Bastidores do rádio, parte II de VII: Avant-Premiere e lançamento do rádio no Brasil
Por Renato Murce
Seleção e transcrição:
Matheus Trunk
As eleições de março
daquele ano, conforme se esperava (mas não se desejava), deram a vitória ao
candidato governista por uma margem de cerca de 150 mil votos sobre o Sr. Nilo
Peçanha. As manifestações de inconformismo começaram a aparecer em toda a
parte, principalmente nos quartéis, na imprensa, no congresso, onde o Sr.
Bernardes era impiedosamente injuriado, entrando nesse clima até mesmo o Clube
Militar, que aceitara como verdadeiras as célebres “cartas falsas”, atribuídas
ao ex-governador de Minas. Esse ambiente culminou no célebre episódio da
insurreição do Forte de Copacabana, até hoje lembrado como o heroico feito de
Os Dezoitos do Forte.
Isso aconteceu em 5 de
julho de 1922. Epitácio Pessoa conseguiu, com a mão de ferro, dominar a
situação. Anunciava-se e preparava-se, com grande pompa, a memorável Exposição
do Centenário da Independência, que seria inaugurada a 7 de setembro. Para essa
data também se marcara a primeira demonstração do rádio no Brasil. O povo ainda
estava traumatizado pela derrota do seu candidato e pelo sacrifício heroico dos
bravos de Copacabana. Era preciso, portanto, que o governo se empenhasse o mais
possível para que a Exposição de Centenário alcançasse êxito fora do comum,
servindo talvez como uma cortina de fumaça para amenizar a revolta e conter os
ânimos, quando da posse do Sr. Artur Bernardes, que ocorreria em 15 de
novembro.
Assim, milhares de
homens trabalhavam exaustivamente preparando o terreno e os pavilhões para a
Exposição, terreno obtido com o arrasamento, em tempo recorde para a época, por
parte do prefeito Carlos Sampaio, no antigo morro do Castelo, com o que
conquistou larga faixa de aterro na baía de Guanabara (hoje, a Esplanada do
Castelo, um dos lugares mais valorizados do Brasil). Ainda como grandes
atrações, anunciava-se, além da demonstração radiofônica, com o presidente
Epitácio falando para todo o Brasil, a presença do rei Alberto I, da Bélgica.
Conhecido como o rei herói, com sua ação na Primeira Guerra Mundial de 1914,
conquistara a admiração e estima de todo o mundo, uma vez que o seu pequenino
país, na dramática resistência de Liège, proporcionara nos aliados condições
para poderem organizar-se e enfrentar as hostes do Kaiser, imensamente
superiores em número e preparo bélico.
Outras realizações para
motivar o interesse do público eram anunciadas, como exibição de artistas de
variedades, com as melhores bandas de música, espetáculos de pugilismo, etc.
Mas o que mais
ansiosamente se esperava era o fenômeno de experiência radiofônica, do
espantoso meio de comunicação pelo sem-fio, do qual todos ouviram falar, mas
que despertava na maioria certa incredulidade, querendo-se como são Tomé, “ver
para crer”.
Assim, chegou o tão ansiado 7 de setembro de 1922, com as suas manifestações
cívicas de hábito: paradas, discursos, manchetes em revistas e jornais, tendo
como ponto culminante a Exposição do Centenário da Independência. Aberta ao
público à tarde, anunciava para as 21 horas a sua inauguração oficial, com o
discurso do presidente Epitácio Pessoa, no qual o mandatário da nação iria se
dirigir ao país num pronunciamento importantíssimo. O numeroso público teve
ainda uma surpresa e uma sensação inédita, conforme conta esta nota colhida no
livro já citado, de Saint-Clair e publicado em A Noite, de 9 de setembro de
1922: “Uma nota sensacional do dia de ontem foi o serviço de rádio-telephonia e
telefone alto-falante, grande atrativo da Exposição. O discurso do Sr.
Presidente da República, inaugurando o certâmen foi, assim, ouvido no recinto
da Exposição, em Nichteroy, Petrópolis e em São Paulo, graças à instalação de
uma possante estação transmissora do Corcovado e de aparelho de transmissão e
recepção, nos lugares acima. Desse serviço se encarregaram a Rio de Janeiro and
São Paulo Telephone Company, a Wetinghouse Internacional Company e a Western
Eletric Company. Á noite, no recinto da Exposição, em frente ao posto de
Telephone Público, por meio do telefone alto-falante, a multidão teve uma
sensação inédita: a ópera Guarany de Carlos Gomes, que estava sendo cantada no
Theatro Municipal, foi ali, distinctamente ouvida, bem como os aplausos dos
artistas. Egual cousa sucedeu nas cidades acima”.
Como se viu, pois, a expectativa era enorme. Foi assim que nasceu o rádio no Brasil. Nasceu não seria bem o termo, foi um parto prematuro, mas uma experiência válida, tão extraordinária para a época que muitos daqueles que a presenciaram ainda duvidavam do que se afigurava um milagre! Porque o rádio brasileiro nasceu, de verdade, em 20 de abril de 1923, graças ao pioneirismo, capacidade e esforço de dois grandes sábios brasileiros: Edgard Roquete Pinto, renomado escritor e antropólogo, autor de Rondônia e Henrique Moritze, de cultura poliforme e por largo tempo diretor do Observatório do Rio do Janeiro.
Fundaram, na Academia
Brasileira de Ciências, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, com o prefixo
PRA-A. Passou a funcionar no pavilhão da Tchecoslováquia, da Exposição do
Centenário, cedido por aquela finalidade. A esses dois nomes, indelevelmente
ligados à radiofonia brasileira, em pouco juntaram-se outros, como Elba Dias,
que fundou logo a seguir a Rádio Clube do Brasil – PRA-B -, e uma denodada
equipe pernambucana liderada pelos irmãos Moreira Pinto, Augusto Joaquim
Pereira, João Cardoso Alves, George Gotis e Carlos Lira Filho, entre outros.
Estes, em 17 de outubro de 1923, mandavam n o ar a Rádio Clube de Pernambuco,
isto é, seis meses depois da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. O interessante
é que os pernambucanos reivindicavam o pioneirismo da implantação do rádio em
nossa terra, porque já existia, naquele Estado, mais propriamente no Recife,
desde 6 de abril de 1919, a Rádio Clube de Pernambuco, que tinha o objetivo
único de incentivar a radiotelegrafia, sendo reorganizada em 17 de outubro de
1923, quando iniciou experiências radiodifusão com um transmissor de dez watts.
Mas esse é um detalhe
que não tira os méritos daqueles desbravadores do nosso sem-fio, aos quais
vieram juntar-se depois muitos outros.
Apesar do impacto
causado com a aparição do rádio, a situação nos primeiros anos não era muito
animadora, por diversas razões, de origens as mais diversas. Passava o país por
um período de inquietação, de insatisfação geral, de inconformismo do povo pelo
resultado das urnas, que levou o Sr. Artur Bernardes à presidência da
república, criando inúmeros focos de subversão e rebeldia que se estendiam por
toda a nação, e que viriam a culminar com um novo 5 de julho de 1924, com a
revolução paulista comandada por Isidoro Dias Lopes, que motivaram um
permanente estado de sítio, imposto pelo governo durante quase todo o seu
quatriênio, com ação drástica contra o povo e contra a imprensa (o jornal
Correio da Manhã, por exemplo, foi sumariamente fechado por um ano). Nessa
situação, o rádio lutava com a carência de recursos técnicos, além das
dificuldades enormes para organizar programas que interessassem ao público
ouvinte, para não falar na pequena soma de aparelhos receptores, ainda vendidos
a preços proibitivos para a época.
Outra razão era que, no
começo, pretendiam impor o rádio apenas como veículo de um tipo de cultura, com
uma programação quase que só de música erudita (da qual quase ninguém gostava),
conferências maçantes, palestras destituídas de qualquer interesse, enfim, um
rádio sofisticado para meia dúzia de “crentes”, não atingindo a massa.
O magnífico slogan da
Roquete Pinto – “Trabalhar pela cultura dos que vivem em nossa terra e pelo
progresso do Brasil”. divisa que, ainda hoje, a Rádio Ministério da Educação
menciona orgulhosamente – não permitia que se popularizasse o rádio, tal como
ele precisava para se expandir. Nada de publicidade, nada de música popular (em
samba, então, nem era bom falar), nada daquilo que, de algum modo, desvirtuasse
ou atingisse as boas intenções do programa traçado na famosa divisa.
Assim, os primeiros
anos do rádio foram difíceis: muita música clássica, muita ópera, muita
“conversa fiada” e a colaboração graciosa de alguns artistas da sociedade.
Quase todos apresentavam números do mesmo estilo dos discos irradiados. Eu
mesmo apresentei-me na Rádio Sociedade, a convite do meu dileto amigo Roquete
Pinto, em junho de 1924 (data que assinalo como a minha entrada para o
sem-fio), com um programa operístico. Sempre fui muito ligado ao movimento
lírico no Brasil; convivi com a maioria dos grandes artistas que por aqui
aportaram. Conheci de perto Tita Rufo, Claudia Muzio, Galli Curci, Tito Schipa,
Lili Pons, Bidu Saião, Miguel Fleta, Chaliapine, Caterina Borato, e muitos
outros.
Fazendo, certa vez, uma demonstração dos meus “dotes” vocais para o grande
baixo-lírico francês Marcel Journet, este muito me estimulou e, talvez para me
agradar, disse que minha voz se assemelhava um pouco à sua, que eu devia estudar,
e coisa e tal. Fiquei numa euforia doida. Dias depois estava estudando canto
com uma professora italiana, Climene Baroni. Pouco tempo após, cantando uma
reunião em casa do Dr. Roquete, em Copacabana, ele gostou e me convidou para
cantar na Rádio Sociedade. Organizei um programa pretencioso: “Hableta
Zingara”, do Trovador, de Verdi; “Vecchia Zimara”, da Boheme, de Puccini;
“Élegie”, de Massenet. E ainda cantei um dueto de I Puritani, de Belini, com um
jovem barítono que estava estreando no Brasil, no Teatro São Pedro (hoje João
Caetano): Carlo Tagliabue, que viria mais tarde a ser um dos maiores destaques
do Metropolitan de Nova Iorque.
Corria a lenda que as
plateias do Teatro Lírico e do Municipal, no Brasil, e a do Colón, de Buenos
Aires, eram muito exigentes. Artistas aplaudidos aqui, estariam consagrados
para o resto do mundo. De fato isso aconteceu com muitos cantores como Galefi,
Fleta, Pértile, Claudia Muzio, Schipa, Cateriano Borato, Tita Rufo, o próprio
Caruso, e outros. Penso que o mesmo tenha acontecido a Carlo Tagliabue, que não
seis e ainda é vivo. Creio que sim.
Mas voltemos ao
programa que marcou a minha entrada para o rádio, rádio que eu já “namorava”
havia bastante tempo, e do qual nunca mais saí. Fui acompanhado pelo excelente
pianista Mário de Azevedo e portei-me mais ou menos, sem decepcionar. Os
críticos se manifestaram. Gastão de Carvalho, do Jornal do Brasil, escreveu algumas palavras de estímulo ao “jovem
baixo” que despontava; Itiberê da Cunha, do Correio
da Manhã, foi mais generoso e elogiou bastante. Somente Oscar Ganabarino,
do Jornal do Comércio, “meteu o pau”. Mas Guanabarino era conhecido por sua
severidade e sua agressividade. Era o José Fernandes daqueles tempos. Assim,
entrei para o rádio, mas a minha aventura, no campo lírico, termino aí.
Qualquer artista,
principalmente artista lírico, precisa ter muita tenacidade, muita força de
vontade, estudar muito. E eu não possuía nenhum desses atributos. Não deixei,
contudo, de colaborar como pude com o rádio. Diletante da música clássica e
operística, colecionara eu cerca de 1.200 discos do famoso “selo vermelho”, da
RCA, gravados pelas maiores celebridades de todo o mundo. Dada as condições
precárias com que funcionavam as rádios (Sociedade e Clube do Brasil), os
locutores faziam apelos aos ouvintes, solicitando que se inscrevessem como
sócios, mediante a módica contribuição de 5$000 (cinco mil réis); meio centavo,
hoje). E que colaborassem enviando bons discos de suas discotecas para melhorar
os programas. Então, a cada momento, era anunciado: “A seguir transmitiremos o
‘Prólogo’ da ópera Il Pagliacci, (de Leoncavalo, em disco gentilmente cedido
pelo nosso ouvinte, Dr. Arnaldo Guinle”; ou “Acabaram de ouvir ‘Caro Nome’ do
Rigoleto, de Verdi, colaboração do nosso sócio e amigo Sr. Renato Murce”. E por
aí a fora...Quanto à contribuição de 5$000 mensais, muitos se inscreveram com
entusiasmo, mas pagar mesmo, que era bom, nada ou quase nada, num veso bem
brasileiro. Depois de certa resistência, as emissoras Depois de certa resistência,
as emissoras tiveram que partir mesmo para o anúncio, para a fase comercial,
ainda muito difícil de conquistar, e aos poucos foram se firmando. O
radiojornalismo apenas engatinhava. A única coisa que se aproveitava, no
gênero, era o “Jornal da Manhã”, de Roquete Pinto, lido por ele mesmo. Não era
bem um jornal, mas uma síntese das ocorrências do dia anterior. Era comentado
de maneira curiosa e inteligente, como somente ele poderia fazer. O mais era
muita tesoura e muita goma recortando os noticiários dos jornais e mandando-os
ao ar com regular atraso, muitos até, já lidos antes pelos ouvintes.
Começaram, então, a
aparecer por volta de 1925 e 1926, os primeiros artistas que despertavam o
interesse do público. Não só pelo seu repertório, como também pela maneira
original e agradável de apresentar seus números. Os diretores das estações
mostravam-se mais condescendentes e já compreendiam que, da nossa música
popular, do nosso folclore, sem precisar descer a baixos níveis artísticos,
poderíamos apresentar muita coisa digna de aplauso e capaz de agradar a muitos
ouvintes.
Antes de citar alguns
dos referidos artistas, quero assinalar que fui o organizador do primeiro
programa folclórico do rádio brasileiro. Tive como companheiros os seguintes
nomes: Gastão Formenti (que então despontava para uma brilhante carreira),
Patrício Teixeira, Rogério Guimarães e Mozart Biscalho, ambos violonistas, mas
de estilos diferentes; Raul Pederneiras, notável caricaturista e professor de
direito, mas também excelente humorista, autor teatral e musical (foi parceiro
de Hekel Tavares numa linda canção: “Caboclo Bom”); e ainda J. Amorim, o
célebre bailarino Duque, que, com sua partaneire Gaby, lançou, com grande
êxito, o maxixe em Paris. Duque foi o autor de um chorinho: “Passarinho do Má”
(era uma alusão e uma crítica velada ao governo Bernardes), chorinho esse que
interpretei e que só não deu muita confusão, na época, porque os censores (se
os havia) não ouviram, ou, se ouviram, não entenderam...A audição desse
programa alcançou êxito inesperado, principalmente por seu ineditismo. Mereceu
da direção da emissora os maiores elogios.
Apesar das grandes
descobertas da ciência, como o telefone, o telégrafo sem fio, a lâmpada
elétrica, o gramofone, que Graham Bell, Marconi, Edison e outros revelaram e
que já eram rotineiras, o impacto do rádio, como já frisamos, foi imenso, sem
contudo alcançar um desenvolvimento à altura da sua importância, passando dois
ou três anos, pode-se dizer, “engatinhando”, coisa que, talvez, se possa
atribuir ao regime de terror e inconformismo em que vivíamos no governo de
então. Regime esse que se abrandou bastante no final do mandato Bernardes e com
o advento da presidência Washington Luís.
O rádio firmou-se
praticamente no final de 1926 e no decorrer de 1927 com o aparecimento dos
primeiros artistas que disputavam a preferência dos ouvintes: Gastão Formenti,
Francisco Alves, Ana de Alburquerque Melo, Patrício Teixeira, Estefana de
Macedo, Rogério Guimarães, Oscar Gonçalves Albenzio Perrone, Elisinha Coelho e
outros, além do rabiscador destas linhas, todos trabalhando à base de cachê
muito pequeno (quando não, de graça).
Só consegui ganhar o meu primeiro cachê quando, em 1929, organizei o primeiro
programa radiofônico (patrocinado por uma única firma, a Casa Turuna,
estabelecimento da Avenida Passos, que fazia concorrência à Casa Mathias,
notabilizada pelos anúncios bombásticos e cheios de “bestialógicos” que fazia
pelos jornais). A Casa Turuna pagou, então, 400$000 por um programa de duas
horas. Nessa quantia estavam incluídas todas as despesas: aluguel da estação,
que foi a Rádio Educadora, recém fundada: cachês dos artistas; conjunto
regional para os acompanhamentos; e a corretagem de um “cara” que vendeu o
programa, um senhor Mário, não sei de quê. Sobraram 30$000 para mim e, como
disse, foi o primeiro dinheiro que ganhei no rádio. Nesse programa tomou parte
uma garotinha muito viva e que precisou subir numa cadeira para alcançar o
microfone, pois tinha apenas cinco ou seis anos. Chamava-se Dircinha Batista e
viria a ser, mais tarde, um dos maiores cartazes do nosso broadcasting.
Nesse ínterim eu estava
ora numa, ora noutra emissora, com um conjunto típico regional intitulado Os
Gaturamos. Tínhamos como nosso maior concorrente o magnífico grupo comandado
por Almirante: o Bando dos Tangarás. Contava com a presença de Noel Rosa, João
de Barro, Henrique Brito, Alvinho e o seu grande comandante. Fez mais onda do
que o nosso. Além de contar com todos esses nomes e ter perseverado por mais
tempo atuando, conseguiu uma série de gravações muito felizes, de muito
sucesso, a maioria de autoria dos próprios componentes, quase todos ótimos
compositores.
Os Gaturanos, que me
tinham como elemento principal, contavam ainda com Rogério Guimarães, Pery
Cunha, Lourival Montenegro, Rubem Bergmann, Didi do Pandeiro e meu irmão Dario,
que tinha uma excelente voz. Alcançávamos grande êxito com a nossa indumentária
típica regional, não só nas festas dos principais clubes do Rio, Fluminense,
Botafogo, América, Praia Clube, Atlântico Clube, Ginástico Português, como
também, e principalmente, durante o carnaval. O grupo saía cantando pela
cidade, entupindo os cafés e restaurantes onde se exibia. Os proprietários
faziam ótimo negócio e nos “pagavam” deixando-nos beber e comer a vontade, sem
nada cobrar.
Tanto o nosso sucesso
como o dos Tangarás já eram motivados também pelas apresentações frente aos
microfones das rádios Sociedade, Clube e Educadora. Logo depois, surgiriam
Mayrink Veiga, Guanabara, Cajuti, Ipanema (Mauá, durante muito tempo), Jornal
do Brasil. Tupi, Philips (depois Nacional), Tamoio, Transmissora (hoje Globo) e
Nacional. Não posso garantir se foi bem nessa ordem que eles surgiram, mas para
quem não está procurando fazer história, esse detalhe carece de importância.
Surgiram depois várias
outras emissoras de menor expressão aqui no Rio. Dezenas ou centenas de
estações por esse Brasil afora, que se encontram muito bem catalogados no livro
de Saint-Clair Lopes. Com a concorrência, passou a haver campo para muitos
trabalharem em todos os gêneros musicais. Apenas a Rádio Jornal do Brasil
resistia ao que chamava de vulgaridade artística e mantinha por algum tempo a
sua programação “de colarinho e gravata” (para não dizer de “traje a rigor”)
destinada a uma minoria esnobe. Mais tarde, a PRF-4 viria a aderir também à
música popular, mas de maneira limitada. Fazia questão de monopolizar uma faixa
de ouvintes presumivelmente “cultos” e de requintado gosto, os chamados
“trezentos de Gedeão”, que cá, entre nós, não sei se chegavam mesmo a
trezentos...
Interessante é que a
Rádio Jornal do Brasil promoveu por largo tempo as transmissões das carreiras
do hipódromo da Gávea, na palavra e estilo insuperáveis de Teófilo de
Vasconcelos, com Fausto Serpa nos comentários. E era engraçado, o turfman viciado, numa torcida doida pelo
Mossoró, Albatroz, Filon, ou outro craque das nossas pistas, ouvir nos
intervalos entre um páreo e outro, música de Tchaikoviski, Gounod, Bach,
Beethoven, etc.
Entre 1924 e 1928 ou
29, muita coisa importante aconteceu no mundo sem que o rádio dessa aos fatos o
destaque merecido. No fim da década de 1920, apareceram outros grandes
artistas, como Mário Reis, que viria a fazer dupla famosa com Francisco Alves;
Castro Barbosa, cantando só e depois em dupla com Jonjoca (João de Fretas
Ferreira); a inconfundível e até hoje insuperada Carmen Miranda.
Contudo, o fato que
mais marcou esse período, no campo da música popular, foi a chegada ao Rio, por
iniciativa do Correio da Manhã, do famoso conjunto pernambucano, Os Turunas da
Mauricéia. Tinha como principal figura o principal o notável Augusto Calhares,
cognominado a Patativa do Norte. Completavam o grupo artistas extraordinários
como o admirável violonista cego Manoel de Lima; João Miranda, bandolinista
(irmão do Luperce, que aqui só aportaria no ano seguinte); João Frazão, ótimo
violão; e um bom pandeirista, cujo nome não me ocorre. A apresentação dos
Turunas da Mauricéia superlotou o antigo Teatro Lírico, o maior da cidade.
Constituiu-se num dos maiores acontecimentos do Rio. Não só pela qualidade dos
artistas, como pelo belíssimo e curioso repertório apresentado. A canção “A
Praia”, de Raul de Morais, e a valsa “Único Amor”, de Alfredo Medeiros, que
foram trizadas, e os côcos, emboladas, sambas, martelos, etc., como “Pequeno
Tururu”, “Tá com Medo Fala”, “Pandeiro Furado”, “Limoeiro” e “Pinião”, levaram
a plateia ao delírio. E com uma circunstância importante: apresentaram o
espetáculo sem aparelhagem de som, valendo-se apenas da excelente acústica do
velho casarão do Largo da Carioca, onde, aliás, os maiores nomes do teatro e da
cena lírica de todo o mundo tinham especial preferência para atuar, pois de
qualquer lugar seus dotes cênicos e vocais eram assistidos e ouvidos com
absoluta perfeição.
Tive a honra de ser um
dos apresentadores dos Turunas da Mauricéia, para os quais se abriram
imediatamente todas as portas: rádios, gravadoras, clubes e excursões. Serviu
de estímulo para a vinda, um ano depois, de outro conjunto, A Voz do Sertão,
que trouxe Luperce Miranda e um incrível cantador de emboladas, Minoma
Carneiro, também grande sucesso, ao lado de Romualdo Miranda, um dos maiores
violonistas daqueles tempos. Mas os Turunas não tinham mãos a medir. Foram logo
contratados por um empresário para longa excursão ao sul do Brasil. Antes,
porém, de viajar, deixaram gravados os seus melhores números, que eram
constantemente divulgados pelo rádio.
Aconteceu, então, um fato curioso para mim e para o conjunto Os Gaturamos.
Passamos a cantar em todas as festas a que comparecíamos, e também no rádio,
todo o repertório dos Turunas da Mauricéia e da Voz do Sertão. O samba “Pinião”
era um dos maios fortes (“Pinião, pinião, pinião, ôi, pinto correu, cum medo do
gavião...por isso mesmo sabiá cantô, bateu asas e voô e foi cumé melão”...), e
era o que mais cantávamos para atender a pedidos. Não só nas rádios como nas
festas.
Calheiros, de quem me
fizera amigo, antes de embarcar para o Sul, pediu-me que divulgasse o mais
possível as suas músicas, cujas gravações estavam surgindo na praça. E aconteceu
que “Pinião” foi a música vitoriosa e mais cantada no carnaval de 1928. Como eu
a cantava muito, muitas pessoas julgavam que o magnífico samba fora lançado por
mim. O eminente crítico Itiberê da Cunha, do Correio da Manhã, chegou a escrever uma longa crônica laudatória,
incidindo no engano. Apresei-me a escrever-lhe atenciosa carta (que ele
publicou), desfazendo a dúvida. Atribuía a Augusto Calheiros e ao seu grupo o
mérito daquele êxito, para o qual eu contribuíra um pouco, com a divulgação
constante do mesmo. Ficaram as coisas nos seus respectivos lugares e Calheiros
sempre se referiu ao fato com palavras de gratidão, o mesmo acontecendo com
Luperce Miranda, que era co-autor da música.
Calheiros e Minoma
Carneiro trouxeram para a metrópole uma contribuição muito valiosa no campo do
nosso regionalismo e do nosso folclore. Eram gêneros aqui pouco explorados,
quase nada se conhecendo além do “Luar do Sertão”, da “Cabocla do Caxangá” e de
umas poucas toadas e descantes que vinham de São Paulo através da voz bonita de
Paraguassu, recentemente falecido aos 80 anos.
Por aqui, começavam a
despontar nos teatros de variedades e de revistas algumas figuras com
repertório sertanejo, como Juvenal Fontes (o famoso Jeca Tatu), os Garridos
(Alda e Américo Garrido), a primeira dupla caipira que conheci, vindo logo
depois Jararaca e Ratinho. Só mais tarde, depois da “Casa de Caboclo” e de
“mambembar” por inúmeros recantos do Brasil, teriam acesso e sucesso ao rádio.
A propósito de “Luar do
Sertão”, cabe aqui lembrar (o que Almirante já fez com muita propriedade em
livro seu) que essa toada célebre é tida como o verdadeiro hino caboclo do
Brasil. Não é de autoria exclusiva de Catulo, como sempre é anunciada; “Luar do
Sertão” é mais de João Pernambuco, exímio violonista, compositor de música e de
parte da letra, do que mesmo do celebrado vate maranhense, apesar de ser
chamado “Cearense”.
Até hoje, o herdeiro de Catulo, um obscuro jornalista que comprou por “dez réis
de mel coado” todos os direitos da obra do poeta, recebe os respectivos
royalties cada vez que um dos seus versos é irradiado ou publicado. Não toma
conhecimento de João Pernambuco ou qualquer outra co-autor de Catulo. Por
exemplo, Ernesto Nazareth compôs o “Brejeiro”, que é cantado com letra de
Catulo (Aí ladrãozinho, neste lábio de coral, tem dó...Dá-me um beijinho, não
te pode fazer mal, um só). Mas João Pernambuco, Ernesto Nazareth, e outros, já
morreram. E o tal “jornalista” conhece bem aquela embolada que diz no seu
final: “Viúva do seu Zeca/ deu pra fazê bobage / mas a gente desconfia / que
isso não é vantage, / porque todo mundo sabe / que defunto não reage...”
Caso parecido acontece
hoje, por vezes, com “Amélia”, o samba antológico de Ataulfo Alves e Mário Lago,
não raro citado por locutores ignorantes como só do primeiro. Mas aqui é um
pouco diferente: não há dolo e Mário Lago está vivo e bem vivo para reivindicar
o seu direito.
Mais adiante, quando
traçar a biografia de vários nomes dos mais conhecidos do rádio em todos os
tempos, terei uma história interessante para contar a respeito do grande
Catulo, com quem convivi bastante e de quem tenho cartas bastante curiosas.
Fechemos esse
parêntese, para falar especificamente do rádio dos últimos anos da década de
1920. Como já frisei, não havia propriamente o radiojornalismo setor hoje tão
importante (senão o mais importante) do sem-fio. Mas o rádio não ficava
indiferente aos acontecimentos de vulto da época. Aliás, bem numerosos e
interessando vivamente a opinião pública. Eles eram comentados em forma de crônicas
de vários escritores de gabarito: José Mariano, Gastão Penalva, Luís Peixoto, o
próprio Roquete Pinto, com o seu admirável “Jornal da Manhã”, e outros. Embora
sem me considerar escritor, procurei dar a minha contribuição com duas crônicas
semanas que eram lidas num programa de cinco minutos, intitulado “O Mundo em
Foco”. Lembro-me de que, entre outros fatos, comentei o sucesso literário de
Victor Marguerite, na França, com seu best-seller La Garçonnne, com ideias
muito avançadas para a época. Analisava o comportamento da mulher em 1930,
inclusive nos seus trajes de banho que, naquele ano, sofreram evolução muito
sensível.
Houve até um episódio
interessante ocorrido no tórrido verão de 1930: os referidos trajes despertavam
viva curiosidade e desusado interesse dos homens que, cedo, acorriam às praias.
Iam apreciar aqueles “audaciosos” decotes e aqueles pedacinhos de coxas que iam
até um pouco acima do joelho...Uma delícia!
O cônego de Halstead
(Chicago), com a aprovação do clero e para encher a igreja, que estava se
esvaziando, formou um coro feminino: todo ele de maiô, para atrair os fiéis ao
Santo Sacrifício da Missa. Foi um sucesso! A Igreja ficava superlotada! O fato
foi comentado em toda a parte. Comentado e discutido. Deu assunto para muitas crônicas
maliciosas. Dizia-se que o referido cônego se esquecera de que não se peca só
por atos e palavras, mas também por pensamentos, que no caso não seriam dos
mais castos nem dos mais próprios para o interior de um templo católico...
Outros fatos de repercussão
mundial foram a primeira tentativa de atingir a estratosfera, feita pelo
professor belga Picard: alcançou com seu balão a altura de 17.000 metros,
enquanto o naturalista americano Boebe, procurando investigar a fauna abissal,
descia, numa esfera do aço a 470 metros de profundidade, no Pacífico. A par
desses acontecimentos científicos ou pitorescos, o rádio divulgava alguns
dramas que comoviam e chocavam a humanidade. Um deles foi a prisão e posterior
execução de Peter Klerten, o tenebroso Vampiro de Dusseldorf. Matara, para
beber-lhes o sangue, oito pessoas, entre elas, cinco pessoas.
Outra ocorrência que
deixou o mundo em suspense foi o rapto, nos Estados Unidos, do filho do célebre
aviador Charles Lindbergh, recentemente falecido. Em maio de 1927, assombrara o
mundo com seu voo solitário (em sua companhia ia apenas um gato), percorrendo
em 33 horas e meia a distância que separa Nova York de Paris, em uma só etapa.
Lindbergh tornou-se, com o feito, um herói mundial. A notícia do rapto de seu
filho causou impacto tremendo, sendo mobilizados todos os recursos para a
descoberta do criminoso. Este usara longa escada que, atingindo o primeiro
andar da residência do aviador, possibilitou a retirada da criança. Tempos
depois das diligências, foi encontrada morta, num bosque pouco distante.
As investigações, que
duraram alguns anos, levaram a polícia a concluir pela culpabilidade de um
carpinteiro alemão. Baseava-se em provas circunstanciais, como o encontro de
alguns pregos e pedaços de madeira semelhantes aos da escada usada para o
rapto, além de notas numeradas pagas para o resgate exigido, de 50.000 dólares,
na carpintaria de Bruno Hauptman (esse o seu nome). A conclusão não convenceu o
mundo, dada a obstinada negativa do acusado e a impressionante defesa do seu
advogado. Saco e Vanzeito à cadeira elétrica. Mas parece que, de um modo geral,
há “sherlocks” em toda a parte, e quando fracassam, precisam arranjar um “bode
expiatório”. E, assim, Bruno Hauptman, depois de 37 dias de dramático
julgamento, foi condenado também a morrer na cadeira elétrica. Quando isso
ocorreu (1936), a Rádio Mayrink Veiga já tinha lançado através da pena
brilhante de Genolino Amado e na voz magnífica de César Ladeira, uma crônica
diária sobre todos os assuntos palpitantes da época. Lembro-me que a página
escrita no dia da execução do carpinteiro alemão foi uma das mais belas e
emocionantes que ouvi em toda a minha vida radiofônica.
Essas divulgações, sem
pretender, como disse, fazer história, têm a finalidade de divulgar os fatos mais
importantes que ocorriam em todo o mundo e dos quais se tomava conhecimento
através do rádio. Era um meio de comunicação sem competidor, pois nosso
broadcasting já saíra do marasmo inicial. Desenvolvia uma ação dinâmica,
passando à conquista de todas as camadas sociais, interessando até o Vaticano,
que inaugurou sua estação transmissora em 12 de fevereiro de 1931. O Papa Pio
XI (que um locutor conhecido por suas gafes anunciou como “Sua Senhoria o Papa
Piócssi”) usou pela primeira vez o microfone para enviar uma mensagem em latim
a todo mundo católico.
Com o âmbito de ação
consideravelmente aumentado, surgiram, evidentemente, enormes vantagens, mas
também algumas desvantagens que mais adiante enumerarei.
Abro agora outro parêntese. Voltando aos meus tempos de boêmia, esclareço a
muitos que me perguntam, por que, sendo eu carioca, dediquei mais de 30 anos de
rádio ao folclore, ao estilo sertanejo, sempre recebido com muito agrado pelo
público. Foi o seguinte: na minha mocidade fiz em companhia de amigos muitas
serenatas. Entre esses amigos estava um que depois se tornou famoso: chamava-se
Mário Pinheiro. Mário Pinheiro, excelente cantor de modinhas, foi quem mais
gravou discos para a famosa Casa Edson. Também apreciava bastante o estilo
caboclo, tendo um bom repertório no gênero. Com ele aprendi a declamar o
célebre “Marroeiro”, de Catulo, além de números regionais.
Mário Pinheiro,
Bahiano, os Geraldos, Cadete, Eduardo da Neves e Benjamin de Oliveira, formavam
o primeiro time de cantores da única gravadora de então, que era a Casa Edson.
Eduardo das Neves (pai
de Cândido das Neves, o Índio, compositor famoso) foi quem lançou no Brasil a
célebre marcha: “A Europa curvou-se ante o Brasil” (exaltando o grande feito de
Santos Dumont, ao contornar a Torre Eiffel, em Paris, no “mais pesado que o
ar”). Benjamin de Oliveira (a quem prestei uma comovida homenagem ao completar
85 anos, pelo microfone da PRA-3) era um famoso palhaço e cantor, mas também
ator teatral. Transformou-se na primeira figura dos espetáculos do Circo
Espineli, na Praça da Bandeira.
Certa vez assisti o
inteligente crioulo interpretar, na peça de Eduardo Garrido, O Mártir do
Calvário, o papel de Jesus Cristo, todo pintado de alvaiade, o que, embora de
certo modo grotesco, não deixava de atestar a arte e a coragem do artista.
Quanto a Mário Pinheiro, aconteceu algo de extraordinário. O cantor, que foi
popular quando não havia ainda o rádio, um dia embarcou para a Itália para
estudar canto. Anos depois, para grande surpresa de amigos e admiradores,
voltava ao Brasil como o primeiro baixo de um famoso elenco lírico emprestado
por Walter Mocchi. Então, pode ser ouvido nas irradiações diretas do Teatro
Municipal em magistrais interpretações do seu repertório. Tinha como ponto alto
a célebre “Balata Del Fischio”, de Mefistófeles e a linda romanza Bohème:
“Vecchia Zimarra”.
Volto a dizer que, apesar das grandes dificuldades por que passou o rádio nos
seus primeiros anos, pela técnica ainda primitiva e pela falta de recursos de
toda a natureza, alguns bem intencionados acreditavam no seu sucesso, que
começaram na década de 1930. De 1924 a 1930, participei do rádio como amador.
Embora, tendo perdido meu emprego em princípios de 1926, tivesse que atravessar
um dos piores períodos da minha vida, jamais deixei de estar presente a todas
as suas realizações. Mesmo sem ganhar nada. Paralelamente, para me manter
procurava outras fontes de receita: fiz jornalismo no Rio-Jornal, em A Rua, A Notícia (ainda na sua fase cor de rosa), O
Imparcial e Diário Carioca, onde a revolução de 1930 me encontrou ao lado de
J.H. de Macedo Soares, Vítor Hugo Aranha, Marcial Dias Pequeno, Américo Palha e
outros “azes” da imprensa de então.
Ganhava uma miséria que
mal dava para comer; fui agente de seguros Sul-América, com algum êxito
inicial, mas sem a paciência e a perseverança necessárias para o exercício da
profissão; fui agente de leilões, arranjando alguns negócios e ganhando alguns
minguados “caraminguás”. Quando não chegavam nem para a gasolina. Sem, para a
gasolina, porque, ainda que pareça incrível, desde que comprei o primeiro
carro, em 1922, nunca deixei de ter automóvel até os dias de hoje. Mesmo nos
piores momentos, nas piores crises, estava motorizado. Muitas vezes sacrifiquei
outros interesses para abastecer o carro. Minha carteira de motorista data de
1922. O automóvel, além de ser meu hobby, sempre foi um precioso colaborador em
todas as funções que exerci, dentro ou fora do rádio. Deixava de ser um ônus
para ser um meio de locomover-me e ganhar dinheiro, valendo-me, e muito, em
algumas excursões artísticas que organizei em cidades próximas do então Estado
do Rio: Barra do Piraí, Barra Mansa, Valença, Vassouras, Rio Bonito,
Petrópolis, Teresópolis, etc. Aliás, as excursões artísticas através de toda a
minha carreira, e, no caso, menos modestas, constituíram-se num “achego” muito
bom para as minhas finanças. Jamais consegui ganhar no rádio (nem mesmo nos
áureos tempos da Nacional) o suficiente para a minha subsistência e para o
padrão de vida que precisava e gostar de levar. O microfone da Rádio Nacional
dava-me apenas prestígio.
De carro, sempre
dirigido por mim (canso-me menos dirigindo do que “sofrendo” ao lado de outro
volante, por melhor que seja), percorri o Brasil todo, da Bahia para baixo. Ao
Norte e ao Nordeste também fui, chefiando caravanas artísticas, mas de avião.
Muitos fatos pitorescos e curiosos aconteceram nessas viagens; ficam para ser
relatados mais adiante.
Daqui por diante vamos acompanhar passo a passo (tanto quanto possível) o rádio
a partir de 1930. Como disse e repito, apoiando-me somente na memória. Antecipo
minhas desculpas por algumas omissões. Contarei aquilo que vi, aquilo de que
participei e que foi do domínio público. O leitor não encontrará aqui uma única
mentira. Se houver alguma contestação ao que estou escrevendo, peço que a
façam, pois colocarei as coisas nos devidos lugares. Apelemos, pois, para a
memória.
A memória que, segundo
uns, é a metade da alma. Segundo a mitologia clássica, chamou-se Mnemósine,
amada por Jupíter. Foi mãe das Nove Musas, que eram as divindades da arte e do
saber, e é, portanto, um modo poético de reconhecer a importância do ato de
recordar. Espero que, senão todas, pelo menos algumas dessas Musas me inspirem.
Publicado originalmente
em MURCE, Renato. Bastidores do rádio:
fragmentos do rádio de ontem e hoje. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976.
Um comentário:
Muito bom
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