Playboy entrevista
Alexandre Garcia
Uma conversa franca com
o repórter de política da Rede Globo sobre a Rede Globo, política, repórteres e
conversas francas.
Quem se admira da
intimidade do jornalista Alexandre Garcia com a política, os políticos e os
assemelhados certamente não sabe que ele nasceu em plena praça dos três
poderes. A casa onde viveu seus primeiros anos, erguida na praça principal de
Cachoeira do Sul, a 200 quilômetros de Porto Alegre, era vizinha da igreja, com
a prefeitura do outro lado e a delegacia a alguns passos. Também não ficava
longe o quarto poder das pequenas cidades do interior – o prostíbulo. A parte
mais festejada da imprensa local estava ainda mais próxima, na figura do seu
pai, Oscar Chaves Garcia, então sócio da prestigiada Voz Sonora da Princesa do
Jacu – o serviço de alto-falantes da cidade – e logo depois gerente da Rádio
Cachoeira. Chaves era uma espécie de Alexandre Garcia local, num tempo em que o
rádio era a prova cabal de que havia mundo além dos limites da cidade. Energia
elétrica era luxo do centro, e as famílias da zona rural levavam as baterias de
seus rádios para carregar em lojas especializadas. Convencidas de que essa
operação enfiava no aparelho toda a programação, em geral pediam dispensa de
levar junto os anúncios do Melhoral.
Cinquenta e três anos
depois, Alexandre Eggers Garcia é o Chaves da Rede Globo em Brasília, onde
comanda o departamento de jornalismo da emissora e de onde fala da política
para 60 milhões de telespectadores. Sabe aquele jeito onisciente que ele exibe
quando aparece na tela da Globo afirmando que o presidente Itamar Franco
determinou ao ministro da Justiça a investigação imediata sobre o escândalo do
jogo do bicho? Ou então sua maneira profética de anunciar que o presidente da
Força Sindical vai dizer ao titular da Fazenda que é imprescindível criar um
gatilho salarial, diante do que o ministro responderá, abrindo uma pasta
repleta de cálculos, que tudo é negociável, desde que não abale a linha mestra
do plano econômico? Sabe aquele jeito dele? Pois é. Ele é assim o dia inteiro,
em pessoa ou nos dois livros, João
Presidente e Nos Bastidores da
Notícia. Aos 38 anos ou 23 anos de jornalismo – se for ou não considerada a
fase em que transmitia missas e repetia notícias no interior do Rio Grande do
Sul – e catorze diante das câmeras, Alexandre Garcia não mudou uma vírgula na
sua disposição de assumir a responsabilidade pelo que fala ou escreve desde a
primeira reportagem na sucursal gaúcha do Jornal do Brasil, em maio de 1971.
Naquela estreia, recusou-se a chutar junto com colegas o total de mortos na
explosão de um depósito de fogos e saiu contando pedaços de cadáveres para
cravar um número mais próximo da verdade.
Hoje, com o mesmo
rigor, segura notícias sobre demissões de ministro por horas a fio, até obter a
confirmação da boca do presidente. “Aprendi que quem faz ou desfaz ministro é o
presidente da República”, explica, escaldado pelas poucas vezes em que apostou
no sentido contrário. Numa ocasião, a própria ex-ministra Yeda Crusius, do
Planejamento, disse-lhe que ia sair, o presidente afirmou que não e ela
terminou ficando. Noutra, uma fonte de absoluta confiança garantiu-lhe que a
então ministra dos Transportes, Margarida Coimbra, cairia ainda naquele dia.
Ele deu a notícia e o ranzinza do presidente segurou a demissão por algumas
horas, apenas para fazer birra.
Com esse estilo, não dá
para esperar de Garcia um currículo recheado de furos espetaculares ou
reportagens-denúncia sensacionais. Nem era isso, seguramente, o que a Rede
Globo procurava quando lhe deu o emprego, logo depois que ele pediu demissão de
posto equivalente na Rede Manchete, há seis anos. O papel desse jornalista que
gosta de suspensórios coloridos e odeia gravatas pela mesma razão – não suporta
o aperto do cinto nem o sufoco no colarinho – é informar sem causar alarde. Uma
missão aliás, que ele realiza de bom grado. “Conheço o tamanho da minha
responsabilidade”, afirma o repórter político, que não pretende estragar o
jantar de ninguém matraqueando contra o Congresso vazio ou os preços no
supermercados. Outra coisa que conhece é a impossibilidade de ser uma
unanimidade diante de uma plateia tão grande. Até reclama de algumas injustiças
da crítica, mas não altera um milímetro no seu jeito Rede Globo de ser, nem faz
questão de cavar elogios entre os colegas. Como os políticos dos quais convive,
volta-se para a aprovação das massas: “O povo me entende”.
E, aí, tem lá sua
razão. Segundo o Ibope, Garcia foi considerado o melhor jornalista de política
do país. Ou seja, goste-se ou não, é ele quem faz a cabeça política dos
prezados telespectadores. Convertidas para o trato pessoal, sua maneira
afirmativa de falar e suas ironias arrematadas por acenos de cabeça dão-lhe uma
simpatia que surpreende a turma habituada a manter o pé atrás diante de quem
esteve de algum modo ligado ao regime militar, ainda que no período da abertura
do presidente João Figueiredo, ao qual serviu como porta-voz nos primeiros
dezoito meses de governo. Alexandre Garcia conta com muito prazer histórias de
pessoas que o achavam tão confiável quanto um cabo eleitoral do PFL e se
renderam ao interlocutor que não economiza franqueza. Só que, no caso dele, a
franqueza será sempre a do discurso oficial. É por isso que estava à vontade
como porta-voz, continuou íntimo das notícias palacianas ao sair de lá e, muito
provavelmente, não se apertaria para falar com as mesmas certezas sobre as
informações de coxia de um eventual governo do PT.
Casado pela terceira vez, Garcia tem uma filha de 30 anos, do primeiro casamento, uma menina de 8 e um menino de 7, ambos de sua união com a advogada goiana Joaniza Nunes, de 39. A família vive numa mansão confortável do Lago Norte, com portas e janelas largas, como as da casa onde ele nasceu. Quase tudo isso, segundo Garcia, foi previsto nas duas vezes em que entregou as linhas da mão para a análise de quiromantes. Ele não nega que acredita na sorte e sabe que a tem em largas doses desde o dia em que, quase foca, foi cobrir o fechamento do Congresso no Uruguai, em 1973, e terminou entrevistando o presidente Juan Maria Bordaberry, porque o correspondente brasileiro escalado para a exclusiva, Flávio Tavares, do Estado de S. Paulo, tinha sido preso. Em pelo menos um caso, a sorte foi tanta que ele teve de joga-la fora. Escalado para tentar uma entrevista com Isabelita Perón, em 1975, acabou confundindo pelos seguranças com um namorado da presidenta argentina e teve de desfazer o engano. Foi expulso da ante-sala presidencial antes de encontra-la. Perdeu um furo, salvou a pele. Para recordar histórias, explicar um confortável emprego paralelo no Banco do Brasil, contar os bastidores e falar da distância “sanitária” que gosta de manter de autoridades e jornalistas. Alexandre Garcia conversou com o repórter especial de PLAYBOY Marcos Emílio Gomes durante seis horas, em sua casa e na sua sala da Globo.
PLAYBOY-
Sua barba é platinada apenas por coincidência?
ALEXANDRE GARCIA- (Risos.) É idade e genética. Platinada só
a Vênus. Marte (o Deus da guerra entre os
romanos) não. Eu tenho cabelos brancos desde os 40 anos. Dizem que tenho de
pintar. Nada contra os que pintam, mas eu acharia ridículo. Todo o mundo com
credibilidade na TV americana tem um belo cabelo branco. O nosso Cid Moreira
tem cabelo branco. A credibilidade se conquista, mas televisão também é imagem.
PLAYBOY-
E você usa essa barba para esconder ou para revelar?
GARCIA- Parece
vestibular de faculdade. Tem de marcar um dia ou outro (risos)? Mas, nesse caso, escondia. Eu era muito magro. Era seco.
Hoje peso 85 quilos, tenho 1,82 metro. Quando eu entrei no jornalismo tinha 69
quilos, por aí. Então isso aqui (mostra
as bochechas), eu era o príncipe submarino...
PLAYBOY-
O Namor...
GARCIA- (Risos) Isso, eu era o Namor (risos). Bom, eu ia entrar no Jornal do Brasil no dia 2 de maio de
1971 e aproveitei a Semana Santa para deixar crescer a barba, para esconder um
pouco a magreza. Aí, ficou. Depois, comecei a tirar fotografia de passaporte,
de credencial, sempre de barba. Mais tarde entrei na televisão e ficou um negócio
meio marca registrada. Durante umas férias no Nordeste, eu tirei a barba e
achei que estava incógnito. Aí, no primeiro dia, um sujeito me disse: “Ô,
Alexandre Garcia, raspou a barba para não ser reconhecido, hein?” (risos).
PLAYBOY-
Então vamos falar de quando você começou a arrumar esses cabelos brancos. Como
foi o seu começo de carreira?
GARCIA- Meu pai era
radialista, em Cachoeira. Aos 7 anos, eu já tinha feito ponta num papelzinho
infantil de uma radionovela. Mas a primeira experiência de jornalismo mesmo
aconteceu aos 15 ou 16 anos, transmitindo para a rádio a missa dominical...
PLAYBOY-
Como é que se transmite missa?
GARCIA- Eu ficava num
cantinho da sacristia. Pegava o missal e indicava as várias partes da missa, o
Ofertório, a Consagração. Era quase tudo em latim. Depois, no Sermão, o
microfone ficava todo com o padre. O restou eu ia descrevendo. Também
trabalhava com notícias. Teve uma vez que um motorista de caminhão tava
noticiando um acidente que ele provocou. Meu pai foi falar com ele, discutiu
sobre liberdade de imprensa e coisas desse tipo. Foi o meu primeiro choque
entre o direito de informar e a bronca do objeto da notícia.
PLAYBOY-
Isso se repetiu depois, na sua carreira?
GARCIA- Ah, sim. Teve o
caso recente de um motorista de ônibus que espalhou que ia matar porque
denunciei que ele apavorou passageiros fazendo ziguezague numa noite de chuva.
Eu faço entradas na programação local tratando de problemas de trânsito.
PLAYBOY-
Mas consta que você também já esteve sob a mira de um revólver.
GARCIA- Foi em 1975, na
Argentina. Fui almoçar num restaurante fora de Buenos Aires com o subgerente do
Banco do Brasil Renato Mayer, a mulher dele e a filha. Os motoristas (terroristas de extrema esquerda) tinha
chegado antes, rendido todos os garçons, mas não percebemos nada. Entramos e
pedimos uma salada. Um sujeito respondeu, apontando uma arma: “Acá está tu
ensalada”. Levaram as chaves do carro do Renato e os meus documentos. Eles
viram minha credencial da Presidência da República e me chamaram de espião
brasileiro. Me encheram de desaforos. Me jogaram no chão, botaram armas na
nuca. Nunca mais tive os documentos de volta. Houve também uma ameaça de
“triple A” (Aliança Anticomunista
Argentina, grupo paramilitar chefiado pelo ministro do Bem-Estar Social do
governo Isabelita Perón, José Lopez Rega), que acabou me levando a deixar a
Argentina. Eu fiz um texto descrevendo o hábito de policiais argentinos de
tirar dinheiro de turistas brasileiros. Depois, no jornal Última Hora de Buenos Aires, saiu a manchete: “Macaco mentiroso”.
Era eu. Me convocaram para depor. Houve pressão da polícia, até o dia em que a
embaixada me comunicou ter informações de que iam me matar. Aí eu me mandei.
Isso foi no ano em que vim para Brasília: 1976.
PLAYBOY-
Você nunca fez outra coisa na vida, além de ser jornalista?
GARCIA- No Rio Grande
do Sul, trabalhei uns dez anos no Banco do Brasil. Quando estava fazendo o
serviço militar, eu já tinha arrumado namorada firme, queria casar. Tinha que
conseguir um bom emprego. Nessa época, meu avô tinha começado a me passar suas
escritas de contabilidade. Eu pensava muito se aquele era mesmo o meu caminho.
Comecei a estudar para o concurso e passei em primeiro lugar.
PLAYBOY-
Foi no seu tempo de bancário que você pegou em armas para defender o golpe de
1964?
GARCIA- Muita gente
fica repetindo que eu apoiei a revolução por causa disso, mas eu estava lá no
interior, não tinha nada que ver com coisa nenhuma. Era funcionário do Banco do
Brasil, e o Grupo dos 11 (o movimento
antigolpista ensaiado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel
Brizola) vai atacar a prefeitura. Você me ajuda?”. Fomos para a prefeitura
de revólver na mão. Só que o Grupo dos 11 não apareceu e ficou por isso mesmo.
PLAYBOY-
Mas você sabia do que se tratava ou não?
GARCIA- Eu via que
aquilo estava uma bagunça, mas eu não acompanhava muito a política. Para mim
foi um choque a renúncia do Jânio Quadros. Votei no Jânio em 1960, e ele me deu
aquela frustração. Eu achava o João Goulart fraco. Ele não queria nada com
coisa nenhuma. Era uma lástima. Tanto que o país inteiro estava achando muito
bom o Jango cair fora. E a notícia que a gente recebia era que o (marechal Humberto de Alencar) Castello
branco estava assumindo para botar a casa em ordem e entregar o governo de
volta aos civis no passo seguinte.
PLAYBOY-
Como você voltou para o jornalismo?
GARCIA- No tempo do
banco, na cidade de Encantado (RS), eu tinha fome de mais alguma coisa. Resolvi
fazer o vestibular em Porto Alegre. Pensava em tirar Economia. Só que o horário
do curso de Jornalismo era mais conveniente para mim. Isso significou uma
opção: quando terminasse, teria que ir trabalhar em algum lugar. Mas no banco
eu continuava envolvido com reportagens, porque fui escolhido para ser
investigador de cadastro, uma espécie de repórter do banco. Fazia um perfil do
sujeito que estava pedindo dinheiro.
PLAYBOY-
Esse foi seu primeiro trabalho de informante ou você já tinha função parecida
no quartel, como está escrito numa reportagem?
GARCIA- Jamais. Jamais
(irritado). Isso aí é uma idiotice.
Primeiro, eu não era informante do banco. Eu tinha informantes. Depois, eu sei
até quem espalhou isso. Foi o porta-voz do Fernando Collor, Etevaldo Dias. Ele
pediu desculpas depois. Eu disse para ele: “Você está louco. Foi escrever na
VEJA que eu fui da comunidade de informações quando eu servi”. É só fazer as
contas. Eu tinha 18 anos em 1959. O (marechal
Duffles Teixeira) Lott ainda era ministro. Era governo Juscelino. Quando o
(então coronel) Golbery (de Couto e Silva)
fundou o Serviço Nacional de Informação e Contra-Informação? Foi em 1959? Não.
Foi em 1964.
PLAYBOY-
O Etevaldo explicou o que houve?
GARCIA- A minha mulher
deu um esporro no Etevaldo, por causa disso. A gente se encontrou na casa de um
amigo comum. Ele disse que escreveu isso porque sempre achou que eu era o
culpado de um pito que levou em O Globo, do (diretor de redação) Evandro Carlos de Andrade. Quando eu trabalhava
na Secretaria de Imprensa do Palácio do Planalto, avisei o Evandro de que a
sucursal do jornal em Brasília mandaria uma matéria que não era verdade. Por
causa disso, segundo Etevaldo, o Evandro quase o demitiu e ele ficou com isso
travado na garganta. Ficou pior a emenda do que o soneto, porque o Etevaldo
confessou que foi uma vingança. Eu me dou bem com ele hoje, mas foi uma
idiotice e também um negócio mal-intencionado.
PLAYBOY-
Essas histórias o irritam mais ou menos do que ser chamado de eterno porta-voz?
GARCIA- Eu fico sabendo
que nos comitês de imprensa, eu entro no Jornal Nacional, os jornalistas dizem:
“Olha o cascateiro”. Aí, no jornal de 24 horas depois, eles são obrigados a
confirmar o que eu disse. Eu fico muito feliz quando dou uma notícia no jornal
de sexta-feira à noite que é confirmada na segunda-feira. Reclamam que a Globo
deu alguma coisa em primeira mão. Deu, sim, mas não porque o presidente ligou
para mim. Deu porque há dez dias eu venho ligando para ele. Não concordo com
essa história de eterno porta-voz. Ora, eu saio para a rua e não é isso que o
povo me diz. Ouço o peão de obras, a empregada doméstica, e eles dizem que
estão começando a acompanhar a política porque estou conseguindo explicar. Essa
história de porta-voz é uma invenção paulistana. É especificamente na Folha de S. Paulo que se lê isso. Então,
imagino que se um grupo de jornalistas vai jantar, se o assunto for esse, estão
cagando regra a respeito da teoria do porta-voz. Mas o que eu vou fazer se ligo
para o presidente da República, ele me fala uma coisa que ninguém sabe? Aí
dizem: “Ele foi o porta-voz, foi ele que anunciou”. Isso é preconceito.
PLAYBOY-
Você se considera discriminado por ter informação?
GARCIA- Veja só como
são os preconceitozinhos. No dia em que estourou aquele comentário do
desembargador Antônio Carlos Amorim, do Rio de Janeiro (sobre dinheiro da máfia italiana para um partido brasileiro), eu
entrei à tarde no assunto. Tomei cuidado. Todo o mundo estava dizendo que esse
partido era o PT. Os petistas todos me disseram que não vestiam a carapuça,
queriam investigação. Eu mostrei todas as providências e manifestações e
encerrei dizendo: “Embora todos, em princípio, considerem que um presidente de
Tribunal não ia fazer declarações levianas no exterior, todo mundo acha melhor
esperar para ele dizer se confirma ou não”. Foi uma matéria absolutamente
neutra e imparcial. No dia seguinte, a Folha
de S. Paulo escreveu (na coluna de
televisão do jornalista Nélson de Sá): “Ora, foi por acaso; eu me escalei”.
PLAYBOY-
Então você acredita que há preconceito contra você e a Globo?
GARCIA- O que se vende
nesse tipo de crítica é a impressão de que tudo é decidido numa caverna escura,
como se a gente ficasse procurando: “Qual é a sacanagem que vamos fazer hoje?”.
E essa caverna não existe. São decisões técnicas, jornalísticas. Mas tudo bem.
É bom que eu saiba o que os outros pensam.
PLAYBOY-
É que impressiona esse seu jeito de contar as coisas como se soubesse o que
acontece dentro da cabeça dos poderosos.
GARCIA- E eu não acerto?
Eu errei alguma vez? Eu sei, por exemplo, o resultado de uma reunião que estará
acontecendo daqui a pouco entre o ministro Fernando Henrique (a entrevista foi feita no final de março)
e o Luiz Antônio Medeiros (presidente da
Força Sindical). Eu falei ontem com o Medeiros e sei quais são as posições
dele. Como eu também sei quais são as posições do Fernando Henrique, eu misturo
as duas e sei qual vai ser o resultado da reunião. No final da reunião, eles
vão concordar em estabelecer uma válvula de garantia para os salários, que na
prática é um gatilho. (A reunião acabou
não acontecendo.) Nenhum outro sabe que o resultado vai ser esse. Isso é
ser porta-voz?
PLAYBOY-
Você quase sempre é irônico quando fala dos colegas. Você não gosta de
jornalistas?
GARCIA- Eu gosto de jornalistas, mas sou crítico
do jornalismo. Acho quer a gente deve criticar para tentar melhorar. O
denuncismo, por exemplo, nos levava ao limiar de um grande perigo, de a gente
resolver substituir as instituições. De a gente resolver virar promotor
público, juiz, policial. Acho que essa não é a função do jornalista. Sou
crítico do chute, da cascata e, principalmente, da falta de cultura geral. De a
pessoa escrever, por exemplo, que o Ômega é um carro da Volkswagen...” E está
escrito com “W” no começo! (Vai mostrando
os recortes). Outra coisa que eu critico: o engajamento político. No começo
da minha carreira, numa parada de 7 de Setembro, eu vi todos os repórteres
fazendo um acordo para diminuir a quantidade de pessoas presentes. Já era
transição. Não era mais aquela coisa do período Medici: “Vamos bater”. São
coisas quixotescas, com consequências pífias, que só pegam mal para a
credibilidade da gente. Toda vez que vou fazer uma palestra aparece alguém
recordando que deu uma entrevista e depois saiu outra coisa.
PLAYBOY-
Você já foi vítima de algum grande erro?
GARCIA- Processei um
jornalista e o sindicato aqui de Brasília e ganhei. Faz uns quatro meses. Esse
jornalista escreveu para o sindicato um livro chamado História do Jornalismo em Brasília, e numa parte do livro, ele
disse que eu fui demitido porque posei nu para uma revista masculina, depois de
ter assediado todas as secretárias do Palácio do Planalto. Eu peço para retirar
o que ele diz, porque seria repercutir a ofensa na PLAYBOY. Entrei na Justiça.
Tiveram de se retratar porque na tal fotografia eu estava de bermuda. Fui
atender ao telefone, ao lado da cama, e o fotógrafo aproveitou para jogar um
lençol em cima de mim e fazer a foto. Por baixo do lençol, eu estava de
bermuda. A edição do livro que passou a ser distribuída a partir de então tem
um carimbo em cima, apagando aquelas linhas. Mas boa parte dos livros já estava
circulando. Aí, o pessoal de uma paróquia do Lago Sul queria me convidar para
uma palestra, mas uma jornalista que tinha lido o livro protestou: “Esse cara
não. Ele posou nu. Como pode trabalhar para a Igreja?”. Uma coisa terrível.
PLAYBOY-
Do jeito que você fala, parece achar que muitos colegas também não gostam de
você.
GARCIA- Eu sei que tem
muita gente aqui em Brasília que tem um pouquinho de preconceito contra mim
porque eu nunca quis trabalhar em pool
(quando os jornalistas de veículos
diversos dividem todas as informações apuradas). Eu confesso que eu adoro
essa coisa de foca, de dar primeiro. O meu jornalismo é o do modelo anos 40 nos
Estados Unidos. Sair correndo. Já no meu primeiro dia de profissão, estava todo
o mundo lá combinando o número de vítimas de um acidente. Eu decidi: “Eu vou
contar para ver quantos pés tem aí. Se errar, vou errar sozinho. Mas se
acertar, vou acertar sozinho também”. No Palácio, Congresso, Ministério da
Fazenda, quando eu cobria lá, era aquela coisa de trabalhar junto e falar mal
de quem se esgueira pelos corredores para conseguir algo exclusivo. Quando sou
furado, admiro o sujeito que me furou. Quero ser como ele. Passou a perna em
todo mundo (entusiasmado). Evito os
lugares onde se fala mal desse tipo de profissional. Há uns quinze anos, estive
numa festa que em ajudou a me afastar um pouco da comunidade jornalística.
Achei a coisa muito bagunçada. Metade estava bêbada e a outra metade eu não sei
o que que estava...
PLAYBOY-
A metade que não estava bêbada não estava boa?
GARCIA- Não estava boa,
mas eu não sei o que estava (no carro, a caminho de casa, disse que essa metade
estava drogada). Eu não sei como é hoje. Não tenho a menor noção. Acho que o
pessoal se reúne contando coisas que atrapalham o trabalho depois. Prefiro não
estar nesses lugares. Podem até dizer que isso é isolacionismo, mas aqui na
Globo, no meu trabalho, não estou nem um pouco alienado. Se eu tivesse 20 anos,
talvez eu fosse lá para falar abobrinha, leréia. O (Fernando) Gabeira (da Folha
de S. Paulo, na época) veio a Brasília e descobriu que os jornalistas daqui
resolvem os problemas do país no bar, depois escrevem sobre o que falaram no
dia anterior e ainda acreditam neles próprios.
PLAYBOY-
Você conhece um apelido que corre na praça: “Alexandra da CIA”?
GARCIA- Alexandre da
CIA? Nunca ouvi falar. É um bom trocadilho, mas é uma coisa tão idiota. A
justificativa para esse tipo de coisa é que eu nunca me curvei à patrulha de
esquerda, que havia numa época. Eu gozava essa turma. Talvez a patrulha que
gostaria de ser intelectual tenha resolvido se vingar. Lembro que uma vez,
durante uma greve, estava entrando ao vivo e um piquete de jornalistas se
colocou atrás de mim, para aparecer na TV com cartazes, e eu morri de rir.
Aquilo era ridículo. Eu não posso botar ridículos no ar. Cheguei a encenar uma
gravação ressaltando o direito de trabalhar. Era uma greve de empregados. Eu
era chefe. Então já começava por aí: não podia entrar em greve. E eu falei que
as pessoas que cerceiam o direito ao trabalho não passam de camisas-pretas. E
olhava para trás e ria deles, que não sabia o que era camisa-preta (sinônimo de fascista). E acrescentava:
“Parece que estão gritando na Piazza del Pòpolo”.
PLAYBOY-
Como você faz para garantir exclusividade? Vive encontrando suas fontes?
GARCIA- Não, eu
telefono para a fonte.
PLAYBOY-
E um sujeito pode virar fonte por telefone?
GARCIA- Vira. Estou em
Brasília há dezoito anos. O sujeito me vê todos os dias na televisão. Passei a
ser familiar. Por exemplo: o José de Castro (presidente da Telerj e conselheiro
do presidente Itamar Franco). Nunca almocei com ele, nunca estivemos juntos
numa festa. Encontrei com ele outro dia no elevador, numa posse de ministro. Eu
já o conhecia por fotografia; ele me conhecia da TV. Nos abraçamos e
conversamos como se fôssemos velhos conhecidos. Outro caso: o presidente.
Estive com ele uma vez, num jantar na casa do (jornalista) Carlos Chagas,
quando estava começando esse governo. E nunca mais. Mas quando vai sair
ministro eu fico ligando para ele, para a gente dar em primeira mão.
PLAYBOY-
E ele sempre atende?
GARCIA- Sempre que
pode. Parei de dizer isso na televisão. Aí a crítica valeu. Ficavam escrevendo
nos jornais, fazendo gozação, porque eu contava que o presidente me disse
alguma coisa. Parei de dizer. Eu citava isso como crédito. Agora as pessoas
acostumaram: quando digo que vai acontecer isso ou aquilo, acontece. Mas não é
o presidente que me liga. Eu é que corro atrás dele. Esse é uma coisa mais
frequente neste governo. No governo José Sarney eu ligava só em último caso,
porque havia outras fontes que eram suficientes. Itamar centraliza muito as
decisões. Collor, embora fosse centralizador, era muito imperial, se mantinha
muito distante.
PLAYBOY-
Qual a melhor fonte da sua carreira?
GARCIA- As fontes mudam
tanto. Os jornalistas são os cobradores e os motoristas daquela frase famosa
que diz que quase tudo na vida é passageiro. As fontes são os passageiros.
PLAYBOY-
Atualmente, é o presidente Itamar Franco?
GARCIA- Nas decisões do
Executivo, sim. Mas, lá no Congresso, é difícil definir quem é hoje a melhor
fonte, porque as lideranças estão muito soltas. Você fala com todos os líderes
e não sabe o que vai acontecer. Eles decidem que vão começar a trabalhar às 6
de uma segunda-feira, e no mesmo dia isso rui. Achar que existe uma melhor
fonte é um cacoete do governo militar, quando bastava conversar com o Golbery e
ele sabia tudo. Quando perguntava o que ia acontecer dali a dois meses ele
sabia. Porque sabia qual era a intenção do governo, o que umas pessoas iam
fazer, como as outras iam reagir, e via, se misturasse tudo, o que ia dar.
PLAYBOY-
É verdade que você faz a agenda do governo, marca o horário para que sejam
anunciadas decisões importantes?
GARCIA- Não é verdade.
Só uma vez eu fiz um apelo para o ministro Sidney Sanches (então presidente do Supremo Tribunal Federal). Expliquei que só
poderíamos entrar ao vivo depois de determinada hora porque não tínhamos canal
de satélite. Pedi para ele fazer o anúncio um pouquinho mais tarde. Aí estava
todo o mundo sentado, a imprensa toda, porque era um anúncio importante. Ele
olhava para mim e fazia assim (meneia a
cabeça, como quem pergunta se está tudo bem). Eu olhava no relógio e fazia
um sinal discreto com a mão, para ele esperar. Quando fiz o positivo, o
ministro quase que deu boa-noite aos telespectadores (risos).
PLAYBOY-
E o que acontece quando você diz o que suas fontes não gostariam de ouvir?
GARCIA- O (ministro Henrique) Hargreaves (chefe da Casa Civil da Presidência)
ficou um tempo enorme sem falar comigo por causa de uma notícia de
desentendimento dentro do palácio. No dia da saída do Elizeu Rezenda (ministro da Fazenda no início do governo
Itamar Franco), falei com ele depois que a carta de demissão tinha sido
entregue. Ele me disse que não tinha carta nenhuma e eu acreditei. Depois
disso, também fiquei sem ligar para ele. Ás vezes também dá para ficar
temeroso. Depois do Carnaval, publiquei um artigo misturando coisas. O título
era “As calcinhas e a CNBB” (Conferência
Nacional de Bispos do Brasil). Aí eu mesmo decidi que era melhor ficar um
tempo sem falar com o presidente. Conhecendo o presidente, achei melhor assim para
que a gente não tivesse...(hesita)...bem,
eu não posso chamar de discussão, porque um repórter não discute com o
presidente da República. Eu teria de deixa-lo desabafar e ficar quieto,
naturalmente...
PLAYBOY-
Um repórter não pode discutir com o presidente nem quando o presidente está
mentindo?
GARCIA- Não. Discutir,
não. Deixa o presidente mentir. Depois a gente vai escrever que está mentindo (risos). Uma única vez vi um repórter
contestar o presidente Ernesto Geisel, por brincadeira, e ele ficou furioso.
Foi numa entrevista a bordo do trem-bala, no Japão. O Leonardo (Motta Netto, então repórter do Jornal do
Brasil) disse que estávamos numa ditadura, referindo-se às normas do Humberto
Barreto (secretário de imprensa), que
estava atrás do presidente. Só que o Geisel não gostou nem um pouco da
brincadeira. Eu acho que não discutiria com o presidente por uma questão de
respeito. É a instituição. Se a instituição está mentindo, não vou ficar
batendo boca. Nessa situação eu viro conselheiro do presidente. E aí já começa
a ficar conversa de compadre. É perigoso.
PLAYBOY-
Tem censura na Globo?
GARCIA- Na Globo não
tem, mas em mim tem. Eu pego o Ibope e vejo que 80% dos televisores estão
ligados no Jornal Nacional. Isso dá uns
60 milhões de pessoas. Eu tenho que pensar 100 vezes antes de dizer alguma
coisa. Eu não posso dizer algo irresponsável, que faça com que no dia seguinte
encostem o ônibus aí na frente e comecei a quebrar o Congresso.
PLAYBOY-
Essa censura já o levou a deixar de dar alguma notícia ?
GARCIA- Não. MA a
cuidar da forma de dar a notícia, sim. No dia em que o (então ministro da Justiça) Maurício Correa anunciou aquele golpe
militar que supostamente haveria, eu encontrei uma maneira de dizer que o
ministro estava sendo irresponsável. Passou a época de fazer ameaças com os
militares. Mas encontrei uma maneira que não ofendesse o ministro da Justiça.
Se eu todo dia entrar dizendo “olha o Congresso vazio, olha o plenário vazio,
esses caras são preguiçosos, são vagabundos”, depois de uns dez dias vai ter
algum sargento lá no interior do país que vai ficar com vontade de fechar o
Congresso. Como entro em assuntos delicados, tenho de tomar cuidado para não
ajudar a dar uma rasteira no Poder Legislativo. Não vejo nenhum perigo de golpe
militar, mas é melhor não ficar provocando. Não digo em relação aos militares,
mas provocando a ira da população. Em Brasília já houve quebra-quebra, no
badernaço de seis anos atrás.
PLAYBOY-
Esse cuidado todo não deixa a impressão de que a televisão reage muito devagar?
No caso do Fernando Collor, por exemplo, na campanha e no começo do governo,
você estava sendo cuidadoso ou também foi enganado?
GARCIA- Eu não, mas ele
enganou muita gente. Enganou mamãe. Ela me disse que ia votar no Collor. Eu
disse para ela: “Eu vejo no vídeo, nos comícios, isso não é certo”. O jeito que
ele esbravejava, com os olhos saltando da órbita. Eu aconselhei minha mãe a não
votar nele, mas acho que ela votou.
PLAYBOY-
Seu livro Nos Bastidores da Notícia
foi impresso bem perto da posse do Collor. Ele termina insinuando que poderia
vir pela frente um período de modernidade, um bom período...
GARCIA- Não. A intenção
que eu tive foi dar um tom de aviso. Não vou dizer de ameaça, mas o tom é esse.
O livro termina com uma pergunta que fiz ao Collor: “O senhor é um jovem.
Portanto, se fizer porcaria, vai ter o resto da vida para pagar. Seria isso uma
garantia de que o senhor não vai fazer porcaria?”. Até acho que fui profético.
Ele fez a porcaria e terá que pagar pelo resto da vida. Collor já decepcionou
logo no primeiro dia, com uma atitude ditatorial, infelizmente apoiada pelo
Congresso. Embora eu tenha sido confiscado, não há crítica nenhuma ligada à
questão pessoal...
PLAYBOY-
Em quanto você foi confiscado?
GARCIA- Era cerca de 1
milhão de...(hesita, risos). Não
lembro qual era a moeda da época (cruzado
novo). Era a poupança que eu tinha para tocar uma casa que estava
construindo. Mas a minha questão pessoal não conta. O que eu quero ponderar é a
burrice de estratégia política – sujeito que foi eleito com 35 milhões de votos
dar uma paulada nos seus eleitores. Também o Plano Cruzado, para mim era óbvio
que estava destinado ao fracasso. Mas pessoas saíram á rua, no período mais
stalinista da História brasileira, prendendo gerente de supermercado.
PLAYBOY-
É curioso que os seus comentários na televisão nunca tenham refletido com tanta
convicção esse seu ceticismo nesses momentos. Isso acontece por quê?
GARCIA- Isso está
relacionado ao fato de que a minha opinião pessoal não conta. Sou um
comentarista dos fatos. Não sou um editorialista. Eu interpreto os fatos e fim.
De que interessa a opinião pessoal do repórter para as pessoas? Eu quero ser
veraz e não quero misturar opinião pessoal com interpretação. Caso contrário,
vou acabar pensando que sou mais importante que as notícias. E não sou.
PLAYBOY-
E nesses fatos que você interpretava não havia nenhum que indicasse a
roubalheira do governo Collor?
GARCIA- Confesso que
cometi um erro de repórter. Quando estava fazendo minha casa, comprei grama
para botar no jardim. O sujeito queria me cobrar na época 2.500 ou 2 milhões e
quinhentos, não sei. Pedi desconto e ele contou que estava vendendo a mesma
grama para a Casa da Dinda por cinco vezes mais o metro quadrado. “Lá ninguém
controla”, ele disse. E eu, repórter, falhei porque achei que era falta de
tempo do presidente para cuidar disso ou que estavam roubando do presidente.
Não me deu o estalo de achar que por trás disso podia haver alguma coisa, como
depois apareceu na CPI.
PLAYBOY-
Então você só soube da bandalheira quando ela apareceu na imprensa?
GARCIA- Bom. Só para
citar o exemplo de outra falha minha. Quando se falava do Bernardo Cabral com a
Zélia (Cardoso de Mello), eu dizia
que era impossível: ministro da Justiça com a ministra da Economia? Eu não
conseguia botar isso na cabeça. Não acreditava. Já sabia quem era Bernardo
Cabral, mas não levava em conta. Um jornalista deve ser cético, né? Eu podia
ter sido um pouco mais desconfiado naquela situação. Mesmo do Collor, eu tinha
uma série de evidências, mas só depois que as coisas apareceram preto no
branco, na CPI, é que tive certeza. Sei lá, é aquela formação da gente de achar
que as pessoas são inocentes até prova em contrário. Me desculpem, mas acho que
essa é uma formação democrática. Quem acha que as pessoas são culpadas até que
provem ser inocentes é fascista, e geralmente os que se dizem democratas usam
métodos fascistas e stalinistas. Isto é um truísmo: a pessoa é inocente até
prova em contrário.
PLAYBOY-
Por que escândalos como o do Collor ou da Comissão de Orçamento não são puxados
pela televisão?
GARCIA- Eu acho que é
possível a televisão dar furos como esses, mas ela mal tem tempo para correr
atrás do dia-a-dia e dar esses fatos em quarenta segundos, um minuto. A
televisão faz matérias investigativas, mas está sempre comprimida pela falta de
tempo. Ontem mesmo a gente tinha matéria sobre falta de recursos para bombeiros
em Brasília, o que poderia causar uma grande tragédia, mas houve o sequestro do
cardeal de Fortaleza e caiu. Eu acho que televisão faz isso também, mas os
jornais têm mais espaço, têm mais tempo.
PLAYBOY-
Mas você teria dado na TV a entrevista do Pedro Collor dizendo que o irmão
roubava...
GARCIA- Eu acho que ia
esperar provas...
PLAYBOY-
Ou ainda a entrevista de um sujeito suspeito de ter matado a mulher dizendo ter
recebido dinheiro de integrantes da Comissão de Orçamento?
GARCIA- Isso eu acho
que nós demos praticamente junto com a VEJA. Agora, aí depende do caso. Se
aparecer um sujeito aqui e me apresentar denúncias, vou ter que avaliar para
ver se ele não é maluco, se ele é sério, se ele tem provas concretas...
PLAYBOY-
O Pedro Collor não tinha provas e falou cinco páginas...
GARCIA- Pois é. Na
televisão, para falar cinco páginas, ele teria que ir para um talk show (risos). Então esse é o problema da falta de espaço. Se bem que esse
é um assunto em que se tem que avaliar caso a caso. Não consigo falar sobre
hipóteses. Posso ter entrado pelo cano por denúncias menores, no trânsito, por
exemplo. Então é preciso muito cuidado com isso. E principalmente na televisão,
em que a gente rasga o travesseiro de penas no alto da torre diante de 60
milhões de pessoas.
PLAYBOY-
Você já recebeu algum recado do Roberto Marinho sobre a cobertura política?
GARCIA- Para mim nunca
mandou recado. O meu diretor é o Alberico (Souza
Cruz, diretor da Central Globo de Jornalismo). A orientação dele sempre
foi: “Vamos cobrir os fatos”. Ainda há pouco foi feita cobertura ampla de uma
reunião de líderes sindicais. As pessoas que ficam sonhando coisas a respeito
da Globo reclamam que o (Jair)
Meneguelli (presidente da Central Única dos
Trabalhadores, a CUT) não entra. Ora, estava lá o Meneguelli. No Jornal Nacional.
PLAYBOY-
Você conhece o Roberto Marinho pessoalmente?
GARCIA- Estive com ele
umas duas ou três vezes, mas sem oportunidade de conversas longas. Almocei com
ele, já faz uns seis meses, junto com um grupo de jornalistas da Globo.
Conversamos muito sobre...(hesita). Não vou falar de assuntos gerais, porque
vai parecer que eu estou querendo esconder alguma coisa. Mas o doutor Roberto
Marinho falou muito da vida dele, do lado italiano que ele tem, o lado materno.
Ele me fez a mesma pergunta em duas ocasiões: “Ninguém reclama da sua
crônica?”. Eu disse: “O senhor está confirmando que ninguém reclama. Por que se
fossem reclamar procurariam o senhor.
PLAYBOY-
Ontem, a Globo teve de abrir espaço para uma réplica de Leonel Brizola, por
ordem judicial. Você acha que esse raro direito de resposta concedido pela
Justiça é positivo?
GARCIA- Não vou opinar
sobre decisão da Justiça.
PLAYBOY-
E sobre o texto do Brizola?
GARCIA- Eu não vi,
estava dando entrevista a você.
PLAYBOY-
E o editorial de O Globo contra o
Brizola, de dois anos atrás, que deu início a isso tudo, você leu?
GARCIA- Não. Não.
PLAYBOY-
Você evita ler e ver o que faz referência à casa por algum motivo especial?
GARCIA- Não é isso. É
que tenho pouco tempo para dar conta das minhas coisas. Não posso ficar
divagando com coisas que não afetam o meu trabalho. Agora mesmo, o pessoal do
Ministério dos Transportes veio aqui dizendo que vai fazer uma campanha da paz
na estrada. Eu disse que não é comigo. Indiquei alguém do departamento de
relações públicas.
PLAYBOY-
Na Manchete também era assim?
GARCIA- Na Manchete
havia essa confusão, infelizmente. O Adolpho (Bloch) me pedia para ir junto com ele para fazer os pedidos no
governo. Eu ia, ficava muito constrangido. O Adolpho era mais um empresário,
não percebia as questões do jornalismo. Para ele, eu era mais um dos
representantes dele em Brasília. Aqui na Globo, o representante dos interesses
do doutor Roberto em Brasília se chama Toninho Drummond (diretor regional).
PLAYBOY-
Como você ajudou os Bloch a ganhar a concessão de TV?
GARCIA- Eu estava em
Bogotá, acompanhando a viagem do presidente Figueiredo para a revista Manchete.
Ele me viu e disse: “Vocês não vão mais ganhar a concessão porque vão mostrar
mulher pelada na televisão”. Aí o Oscar (Bloch)
me pediu para insistir com o Figueiredo. Fui ao hotel na hora que o Figueiredo
estava tomando café no quarto. Entrei lá, sentei com ele. Disse: “Olha
presidente, o Oscar não dormiu a noite toda. Está preocupado e me pediu para
vir dar garantias de que isso (mostrar mulher pelada) nunca vai acontecer”. Ele
disse: “Está bom, eu sei. Ele dá garantias, mas depois bota” (risos).
PLAYBOY-
Parece que ele acertou. Afinal, você saiu da Manchete dizendo que teve excesso
de mulher pelada, não foi?
GARCIA- Foi. Fiquei
chocado com a transmissão dos bailes de Carnaval, de 1988.
PLAYBOY-
Mas você ficou mesmo assistindo o Carnaval madrugada adentro?
GARCIA- Não. Eu assisti
à tarde. Era uma repetição de cenas da madrugada. Fiquei impressionado com as
frases: “Olha a xoxota dela; vira a bunda pra cá; o que ele tem no meio das
pernas?” Não sei quem era o apresentador, mas era linguagem muito chula.
PLAYBOY-
Mas não foi você o sujeito que perdeu o emprego de porta-voz por ter dado uma
entrevista liberada para a revista Ele
& Ela contando seus sucessos sexuais?
GARCIA- Dizer que perdi
o emprego dá uma ideia errada da situação, porque parece que eu estava agarrado
ao cargo. Na verdade, fui empurrado lá para dentro. E o maior problema
aconteceu com quem não tinha lido a entrevista, mas ouviu falar dela. Eu não
contei intimidade sexual nenhuma. Sobre intimidades, eu até disse que essas são
coisas que a gente guarda no cofre e joga a chave fora.
PLAYBOY-
Você conta no seu livro que escreveu sua própria entrevista. Como isso é
possível? Você deu entrevista para Alexandre Garcia?
GARCIA- Não escrevi. Eu
reescrevi (risos). A entrevista foi
feita e me foi entregue um original que eu tenho até hoje guardado aqui em
casa, como prova de que existe uma versão diferente. Eu dei uma penteada...
PLAYBOY-
Tirou ou acrescentou?
GARCIA- Tirei e
acrescentei. Acrescentei algumas qualidades para mim (risos). Algumas coisas que achei que estavam muito sem graça eu
tirei. Confesso que aquela entrevista é um pouco pedante mesmo, mas eu revisei.
PLAYBOY-
E nem desconfiou que estava colocando sua cabeça na guilhotina?
GARCIA- O problema era
uma divergência com o Said Farhat (ministro-chefe
da Secretaria de Comunicação do governo Figueiredo) no tratamento do
noticiário e com os jornalistas. Ele era mais formal. Eu era informal. Acho que
o Farhat viu ali uma oportunidade de se ver livre de mim, porque não foi ele
quem me escolheu. Eu tinha outro candidato. E foi imposto a ele o meu nome. Eu
fui convidado e pensei muito até aceitar. Cheguei a dizer para o (então coronel) Rubem Ludwig (secretário de imprensa no final do governo
Geisel e secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional no início do
governo Figueiredo) que não ia aceitar porque o Farhat já começou dizendo
que estava precisando de meu trabalho e achava que ia me convidar, quando eu já
sabia que estava convidado.
PLAYBOY-
Como o presidente reagiu à sua entrevista? Consta que ele disse que ficou com
medo de tirar a calça na sua frente, depois de ter lido aquilo.
GARCIA- Disse mesmo.
Numa viagem, estourou um tubo hidráulico do avião e ele teve de trocar a calça.
Aí ele fez essa observação. O Figueiredo deixou claro que tinha visto toda a
revista. Comentou que ficou muito impressionado com a história de uma loira que
trepou com um negro na cozinha.
PLAYBOY-
O Figueiredo gostava de comentar sacanagem?
GARCIA- Raríssimas
vezes, mas lembro que depois de eu ser porta-voz ele disse que ia se matar
porque não podia mais montar, nem fumar, nem trepar. Eu disse: “Bom, fumar e
montar, tudo bem. Mas namorar, presidente?” E ele disse: “Mas com essa cara de
jabuti, onde quer que eu vá todo mundo me reconhece” (risos).
PLAYBOY-
Aquela passagem pelo governo, ensinou você a perceber quando os integrantes do
governo mentem?
GARCIA- O pior é que
não, porque já fui enganado. Quando era ministro da Justiça, o Bernardo Cabral
me passou uma informação, eu pus a notícia no ar, e foi a última vez que eu
confiei nele. Não lembro qual era a informação, mas ele me usou para fazer um balão-de-ensaio.
Mas isso não acontece sempre. É coisa de cabotino ficar contando vantagem, mas
acho que o respeito mútuo ajuda a fazer com que as pessoas não tenham coragem
de contar mentira. Eu não peço nada, porque não posso dever favores. E não
posso ter intimidade, porque tem de haver uma distância, uma garantia, digamos,
sanitária.
PLAYBOY-
Vamos falar de outros aspectos de sua carreira de porta-voz. Como era seu
relacionamento com “as jornalistas maravilhosas” que estavam “a fim, forçando a
barra”, segundo suas definições da época?
GARCIA- Isso saiu na
PLAYBOY. Faz parte do meu período de bazófia, de contar vantagem. Um canto de
cisne, no deslumbramento do limiar dos 40 anos de idade. Estou fazendo agora
uma espécie de confissão. Na verdade, eu peguei um fato e generalizei...
PLAYBOY-
E foi bom para você?
GARCIA- Não foi. Foi um
exibicionismo idiota.
PLAYBOY-
Na mesma linha: você ainda despacha manequins interessadas em você com “adeus,
minha filha, que eu não sou objeto sexual”?
GARCIA- Não, não despacho
mais (sem jeito). Hoje em dia isso é
totalmente impossível de acontecer.
PLAYBOY-
Era boa a vida de solteirão?
GARCIA- Foi, na época.
A vida de casado, para mim, é muito melhor que a de solteiro. Talvez até eu
tenha vivido com 30 anos o que devia ter vivido com 20. Não sei por que isso
aconteceu. Mas, felizmente, eu vivi esse período. Já pensou eu chegar aos 60 e
descobrir que ainda precisava viver algumas experiências? Seria um caminho
talvez ridículo.
PLAYBOY-
Mas, enfim, naquele período em que falava pelo governo, você era ou não
bastante assediado?
GARCIA- Se eu der uma
volta sobre as coisas que acontecem em Brasília hoje, você que aquilo era
fichinha. Eu era um aprendiz. Claro que aquele era o período da abertura (risos). As coisas eram novidade. Hoje
virou rotina.
PLAYBOY-
Você virou um crítico da desinibição sexual de Brasília?
GARCIA- Não exatamente.
Sou um crítico do uso irresponsável do poder misturando-se com assuntos
sexuais. Sou crítico da leviandade sexual. Eu, por exemplo, acho criticável uma
cena como a do deputado que estava no gramado da Câmara dos Deputados com uma
jornalista e tiveram suas roupas furtadas. Ficaram os dois pelados lá. (O caso envolve um ex-deputado e uma
jornalista paranaenses e ambos negam que o episódio tenha ocorrido). Acho
que é escandaloso um deputado fazer isso na porta do Congresso.
PLAYBOY-
Os poderosos que você entrevista suas intimidades?
GARCIA- Não. Quando o
sujeito sugere alguma coisa, dizendo que eu era conquistador, dou um gelo
imediato. Faço questão que a pessoa perceba que não vejo nenhuma vantagem em
ser um conquistador. Também não conto piadas com fundo sexual para autoridades,
para não criar intimidade.
PLAYBOY-
Mas você ouve muita coisa?
GARCIA- Ouço. É
impressionante. As pessoas que acham que fazem segredo em Brasília estão muito
enganadas. Não existe segredo. Não sei se é assim em Washington, mas aqui todo
o mundo sabe da vida de todo mundo. Quem não quiser que os outros saibam, que
não faça. Não são coisas que causam espanto. Encaro com frieza jornalística. É
bom que eu saiba, porque, se um dia precisar usar jornalisticamente, ou se isso
puder ser um elemento de avaliação sobre alguma pessoa ou fato, tenho os
elementos para falar.
PLAYBOY-
Conte uma história dessas.
GARCIA- Quando não tem
provas, o jornalista sensato não fala em nomes.
PLAYBOY-
O fato de ter mudado do jornalismo impresso para o vídeo aumentou seu sucesso
com as mulheres?
GARCIA- Também não.
Quando eu comecei na televisão, já fazia três anos que conhecia minha mulher.
Estávamos em vias de casar. E quando a conheci foi uma mudança do dia para a
noite. Passei quarenta anos procurando. Depois de ter achado, eu brincava com
ela, dizendo que ela venceu uma concorrência pública. A brincadeira seguinte
foi: “Você me salvou da Aids”.
PLAYBOY-
Então vamos recordar seu primeiro lance nessa concorrência pública. Que idade
você tinha?
GARCIA- Eu era um
menino de 13 ou 14 anos. Morava em Estrela (RS).
Aí, um amigo mais velho chegou: “Olha, lá na esquina tem uma empregada e a
amiga dela”. Eram a Tuti e a Lourdes, eu e o garoto. Minha única saída noturna
era para ir ao açougue e fui para lá. Fui umas duas vezes. Ela trabalhava na
casa de um professor e pastor evangélico. Deve ter achado muito divertido ter
encaminhado um menino. Ela tinha 29 anos. Eu contei essa história uma vez. A consequência
de ter contado é que uns amigos da época passaram a me ligar, para dar sustos: “Olha,
a família da Tuti não gostou do que você disse. Parece que ala já é avó”.
Estrela tem uma máfia de gozadores que vivem para isso. Diziam que a Tuti
estava entrando com um processo contra mim. Mas eu é que podia processá-la,
porque eu era menor de idade. Ela é que me seduziu (risos).
PLAYBOY-
Você se casou três vezes oficialmente?
GARCIA- E u me considero que me casei três vezes,
duas oficialmente. Até encontrar a Jô, em 1981, não acreditava que fosse me
casar de novo. Eu lembro que, dois anos antes de conhece-la, uma mulher leu a
minha mão, disse que eu teria três filhos e que o verdadeiro amor da minha vida
estava na Europa. Eu imaginei uma sueca, loura, de 1,90 metro, olhos azuis. E
era a Jô (goiana, morena, 1,72 metro,
olhos castanhos), que morou na França durante muitos anos.
PLAYBOY-
Você acredita em quiromantes?
GARCIA- Não, mas foi
uma bela coincidência. Porque hoje eu tenho três filhos. Provavelmente não vou
ter mais porque fiz vasectomia. E meu verdadeiro amor estava na Europa.
PLAYBOY-
Se não acredita, por que foi ler a sorte?
GARCIA- Não, não fui.
Era a amiga de uma amiga minha que veio a Brasília. A gente jantou junto. Ela
disse que lia mãos e eu pedi para ler a minha. Foi uma coisa de improviso. Tem
também uma vizinha da minha mãe que lê a sorte. Um dia minha mãe a chamou e ela
leu a sorte da gente. Na época, já tínhamos a menina, e ela disse que nós
teríamos também um filho homem, que eu sairia da Manchete e que viajaríamos
para o exterior. E disse que estava vendo a perda de um membro da família, não
sanguíneo, de morte violenta. Meses depois, o marido da irmã da minha mãe morreu atacado por um enxame de abelhas.
Coincidência ou não, as previsões aconteceram. E sempre lendo a mão.
PLAYBOY-
E você passou a fazer isso toda semana, claro...
GARCIA- (Risos) Não. Nunca mais.
PLAYBOY-
Você é católico?
GARCIA- Eu vou à missa
com alguma frequência, de domingo à tarde. Não comungo.
PLAYBOY-
E você pede coisas para Deus? Faz promessas?
GARCIA- Quando estou no
aperto, sim. Tenho uma promessa que eu fiz a mim mesmo, não a Deus, e acho que
me puniria se não cumprisse. Não tenho que paga-la a Deus. É uma promessa de
conduta pessoal.
PLAYBOY-
É fácil ser religioso?
GARCIA- Não sou
religioso, no sentido comum. Na minha religião eu discuto com o padre. Briguei
com o padre da minha cidade, no último Natal. Tivemos uma polêmica pelo jornal
de lá porque a igreja local foi dilapidada. A Matriz, com mais de 200 anos, no
estilo clássico, tinha quatro altares laterais esculpidos em madeira, pintados
a ouro, com abóboda lindíssima. Foi convertida num auditório profano, com teto
rebaixado, cheio de alto-falantes, cheio de propaganda política. Eu reclamei.
PLAYBOY-
A ação social da Igreja incomoda você?
GARCIA- Acho que a
Igreja deve deixar os partidos políticos fazerem sua função porque a raiz da
nossa crise é moral. E a matéria-prima da religião é a moral. Então a religião
é muito responsável pela crise moral brasileira. Como a religião está cumprindo
papel de partido político, os políticos não estão se preocupando com os
problemas sociais como deveriam. Também quero uma Igreja, para usar o termo
dela, aggiornata. Ela tem que se
atualizar. Mas como é que o papa diz uma coisa e isso é mudado? O dia em que
saiu a pastoral da família eu disse que o papa acertou na mosca. O papa disse: “A
família é a medida de todas as coisas”. Aí a CNBB entra com um negócio que não
tinha nada a ver.
PLAYBOY-
E você ainda encontra essa Igreja que gosta em algum lugar?
GARCIA- Encontro sim.
Aqui, a paróquia do Lago Norte, por exemplo. Não tenho nenhuma queixa a fazer.
Ao contrário. Está sendo feita uma igreja. Eu contribuo para as obras. Mas teve
um negócio que eu fiquei preocupado: procurei logo ver a planta, queria ver se
ia ter torre (risos). Até agora não
fizeram. Já imaginou uma torre com sinos? (empolgado).
Aqui não se ouve sino de igreja. Lá em Estrela, uma de nossas travessuras era
subir na torre da igreja. E o padre morava em frente à praça. Ele corria para a
igreja e fechava a porta. Então nosso castigo era ter que ouvir o sino de
perto. Peimmmm! (imita). O medo da
garotada era estourar o tímpano. Não chegava a isso, mas a gente ficava
apavorado na hora das badaladas.
PLAYBOY-
Mas você não fez, no tempo de estudante, um poema para dom Hélder Câmara, um
bispo preocupado com a questão social?
GARCIA- Isso foi no
primeiro ano da faculdade. Deixa eu ver: “Cuidado dom Hélder,/ estão matando os
heróis do novo mundo:/ Luther,/ Kennedy,/ Guevara”. Começava assim. “Cuidado
dom Hélder,/ Mas cuida, primeiro, / do pobre posseiro,/ que continua/ - hoje,
maio de 1968 - / açoitado, perseguido e morto.” Era um manifesto
democrático-libertário em defesa dos oprimidos. Essa foi a poesia política,
digamos. Mas eu fazia mais poesia para as meninas da aula. Fiz uma assim (recita): “Calandra musa/ musa calandra/
pobre de rima/ pobre de mim”. A menina se chamava Glória. Eu fazia um
trocadilho, “Glória nas alturas”, mas não lembro da poesia toda.
PLAYBOY-
E a cantada poética pegou? Deu para tirar a Glória das alturas?
GARCIA- Não. Foi um
amor platônico a vida toda (ri e se
corrige). A vida toda, não. O ano inteiro. Meu amor do primeiro ano foi
absolutamente platônico.
PLAYBOY-
Você estava bem maduro quando foi para a faculdades e acabou retornando para o
jornalismo, não foi?
GARCIA- É. Tinha 26
anos, por aí. Fui presidente do Centro Acadêmico, na época, segundo ano, foi um
período difícil, 1968, 1969. Lembro que eu era chamado ao Dops de vez em
quando. Isso as pessoas não falam, quando falam de mim. Tinha sido presidente
da aula (líder da classe). No último
ano, o Jornal do Brasil decidiu botar uma vaga de estagiário à disposição da
faculdade. A escolha devia ser feita pelo voto. Aí, eu avisei meus eleitores:
sou candidato. Fui eleito, tranquilo.
PLAYBOY-
Mas você continuou empregado do Banco do Brasil. Não era melhor, para um
jornalista, desligar-se de um emprego público?
GARCIA- Era. Tanto que
pedi demissão. Mas o Nestor Jost (presidente
do banco na época) me chamou e rasgou o pedido: “Não, você tirou primeiro
lugar. Não pode sair. Você fica de licença”. Eu fiquei de licença, sem
remuneração e pagando a Previdência Social sozinho. Fiquei quase dez anos
assim. Depois, quando o banco precisou de alguém para fazer um jornalzinho
interno, eu disse que podia, desde que fosse por tarefa. Eu não podia ter
horário.
PLAYBOY-
Qual era sua função no banco quando o Nestor Jost rasgou sua carta de demissão?
GARCIA- Eu era
escriturário.
PLAYBOY-
E como é que você teve contato com o presidente do banco?
GARCIA- Eu mandei a
carta, e ela foi para a direção do banco, que era no Rio. E o Nestor Jost ia
muito a Porto Alegre.
PLAYBOY-
Ele conhecia você?
GARCIA- Não. Mas ele
recebeu a carta e alguém deve ter informado que eu estava no jornal. Um
assessor dele me disse, lá no banco, que o Nestor Jost estava em Porto Alegre e
queria falar comigo. Fiquei de licença muito tempo. Depois fui fazer o
jornalzinho do banco. Mais tarde, entrou videoteipe no banco e eu passei a
gravar vídeos, dentro desse acordo. Fazia apresentação, até me aposentar, há
quatro anos.
PLAYBOY-
Uma vez, falando desse emprego, você comentou que fazia em duas horas o que
muita gente levava oito para fazer, não é? Dê alguns exemplos de coisas que
você faz tão depressa.
GARCIA- Esse jornal,
por exemplo. Era feito por gente de dentro do banco, que não tinha experiência.
Eu chegava lá e fazia os textos em uma hora. Então, em duas horas dava para
fazer um jornal inteiro. O próprio vídeo, depois. Gravações que levariam o dia
inteiro eu fazia em duas horas.
PLAYBOY-
E não era o caso de você ganhar só por essas duas horas de trabalho?
GARCIA- Mas se fosse
ganhar por duas, dentro desse raciocínio, eu ganharia até mais, cobrando como
uma empresa do ramo. Na verdade, fiz mais trabalho ganhando menos. Acho que o
banco saiu ganhando. Eu recebia por mês menos do que ganhava por uma palestra
de duas horas.
PLAYBOY-
Você acha que o Banco do Brasil é privatizável?
GARCIA- Não sei. Não
tenho opinião sobre isso. O que tenho ouvido do presidente e do ministro da
Fazenda é que o governo precisa ter um banco. Tanto que não se falou até agora
da privatização do Banco do Brasil.
PLAYBOY-
Se fosse privatizado, o que acha que devia ser feito com outros funcionários
encontrados na situação que você viveu dentro do Banco do Brasil?
GARCIA- O melhor era
chamar e conversar com eles. O novo proprietário deveria discutir a
possibilidade de acordo: quer ou não quer?
PLAYBOY-
Ou seja, sai ou fica e dá expediente integral.
GARCIA- Não sei. Podia
discutir se ele quer continuar recebendo o que ganha, como empregado, ou se
quer receber como autônomo para fazer dois vídeos por mês, se for o caso.
PLAYBOY-
Fora do Banco do Brasil, você também faz em duas horas o que os outros levam
oito para fazer?
GARCIA- Além de dirigir
o jornalismo em Brasília e entrar com minhas reportagens locais e no Jornal Nacional, eu tenho uma coluna
distribuída para 52 jornais, faço comentários para a Rádio Gaúcha e tenho a
crônica dos bastidores do Fantástico.
PLAYBOY-
Como são obtidas as imagens para a crônica?
GARCIA- Os
cinegrafistas, e isso é a base de tudo, estão atentos ao trabalho deles e
àquilo que acontece em paralelo também. Se alguém está dando entrevista,
tropeça e cai, o cinegrafista continua com o trabalho dele. Mas ele não percebe
o escorregão que a pessoa está dando durante uma entrevista. Aí precisa da
produtora, da editora que fica vendo as fitas e separa as imagens que eu posso
usar ou não. Digamos que ela separa trinta imagens na semana e eu seleciono
umas oito. Nada é de propósito. Não existe isso de mandar o cinegrafista lá para
a galeria da Câmara, para ficar de olho nos deputados. O que vai para a crônica
é subproduto da cobertura diária.
PLAYBOY-
Parodiando Roberto Marinho, ninguém reclama de ser exposto na crônica?
GARCIA- É raríssimo. Eu
tive uma reclamação do Fernando César Mesquita, quando era porta-voz do Sarney.
Ele até me desafiou a botá-lo na crônica cantando e dançando “Eu sou da mamãe”.
Cantou e dançou na frente da câmera. E eu botei aquilo no ar (risos). Depois disso, teve uma deputada
do Espírito Santo, a Rose de Freitas (PSDB),
que me disse que uma imagem da crônica acelerou a separação dela. Ela aparecia
abraçada com o Bernardo Cabral, que naquele tempo não tinha fama. Eu peguei uma
cena em que ela dá beijinho no Bernardo colocando uma pasta na frente. E nós
aproveitamos para escrever na pasta “The End”, como em final de filme
americano. Ela me disse que chegou em casa e o marido já estava de mala pronta
para ir embora. Mas a culpa não foi da crônica. Se era um casamento que podia
acabar por uma coisa tão pequena, não valia a pena continuar. Há também há quem
reclame por não aparecer.
PLAYBOY- Quem, por
exemplo?
GARCIA- O (deputado) José Lourenço (PFL-BA) uma ocasião me procurou: “O que
você tem contra mim que eu não saio na crônica?” Expliquei que ele não tenha
feito nada que pudesse entrar. No dia seguinte, no meio de um discurso, ele
arrancou o microfone e o atirou no (senador)
Iran Saraiva (PMDB-GO), que anda numa
cadeira de rodas. Eu liguei para ele dizendo que não precisava exagerar
(risos). Quando eu dei a minha grande gafe, chamando o Collor de rei do Brasil,
durante a visita do príncipe Charles, o Alberico me ligou: “Quero ver você
agora botar o seu erro na crônica”. Então, no domingo, repeti a cena da gafe e
disse que em pelo menos um lugar de Brasília meu erro causou profunda
satisfação: na Casa da Dinda (risos).
PLAYBOY-
Há pouco tempo, a Lilian Witte Fibe entrou depois de uma notícia sua dizendo: “Não
é bem assim”. Ou seja, recauchutou o que você disse. Isso o incomodou?
GARCIA- Não. Eu vi no
ar, ao vivo, e fui dormir depois muito tranquilo.
PLAYBOY-
Mas era bem assim, como você tinha dito, ou não era bem assim, como ela disse?
GARCIA- Eu não sei se
era assim ou não era. Era a opinião dela. O que eu disse na época é que os
bancos seriam afetados pelo plano, porque ganhavam muito com a inflação. E,
considerando que os bancários têm grande força dentro da CUT, era óbvio que a
CUT faria força contra o plano. A Lilian tinha outras notícias a respeito do
mesmo assunto e acrescentou a informação. Se ela continuar acrescentando, vai
ser ótimo, porque as pessoas têm de receber todos os lados da informação. Mas
posso garantir que ela não teve nenhuma intenção de brigar comigo no ar. Nós
somos amigos há dezessete anos. E a nossa amizade não foi afetada nem vai ser
por fofocas de jornal.
PLAYBOY-
Qual foi a notícia furada que o Bernardo Cabral fez você dar?
GARCIA- Não lembro
mais. Mas teve uma vez que eu me enrolei no ar. Estava em frente ao Palácio
para entrar ao vivo na programação. Aí parou um carro, desligou as luzes. Não
sei por que, imaginei: “Se esse cara quiser pegar um fuzil e me dar um tiro,
sou alvo fácil”. Faltavam trinta segundos para entrar no ar. Quando entrei
tinha esquecido o que ia dizer. Aí fiquei falando sobre as coisas que tinham
acontecido naquele dia, meio sem rumo, até recordar o que ia dizer. Quando
cheguei na redação, perguntei se os colegas tinham notado. E responderam: “Notar
o quê?” Eu disse: “Porra, vocês não prestam atenção no que eu digo?” Na hora do
vivo, tem dias que eu entro tranquilo e tem dias que entro nervoso...
PLAYBOY-
Nervoso com quê?
GARCIA- Estresse, muito
trabalho.
PLAYBOY-
E nervosismo por causa de problema financeiro, você tem algum?
GARCIA- Não cuido do
meu dinheiro. Se eu vou em preocupar com dinheiro, vou ter problema de
desempenho no trabalho. A ministra da Fazenda da minha casa é minha mulher.
PLAYBOY-
O jornalismo dá dinheiro?
GARCIA- Não é que dá
dinheiro. O meu carro foi comprado num consórcio de sessenta meses. Não posso
comprar um Ômega à vista. E a Elba da minha mulher foi trocada por dois carros
antigos que eu usava até hoje. Acho que, dependendo da quantidade e qualidade
do trabalho da gente, o jornalismo pode dar certa recompensa.
PLAYBOY-
E isso, no seu caso, quer dizer quanto?
GARCIA- Ah, não sei. O
suficiente para viver.
PLAYBOY-
Na sua análise, o plano FHC foi bom para os assalariados?
GARCIA- Foi uma medida
inteligente dolarizar os salários. Dali para frente não há perda. Dali pra trás
é outro assunto.
PLAYBOY-
Você considera o plano uma boa plataforma política?
GARCIA- Pode ser boa ou
péssima. Depende de funcionar ou não. O plano tem 50% de chance de ser uma
plataforma política e 50% de ser uma cova política. Então não pode ser levado
em conta. Se eu fosse um estrategista político, não levaria.
PLAYBOY-
Em quem você votou em 1989?
GARCIA- Não votei.
Desse mal não posso ser acusado. Estava trabalhando no Rio de Janeiro. Como eu
sabia que não ia votar, não me preocupei muito. Mas, se fosse votar, tinha
simpatia pelo Mário Covas. Até preferia não aparecer dizendo isso, porque ele é
candidato ao governo de São Paulo e pode parecer que estou fazendo apologia do
nome dele.
PLAYBOY-
O Fernando Henrique Cardoso também é tucano. Você o considera um bom candidato?
GARCIA- Não vou me
manifestar sobre isso. Falei no passado, mas não vou falar no presente.
PLAYBOY-
Quando o Fernando Henrique Cardoso ainda era um professor universitário, você,
então porta-voz, falava numa certa “intelligentsia burra de esquerda”. O
candidato do PSDB a Presidência era integrante dessa turma?
GARCIA- Não. Tive uma
oportunidade de conversas com ele num voo de Brasília a São Paulo. Tinha um
lugar vago e eu sentei ao lado dele, quando ele era ministro das Relações
Exteriores. Quando cheguei a São Paulo, tinha formado uma opinião ótima dele.
Eu nunca incluí o Fernando Henrique na esquerda burra. Aliás, as pessoas
conhecidas de esquerda acho que não são da esquerda burra. Mas tem esquerda
burra e direita burra. Se a gente for aceitar essa concepção de esquerda e
direita. Esse negócio de divisão entre esquerda e direita é coisa de
conservador. Aqui na Câmara tem pessoas tão modernizadas que poderiam estar na
Europa, na Comunidade Europeia, e são chamadas de esquerda. Tiveram a
clarividência de acompanhar o mundo. Se quiser citar nomes, cito Aloísio
Mercadante (PT-SP), José Genoíno (PT-SP), Paulo Delgado (PT-MG), Sérgio Arouca (PPS-RJ), Augusto Carvalho (PPS-DF). Um monte de gente que não tem
nenhuma diferença em relação aquilo que eu admiro em Margareth Tatcher.
PLAYBOY-
Não tem exemplos de modernidade mais à direita?
GARCIA- Tem, tem.
Eh...(hesita)...Está mais difícil.
Sandra Cavalcanti (PPR-RJ)...Bom, se
alguém chamar o (senador) Jarbas
Passarinho (PPR-PA) de direita, eu
cito ele também.
PLAYBOY-
Você cancelou sua ficha de filiação ao PDS ou ela foi transferida
automaticamente para o PPR?
GARCIA- Naquela época,
assinei mesmo a ficha. Mas ela já está cancelada há muitos anos. Liguei para o
partido, depois que saí do governo, e disse que aquilo não valia mais, que
podiam cancelar. Tinha assinado a ficha a pedido do Golbery. Se hoje fosse
assinar ficha de algum partido político, deixaria de ser jornalista no mesmo
momento. Fizeram uma pesquisa aqui em Brasília e concluíram que eu era um bom
candidato para o governo e vieram me pedir...
PLAYBOY-
Quem veio?
GARCIA- Bom, o
governador me ligou. Luís Estevão (empresário,
amigo do ex-presidente Fernando Collor) me ligou. O presidente do PMDB
esteve aqui. Disse para todos eles: no momento em que eu me inscrever num
partido, rasgo meu diploma de jornalista e pelo demissão da Globo, porque não
posso ser as duas coisas ao mesmo tempo. Não dá nem para ser simpatizante de um
partido. Acho que é uma desonestidade para com as pessoas que acreditam na
gente. Mas não tenho nada a ver com os quer tomaram esse caminho. Problema
pessoal deles.
PLAYBOY-
Quem é o amigo com quem você discute política, jornalismo, furos, enfim, abre o
seu coração?
GARCIA- Tenho um velho
amigo do SBT, Luiz Gonzaga Mineiro, mas só converso com ele de vez em quando. É
um pé-de-boi. Está sempre trabalhando: eu também estou. Então, é raro
conversar. Não dá tempo. A gente se encontra no aniversário dos filhos. Curto os
furos aqui dentro, onde todo o mundo vibra com as boas notícias de todo o
mundo.
PLAYBOY-
Do jeito que você fala, parece que família e trabalho viraram mesmo os únicos
compromissos da sua vida. Como você equilibra essas duas paixões?
GARCIA- Vou contar uma
história. Tenho um compromisso religioso, todos os dias ás 3 da tarde. Outro
dia, estava com o ministro Murilo Hingel (da
Educação). Olhei o relógio, faltavam 15 para as 3, e ele estava tentando me
explicar planos na área de educação. Eu disse para ele: “Ministro, o senhor vai
me desculpar, mas eu já tinha um compromisso para as 3 horas, e vou precisar
sair”. Saí correndo. Depois a gente continuou. Ele vai ficar sabendo agora que
eu enganei ele. Fui para a escola pegar as crianças, que são a prioridade
maior.
Publicado originalmente
na revista Playboy em junho de 1994
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