vê todos os dias na televisão. Passei a ser familiar. Por exemplo: o José de Castro (presidente da Telerj e conselheiro do presidente Itamar Franco). Nunca almocei com ele, nunca estivemos juntos numa festa. Encontrei com ele outro dia no elevador, numa posse de ministro. Eu já o conhecia por fotografia; ele me conhecia da TV. Nos abraçamos e conversamos como se fôssemos velhos conhecidos. Outro caso: o presidente. Estive com ele uma vez, num jantar na casa do (jornalista) Carlos Chagas, quando estava começando esse governo. E nunca mais. Mas quando vai sair ministro eu fico ligando para ele, para a gente dar em primeira mão.

PLAYBOY- E ele sempre atende?

GARCIA- Sempre que pode. Parei de dizer isso na televisão. Aí a crítica valeu. Ficavam escrevendo nos jornais, fazendo gozação, porque eu contava que o presidente me disse alguma coisa. Parei de dizer. Eu citava isso como crédito. Agora as pessoas acostumaram: quando digo que vai acontecer isso ou aquilo, acontece. Mas não é o presidente que me liga. Eu é que corro atrás dele. Esse é uma coisa mais frequente neste governo. No governo José Sarney eu ligava só em último caso, porque havia outras fontes que eram suficientes. Itamar centraliza muito as decisões. Collor, embora fosse centralizador, era muito imperial, se mantinha muito distante.

PLAYBOY- Qual a melhor fonte da sua carreira?

GARCIA- As fontes mudam tanto. Os jornalistas são os cobradores e os motoristas daquela frase famosa que diz que quase tudo na vida é passageiro. As fontes são os passageiros.

PLAYBOY- Atualmente, é o presidente Itamar Franco?

GARCIA- Nas decisões do Executivo, sim. Mas, lá no Congresso, é difícil definir quem é hoje a melhor fonte, porque as lideranças estão muito soltas. Você fala com todos os líderes e não sabe o que vai acontecer. Eles decidem que vão começar a trabalhar às 6 de uma segunda-feira, e no mesmo dia isso rui. Achar que existe uma melhor fonte é um cacoete do governo militar, quando bastava conversar com o Golbery e ele sabia tudo. Quando perguntava o que ia acontecer dali a dois meses ele sabia. Porque sabia qual era a intenção do governo, o que umas pessoas iam fazer, como as outras iam reagir, e via, se misturasse tudo, o que ia dar.

PLAYBOY- É verdade que você faz a agenda do governo, marca o horário para que sejam anunciadas decisões importantes?

GARCIA- Não é verdade. Só uma vez eu fiz um apelo para o ministro Sidney Sanches (então presidente do Supremo Tribunal Federal). Expliquei que só poderíamos entrar ao vivo depois de determinada hora porque não tínhamos canal de satélite. Pedi para ele fazer o anúncio um pouquinho mais tarde. Aí estava todo o mundo sentado, a imprensa toda, porque era um anúncio importante. Ele olhava para mim e fazia assim (meneia a cabeça, como quem pergunta se está tudo bem). Eu olhava no relógio e fazia um sinal discreto com a mão, para ele esperar. Quando fiz o positivo, o ministro quase que deu boa-noite aos telespectadores (risos).

PLAYBOY- E o que acontece quando você diz o que suas fontes não gostariam de ouvir?

GARCIA- O (ministro Henrique) Hargreaves (chefe da Casa Civil da Presidência) ficou um tempo enorme sem falar comigo por causa de uma notícia de desentendimento dentro do palácio. No dia da saída do Elizeu Rezenda (ministro da Fazenda no início do governo Itamar Franco), falei com ele depois que a carta de demissão tinha sido entregue. Ele me disse que não tinha carta nenhuma e eu acreditei. Depois disso, também fiquei sem ligar para ele. Ás vezes também dá para ficar temeroso. Depois do Carnaval, publiquei um artigo misturando coisas. O título era “As calcinhas e a CNBB” (Conferência Nacional de Bispos do Brasil). Aí eu mesmo decidi que era melhor ficar um tempo sem falar com o presidente. Conhecendo o presidente, achei melhor assim para que a gente não tivesse...(hesita)...bem, eu não posso chamar de discussão, porque um repórter não discute com o presidente da República. Eu teria de deixa-lo desabafar e ficar quieto, naturalmente...

PLAYBOY- Um repórter não pode discutir com o presidente nem quando o presidente está mentindo?

GARCIA- Não. Discutir, não. Deixa o presidente mentir. Depois a gente vai escrever que está mentindo (risos). Uma única vez vi um repórter contestar o presidente Ernesto Geisel, por brincadeira, e ele ficou furioso. Foi numa entrevista a bordo do trem-bala, no Japão. O Leonardo (Motta Netto, então repórter do Jornal do Brasil) disse que estávamos numa ditadura, referindo-se às normas do Humberto Barreto (secretário de imprensa), que estava atrás do presidente. Só que o Geisel não gostou nem um pouco da brincadeira. Eu acho que não discutiria com o presidente por uma questão de respeito. É a instituição. Se a instituição está mentindo, não vou ficar batendo boca. Nessa situação eu viro conselheiro do presidente. E aí já começa a ficar conversa de compadre. É perigoso.

PLAYBOY- Tem censura na Globo?

GARCIA- Na Globo não tem, mas em mim tem. Eu pego o Ibope e vejo que 80% dos televisores estão ligados no Jornal Nacional. Isso dá uns 60 milhões de pessoas. Eu tenho que pensar 100 vezes antes de dizer alguma coisa. Eu não posso dizer algo irresponsável, que faça com que no dia seguinte encostem o ônibus aí na frente e comecei a quebrar o Congresso.

PLAYBOY- Essa censura já o levou a deixar de dar alguma notícia ?

GARCIA- Não. MA a cuidar da forma de dar a notícia, sim. No dia em que o (então ministro da Justiça) Maurício Correa anunciou aquele golpe militar que supostamente haveria, eu encontrei uma maneira de dizer que o ministro estava sendo irresponsável. Passou a época de fazer ameaças com os militares. Mas encontrei uma maneira que não ofendesse o ministro da Justiça. Se eu todo dia entrar dizendo “olha o Congresso vazio, olha o plenário vazio, esses caras são preguiçosos, são vagabundos”, depois de uns dez dias vai ter algum sargento lá no interior do país que vai ficar com vontade de fechar o Congresso. Como entro em assuntos delicados, tenho de tomar cuidado para não ajudar a dar uma rasteira no Poder Legislativo. Não vejo nenhum perigo de golpe militar, mas é melhor não ficar provocando. Não digo em relação aos militares, mas provocando a ira da população. Em Brasília já houve quebra-quebra, no badernaço de seis anos atrás.

PLAYBOY- Esse cuidado todo não deixa a impressão de que a televisão reage muito devagar? No caso do Fernando Collor, por exemplo, na campanha e no começo do governo, você estava sendo cuidadoso ou também foi enganado?

GARCIA- Eu não, mas ele enganou muita gente. Enganou mamãe. Ela me disse que ia votar no Collor. Eu disse para ela: “Eu vejo no vídeo, nos comícios, isso não é certo”. O jeito que ele esbravejava, com os olhos saltando da órbita. Eu aconselhei minha mãe a não votar nele, mas acho que ela votou.

PLAYBOY- Seu livro Nos Bastidores da Notícia foi impresso bem perto da posse do Collor. Ele termina insinuando que poderia vir pela frente um período de modernidade, um bom período...

GARCIA- Não. A intenção que eu tive foi dar um tom de aviso. Não vou dizer de ameaça, mas o tom é esse. O livro termina com uma pergunta que fiz ao Collor: “O senhor é um jovem. Portanto, se fizer porcaria, vai ter o resto da vida para pagar. Seria isso uma garantia de que o senhor não vai fazer porcaria?”. Até acho que fui profético. Ele fez a porcaria e terá que pagar pelo resto da vida. Collor já decepcionou logo no primeiro dia, com uma atitude ditatorial, infelizmente apoiada pelo Congresso. Embora eu tenha sido confiscado, não há crítica nenhuma ligada à questão pessoal...

PLAYBOY- Em quanto você foi confiscado?

GARCIA- Era cerca de 1 milhão de...(hesita, risos). Não lembro qual era a moeda da época (cruzado novo). Era a poupança que eu tinha para tocar uma casa que estava construindo. Mas a minha questão pessoal não conta. O que eu quero ponderar é a burrice de estratégia política – sujeito que foi eleito com 35 milhões de votos dar uma paulada nos seus eleitores. Também o Plano Cruzado, para mim era óbvio que estava destinado ao fracasso. Mas pessoas saíram á rua, no período mais stalinista da História brasileira, prendendo gerente de supermercado.

PLAYBOY- É curioso que os seus comentários na televisão nunca tenham refletido com tanta convicção esse seu ceticismo nesses momentos. Isso acontece por quê?

GARCIA- Isso está relacionado ao fato de que a minha opinião pessoal não conta. Sou um comentarista dos fatos. Não sou um editorialista. Eu interpreto os fatos e fim. De que interessa a opinião pessoal do repórter para as pessoas? Eu quero ser veraz e não quero misturar opinião pessoal com interpretação. Caso contrário, vou acabar pensando que sou mais importante que as notícias. E não sou.

PLAYBOY- E nesses fatos que você interpretava não havia nenhum que indicasse a roubalheira do governo Collor?

GARCIA- Confesso que cometi um erro de repórter. Quando estava fazendo minha casa, comprei grama para botar no jardim. O sujeito queria me cobrar na época 2.500 ou 2 milhões e quinhentos, não sei. Pedi desconto e ele contou que estava vendendo a mesma grama para a Casa da Dinda por cinco vezes mais o metro quadrado. “Lá ninguém controla”, ele disse. E eu, repórter, falhei porque achei que era falta de tempo do presidente para cuidar disso ou que estavam roubando do presidente. Não me deu o estalo de achar que por trás disso podia haver alguma coisa, como depois apareceu na CPI.

PLAYBOY- Então você só soube da bandalheira quando ela apareceu na imprensa?

GARCIA- Bom. Só para citar o exemplo de outra falha minha. Quando se falava do Bernardo Cabral com a Zélia (Cardoso de Mello), eu dizia que era impossível: ministro da Justiça com a ministra da Economia? Eu não conseguia botar isso na cabeça. Não acreditava. Já sabia quem era Bernardo Cabral, mas não levava em conta. Um jornalista deve ser cético, né? Eu podia ter sido um pouco mais desconfiado naquela situação. Mesmo do Collor, eu tinha uma série de evidências, mas só depois que as coisas apareceram preto no branco, na CPI, é que tive certeza. Sei lá, é aquela formação da gente de achar que as pessoas são inocentes até prova em contrário. Me desculpem, mas acho que essa é uma formação democrática. Quem acha que as pessoas são culpadas até que provem ser inocentes é fascista, e geralmente os que se dizem democratas usam métodos fascistas e stalinistas. Isto é um truísmo: a pessoa é inocente até prova em contrário.

PLAYBOY- Por que escândalos como o do Collor ou da Comissão de Orçamento não são puxados pela televisão?

GARCIA- Eu acho que é possível a televisão dar furos como esses, mas ela mal tem tempo para correr atrás do dia-a-dia e dar esses fatos em quarenta segundos, um minuto. A televisão faz matérias investigativas, mas está sempre comprimida pela falta de tempo. Ontem mesmo a gente tinha matéria sobre falta de recursos para bombeiros em Brasília, o que poderia causar uma grande tragédia, mas houve o sequestro do cardeal de Fortaleza e caiu. Eu acho que televisão faz isso também, mas os jornais têm mais espaço, têm mais tempo.

PLAYBOY- Mas você teria dado na TV a entrevista do Pedro Collor dizendo que o irmão roubava...

GARCIA- Eu acho que ia esperar provas...

PLAYBOY- Ou ainda a entrevista de um sujeito suspeito de ter matado a mulher dizendo ter recebido dinheiro de integrantes da Comissão de Orçamento?

GARCIA- Isso eu acho que nós demos praticamente junto com a VEJA. Agora, aí depende do caso. Se aparecer um sujeito aqui e me apresentar denúncias, vou ter que avaliar para ver se ele não é maluco, se ele é sério, se ele tem provas concretas...

PLAYBOY- O Pedro Collor não tinha provas e falou cinco páginas...

GARCIA- Pois é. Na televisão, para falar cinco páginas, ele teria que ir para um talk show (risos). Então esse é o problema da falta de espaço. Se bem que esse é um assunto em que se tem que avaliar caso a caso. Não consigo falar sobre hipóteses. Posso ter entrado pelo cano por denúncias menores, no trânsito, por exemplo. Então é preciso muito cuidado com isso. E principalmente na televisão, em que a gente rasga o travesseiro de penas no alto da torre diante de 60 milhões de pessoas.

PLAYBOY- Você já recebeu algum recado do Roberto Marinho sobre a cobertura política?

GARCIA- Para mim nunca mandou recado. O meu diretor é o Alberico (Souza Cruz, diretor da Central Globo de Jornalismo). A orientação dele sempre foi: “Vamos cobrir os fatos”. Ainda há pouco foi feita cobertura ampla de uma reunião de líderes sindicais. As pessoas que ficam sonhando coisas a respeito da Globo reclamam que o (Jair) Meneguelli (presidente da Central Única dos Trabalhadores, a CUT) não entra. Ora, estava lá o Meneguelli. No Jornal Nacional.

PLAYBOY- Você conhece o Roberto Marinho pessoalmente?

GARCIA- Estive com ele umas duas ou três vezes, mas sem oportunidade de conversas longas. Almocei com ele, já faz uns seis meses, junto com um grupo de jornalistas da Globo. Conversamos muito sobre...(hesita). Não vou falar de assuntos gerais, porque vai parecer que eu estou querendo esconder alguma coisa. Mas o doutor Roberto Marinho falou muito da vida dele, do lado italiano que ele tem, o lado materno. Ele me fez a mesma pergunta em duas ocasiões: “Ninguém reclama da sua crônica?”. Eu disse: “O senhor está confirmando que ninguém reclama. Por que se fossem reclamar procurariam o senhor.

PLAYBOY- Ontem, a Globo teve de abrir espaço para uma réplica de Leonel Brizola, por ordem judicial. Você acha que esse raro direito de resposta concedido pela Justiça é positivo?

GARCIA- Não vou opinar sobre decisão da Justiça.

PLAYBOY- E sobre o texto do Brizola?

GARCIA- Eu não vi, estava dando entrevista a você.

PLAYBOY- E o editorial de O Globo contra o Brizola, de dois anos atrás, que deu início a isso tudo, você leu?

GARCIA- Não. Não.

PLAYBOY- Você evita ler e ver o que faz referência à casa por algum motivo especial?

GARCIA- Não é isso. É que tenho pouco tempo para dar conta das minhas coisas. Não posso ficar divagando com coisas que não afetam o meu trabalho. Agora mesmo, o pessoal do Ministério dos Transportes veio aqui dizendo que vai fazer uma campanha da paz na estrada. Eu disse que não é comigo. Indiquei alguém do departamento de relações públicas.

PLAYBOY- Na Manchete também era assim?

GARCIA- Na Manchete havia essa confusão, infelizmente. O Adolpho (Bloch) me pedia para ir junto com ele para fazer os pedidos no governo. Eu ia, ficava muito constrangido. O Adolpho era mais um empresário, não percebia as questões do jornalismo. Para ele, eu era mais um dos representantes dele em Brasília. Aqui na Globo, o representante dos interesses do doutor Roberto em Brasília se chama Toninho Drummond (diretor regional).

PLAYBOY- Como você ajudou os Bloch a ganhar a concessão de TV?

GARCIA- Eu estava em Bogotá, acompanhando a viagem do presidente Figueiredo para a revista Manchete. Ele me viu e disse: “Vocês não vão mais ganhar a concessão porque vão mostrar mulher pelada na televisão”. Aí o Oscar (Bloch) me pediu para insistir com o Figueiredo. Fui ao hotel na hora que o Figueiredo estava tomando café no quarto. Entrei lá, sentei com ele. Disse: “Olha presidente, o Oscar não dormiu a noite toda. Está preocupado e me pediu para vir dar garantias de que isso (mostrar mulher pelada) nunca vai acontecer”. Ele disse: “Está bom, eu sei. Ele dá garantias, mas depois bota” (risos).

PLAYBOY- Parece que ele acertou. Afinal, você saiu da Manchete dizendo que teve excesso de mulher pelada, não foi?

GARCIA- Foi. Fiquei chocado com a transmissão dos bailes de Carnaval, de 1988.

PLAYBOY- Mas você ficou mesmo assistindo o Carnaval madrugada adentro?

GARCIA- Não. Eu assisti à tarde. Era uma repetição de cenas da madrugada. Fiquei impressionado com as frases: “Olha a xoxota dela; vira a bunda pra cá; o que ele tem no meio das pernas?” Não sei quem era o apresentador, mas era linguagem muito chula.

PLAYBOY- Mas não foi você o sujeito que perdeu o emprego de porta-voz por ter dado uma entrevista liberada para a revista Ele & Ela contando seus sucessos sexuais?

GARCIA- Dizer que perdi o emprego dá uma ideia errada da situação, porque parece que eu estava agarrado ao cargo. Na verdade, fui empurrado lá para dentro. E o maior problema aconteceu com quem não tinha lido a entrevista, mas ouviu falar dela. Eu não contei intimidade sexual nenhuma. Sobre intimidades, eu até disse que essas são coisas que a gente guarda no cofre e joga a chave fora.

PLAYBOY- Você conta no seu livro que escreveu sua própria entrevista. Como isso é possível? Você deu entrevista para Alexandre Garcia?

GARCIA- Não escrevi. Eu reescrevi (risos). A entrevista foi feita e me foi entregue um original que eu tenho até hoje guardado aqui em casa, como prova de que existe uma versão diferente. Eu dei uma penteada...

PLAYBOY- Tirou ou acrescentou?

GARCIA- Tirei e acrescentei. Acrescentei algumas qualidades para mim (risos). Algumas coisas que achei que estavam muito sem graça eu tirei. Confesso que aquela entrevista é um pouco pedante mesmo, mas eu revisei.

PLAYBOY- E nem desconfiou que estava colocando sua cabeça na guilhotina?

GARCIA- O problema era uma divergência com o Said Farhat (ministro-chefe da Secretaria de Comunicação do governo Figueiredo) no tratamento do noticiário e com os jornalistas. Ele era mais formal. Eu era informal. Acho que o Farhat viu ali uma oportunidade de se ver livre de mim, porque não foi ele quem me escolheu. Eu tinha outro candidato. E foi imposto a ele o meu nome. Eu fui convidado e pensei muito até aceitar. Cheguei a dizer para o (então coronel) Rubem Ludwig (secretário de imprensa no final do governo Geisel e secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional no início do governo Figueiredo) que não ia aceitar porque o Farhat já começou dizendo que estava precisando de meu trabalho e achava que ia me convidar, quando eu já sabia que estava convidado.

PLAYBOY- Como o presidente reagiu à sua entrevista? Consta que ele disse que ficou com medo de tirar a calça na sua frente, depois de ter lido aquilo.

GARCIA- Disse mesmo. Numa viagem, estourou um tubo hidráulico do avião e ele teve de trocar a calça. Aí ele fez essa observação. O Figueiredo deixou claro que tinha visto toda a revista. Comentou que ficou muito impressionado com a história de uma loira que trepou com um negro na cozinha.

PLAYBOY- O Figueiredo gostava de comentar sacanagem?

GARCIA- Raríssimas vezes, mas lembro que depois de eu ser porta-voz ele disse que ia se matar porque não podia mais montar, nem fumar, nem trepar. Eu disse: “Bom, fumar e montar, tudo bem. Mas namorar, presidente?” E ele disse: “Mas com essa cara de jabuti, onde quer que eu vá todo mundo me reconhece” (risos).

PLAYBOY- Aquela passagem pelo governo, ensinou você a perceber quando os integrantes do governo mentem?

GARCIA- O pior é que não, porque já fui enganado. Quando era ministro da Justiça, o Bernardo Cabral me passou uma informação, eu pus a notícia no ar, e foi a última vez que eu confiei nele. Não lembro qual era a informação, mas ele me usou para fazer um balão-de-ensaio. Mas isso não acontece sempre. É coisa de cabotino ficar contando vantagem, mas acho que o respeito mútuo ajuda a fazer com que as pessoas não tenham coragem de contar mentira. Eu não peço nada, porque não posso dever favores. E não posso ter intimidade, porque tem de haver uma distância, uma garantia, digamos, sanitária.

PLAYBOY- Vamos falar de outros aspectos de sua carreira de porta-voz. Como era seu relacionamento com “as jornalistas maravilhosas” que estavam “a fim, forçando a barra”, segundo suas definições da época?

GARCIA- Isso saiu na PLAYBOY. Faz parte do meu período de bazófia, de contar vantagem. Um canto de cisne, no deslumbramento do limiar dos 40 anos de idade. Estou fazendo agora uma espécie de confissão. Na verdade, eu peguei um fato e generalizei...

PLAYBOY- E foi bom para você?

GARCIA- Não foi. Foi um exibicionismo idiota.

PLAYBOY- Na mesma linha: você ainda despacha manequins interessadas em você com “adeus, minha filha, que eu não sou objeto sexual”?

GARCIA- Não, não despacho mais (sem jeito). Hoje em dia isso é totalmente impossível de acontecer.

PLAYBOY- Era boa a vida de solteirão?

GARCIA- Foi, na época. A vida de casado, para mim, é muito melhor que a de solteiro. Talvez até eu tenha vivido com 30 anos o que devia ter vivido com 20. Não sei por que isso aconteceu. Mas, felizmente, eu vivi esse período. Já pensou eu chegar aos 60 e descobrir que ainda precisava viver algumas experiências? Seria um caminho talvez ridículo.

PLAYBOY- Mas, enfim, naquele período em que falava pelo governo, você era ou não bastante assediado?

GARCIA- Se eu der uma volta sobre as coisas que acontecem em Brasília hoje, você que aquilo era fichinha. Eu era um aprendiz. Claro que aquele era o período da abertura (risos). As coisas eram novidade. Hoje virou rotina.

PLAYBOY- Você virou um crítico da desinibição sexual de Brasília?

GARCIA- Não exatamente. Sou um crítico do uso irresponsável do poder misturando-se com assuntos sexuais. Sou crítico da leviandade sexual. Eu, por exemplo, acho criticável uma cena como a do deputado que estava no gramado da Câmara dos Deputados com uma jornalista e tiveram suas roupas furtadas. Ficaram os dois pelados lá. (O caso envolve um ex-deputado e uma jornalista paranaenses e ambos negam que o episódio tenha ocorrido). Acho que é escandaloso um deputado fazer isso na porta do Congresso.

PLAYBOY- Os poderosos que você entrevista suas intimidades?

GARCIA- Não. Quando o sujeito sugere alguma coisa, dizendo que eu era conquistador, dou um gelo imediato. Faço questão que a pessoa perceba que não vejo nenhuma vantagem em ser um conquistador. Também não conto piadas com fundo sexual para autoridades, para não criar intimidade.

PLAYBOY- Mas você ouve muita coisa?

GARCIA- Ouço. É impressionante. As pessoas que acham que fazem segredo em Brasília estão muito enganadas. Não existe segredo. Não sei se é assim em Washington, mas aqui todo o mundo sabe da vida de todo mundo. Quem não quiser que os outros saibam, que não faça. Não são coisas que causam espanto. Encaro com frieza jornalística. É bom que eu saiba, porque, se um dia precisar usar jornalisticamente, ou se isso puder ser um elemento de avaliação sobre alguma pessoa ou fato, tenho os elementos para falar.

PLAYBOY- Conte uma história dessas.

GARCIA- Quando não tem provas, o jornalista sensato não fala em nomes.

PLAYBOY- O fato de ter mudado do jornalismo impresso para o vídeo aumentou seu sucesso com as mulheres?

GARCIA- Também não. Quando eu comecei na televisão, já fazia três anos que conhecia minha mulher. Estávamos em vias de casar. E quando a conheci foi uma mudança do dia para a noite. Passei quarenta anos procurando. Depois de ter achado, eu brincava com ela, dizendo que ela venceu uma concorrência pública. A brincadeira seguinte foi: “Você me salvou da Aids”.

PLAYBOY- Então vamos recordar seu primeiro lance nessa concorrência pública. Que idade você tinha?

GARCIA- Eu era um menino de 13 ou 14 anos. Morava em Estrela (RS). Aí, um amigo mais velho chegou: “Olha, lá na esquina tem uma empregada e a amiga dela”. Eram a Tuti e a Lourdes, eu e o garoto. Minha única saída noturna era para ir ao açougue e fui para lá. Fui umas duas vezes. Ela trabalhava na casa de um professor e pastor evangélico. Deve ter achado muito divertido ter encaminhado um menino. Ela tinha 29 anos. Eu contei essa história uma vez. A consequência de ter contado é que uns amigos da época passaram a me ligar, para dar sustos: “Olha, a família da Tuti não gostou do que você disse. Parece que ala já é avó”. Estrela tem uma máfia de gozadores que vivem para isso. Diziam que a Tuti estava entrando com um processo contra mim. Mas eu é que podia processá-la, porque eu era menor de idade. Ela é que me seduziu (risos).

PLAYBOY- Você se casou três vezes oficialmente?

GARCIA- E         u me considero que me casei três vezes, duas oficialmente. Até encontrar a Jô, em 1981, não acreditava que fosse me casar de novo. Eu lembro que, dois anos antes de conhece-la, uma mulher leu a minha mão, disse que eu teria três filhos e que o verdadeiro amor da minha vida estava na Europa. Eu imaginei uma sueca, loura, de 1,90 metro, olhos azuis. E era a Jô (goiana, morena, 1,72 metro, olhos castanhos), que morou na França durante muitos anos.

PLAYBOY- Você acredita em quiromantes?

GARCIA- Não, mas foi uma bela coincidência. Porque hoje eu tenho três filhos. Provavelmente não vou ter mais porque fiz vasectomia. E meu verdadeiro amor estava na Europa.

PLAYBOY- Se não acredita, por que foi ler a sorte?

GARCIA- Não, não fui. Era a amiga de uma amiga minha que veio a Brasília. A gente jantou junto. Ela disse que lia mãos e eu pedi para ler a minha. Foi uma coisa de improviso. Tem também uma vizinha da minha mãe que lê a sorte. Um dia minha mãe a chamou e ela leu a sorte da gente. Na época, já tínhamos a menina, e ela disse que nós teríamos também um filho homem, que eu sairia da Manchete e que viajaríamos para o exterior. E disse que estava vendo a perda de um membro da família, não sanguíneo, de morte violenta. Meses depois, o marido da irmã da minha mãe  morreu atacado por um enxame de abelhas. Coincidência ou não, as previsões aconteceram. E sempre lendo a mão.

PLAYBOY- E você passou a fazer isso toda semana, claro...

GARCIA- (Risos) Não. Nunca mais.

PLAYBOY- Você é católico?

GARCIA- Eu vou à missa com alguma frequência, de domingo à tarde. Não comungo.

PLAYBOY- E você pede coisas para Deus? Faz promessas?

GARCIA- Quando estou no aperto, sim. Tenho uma promessa que eu fiz a mim mesmo, não a Deus, e acho que me puniria se não cumprisse. Não tenho que paga-la a Deus. É uma promessa de conduta pessoal.

PLAYBOY- É fácil ser religioso?

GARCIA- Não sou religioso, no sentido comum. Na minha religião eu discuto com o padre. Briguei com o padre da minha cidade, no último Natal. Tivemos uma polêmica pelo jornal de lá porque a igreja local foi dilapidada. A Matriz, com mais de 200 anos, no estilo clássico, tinha quatro altares laterais esculpidos em madeira, pintados a ouro, com abóboda lindíssima. Foi convertida num auditório profano, com teto rebaixado, cheio de alto-falantes, cheio de propaganda política. Eu reclamei.

PLAYBOY- A ação social da Igreja incomoda você?

GARCIA- Acho que a Igreja deve deixar os partidos políticos fazerem sua função porque a raiz da nossa crise é moral. E a matéria-prima da religião é a moral. Então a religião é muito responsável pela crise moral brasileira. Como a religião está cumprindo papel de partido político, os políticos não estão se preocupando com os problemas sociais como deveriam. Também quero uma Igreja, para usar o termo dela, aggiornata. Ela tem que se atualizar. Mas como é que o papa diz uma coisa e isso é mudado? O dia em que saiu a pastoral da família eu disse que o papa acertou na mosca. O papa disse: “A família é a medida de todas as coisas”. Aí a CNBB entra com um negócio que não tinha nada a ver.

PLAYBOY- E você ainda encontra essa Igreja que gosta em algum lugar?

GARCIA- Encontro sim. Aqui, a paróquia do Lago Norte, por exemplo. Não tenho nenhuma queixa a fazer. Ao contrário. Está sendo feita uma igreja. Eu contribuo para as obras. Mas teve um negócio que eu fiquei preocupado: procurei logo ver a planta, queria ver se ia ter torre (risos). Até agora não fizeram. Já imaginou uma torre com sinos? (empolgado). Aqui não se ouve sino de igreja. Lá em Estrela, uma de nossas travessuras era subir na torre da igreja. E o padre morava em frente à praça. Ele corria para a igreja e fechava a porta. Então nosso castigo era ter que ouvir o sino de perto. Peimmmm! (imita). O medo da garotada era estourar o tímpano. Não chegava a isso, mas a gente ficava apavorado na hora das badaladas.

PLAYBOY- Mas você não fez, no tempo de estudante, um poema para dom Hélder Câmara, um bispo preocupado com a questão social?

GARCIA- Isso foi no primeiro ano da faculdade. Deixa eu ver: “Cuidado dom Hélder,/ estão matando os heróis do novo mundo:/ Luther,/ Kennedy,/ Guevara”. Começava assim. “Cuidado dom Hélder,/ Mas cuida, primeiro, / do pobre posseiro,/ que continua/ - hoje, maio de 1968 - / açoitado, perseguido e morto.” Era um manifesto democrático-libertário em defesa dos oprimidos. Essa foi a poesia política, digamos. Mas eu fazia mais poesia para as meninas da aula. Fiz uma assim (recita): “Calandra musa/ musa calandra/ pobre de rima/ pobre de mim”. A menina se chamava Glória. Eu fazia um trocadilho, “Glória nas alturas”, mas não lembro da poesia toda.

PLAYBOY- E a cantada poética pegou? Deu para tirar a Glória das alturas?

GARCIA- Não. Foi um amor platônico a vida toda (ri e se corrige). A vida toda, não. O ano inteiro. Meu amor do primeiro ano foi absolutamente platônico.

PLAYBOY- Você estava bem maduro quando foi para a faculdades e acabou retornando para o jornalismo, não foi?

GARCIA- É. Tinha 26 anos, por aí. Fui presidente do Centro Acadêmico, na época, segundo ano, foi um período difícil, 1968, 1969. Lembro que eu era chamado ao Dops de vez em quando. Isso as pessoas não falam, quando falam de mim. Tinha sido presidente da aula (líder da classe). No último ano, o Jornal do Brasil decidiu botar uma vaga de estagiário à disposição da faculdade. A escolha devia ser feita pelo voto. Aí, eu avisei meus eleitores: sou candidato. Fui eleito, tranquilo.

PLAYBOY- Mas você continuou empregado do Banco do Brasil. Não era melhor, para um jornalista, desligar-se de um emprego público?

GARCIA- Era. Tanto que pedi demissão. Mas o Nestor Jost (presidente do banco na época) me chamou e rasgou o pedido: “Não, você tirou primeiro lugar. Não pode sair. Você fica de licença”. Eu fiquei de licença, sem remuneração e pagando a Previdência Social sozinho. Fiquei quase dez anos assim. Depois, quando o banco precisou de alguém para fazer um jornalzinho interno, eu disse que podia, desde que fosse por tarefa. Eu não podia ter horário.

PLAYBOY- Qual era sua função no banco quando o Nestor Jost rasgou sua carta de demissão?

GARCIA- Eu era escriturário.

PLAYBOY- E como é que você teve contato com o presidente do banco?

GARCIA- Eu mandei a carta, e ela foi para a direção do banco, que era no Rio. E o Nestor Jost ia muito a Porto Alegre.

PLAYBOY- Ele conhecia você?

GARCIA- Não. Mas ele recebeu a carta e alguém deve ter informado que eu estava no jornal. Um assessor dele me disse, lá no banco, que o Nestor Jost estava em Porto Alegre e queria falar comigo. Fiquei de licença muito tempo. Depois fui fazer o jornalzinho do banco. Mais tarde, entrou videoteipe no banco e eu passei a gravar vídeos, dentro desse acordo. Fazia apresentação, até me aposentar, há quatro anos.

PLAYBOY- Uma vez, falando desse emprego, você comentou que fazia em duas horas o que muita gente levava oito para fazer, não é? Dê alguns exemplos de coisas que você faz tão depressa.

GARCIA- Esse jornal, por exemplo. Era feito por gente de dentro do banco, que não tinha experiência. Eu chegava lá e fazia os textos em uma hora. Então, em duas horas dava para fazer um jornal inteiro. O próprio vídeo, depois. Gravações que levariam o dia inteiro eu fazia em duas horas.

PLAYBOY- E não era o caso de você ganhar só por essas duas horas de trabalho?

GARCIA- Mas se fosse ganhar por duas, dentro desse raciocínio, eu ganharia até mais, cobrando como uma empresa do ramo. Na verdade, fiz mais trabalho ganhando menos. Acho que o banco saiu ganhando. Eu recebia por mês menos do que ganhava por uma palestra de duas horas.

PLAYBOY- Você acha que o Banco do Brasil é privatizável?

GARCIA- Não sei. Não tenho opinião sobre isso. O que tenho ouvido do presidente e do ministro da Fazenda é que o governo precisa ter um banco. Tanto que não se falou até agora da privatização do Banco do Brasil.

PLAYBOY- Se fosse privatizado, o que acha que devia ser feito com outros funcionários encontrados na situação que você viveu dentro do Banco do Brasil?

GARCIA- O melhor era chamar e conversar com eles. O novo proprietário deveria discutir a possibilidade de acordo: quer ou não quer?

PLAYBOY- Ou seja, sai ou fica e dá expediente integral.

GARCIA- Não sei. Podia discutir se ele quer continuar recebendo o que ganha, como empregado, ou se quer receber como autônomo para fazer dois vídeos por mês, se for o caso.

PLAYBOY- Fora do Banco do Brasil, você também faz em duas horas o que os outros levam oito para fazer?

GARCIA- Além de dirigir o jornalismo em Brasília e entrar com minhas reportagens locais e no Jornal Nacional, eu tenho uma coluna distribuída para 52 jornais, faço comentários para a Rádio Gaúcha e tenho a crônica dos bastidores do Fantástico.

PLAYBOY- Como são obtidas as imagens para a crônica?

GARCIA- Os cinegrafistas, e isso é a base de tudo, estão atentos ao trabalho deles e àquilo que acontece em paralelo também. Se alguém está dando entrevista, tropeça e cai, o cinegrafista continua com o trabalho dele. Mas ele não percebe o escorregão que a pessoa está dando durante uma entrevista. Aí precisa da produtora, da editora que fica vendo as fitas e separa as imagens que eu posso usar ou não. Digamos que ela separa trinta imagens na semana e eu seleciono umas oito. Nada é de propósito. Não existe isso de mandar o cinegrafista lá para a galeria da Câmara, para ficar de olho nos deputados. O que vai para a crônica é subproduto da cobertura diária.

PLAYBOY- Parodiando Roberto Marinho, ninguém reclama de ser exposto na crônica?

GARCIA- É raríssimo. Eu tive uma reclamação do Fernando César Mesquita, quando era porta-voz do Sarney. Ele até me desafiou a botá-lo na crônica cantando e dançando “Eu sou da mamãe”. Cantou e dançou na frente da câmera. E eu botei aquilo no ar (risos). Depois disso, teve uma deputada do Espírito Santo, a Rose de Freitas (PSDB), que me disse que uma imagem da crônica acelerou a separação dela. Ela aparecia abraçada com o Bernardo Cabral, que naquele tempo não tinha fama. Eu peguei uma cena em que ela dá beijinho no Bernardo colocando uma pasta na frente. E nós aproveitamos para escrever na pasta “The End”, como em final de filme americano. Ela me disse que chegou em casa e o marido já estava de mala pronta para ir embora. Mas a culpa não foi da crônica. Se era um casamento que podia acabar por uma coisa tão pequena, não valia a pena continuar. Há também há quem reclame por não aparecer.

PLAYBOY- Quem, por exemplo?

GARCIA- O (deputado) José Lourenço (PFL-BA) uma ocasião me procurou: “O que você tem contra mim que eu não saio na crônica?” Expliquei que ele não tenha feito nada que pudesse entrar. No dia seguinte, no meio de um discurso, ele arrancou o microfone e o atirou no (senador) Iran Saraiva (PMDB-GO), que anda numa cadeira de rodas. Eu liguei para ele dizendo que não precisava exagerar (risos). Quando eu dei a minha grande gafe, chamando o Collor de rei do Brasil, durante a visita do príncipe Charles, o Alberico me ligou: “Quero ver você agora botar o seu erro na crônica”. Então, no domingo, repeti a cena da gafe e disse que em pelo menos um lugar de Brasília meu erro causou profunda satisfação: na Casa da Dinda (risos).

PLAYBOY- Há pouco tempo, a Lilian Witte Fibe entrou depois de uma notícia sua dizendo: “Não é bem assim”. Ou seja, recauchutou o que você disse. Isso o incomodou?

GARCIA- Não. Eu vi no ar, ao vivo, e fui dormir depois muito tranquilo.

PLAYBOY- Mas era bem assim, como você tinha dito, ou não era bem assim, como ela disse?

GARCIA- Eu não sei se era assim ou não era. Era a opinião dela. O que eu disse na época é que os bancos seriam afetados pelo plano, porque ganhavam muito com a inflação. E, considerando que os bancários têm grande força dentro da CUT, era óbvio que a CUT faria força contra o plano. A Lilian tinha outras notícias a respeito do mesmo assunto e acrescentou a informação. Se ela continuar acrescentando, vai ser ótimo, porque as pessoas têm de receber todos os lados da informação. Mas posso garantir que ela não teve nenhuma intenção de brigar comigo no ar. Nós somos amigos há dezessete anos. E a nossa amizade não foi afetada nem vai ser por fofocas de jornal.

PLAYBOY- Qual foi a notícia furada que o Bernardo Cabral fez você dar?

GARCIA- Não lembro mais. Mas teve uma vez que eu me enrolei no ar. Estava em frente ao Palácio para entrar ao vivo na programação. Aí parou um carro, desligou as luzes. Não sei por que, imaginei: “Se esse cara quiser pegar um fuzil e me dar um tiro, sou alvo fácil”. Faltavam trinta segundos para entrar no ar. Quando entrei tinha esquecido o que ia dizer. Aí fiquei falando sobre as coisas que tinham acontecido naquele dia, meio sem rumo, até recordar o que ia dizer. Quando cheguei na redação, perguntei se os colegas tinham notado. E responderam: “Notar o quê?” Eu disse: “Porra, vocês não prestam atenção no que eu digo?” Na hora do vivo, tem dias que eu entro tranquilo e tem dias que entro nervoso...

PLAYBOY- Nervoso com quê?

GARCIA- Estresse, muito trabalho.

PLAYBOY- E nervosismo por causa de problema financeiro, você tem algum?

GARCIA- Não cuido do meu dinheiro. Se eu vou em preocupar com dinheiro, vou ter problema de desempenho no trabalho. A ministra da Fazenda da minha casa é minha mulher.

PLAYBOY- O jornalismo dá dinheiro?

GARCIA- Não é que dá dinheiro. O meu carro foi comprado num consórcio de sessenta meses. Não posso comprar um Ômega à vista. E a Elba da minha mulher foi trocada por dois carros antigos que eu usava até hoje. Acho que, dependendo da quantidade e qualidade do trabalho da gente, o jornalismo pode dar certa recompensa.

PLAYBOY- E isso, no seu caso, quer dizer quanto?

GARCIA- Ah, não sei. O suficiente para viver.

PLAYBOY- Na sua análise, o plano FHC foi bom para os assalariados?

GARCIA- Foi uma medida inteligente dolarizar os salários. Dali para frente não há perda. Dali pra trás é outro assunto.

PLAYBOY- Você considera o plano uma boa plataforma política?

GARCIA- Pode ser boa ou péssima. Depende de funcionar ou não. O plano tem 50% de chance de ser uma plataforma política e 50% de ser uma cova política. Então não pode ser levado em conta. Se eu fosse um estrategista político, não levaria.

PLAYBOY- Em quem você votou em 1989?

GARCIA- Não votei. Desse mal não posso ser acusado. Estava trabalhando no Rio de Janeiro. Como eu sabia que não ia votar, não me preocupei muito. Mas, se fosse votar, tinha simpatia pelo Mário Covas. Até preferia não aparecer dizendo isso, porque ele é candidato ao governo de São Paulo e pode parecer que estou fazendo apologia do nome dele.

PLAYBOY- O Fernando Henrique Cardoso também é tucano. Você o considera um bom candidato?

GARCIA- Não vou me manifestar sobre isso. Falei no passado, mas não vou falar no presente.

PLAYBOY- Quando o Fernando Henrique Cardoso ainda era um professor universitário, você, então porta-voz, falava numa certa “intelligentsia burra de esquerda”. O candidato do PSDB a Presidência era integrante dessa turma?

GARCIA- Não. Tive uma oportunidade de conversas com ele num voo de Brasília a São Paulo. Tinha um lugar vago e eu sentei ao lado dele, quando ele era ministro das Relações Exteriores. Quando cheguei a São Paulo, tinha formado uma opinião ótima dele. Eu nunca incluí o Fernando Henrique na esquerda burra. Aliás, as pessoas conhecidas de esquerda acho que não são da esquerda burra. Mas tem esquerda burra e direita burra. Se a gente for aceitar essa concepção de esquerda e direita. Esse negócio de divisão entre esquerda e direita é coisa de conservador. Aqui na Câmara tem pessoas tão modernizadas que poderiam estar na Europa, na Comunidade Europeia, e são chamadas de esquerda. Tiveram a clarividência de acompanhar o mundo. Se quiser citar nomes, cito Aloísio Mercadante (PT-SP), José Genoíno (PT-SP), Paulo Delgado (PT-MG), Sérgio Arouca (PPS-RJ), Augusto Carvalho (PPS-DF). Um monte de gente que não tem nenhuma diferença em relação aquilo que eu admiro em Margareth Tatcher.

PLAYBOY- Não tem exemplos de modernidade mais à direita?

GARCIA- Tem, tem. Eh...(hesita)...Está mais difícil. Sandra Cavalcanti (PPR-RJ)...Bom, se alguém chamar o (senador) Jarbas Passarinho (PPR-PA) de direita, eu cito ele também.

PLAYBOY- Você cancelou sua ficha de filiação ao PDS ou ela foi transferida automaticamente para o PPR?

GARCIA- Naquela época, assinei mesmo a ficha. Mas ela já está cancelada há muitos anos. Liguei para o partido, depois que saí do governo, e disse que aquilo não valia mais, que podiam cancelar. Tinha assinado a ficha a pedido do Golbery. Se hoje fosse assinar ficha de algum partido político, deixaria de ser jornalista no mesmo momento. Fizeram uma pesquisa aqui em Brasília e concluíram que eu era um bom candidato para o governo e vieram me pedir...

PLAYBOY- Quem veio?

GARCIA- Bom, o governador me ligou. Luís Estevão (empresário, amigo do ex-presidente Fernando Collor) me ligou. O presidente do PMDB esteve aqui. Disse para todos eles: no momento em que eu me inscrever num partido, rasgo meu diploma de jornalista e pelo demissão da Globo, porque não posso ser as duas coisas ao mesmo tempo. Não dá nem para ser simpatizante de um partido. Acho que é uma desonestidade para com as pessoas que acreditam na gente. Mas não tenho nada a ver com os quer tomaram esse caminho. Problema pessoal deles.

PLAYBOY- Quem é o amigo com quem você discute política, jornalismo, furos, enfim, abre o seu coração?

GARCIA- Tenho um velho amigo do SBT, Luiz Gonzaga Mineiro, mas só converso com ele de vez em quando. É um pé-de-boi. Está sempre trabalhando: eu também estou. Então, é raro conversar. Não dá tempo. A gente se encontra no aniversário dos filhos. Curto os furos aqui dentro, onde todo o mundo vibra com as boas notícias de todo o mundo.

PLAYBOY- Do jeito que você fala, parece que família e trabalho viraram mesmo os únicos compromissos da sua vida. Como você equilibra essas duas paixões?

GARCIA- Vou contar uma história. Tenho um compromisso religioso, todos os dias ás 3 da tarde. Outro dia, estava com o ministro Murilo Hingel (da Educação). Olhei o relógio, faltavam 15 para as 3, e ele estava tentando me explicar planos na área de educação. Eu disse para ele: “Ministro, o senhor vai me desculpar, mas eu já tinha um compromisso para as 3 horas, e vou precisar sair”. Saí correndo. Depois a gente continuou. Ele vai ficar sabendo agora que eu enganei ele. Fui para a escola pegar as crianças, que são a prioridade maior.

Publicado originalmente na revista Playboy em junho de 1994

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