Playboy entrevista
Boris Casoy
Uma conversa franca com
o âncora do SBT sobre telejornais, políticos, eleições, vergonhas e o Brasil
que precisa ser “passado a limpo”
Durante grande parte do
segundo semestre de 1992, em que palpitava o processo de impeachment do
presidente Fernando Collor de Mello, o Brasil teve, todas as noites, ás 19h45,
o encontro com a sua consciência: a imagem a voz de Boris Casoy pelo TJ-Brasil,
o telejornal do SBT que, pelo menos naquele período, rivalizou com o Jornal
Nacional, da Rede Globo e, para alguns setores da elite brasileira, até o
superou em prestígio e credibilidade. A maior responsável por esse prestígio
foi a presença do paulista Casoy, um jornalista de 51 anos que aparenta
exatamente a sua idade e que, quando se virava em close para a câmara bradava
“É uma vergonha, é uma vergonha, é uma vergonha!”, estava traduzindo ao pé da
letra o sentimento nacional. Era um pai severo e implacável puxando as orelhas
de quem se sentisse digno da carapuça.
Ao mesmo tempo, depois
de concluir aquela enxurrada de estarrecedoras revelações diárias, Casoy
enunciava o que, para muitos, deveria ser uma palavra de ordem: “É preciso
passar o Brasil a limpo”. Ou seja, liberava a sua indignação, mas retocava-a
com a esperança de que, apagados com borracha aqueles que vivem da esperteza e
do oportunismo, o Brasil teria chance de, finalmente, alcançar o seu tão
prometido futuro.
Boris Casoy fez tudo
isso – e continua fazendo – com o seu tipo aparentemente antitelevisivo por
excelência. Desde que, em 1988, trocou uma longa e bem-sucedida carreira no
jornalismo impresso pela aventura de se meter em televisão, Casoy derrubou dois
tabus nesse veículo: 1) o de que o importante num apresentador de telejornal é
a estampa hollywoodiana; 2) o de que é loucura dar liberdade a esse
apresentador para falar o que quiser. E Boris fez picadinho de ambos com uma
única arma: sua credibilidade. De passagem, arrebanhou até um eleitorado que o
considera, não se diria lindo, mas inegavelmente charmoso. As cartas que recebe
não o deixam duvidar disso.
Como Boris aparece
invariavelmente sentado na bancada do TJ-Brasil, o público que o conhece apenas
da televisão não sabe que ele claudica de uma perna – sequela de uma paralisia
infantil que fez com que, até os 9 anos de idade, em 1950, o jovem Boris
permanecesse preso a uma cama. “Eu era um saci”, ele ri. Sem andar, nadar,
pedalar, jogar futebol ou fazer qualquer estripulia de garoto. “Mas tirei a
diferença na adolescência”, diz ele, “e fui até bom goleiro”.
Seus pais judeus russos
chegados pobres a São Paulo em 1928, enriqueceram como fabricantes de biscoitos
e pães, fase em que Boris pode se tratar nos Estados Unidos. E empobreceram de
novo quando ele tinha 15 anos, o que o obrigou a começar cedo a trabalhar, como
locutor na extinta Rádio Piratininga de São Paulo. O próprio Boris pagou seus
estudos na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, curso que não chegou
a terminar, e investiu os doze anos seguintes, até 1968, em diversas emissoras
paulistanas, principalmente a rádio Eldorado. Naquele ano deu sua primeira
guinada: largou o rádio e tornou-se assessor de imprensa de políticos, entre os
quais um ex-prefeito de São Paulo, José Carlos de Figueiredo Ferraz, no início
da década de 70.
Foram seis anos
convivendo com as entranhas e artimanhas do poder, o que lhe deu um background
inestimável para seu pouso seguinte: o jornal Folha de S. Paulo, no qual, entre
1974 e 1988, foi, sucessivamente, editor de política, editor-chefe e editor da
coluna “Painel”. Boris era o homem no comando durante a inesquecível cobertura
da campanha das diretas pela Folha, em 1984.
Poderia ter-se
aposentado pelo jornal ou continuando na tranquila função de responsável pelo
“Painel”. Em vez, disso, atendendo a um convite do SBT, fez o que ninguém
esperava: tornou-se o âncora do telejornal de Sílvio Santos. Na verdade, foi o
primeiro âncora da televisão brasileira. Aos que lhe apostavam que Sílvio
Santos nunca lhe daria liberdade para trabalhar (talvez porque, não sendo
jornalista, o empresário desconfiasse dos profissionais de imprensa), Boris
respondia com sua confiança nos homens e quem iria responder: Marcos Wilson e
Luiz Fernando Emediato, então os homens fortes do jornalismo do SBT. (O último,
mais tarde, deixou a emissora.) E eles lhe garantiram que Sílvio Santos não
interferira. Boris foi, viu e venceu – pois só em São Paulo (única cidade em
que se faz esse tipo de mediação) é visto diariamente por 300.000 pessoas, que
garantem ao TJ-Brasil uma média de 10 pontos de audiência. Um mundo de gente
para um telejornal do seu estilo.
Para entrevistar Boris
Casoy, PLAYBOY destacou seu editor-contribuinte Ruy Castro, autor do recente O Anjo Pornográfico – A Vida de Nelson
Rodrigues. Entre uma e outra viagem durante a maratona de lançamentos de
seu livro e os compromissos de seu livro e os compromissos do próprio Boris,
Ruy e o âncora do SBT espremeram seis horas de suas agendas para esta “conversa
franca”. Eis o relatório de Ruy:
“Entrevistar Boris
Casoy foi um prazer. Fiz parte de sua equipe de repórteres especiais na Folha
entre 1983 e 1985 e sempre o admirei.; Como editor-chefe de um jornal em
fulminante ascensão, ele era rigoroso no tratamento com os subordinados, mas
conservava uma característica surpreendente para um profissional na sua
posição: a de uma sadia molecagem. Boris é um dos sujeitos mais engraçados com
quem já trabalhei. Tem sempre uma frase na ponta da língua e é um perfeito
imitador. Suas imitações de Jânio Quadros e Paulo Maluf faziam a redação se
dobrar de rir.
Vi-o, de dentro do
estúdio do SBT, comandar uma apresentação do TJ-Brasil. Diante das três câmeras
e das teleprompters em que vai lendo suas falas, ele é a seriedade encarnada.
Seus comentários improvisados depois de cada notícia soam como voz de uma
autoridade benigna, armada de seriedade e bom senso. Mas nem por isso menos
autorizada. É muito raro, mas ás vezes Boris erra – ao ler o teleprompter ou o
papel à sua frente. Quando isso acontece, ele desarma o telespectador com uma
picada sobre o seu próprio erro – e conquista esse telespectador com a certeza
de que, por trás daqueles óculos e daquelas câmeras, há um ser humano parecido
com os que o estão assistindo.
PLAYBOY-
Você é um caso raro de alguém que deu uma guinada espetacular na vida, numa
idade em que a maioria das pessoas que começaram cedo já está pensando na
aposentadoria. Afinal, já tinha 47 anos em 1988, quando trocou uma longa
carreira na Folha de S. Paulo por um sucesso estrondoso como âncora do
telejornal do SBT. Como foi isso?
BORIS CASOY- Eu já
tinha tempo de aposentadoria. Imaginava me aposentar com 75% do salário e me
antevia descansando. Até porque eu olhava para a redação da Folha e via uma
redação extremamente jovem. Comecei a me sentir velho. Isso me incomodava.
Tinha batido no teto, não queria mais ser editor do jornal e minha única
perspectiva era um dia-a-dia agitado fazendo a coluna “Painel”. Mas mesmo essa
agitação já era rotina. Então só me restava a aposentadoria.
PLAYBOY-
O que iria fazer de sua aposentadoria? Cuidar de um sítio, criar galinhas,
navegar na represa de Guarapiranga, em São Paulo?
CASOY- (Risos.) Provavelmente. Não, não iria
navegar na represa, porque não teria dinheiro para a gasolina do barco. Para
usar uma frase do meu querido e falecido Cláudio Abramo (ex-editor-chefe da Folha), talvez eu me tornasse motorista de
caminhão. Cláudio também havia batido no teto e a única maneira de começar de
novo, segundo ele, seria se tornando motorista de caminhão. A televisão foi a
minha maneira de começar de novo.
PLAYBOY-
É fácil imaginá-lo dirigindo um caminhão do que na fila dos aposentados,
esperando pelos 147%.
CASOY- Pois é. Mas o
que me agradaria era voltar a ser repórter. Voltar ao jornalismo de verdade.
Nada de administrar. O “Painel” era um pouco disso, mas já deixara de ser um
desafio.
PLAYBOY-
As informações políticas já lhe chegavam com facilidade e você não tinha de se
esforçar para garimpa-las?
CASOY- Não. Sempre
achei que, quando as fontes me telefonavam, era algo suspeito. Meu esporte
predileto sempre foi garimpar a notícia. Era o que eu fazia com um prazer
onírico.
PLAYBOY-
Mas, enfim, você deu uma reviravolta numa idade em que poucos brasileiros têm
essa chance e, mais importante, num veículo que privilegia a juventude, como a
televisão. Como explica isso?
CASOY- Por um erro de
televisão. Foi uma espécie de loucura do SBT, que provavelmente, eu não teria
cometido se soubesse a mim a decisão (risos).
Sou o produto de um erro que acabou dando certo. Para começar, não sou bonito.
Quer dizer, tem gente que acha...(risos).
Mas não sou um padrão de beleza global e não sou um locutor. Quando o Marcos
Wilson e o Luiz Fernando Emediato me convidaram para apresentar o telejornal, o
Sílvio Santos, que me conhecia pessoalmente, os advertiu: “Esse cara não é de
televisão”. Mas, na primeira noite em que eu fui ao ar, o próprio Sílvio me
telefonou e disse que seria um grande sucesso. Ele tem sensibilidade para o que
é televisivo.
PLAYBOY-
Você transgrediu todos os padrões, que exigem que o apresentador de um
telejornal seja bonito, jovem, magro, com pinta de galã. Eles deram uns retoques
no seu visual?
CASOY- Não. A única
preocupação foi com o modelo dos meus óculos. Tive de trocar.
PLAYBOY-
Na Folha você pesava 120 quilos –
muito para o seu 1,85 metro. Um mês depois aparecei na telinha
surpreendentemente magro. Foi uma recomendação deles?
CASOY- Não, porque eu
já havia emagrecido por razões médicas quando estava saindo da Folha. Fiz dieta e exercícios e estreei
na televisão com 93 ou 94 quilos. Vivo de dieta e caminho todo dia.
PLAYBOY-
Mas eles não mudaram seu penteado? Como muitos jornalistas, você parecia
permanentemente descabelado na redação da Folha.
CASOY- Não, o que eles
fizeram foi me pentear. Antes eu jogava o cabelo para o lado e passava o pente.
Agora sou penteado pelo cabelereiro, que me aplica laquê e maquiagem. A
maquiagem (creme Puff da Max Factor)
não é para melhorar a pele, mas para tirar o brilho. Só que nada consegue tirar
o meu brilho (risos).
PLAYBOY-
Outro efeito dessa sua reviravolta profissional pode ter sido na quantidade de
poder. Você passou a deter mais poder como âncora de televisão do que como
editor-chefe da Folha?
CASOY- Nunca pensei
sobre isso, porque acho que nenhum jornalista usufrui o poder. Pelo menos o
jornalista que quer continuar sendo jornalista. Talvez o meu poder seja
operacional. O poder do editor-chefe de qualquer grande jornal é mais pesado
junto às camadas dirigentes. E o poder do âncora de televisão – que não existia
no Brasil e que eu acabei criando – é mais pesado junto às massas, passando por
uma parcela parecida com a do editor do jornal.
PLAYBOY-
Você tem hoje acesso mais fácil a certas autoridades?
CASOY- O mesmo acesso
que tinha antes – e sou assediado da mesma maneira. No meu começo no telejornal,
eu não era tão procurado. Nós é que procurávamos o primeiro time para
entrevistar. Mas o programa ganhou credibilidade e a coisa se inverteu. Hoje dá
status ser entrevistado no TJ-Brasil.
No início do seu governo, o Collor só tinha tempo para a Rede Globo e nos
desprezava completamente. Tentei falar com ele duas, três vezes e então
desisti. Os meus colegas no SBT se incomodavam muito com isso, mas eu dizia:
“Ele virá. É inexorável”. E veio. Veio muitas vezes. De distante, ficou
partícipe. Num dia em que ele desapareceu em Brasília, em que ninguém sabia
onde tinha se metido, ele me telefonou para o TJ-Brasil. Mas o que facilita minha relação com o poder é que eu
não faço o telejornal para ele, poder, mas para o meu cliente, o meu amigo, que
é o telespectador.
PLAYBOY-
Vamos supor que você queira falar com o presidente Itamar Franco no meio da
tarde. Quanto tempo, dependendo da agenda dele, você leva para falar? Dez, quinze
minutos?
CASOY- Com qualquer
presidente, sempre levei o tempo entre um e outro compromisso dele. Basta que a
pessoa que ele estiver atendendo saia da sala. Até porque eu não telefone à toa
para o presidente da República. Estabeleço uma relação tão clara com o presidente
e com os ministros que eles sabem que não estou telefonando para bater papo,
mas para alguma coisa importante e que, provavelmente, interessa também a eles.
Então, esse telefonema é tão raro e precioso que, quando eu tento, eu falo. Mas
acho que muita proximidade com o poder não é bom – você detém informações
demais e isso te inibe a crítica. Tendo a achar que uma pessoa como eu deve
manter uma prudente distância do poder.
PLAYBOY-
A notoriedade lhe vale boas mesas em restaurantes? Gerentes que insistem em não
cobrar? Furar fila em aeroportos?
CASOY- Se dão as
melhores mesas em restaurantes, não percebo. Eu já frequentava esses mesmos
restaurantes. E gosto de enfrentar fila de guichê de banco. O custo disso é que
as pessoas me olham muito e eu ainda não me acostumei. Elas me fiscalizam para
ver se não estou recebendo privilégios. Mas nunca me abordam de maneira
mal-educada. O problema é que qualquer coisa simples e gostosa que gostava de
fazer, como tomar um cafezinho num shopping, agora ficou penosa e demorada. As
pessoas vêm conversar e não consigo me desvencilhar. É a mitificação da
telinha. Eu era um nome sem rosto, agora sou um rosto muito conhecido. De vez
em quando me chamam de Joelmir Beting, mas tudo bem (risos).
PLAYBOY-
Numa conversa informal com políticos fora das câmeras, eles lhe dizem muita
coisa que jamais diriam com a câmera aberta?
CASOY- Muitos deles
sim.
PLAYBOY-
Pode dar um exemplo?
CASOY- Não. O que os
políticos contam de grave é geralmente a respeito de outros políticos. Nunca
aconteceu de alguém me contar uma coisa que iria acontecer. Ás vésperas de um
dos planos de congelamento do governo Sarney, por exemplo, o Sarney me chamou
lá para garantir que não iria haver congelamento (risos).
PLAYBOY-
Mas, no caso do Plano Collor, não havia gente que já sabia da véspera do
confisco?
CASOY- Olhe, pelas
pessoas com quem falei, na época, pelas suas atitudes, pelas perspectivas que
se traçavam em Brasília- e eu cobri a posse do Collor em Brasília -, ninguém
sabia. Foi um segredo bem guardado, que aparentemente só vazou para o pessoal
mais próximo.
PLAYBOY-
E como se explica que várias pessoas, até jornalistas, tenha tirado dinheiro do
banco nas vésperas do confisco?
CASOY- Mas eu tirei o
meu dinheiro do banco nas vésperas e não sabia! Todo mundo pensa que eu sabia e
não consigo provar que não sabia. Antes da posse do Collor as pessoas me
perguntavam: “Você acha que vai acontecer alguma coisa?” Eu dizia: “Olha, acho
que pode acontecer, mas não na poupança”. Eu repetia o que o Collor havia dito
na televisão. Mas temi pelas minhas poucas economias e, quinze dias antes,
raspei tudo, sabendo que iria perder mais de 2% ao dia. Não sou homem de
investir e ganhar, não tenho cabeça para articulações financeiras. Prefiro
preservar.
PLAYBOY-
A maioria dos políticos representa muito quando a câmera da televisão acende?
CASOY- Não, a maioria é
aquilo mesmo. Até porque imagino que a interpretação já faça parte do dia-a-dia
deles. Não creio que seja por enganação ou maldade, mas a política os conduz a
isso. A política brasileira exige uma certa dose de teatro.
PLAYBOY-
Qual foi a declaração mais cara-de-pau que você já ouviu de um político?
CASOY- Você está
brincando (risos). Quer me comprometer? É por isso que eu jamais publicarei um
livro com as coisas que me contaram. Primeiro, porque estaria traindo as
pessoas que confiaram em mim. Ou então estaria traindo o leitor, por não contar
toda a verdade. Mas, se eu prometesse contar tudo e começasse a escrever,
certamente não terminaria o livro. Seria assassinado antes. Ou eu próprio
mandaria me assassinar (risos).
PLAYBOY-
Quem poderia querer assassiná-lo? (Risos)
CASOY- Não vou contar
Seriam as pessoas que confiaram em mim sabendo que eu jamais falaria, mesmo que
me pendurassem. Pessoas que abriram o jogo, me contaram coisas a respeito delas
mesmas, para provar que outras coisas não eram verdade. Não vou trair essa
confiança. Mesmo porque eu não gostaria de ser traído.
PLAYBOY-
Quem você escalaria como um mestre na arte de dizer exatamente ao contrário do
que pensava e com a cara mais sincera do mundo?
CASOY- Jânio Quadros.
Ele era hors concours.
PLAYBOY-
Orestes Quércia e Paulo Maluf se enquadram nessa categoria?
CASOY- Não. Isso é uma
lenda. Eles falam o que pensam. Todos os políticos podem fazer demagogia
eleitoral, mas falar o oposto do que pensava, ninguém mais mestre que o Jânio.
PLAYBOY-
Quando você finalmente se convenceu de que o presidente Collor mentia?
CASOY- Quando os
documentos da CPI começaram a aparecer.
PLAYBOY-
Mesmo antes, na campanha dele ou no começo do governo, você nunca teve motivos
para suspeitar?
CASOY- Bem, ele mentiu
na questão da poupança. Mas era uma mentira que, no quadro político da época,
parecia aceitável, porque em benefício de uma coisa maior. A população
acreditou naquele plano, que parecia ser um plano de salvação. As pessoas
acreditaram e eu também.
PLAYBOY-
Acreditou quando, com grande tranquilidade, Collor disse num daqueles debates
que não podia ter um aparelho de som como o do Lula?
CASOY- Claro que aquilo
era mentira. Mas o Lula não desmentiu. Por que o Lula não desmentiu? Será que
ele também acreditou no que o Collor estava dizendo? Eu estava lá – fui um dos
apresentadores daquele debate. Porra, o Lula não desmentiu! (Risos.) Talvez a tendência da gente
fosse achar que aquele era um lance do debate, uma coisa que fazia parte das
campanhas políticas brasileiras. Era “aceitável”. As mentiras inaceitáveis
foram as que aconteceram na época do impeachment. Porque, antes, o Collor fez
algumas coisas que eu achava até corajosas.
PLAYBOY-
Quais, por exemplo?
CASOY- A recessão. Ela
não era boa para ele. Eu sempre imaginava: “Nossa, ele está fazendo essa
recessão e ele é um político populista!” Talvez supusesse que, no final do
governo, com o fim da inflação e a retomada do desenvolvimento, ele fosse
carregado pelo povo. Quer dizer, o objetivo final era populista, mas as medidas
eram drásticas, antipopulares. E não é que fossem as melhores medidas. Eram as
únicas. Acho que se fosse o PT que tivesse assumido o poder, ia ter que fazer
isso também. Aliás, tenho certeza de que faria. Conversei com pessoas do PT que
me disseram isso. A diferença é que seria, talvez, uma recessão mais rápida.
PLAYBOY-
Você acha que o SBT foi mais influente que a Globo no resultado final da CPI em
termos de mobilização pelo impeachment?
CASOY- Acho que foi
influente na medida certa. O SBT não torceu pelo impeachment. Foi influente na
medida que expôs as feridas, as chagas. A Globo, como sempre, entrou no fim.
PLAYBOY-
Na véspera da votação do impeachment, quando o negócio parecia indefinido, você
sentiu um certo receio com relação à sua responsabilidade e a do SBT na
cobertura? Por exemplo: no caso do Collor ganhar, poderia haver uma revanche
contra você e o SBT?
CASOY- Não, porque
durante todo o tempo nós abrimos espaço para o Collor se defender. E nunca lhe
fiz nenhum ataque pessoal, e ele sabia disso. Os repórteres apenas alinhavam
aqueles fatos complicados de maneira compreensível. E os comentários que eu
fazia tinham a mesma retórica dos discursos dele – ou seja, de que a Polícia Federal
tinha de investigar tudo.
PLAYBOY-
Quer dizer que ele nunca se queixou?
CASOY- Ele tinha uma
queixa do Jô (Jô Soares) e do
TJ-Brasil. Mas a culpa era das pessoas que o cercavam e o enganavam – as
pessoas que se colocavam à disposição para defende-lo e, quando eram
convidadas, não vinham ao programa. Aí eu pedi uma lista de nomes ao Palácio do
Planalto. O Palácio mandou uma lista de nomes que se dispunham a vir, mas essas
pessoas não aceitavam. Toda vez que eu convidava alguém, vinha o Roberto
Jefferson (deputado federal pelo PTB do
Rio de Janeiro) – que, aliás, foi digno com o Collor até o fim. Essa foi a
única pressão que o Collor exerceu, e que eu considero uma pressão legítima.
PLAYBOY-
Outras pessoas não se queixaram de ameaças?
CASOY- Parece que sim,
mas as ameaças vinham da “tropa de choque”. Não se esqueça de que a “tropa de
choque” tinha nas mãos o Banco do Brasil. Não quero dizer quais foram as
ameaças porque, para mim, as pessoas que as faziam não tinham poder para
faze-las. Tanto que não me aconteceu nada.
PLAYBOY-
E, além disso, você era considerado o “muso do impeachment”, não?
CASOY- Não fiz nenhum
esforço para isso. Essa imerecida classificação se deu porque eu coloquei os
dois lados para falar – só que um lado gritava mais que o outro. As provas
estavam sendo exibidas, os indícios, os testemunhos, e eu apenas cobrava uma
resposta do presidente. Uma resposta que nunca veio.
PLAYBOY-
Quando você pediu para que se “passasse o Brasil a limpo”, não estava de certa
maneira exigindo uma punição em regra?
CASOY- Sim, mas se, de
repente, o Collor conseguisse provar que tudo aquilo era uma grande mentira, o
Brasil estaria sendo passado a limpo do mesmo jeito. Mas ele não conseguiu.
PLAYBOY-
“Passar o Brasil a limpo” é um dos seus bordões. O outro é “É uma vergonha”, é
uma vergonha, é uma vergonha!”. Como eles nasceram?
CASOY- O “É uma
vergonha...” nasceu de uma indignação minha. Era uma matéria longa sobre
descasos num pronto-socorro, com aquelas cenas dantescas que são comuns nos
prontos-socorros brasileiros. No final, a câmera abriu para mim e eu,
envergonhado de ser contemporâneo daquele tipo de fato, disse três vezes: “É
uma vergonha!” Não era moralismo, mas indignação mesmo. A equipe do TJ-Brasil
me esperou na porta do estúdio e, quando saí, eles disseram que eu tinha
cometido uma heresia em televisão. Eu estava em close e, dizendo aquilo, havia
agredido as pessoas em suas casas. Saí dali me sentindo o menor dos anões, um
canalha, tinha prejudicado a estação. Mas, quando cheguei a redação, o telefone
não parava: “É isso mesmo, é uma vergonha, repete, repete!” O que prova que
ninguém entende de televisão (risos).
PLAYBOY-
E o “É preciso passar o Brasil a limpo”?
CASOY- Esse foi
deliberado. Me reuni com um colega, o Dácio Nitrini – que eu chamo de meu braço
esquerdo no telejonas, já que sou canhoto -, e disse a ele que precisávamos de
uma frase que resumisse tudo o que o povo achasse que precisava acontecer. No
mesmo instante – BUM! -, baixou a frase na minha cabeça: “É preciso passar o
Brasil a limpo”. Parecia coisa de espiritismo. “O que você acha, Dácio?”,
perguntei. “É boa!”, ele disse. Vou repetir todo dia, pensei, porque soma tudo
o que as pessoas estão pensando. É por isso que ás vezes eu digo que tirei essa
frase do inconsciente nacional.
PLAYBOY-
E aí ela também se tornou um bordão. Com este são dois. Se você precisar de um
terceiro, vai suprimir um dos primeiros para não ficar com bordões demais?
CASOY- Não tenho essa
preocupação. Nunca penso que hoje quero usar o “É uma vergonha!” ou que “hoje
vou passar o Brasil a limpo”. Eles entram onde é preciso. Se tiverem de morrer,
morreram.
PLAYBOY-
Sua colega Lilian Witte Fibe tem bordões faciais. Não consegue disfarçar
expressões de prazer ou de irritação, o que é ótimo. Você também não faz, umas
caras e bocas?
CASOY- É verdade, a
Lilian faz o comentário na face. Eu também talvez faça, mas sem saber. O
Quércia e o Collor já se queixaram de que eu os agredi fazendo caras. Se há uma
coisa que eu não faço é agressão. Mas não posso me evaporar, nem vou me
suicidar. Uma das poucas caras que já fiz, ensaiadas não digo, mas deliberadas,
foi durante uma entrevista do PC Farias, em que ele clamava por inocência.
Pensei: “Vou fazer uma cara” – e fiz. Foi um editorial em silêncio.
PLAYBOY-
Hoje você parece dominar completamente o veículo. Mas já lhe deu “branco”
algumas vezes no ar?
CASOY- Muitas vezes,
alguns extraordinários. Há tempos tive um. Gilberto Gil estava ao meu lado na
bancada para uma entrevista ao vivo. A câmera abriu para mim – e eu esqueci o
nome dele! Tinha de dizer o nome e o nome dele não vinha (risos). Então comecei: o cantor, compositor, o político – esperando
que o nome surgisse. E nada. O pessoal no estúdio viu que havia alguma coisa
estranha. Aí finalmente eu disse: “Ele dispensa apresentações” – e surgiu
o nome Gilberto Gil no gerador de caracteres (o letreiro que identifica o entrevistado). Desde então só vou para
a entrevista com o nome do sujeito anotado. As perguntas não, porque só
pergunto o que todo mundo quer saber.
PLAYBOY-
Alguém já o embatucou alguma vez no ar, pondo-o numa situação em que você não
soubesse dar continuidade?
CASOY- Já mas aí um
sopro divino me socorreu. O (especulador)
Naji Nahas certa vez usou uma lógica férrea para provar que estava falido e eu
sabia que ele não estava dizendo a verdade. Então enfiei a mão no bolso e
ofereci dinheiro a ele, emprestado, no ar, ao vivo. E ele, cara-de-pau, aceitou
e agradeceu! (Risos). É por isso que
eu acredito em Deus. Ele nunca me deixa na mão quando preciso de uma resposta.
PLAYBOY-
Quando você apresenta o telejornal, é só o paletó e a gravata que são para
valer ou a calça também é a do terno?
CASOY- Só uso paletó e
gravata. A calça é a que eu estiver. Pode ser até um jeans.
PLAYBOY-
Ou uma bermuda?
CASOY- Bermuda não, eu
não uso bermuda. Mas a calça é qualquer uma, porque ela não aparece. (Irritado) Não sei por que toda essa
curiosidade das pessoas a respeito da caça!
PLAYBOY-
Porque há quem diga que o Cid Moreira aparece de terno e gravata, mas que, por
baixo da mesa, está de cueca.
CASOY- Não, de cueca
não. Provavelmente ele fica à vontade na parte de baixo. Todo mundo sói usa a
parte de cima. Eu uso a parte de cima e a parte de dentro (risos).
PLAYBOY-
Vamos conferir uma história famosa. É verdade que nas eleições para a
prefeitura de São Paulo, em 1985, antes de um debate na Rede Globo, você avisou
ao candidato Fernando Henrique Cardoso que ia lhe perguntar se ele acreditava
em Deus?
CASOY- Não. Essa é uma
história complicada. Haveria dois debates entre os candidatos naquela eleição,
um na Folha, outro na Globo. O
entrevistador de cada veículo faria perguntas pessoais e as perguntas de seu
veículo. Existia uma curiosidade na época para se saber como definir o Fernando
Henrique ideologicamente. Sugeri perguntar se ele acreditava em Deus e o Otávio
Frias Filho (diretor de redação da
Folha) incorporou essa pergunta como sendo da Folha – logo passei a ter a obrigação de fazê-la, como
representante do jornal. No primeiro debate não deu tempo. Entre o primeiro e o
segundo debate houve um almoço na Folha
com a presença do Fernando Henrique, e o próprio Otávio perguntou isso
diretamente a ele: “O senhor acredita em Deus?” O Fernando Henrique respondeu:
“Olha, se alguém me fizer essa pergunta num debate eu estou literalmente
estrepado. Porque já tratei disso nos meus livros, todo mundo sabe a minha
posição”.
PLAYBOY-
Como você se sentiu?
CASOY- Eu me senti mal
porque era a pergunta que eu ia ter que fazer no debate seguinte. E de maneira
alguma eu queria ser a pessoa que, tendo participado do almoço, iria fazer a
pergunta que iria estrepa-lo. Na saída do almoço, eu não sabia se traía o
Fernando Henrique ou se traía a Folha.
Preferi dizer a ele: “Olha, toma cuidado porque querem que eu faça essa
pergunta”. As pessoas ouviram e concluíram que eu estava avisando que iria
fazer a pergunta. Que, de certa maneira, sem avisá-lo, eu o estava avisando, e
ele poderia até se preparar. Mas o Fernando Henrique ouviu e eu fiz a pergunta
e concluiu o contrário. E aí, no debate, eu fiz a pergunta e ele deu a pior
resposta possível: “Boris você prometeu que não me faria essa pergunta!”.
PLAYBOY-
A que você atribui o mau desempenho dele naquela pergunta?
CASOY- Ao cansaço. Ele
estava saindo de um massacre de comícios, um deles naquela própria noite, e não
tinha descansado. Acho que nem havia passado em casa para tomar banho.
PLAYBOY-
O público interpretou a resposta como um medo de se confessar ateu, num
contexto em que essa questão parecia ter grande importância. Por que era tão
importante?
CASOY- Era uma coisa
que os janistas estavam plantando (Jânio
Quadros, afinal eleito, era o adversário de Fernando Henrique Cardoso).
PLAYBOY-
Alguns acharam também que, por ser considerado ligado a Jânio Quadros, você
teria feito a pergunta de propósito para embaraçar Fernando Henrique.
CASOY- Não, não. Eu sou
admirador do Fernando Henrique e me considero amigo dele. Tenho até medo de
beneficiá-lo por ser seu admirador. Acho que ele e tem condições de caráter e
preparo para ser presidente da República. Lamento ter participado de um episódio
que poderia ter sido um entrave para a sua carreira política e para coisas boas
que ele poderia ter proporcionado ao Brasil. Mas ás vezes me pergunto se aquele
não foi um bem que tivesse conduzindo Fernando Henrique a outros caminhos.
PLAYBOY-
Você impediu que ele fracassasse como prefeito? (Risos)
CASOY- Pode ser. Não
sei. Hoje ele está numa posição (ministro
das Relações Exteriores do governo Itamar Franco) em que pode servir muito
bem ao país. E que talvez ele tenha desejado mais do que ser prefeito.
PLAYBOY-
Em certos círculos você era considerado janista e malufista numa época em que
isso era pior que xingar a mãe. Procede?
CASOY- Não. Eu não
tenho intimidade nenhuma com o Paulo Maluf. Com o Jânio, tive sim. O Jânio foi
o ídolo da minha juventude. Votei nele para presidente em 1960. Quando me
tornei jornalista, tive muita curiosidade por ele. Depois tornou-se moda nas
redações apedreja-lo, até porque ele estava sem poder. Então eu frequentava a
casa do Jânio, conversava muito com ele e publicava suas declarações. O
problema era que eu talvez fosse o único jornalista que o procurava – por isso
passei a ser visto como um jornalista janista. E depois houve o episódio do
Fernando Henrique, em que fui acusado de fazer o jogo do Jânio com a tal pergunta.
PLAYBOY-
Como eram as suas conversas com ele?
CASOY- Uma conversa
típica foi a seguinte. Há poucos anos ele me chamou à sua casa (imitando perfeitamente a voz de Jânio):
“Jornalista Casoy, jornalista Casoy, venha aqui, estou cego, preciso muito conversar
com o senhor!” (Risos). Fui lá e ele,
do outro lado de uma piscina enorme, me reconheceu: “Viva, viva! Entre,
jornalista” Achei estranho: “Mas o senhor não está cego? Como o senhor me
reconheceu” E ele: “Vejo vultos, e o senhor é inconfundível”. Aí me contou uma
história enorme, que estava pobre, que Eloá (dona Eloá, sua esposa) não tinha mais dinheiro para fazer a feira e
que estava sobrevivendo de uns artigos para o Roberto Marinho. Então perguntou:
“Jornalista Casoy, esse governador de Alagoas que é candidato a presidente.
Insiste em falar comigo. E o jornalista Casoy é que vai decidir se recebo ou
não, porque preciso de uma informação vital. Diga-me, jornalista Casoy: este
homem é honesto?” (Risos).
PLAYBOY-
E o que você disse?
CASOY- Disse que não
conhecia o cara. Mas a história que ele queria me contar era outra: “Jornalista
Casoy, preciso lhe contar um fato da maior gravidade. Sabe quem, esteve aqui? O
governador Quércia. Veio conversar comigo. Como está magro o governador! Dizem
que ele tem Aids. É verdade?” Respondi: “Não sei. Acho que não. O que ele
queria lhe contar?” E o Jânio: “O assunto era tão grave que nem Eloá podia
ouvir. Subimos ao meu quarto. Sentei-me num banquinho aos pés do governador,
como se eu fora seu engraxate. O governador contemplou os próprios pés por uns
cinco minutos antes de balbuciar as primeiras palavras. E sabe o que ele me
disse:?” E eu: “O quê? O quê?” E o Jânio: “Não posso lhe contar. Nem Eloá
sabe”.
PLAYBOY-
(Risos) O que o Jânio queria com
isso?
CASOY- Provavelmente
sair no Painel tendo sido procurado pelo governador Orestes Quércia, mais nada.
PLAYBOY-
E como são ou foram suas relações com Maluf?
CASOY- Não tenho
nenhuma afinidade com o Maluf. Nenhuma. E ele não deve ter nenhuma comigo. Mas
também houve um momento em que o Maluf foi relegado a um total abandono. Eu
achava que, embora pudesse ter as minhas discordâncias com ele, o Maluf era uma
figura, merecia ser citado. Passei a telefonar para ele. Maluf entendeu isso
como um gesto de amizade, não soube separar que era uma visão profissional. E
aí, quando candidato a presidente contra o Tancredo Neves, nas eleições
indiretas de 1985, ele disse na televisão que o único jornalista a quem tinha
de fazer justiça era o Boris. Daí, talvez, essa história de que eu era íntimo
dele. Sempre falei com Maluf pelo telefone. Fui à sua casa umas três vezes. Não
faço nenhuma discriminação. Encaro o Maluf tão profissionalmente quanto encaro
o Lula.
PLAYBOY-
Falando nisso, nem todos os que o admiram hoje na televisão como um liberal
sobre que você já sofreu a pecha de “direitista”. Por que essa acusação?
CASOY- Porque bem
jovem, na política estudantil, na Faculdade de Direito do Mackenzie, em São
Paulo, eu tinha uma posição antiautoritária. Eu me classificava como democrata
ativo. Ao contrário da maior parte da juventude dos anos 60, a minha visão de
liberdade englobava a iniciativa privada. E, em 1963, aos 22, 23 anos, com as
informações que dispunha, eu achava que o país sob o governo João Goulart
estava ameaçado por um autoritarismo. No caso, um autoritarismo de esquerda. As
circunstâncias me levaram ao anticomunismo, e isso era um palavrão naquele
tempo. Na verdade apenas exteriorizei o que pensava. Eu participei do movimento
de 1964.
PLAYBOY-
Como?
CASOY- Como líder
estudantil e como locutor da rádio Eldorado. Falei na cadeia de emissoras de
São Paulo durante toda a noite de 31 de março e parte do dia 1º de abril. Foi
essa a minha participação. Depois fui presidente de um partido no Mackenzie e a
revista O Cruzeiro me estigmatizou
numa reportagem sobre o CCC (Comando de Caça aos Comunistas), dizendo que eu
era membro daquela organização. Ora, eu era até contra o CCC! As pessoas me
viram onde eu não estava. A maioria das peassoas naquela reportagem eram
lideranças anticomunistas, mas não eram do CCC. Alguns dos citados até morreram
na guerrilha de esquerda. Mas O Cruzeiro complicou a minha vida. Criou enormes
dificuldades no meu relacionamento com as pessoas e me atingiu brutalmente na
honra e nos empregos. Foi uma injustiça, porque o CCC era contra tudo o que eu
pensava.
PLAYBOY-
Esse estigma ainda o persegue?
CASOY- Há tempos saiu
um livro, Relato de Guerras, do
ex-deputado estadual paulista Fernando Perrone, sobre 1968. É um homem de
esquerda, com quem eu não tenho nenhuma relação de amizade. Ele fez uma análise
do movimento estudantil do movimento estudantil e disse com todas as letras que
eu não era do CCC. Para mim é um troféu. E outro troféu é o fato de que os
grupos clandestinos de esquerda, na época mais dura da repressão, me escolheram
como o seu contato na Folha para passar informações. Não foi um grupo só, foram
vários. Se aquelas pessoas acreditassem no que se dizia a meu respeito, não
iriam correr risco de vida me procurando.
PLAYBOY-
Quem as informou sobre você?
CASOY- Não sei. Mas
elas diziam que sabiam perfeitamente quem eu era.
PLAYBOY-
Como você se define politicamente?
CASOY- Apesar do antigo
estigma de direitista empedernido (risos), eu me considero um liberal. Liberal
economicamente e liberal na política. Minhas atitudes e minhas relações com as
pessoas, na Folha e no SBT, além de tudo o que escrevi, estão aí para mostrar.
PLAYBOY-
Em quem você votou para presidente?
CASOY- Não conto. Como
profissional, sou neutro. No TJ-Brasil
teve pau no Collor, teve pau no Lula: teve elogio pro Collor, teve elogio pro
Lula. Claro que, como indivíduo, acabo votando em alguém, ou em branco ou nulo.
Mas acho que não devo influenciar as pessoas. Não influencio nem a minha
empregada.
PLAYBOY-
Você não acha muito mais íntimo perguntar a uma pessoa se ela acredita em Deusa
do que perguntar em quem ela votou?
CASOY- Não. Qualquer um
pode perguntar o que a outra pensa ideologicamente. Ela pode também não
responder. E não acho que seja uma intimidade perguntar se tal pessoa acredita
em Deus. Ela também pode não responder.
PLAYBOY-
Você acha que o parlamentarismo tem chance de emplacar no plebiscito de abril
deste ano?
CASOY- Acho que sim,
porque há uma reação muito forte ao presidencialismo. E , se continuar esse
movimento em torno de deboche, de repente emplaca até a monarquia. Na última
avaliação, que foi a da Folha, os monarquistas já tinham 23% - e antes de
começar a fazer campanha.
PLAYBOY-
Bem, pelo menos a família do rei, por ser menos, sai mais barata para os cofres
públicos que a dos presidentes.
CASOY Sim, mas pode ser
que a campanha monarquista acabe derrubando a monarquia (risos). Quanto ao parlamentarismo, estabeleceu-se um consenso, não
sei se verdadeiro, de que o sistema presidencialista é um fracasso. Se formos
para o parlamentarismo vamos ter os mesmos problemas, que são os dos costumes
políticos brasileiros. Duvido que se instaure um parlamentarismo com
possibilidade de dissolução do Parlamento, por exemplo. Que Parlamento brasileiro
vai votar isso? Eu gostaria de saber quer parlamentarismo se pretende instalar.
Votar nele, no escuro, acho uma temeridade. Ele está sendo vendido como uma
mudança que vai solucionar todos os problemas. Mas, com esse Congresso que está
aí, com seus cento e poucos parlamentares que se salvam e o resto é aquela
turminha, o parlamentarismo brasileiro corre o risco de condenar o
parlamentarismo no mundo (Pausa).
Pronto. Tou fudido com essa entrevista.
PLAYBOY-
Em que fase você acha que os políticos põe mais dinheiro no bolso? Durante as
campanhas ou depois de eleitos?
CASOY- Em primeiro
lugar, acho que nem todo político põe dinheiro no bolso. Acho que no Brasil
existe um grande número de políticos sérios, patriotas, idealistas, que se doam
– e isso em todos os partidos. São a elite dos políticos brasileiros. Veja um
Jarbas Passarinho, uma Sandra Cavalcanti, um José Genoíno. O Genoíno (deputado federal pelo PT de São Paulo e
ex-participante da guerrilha do Araguaia, no início dos anos 70) é
respeitado até pelas áreas militares. Devem ser uns 100, 120, 150 parlamentares
como estes. São pessoas que constroem o país. E acho, também, que existe uma
camada de políticos interessados em ganhar dinheiro. E aí eles ganham quando
podem, na campanha ou fora dela. O desonesto é desonesto sempre.
PLAYBOY-
É assim tão descarado?
CASOY- Não. Muitas
vezes esse tipo de coisa – furto, tomada de comissões, etc – se faz em nome de
um aparente ideal. É um raciocínio que eles montam para eles mesmos e que
chamam de “esquema”. O “esquema” lhes permite sobreviver politicamente para
continuar colocando em prática os seus ideais. Quem me contou foram pessoas que
eu sabia que tinham sido honestas e que agora estavam envolvidas em “esquemas”.
Porque o passo seguinte é esse político se imbuir de uma autopiedade e concluir
que não deve continuar morando numa casa de periferia. Precisa melhorar de vida
para servir melhor – e então começa a misturar o caixa das benesses que ele vai
operar para a sociedade com o caixa pessoal dele. Logo depois ele vai querer
ter uma casa num bairro rico, um motorista, e por aí afora. Ele pode não querer
fazer isso, mas o adversário dele faz. Se ele não fizer, estará perdido. No
fim, acaba convencido de que isso, de tão corriqueiro, não é corrupção. Não há nenhum
candidato à presidência da República que não tenha se servido de “esquemas” ou
de empresários. Nenhum.
PLAYBOY-
Nem o Lula?
CASOY- Nem o Lula.
Evidente que não posso provar. O Lula pode não ter se servido de grandes
empresários ou de federações da indústria ou comércio, mas provavelmente
aceitou contribuições de pequenos empresários – até porque os seus adversários
aceitaram.
PLAYBOY-
O que o faz acreditar nisso?
CASOY- A
impossibilidade de o custo de uma campanha nacional, mesmo mais modesta que as
outras, ter sido financiada com a venda de camisetas do PT. Eu seria idiota se
acreditasse nisso. Se o dinheiro não veio dos pequenos empresários, veio dos
sindicatos. Claro que ninguém vai confessar. Vão dizer que essa entrevista é
mentira e tal. Mas é superestimar minha burrice imaginar que uma campanha
nacional dispensa esse tipo de auxílio. O qual é ilegal, embora não precise ser
imoral. Tanto que se chama pela mudança da lei eleitoral, para que as
contribuições passem a ser permitidas. Com isso, o que seria ilegal e não era
imoral passaria a ser legal. Mas duvido que essa lei passe, porque, com ela, as
pessoas que contribuem para as campanhas terão de ser identificadas – e quem
vai querer isso? Os políticos não vão querer, porque passarão a ter suas contas
e suas ligações com os empresários fiscalizadas. E os empresários também não,
porque muitas vezes eles contribuem com todos os candidatos.
PLAYBOY-
Sabemos de várias pessoas que, nas últimas eleições, tem “votado” em você, como
uma forma de anular o voto. Que tal ser “votado”?
CASOY- Acho apenas
pitoresco. É o desperdício do desperdício. Algumas pessoas votam por
mitificação, outras por brincadeira. Brincadeira de bom gosto (risos). Não que faltem partidos me
convidando a ser candidato a isso ou aquilo.
PLAYBOY-
Quais?
CASOY- Nas últimas
eleições para prefeito de São Paulo, o governador Fleury me convidou para ser o
candidato do PMDB. Participei de um programa Roda Viva, na TV Cultura, em que
ele era o entrevistado. Ao fim do programa ele me chamou num canto, fez a
proposta e eu tive um ataque de riso. As pessoas pensaram que ele havia me
contado uma grande piada. Mas o convite foi para valer e o Fleury não pediu segredo.
PLAYBOY-
Quem mais o convidou?
CASOY- O PRN. Bastava
eu aceitar e já tinha o dinheiro para a campanha. E o Maluf me disse que eu
seria um bom candidato a vice-prefeito (risos).
Mas prefiro continuar a ser jornalista.
PLAYBOY-
Um ministro do governo Itamar falou há tempos que preferia conversar com
qualquer repórter de jornal do que com qualquer repórter de TV. Disse que, para
repórteres de TV, qualquer abobrinha que ele dissesse servia. É justo isso?
CASOY- Em grande parte
dos casos, é sim. O jornal impresso é um todo informativo. Já a informação na
TV é apenas um pedaço da programação. Os jornais são muito mais equipados de
repórteres, até numericamente, e todos esses repórteres são especializados. O
repórter de TV é obrigado a ser um especialista em assuntos gerais: ele hoje
cobre um buraco de rua, amanhã conversa com o presidente da Petrobrás e depois
de amanhã cobre o desfile das escolas de samba. Ele não se especializa em nada.
Na economia já estão aparecendo pessoas que entendem mais, mas, no restante, o
repórter de TV é uma vítima das circunstâncias. Além disso ele tem de ser
bonito e jovem. Então ele se vira como pode. Claro que há exceções: a Monica
Waldvogel, a Lilian Witte Fibe – que não é repórter, mas comentarista –, o
Tonico Ferreira, o Caco Barcellos, o Alexandre Garcia. Eles conseguiram se
especializar. Mas são contáveis nos dedos os repórteres de TV que conhecem com
mais profundidade os assuntos que abordam.
PLAYBOY-
Repórteres de TV ganham tanto – ou tão pouco – quanto os de jornais?
CASOY- A mesma coisa.
Mas um bom repórter de TV ganha muito mais que um de jornal.
PLAYBOY-
Você aprova que o repórter de TV meta o microfone na boca da mãe que acabou de
perder o filho no massacre do Carandiru e pergunte como ela está se sentindo?
CASOY- Não. Acho uma
tremenda falta de educação e de sensibilidade.
PLAYBOY-
Mas todos os noticiários têm coisas desse tipo. É porque a TV precisa passar
“emoção”?
CASOY- Não sei bem por
quê. Ninguém sabe. Foi uma barbárie que se institucionalizou e os repórteres
fazem sem ninguém mandar. Mesmo porque os concorrentes estão fazendo. Mas
acontece também que algumas mães só começam a chorar quando a televisão
aparece. No fundo, é a velha discussão sobre a preponderância da imagem em
relação ao conteúdo. É a escola da Globo, com a qual eu não concordo: entre uma
boa notícia e uma boa imagem, eles ficam com a boa imagem. Tenho procurado
quebrar isso, mas a resistência é forte, porque a formação de todos os
jornalistas de TV é da velha Globo.
PLAYBOY-
Como você se sente quando se vê furado pela imprensa escrita – como nos casos
já históricos da entrevista do motorista Eriberto França para a IstoÉ e daquela matéria eminentemente
visual sobre as cascatas da Casa da Dinda pela VEJA?
CASOY- Já me acostumei.
Primeiro, porque nenhuma televisão tem a estrutura da Folha, do Estado, do
Globo, ou do Jornal do Brasil. Ela é caudatária desses jornais ou de revistas
como a Veja e a IstoÉ. A televisão pode até ter a informação, mas, se essa
informação não estiver na imprensa, a televisão não acredita. Se não saiu no
jornal, não é notícia.
PLAYBOY-
Só vale o escrito?
CASOY- Só vale o
escrito. Na Folha, quando era editor-chefe, eu me divertia pautando diariamente
a Globo (risos). Provavelmente hoje alguém se diverte comigo.
PLAYBOY-
Você é um apresentador de telejornal que, se falhar o teleprompter, naturalmente sabe o que dizer. Mas e os repórteres
que não podem usar um teleprompter na
rua, quando transmitem ao vivo? Como é que eles fazem?
CASOY- Eles decoram o
texto, ensaiam, repetem, gravam, erram, ensaiam, repetem e vão pro ar. Nem
todos são assim. A Monica Waldvogel, por exemplo, fala de improviso.
PLAYBOY-
E como é que você faz quando transmite ao vivo?
CASOY- Só fiz uma
transmissão ao vivo até hoje, a da votação do impeachment na Câmara, em
Brasília. Eu estava saindo de uma gripe fortíssima, mas resolvi que seria ao
vivo e de maneira informal. Mesmo porque eu não conseguiria fazer bonitinho e
formal como fazem os repórteres da Globo, porque não tenho treino nem condição
para fazer isso. Fui para Brasília com a cara e a coragem e deu certo, porque
me tornei uma espécie de espião do telespectador. Das 9 às 11 da manhã nós
fomos entrando no ar, um de cada vez. A partir daí, a transmissão foi contínua –
quase nove horas no ar, de pé, tendo atrás de mim uma mureta e um vão livre de
5 metros de altura. Se caísse dali, seria a última queda da minha vida. E sem
tomar água, porque estava proibida a entrada de água ou de qualquer coisa.
PLAYBOY-
Você se revelou metade homem, metade camelo. Pelo menos não precisou fazer
xixi, não?
CASOY- Sem fazer xixi (risos). Fiquei perfeitamente à vontade.
A garganta aguentou. Não tive o menor problema com as câmeras – até dei as
costas para a câmera! Em certo momento inventei aquela história de telefonar
para as pessoas. Houve um começo de resistência do pessoal da televisão, porque
as entrevistas não teriam imagem. Telefonei para o Jô Soares, para o Paulo
Autran, para o Raul Cortez, e as pessoas gostaram, porque uma boa conversa ainda
supera a beleza de uma imagem. Eu estava tão excitado que terminei a
transmissão exatamente como comecei. E só comecei a desabar depois que saímos
de lá e fomos jantar.
PLAYBOY-
Além da sensação de estar ajudando a “passar o Brasil a limpo”, o que mais o
faz dedicar-se com tanto entusiasmo a esta sua segunda e brilhante carreira?
CASOY- A sensação de
que todo dia de trabalho na televisão parece o primeiro dia. A sensação gostosa
de voltar a ser um principiante.
Publicado originalmente
na revista Playboy em janeiro de 1993
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