Experiente pesquisador das campanhas municipais de São Paulo, o cientista político Rui Tavares Maluf é professor das disciplinas de História Geral e Introdução à História do Brasil do curso de bacharelado em Sociologia e Política da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo). Maluf é referência no estudo das eleições municipais da Capital tendo este o objeto de estudo do professor de seu mestrado e doutorado defendidos na UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) e USP (Universidade de São Paulo), respectivamente. O professor é autor dos livros Prefeitos na Mira: análise política dos processos de afastamento dos prefeitos paulistas (Biruta, 2001) e Amadores, passageiros e profissionais (Biruta, 2011). Nesta breve e exclusiva entrevista ao VSP, ele reflete sobre as eleições de 2020 na cidade de São Paulo falando sobre a vitória de Bruno Covas e a renovação da Câmara de Vereadores.
VSP-
Professor, o que mais chamou a atenção do senhor no pleito de 2020?
Rui Tavares Maluf -
Fragmentação partidária intensa com micropartidos se tornando médios partidos e
os maiores partidos ficando com percentuais menores seja nas prefeituras
conquistadas como nas cadeiras das câmaras municipais. Isso só reforça meu
entendimento de que as eleições municipais pouco levam em conta os partidos e
que seria muito bom acabar com a exigência de que as organizações sejam as
únicas intermediárias para se postular um mandato.
VSP-
O seu colega Aldo Fornazieri sempre fala em conjuntura. Na opinião do senhor, a
eleição na cidade de São Paulo era de mudança ou continuidade?
RTM- O espírito da
mudança foi basicamente na eleição anterior, de 2016, quando João Doria venceu
no primeiro turno, feito inédito na capital desde que os dois turnos foram
introduzidos, especialmente em se tratando de eleição para prefeito. Mas há
sempre os dois elementos presentes (mudança e continuidade), particularmente na
eleição para a câmara municipal. Exemplo: o eleitorado elegeu para a câmara
dois trans gêneros que serão vereadores pela primeira vez, e trouxe Arnaldo
Faria de Sá, ex-deputado federal que mesmo estreando na edilidade paulistana
está longe de representar qualquer sentido de mudança.
VSP-
Qual é a sua avaliação da campanha do Bruno Covas. A postura dele mais quieta,
recatada, tímida, fleumática chamou a atenção. Qual é a avaliação do senhor
sobre ele?
RTM- Um político
equilibrado enfrentando duas adversidades, uma de ordem pessoal, a luta contra
o câncer, e outra pública, a pandemia. Um teste e tanto. Parte da timidez pode
ser temperamento, mas parece também estratégia para conseguir superar momento
muito difícil. Como prefeito teve momentos bons e outros ruins.
VSP-
Um dos aspectos mais criticados da candidatura do Covas foi a escolha do
vereador Ricardo Nunes como vice-prefeito do MDB. Qual é a avaliação do senhor
sobre essa escolha?
RTM-Dentro do princípio
de uma aliança com o MDB pensando não só na sustentação do governo na câmara
municipal, mas também em alianças na Assembleia Legislativa, Congresso Nacional
e também para 2022. Quando a biografia de Ricardo Nunes o tempo dirá se as
questões contra ele levantadas se relacionarão ao eventual aproveitamento dele
na administração Covas, ou não.
VSP-O
quanto representa a vitória do Bruno Covas para futuras pretensões eleitorais
do governador João Doria?
RTM-Seguramente a
vitória de Covas é da maior importância, especialmente por ele já ter dito que
só será candidato a qualquer cargo público em 2026.
VSP-
Muita gente afirma que o Guilherme Boulos perdeu a eleição mas ganhou
eleitorado. Qual a sua visão do papel dele nessa campanha?
RTM- Bem, é óbvio que o
PSOL deseja ocupar o espaço da esquerda valendo-se da fragilidade do PT. De
qualquer forma, chamo a atenção para o fato de que só a abstenção eleitoral no
segundo turno venceu Boulos. A distância de Covas sobre Boulos foi muito
grande. Eu já havia chamado a atenção para o fato de que quanto mais ele
crescesse eleitoralmente, mais ele limitaria seu teto para além de um núcleo
determinado. Isto porque grande parte do eleitorado refuta visões extremadas.
VSP-
Dizem que o PT foi um dos derrotados dessa eleição. O senhor acredita que o
PSOL veio para ocupar o espaço deles na cidade de São Paulo e na Grande São
Paulo?
RTM- A resposta acima
já responde a esta pergunta. Acrescento, no entanto, que se o conteúdo do PSOL
(socialista) é muito parecido ao do PT, sua composição e forma de atuação parecem
relativamente distintas.
VSP-
O senhor é um pesquisador criterioso da Câmara de Vereadores de São Paulo e tem
trabalhos de referência na área. Qual é a avaliação da casa legislativa em
2020?
RTM-Exatamente pela
necessidade de apurar com rigor (o que já comecei a fazer para esta próxima
legislatura) é que não tenho condições ainda de fazer afirmações mais
contundentes. Como sempre, bons vereadores não conseguiram se reeleger, outros
sim, maus vereadores foram reeleitos, outros não, e muita gente nova (em
primeiríssimo mandato) também. No que isso vai dar, só mesmo com o início dos
trabalhos a partir de fevereiro.
VSP-
Na Câmara legislativa, para citar um exemplo, veteranos como o ex-senador
Eduardo Suplicy (PT) e o vereador Milton Leite (DEM) foram os mais votados. O
senhor acredita que existiu uma renovação na Câmara de São Paulo?
RTM- Se por renovação entendermos
vereadores em primeiro mandato, temos 19 (34,5%) eleitos em 15 de novembro, o
que não é pouca coisa, mas também não quer dizer muita a priori. E temos
vereadores como Arselino Roque Tatto (PT), eleito continuadamente desde 1988, indo,
portanto, para seu 9º mandato. Porém, a nossa legislação eleitoral faz com que
a maioria dos eleitores não consiga eleger qualquer um dos que comporá a câmara
municipal.
VSP-
Existiram algumas vitórias na Câmara Municipal que chamaram atenção do senhor?
RTM- Os dois trans
gêneros sendo eleitos por forças políticas distintas (Érika e Thammy); uma
força à esquerda e outra conservadora.
VSP-
O candidato Arthur do Val, Mamãe Falei, do Patriota chamou atenção no primeiro
turno e o MBL elegeu três vereadores na Câmara. O senhor acredita que o MBL
deve crescer nesse espectro da direita e centro direita?
RTM- Bem, o espaço de
uma direita democrática merece ser bem ocupado, e, acredito, que o MBL está se
exercitando nesse sentido. Foi muito importante a demarcação de uma distância
em relação ao descalabro desta direita “babona” representada pelo atual
presidente Bolsonaro. Portanto, há condições de crescimento, mas os próximos
dois anos serão um teste importante para sabermos.
VSP-
Prever o futuro é uma tarefa ingrata e difícil. Qual é a expectativa do governo
Covas e da atual legislatura da Câmara de Vereadores?
RTM- Covas pode ter
pontos fracos, mas um ponto forte que ele revela desde o início de sua carreira
política é a capacidade de articulação e negociação. Quanto a próxima
legislatura, tenho expectativa moderada (o que não significa ser pessimista,
mas realista), mas estou convencido que sua qualidade depende, também, do
envolvimento da sociedade paulistana de forma geral.
Um comentário:
boa entrevista
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