Bastidores do rádio, parte VII de VII: Apêndice
Por Renato Murce
Seleção e transcrição:
Matheus Trunk
“Alma
da Sertão”
Pouca gente sabe que,
entre todos os programas que produzi, era o meu preferido. Nele sentia eu a
verdadeira alma do nosso caboclo, quase sempre ignorante, analfabeto mesmo, mas
cheio de qualidades que eu desejava ressaltar: argúcia, malícia, sua pertinácia
lutando contra tudo e contra todos. Enfim, via no homem do interior o
verdadeiro cerne de nossa nacionalidade. “Alma do Sertão”, por isso, fugia aos
padrões comuns de outros gêneros. Apenas com modas de viola, conversas
caipiras, cheias de tolices, etc. Sempre apoiando-me nos grandes nomes que se
dedicavam ao gênero, como Amadeu Amaral, Luís da Câmara Cascudo, Leonardo Mota,
Rodrigues de Carvalho, Ari de Lima, Eduardo Campos, Zé da Luz, Frei José M Audin
(conviveu com o nosso homem do campo por mais de 40 anos). Encontrei assunto o
mais variado. Desde poesia, os costumes, as lendas, os ditados, a medicina do
sertão (diversificada conforme a região onde era usada), tudo era devidamente
radiofonizado e levado até o ouvinte.
Tive a ventura de
constatar que, ás quintas-feiras no horário de “Alma do Sertão”, o Brasil, no
seu interior, quase que parava. Só para ouvi-lo. Explica-se, pois, a minha
preferência por “Alma do Sertão”. Mesmo perdendo ligeiramente em popularidade
para o “Papel Carbono”, que revelou um sem-número de astros e estrelas.
Catulo
Ao radiofonizar os
poemas de Catulo (alguns deles muito bonitos e bem feitos) “ressuscitei” um
nome que estava completamente no ostracismo. Seus livros, antes encalhados nas
livrarias, esgotaram-se rapidamente. Novas edições foram feitas, e ele se
animou a escrever mais dois ou três livros. Resolveu, também, vaidoso que era,
ir ele mesmo divulgar seus versos na Rádio Nacional (eu ainda não estava lá),
passando quase despercebido. Em pouco tempo desistiu.
Os poemas de Catulo
como “A Promessa”, “A Vaquejada”, “Quincas Micuá”, “A Resposta do Jeca Tatu”,
“O Lenhador”, “A Justiça do Crime”, “Terra Caída”, e tantos outros, eram muito
bonitos em sua essência, mas “chatérrimos” pelo seu tamanho. Era necessário,
para o rádio, transmitir somente aquilo que interessasse e prendesse a atenção
do ouvinte. Intercalava-se, nos lugares oportunos, a música condizente com o
assunto. Era o segredo do sucesso que fazíamos com os poemas. Catulo não se
conformava. Chamava isso de “estropiar a sua poesia”. Além de vaidoso, era um
ingrato de boa cepa.
Certa vez, quando
estava na Transmissora, escreveu-me um bilhete pedindo para irradiar poemas do
seu livro Um Boêmio no Céu. Um
verdadeiro manancial do auto endeusamento. Qualquer pessoa que folheá-lo poderá
constatar. Fiz, como de costume; resumi uma das partes, musiquei-a e incluí-a
em “Alma do Sertão”. Ele, que já era muito popular (às minhas custas), não teve
dúvida. Escreveu-me um bilhete, danado da vida, onde dizia: “Renato, estou
aborrecido com você por não ter aparecido. Nem ao menos ter feito o que lhe
pedi em carta anterior. Quem perde com essa desatenção é você. Desejava apenas
dar-lhe umas opiniões e “guiar-lhe” nos seus propósitos de irradiações. Pois
bem, você anuncia-me pelo rádio, e eu mesmo irei recitar, caso queira, uns
fragmentos do Boêmio. Depois da detenção
que teve para comigo não sei lhe merecerei esse obséquio. Catulo”. Isso foi em
17 de março de 1936. Diante dos termos desse bilhete, não irradiei nem respondi
a coisa nenhuma.
Dias depois ele apareceu
em pessoa. Ainda para reclamar. Mas disse-lhe apenas: Catulo, você está ficando
muito paulificante. Para evitar mútuos aborrecimentos, resolvi não irradiar
mais os seus poemas. Aí, ele caiu em si. Muito humilde, retrucou: “Não é nada
disso, eu não quero aborrecê-lo! Pensei que pudesse colaborar, mas se você não
quer, paciência. Mas não deixe de divulgar minha obra, que isso me tem sido
muito útil”. Fiquei penalizado. Continuei incluindo seus versos nos meus
programas, mas à minha moda. Só deixei de fazê-lo depois da sua morte: o
herdeiro artístico, um jornalista desconhecido, um tal de Guimarães Martins,
passou a exigir direitos autorais exorbitantes sobre a obra do vale
maranhense...
As
revistas sobre rádio
Tiveram influência
muito grande na vida do rádio. Eram revistas especializadas no assunto: faziam
a cobertura de toda a vida radiofônica. As principais foram: A Voz do Rádio (a mais bem feita), Cine Arte, Cinerádio Jornal, Carioca
(do grupo A Noite), Cinelândia Alô e Revista do Rádio (esta a mais famosa e de vida mais longa,
abordando todos os assuntos de modo muito popularesco). Isso convinha, aliás,
ao grande público, que lhe dava preferência. Só fotos de Emilinha, Marlene,
Ângela Maria, como “capa”, foram publicadas mais de 50 de cada. Era preciso
vender, e assim, vendia!
Os
técnicos
Injusto seria escrever
o rádio sem uma referência elogiosa aos técnicos: operadores de cabine,
contra-regras e sonoplastas. A lista é grande, não comporta a enumeração dos
nomes de todos, mesmo porque não sei. Mas é a classe mais útil. E a mais
injustiçada do rádio. Basta dizer que, no livro comemorativo dos 20 anos de
Rádio Nacional, constam apenas de passagem uma referência aos 59 magníficos
operários desse setor. Pessoas imprescindíveis ao funcionamento da emissora.
Contudo nem um só nome de todos os outros departamentos foi esquecido.
Infelizmente não disponho de elementos, nem de memória, nem de arquivo pessoal
para reparar essa injustiça. Mas, pelo menos, os dois melhores sonoplastas e
melhores contrarregras posso lembra-los aqui: Edmo do Vale, Lourival Faissal,
Jorge Bico e Ivan Faria.
Promoção
de conjuntos do interior do país
Realmente importante
será contar o esforço da Rádio Nacional para trazer aos seus estúdios, no Rio
de Janeiro, conjuntos atuantes no interior. Só por intermédio do programa
“Papel Carbono”, vieram: Centro de Tradições Gaúchas Lalau Miranda, de Passo
Fundo, com 55 pessoas; Conjunto Artístico do Liceu de Uberlândia, 30 pessoas;
Orquestra Continental de Jaú, com 27 músicos e um excelente cantor, Waldomiro
de Oliveira; Madrigal Renascentista, com Isaac Karabtchevsky. Finalmente, a
série imensa de bandas do interior, que aqui aportaram para atuar no famoso
programa de um dos maiores radialistas que o Brasil já conheceu, o Paulo
Roberto: a célebre “Lira do Xopotó”.
Heber
de Bôscoli e “Trem da Alegria”
Na citação dos
programas famosos e de auditórios, merece lugar destacado, pelo dinamismo e
habilidade, um grande radialista, prematuramente desaparecido: Heber de
Bôscoli. Formava com Yara Sales e Lamartine Babo o famoso “Trio de Osso” (eram
todos muito magros). Faziam a apresentação diária do “Trem da Alegria”. Tinha
tanta frequência que precisou sair dos acanhados estúdios das rádios para ser
transmitido diretamente do Teatro Carlos Gomes. Foi uma etapa brilhante nesse
gênero de programas. A “Hora do Pato” (que era uma das suas secções), ao
receber, de vez em quando alguma crítica, mereceu, do Heber, este slogan que
ficou célebre: “Se o ouvinte prefere a “Hora do Pato”, porque discutir com o
ouvinte?”.
O
rádio evoluiu ou involuiu
É evidente que o rádio
evoluiu. E muito, com o correr do tempo. Depois de luta ingente para a sua
sobrevivência com o advento da televisão vem obtendo relativo sucesso.
Infelizmente, porém, em alguns setores vem involuindo, assim como quem tem uma
“recaída”. Reparem no grande número de programas musicais: voltou aquele
costume nitidamente provinciano de “Agora vamos irradiar..., que Fulaninha de
Brás de Pina ofereceu a sua amiguinha de Nova Iguaçu”. Os responsáveis por esse
tipo de programação foram sempre uma das grandes “pragas” do rádio brasileiro.
Curiosidades
do rádio
Logo depois de
inaugurada a Rádio Nacional, numa reunião com as diretorias das demais
emissoras, ficou resolvido: seria instituído o Dia do Rádio, a ser comemorado a
21 de setembro, data mantida até hoje. No primeiro ano, o Dia do Rádio foi
comemorado: todas as estações silenciaram (no que deram uma prova
extraordinária de força, pela falta que fizeram). Realizaram uma grande festa
na Quinta da Boa Vista: churrascada, corridas de calhambeques, diversas
gincanas, música e outras diversões.
No segundo ano, o rádio
“fez meio dia”. Irradiou até ás 12 horas. Depois houve um churrasco nos
transmissores da Nacional. No terceiro ano, o dia do rádio foi “comemorado” com
uma transmissão de 24 horas consecutivas, trabalho insano. Ninguém sabe por
quê. Depois dos festejos do Dia do Rádio foram sumindo...Hoje pouca gente sabe
que 21 de setembro é Dia do Rádio.
Greve
no rádio
Pouca gente, muita
pouca mesmo sabe que o rádio já fez uma greve. Pois fez. Foi assim: a 12 de
julho de 1933, as emissoras então existentes, a Rádio Sociedade, Rádio Clube do
Brasil, Rádio Philips, Rádio Educadora, Rádio Guanabara, Rádio Dacuji e Rádio
Jornal do Brasil saíram do ar, em represália a uma medida, que elas acharam
exagerada, das Sociedades Arrecadoras: a cobrança dos direitos autorais. Devo
essa preciosa informação ao meu amigo, grande baluarte do rádio em todos os
tempos, Floriano Faissal. Ignorava eu os detalhes do fato.
Donga
e o samba
Ernesto dos Santos, o
popularíssimo Donga, é considerado um dos grandes do nosso samba. Autor de
tantas músicas que se celebrizaram, a começar pelo tão “badalado” “Pelo
Telefone”. Era muito meu amigo. Gostava muito de um bate-papo. Donga, em 1933,
tinha se casado com uma moça de belíssima voz de soprano lírico, Zaíra de
Oliveira dos Santos. Foi escalada diversas vezes no meu programa “Horas do
Outro Mundo”. Donga, muito justamente, tinha enorme orgulho da esposa e
desmedida admiração por sua arte.
Certa vez, em conversa,
ele me disse (assim muito confidencialmente, como em segredo), referindo-se ao
gênero que sua mulher cantava: “Renato, eu agora estou convencido: música,
arte, é isso. Esse negócio de sambinhas, chorinhos, etc., é muito bom pra gente
se divertir, pra gravar, ganhar dinheiro. Não chega aos pés da música
clássica”. Lamento que ele tenha desaparecido, e que não haja quem possa
testemunhar declaração tão original, partindo de quem partiu.
Francisco
Alves
Certa vez apareceu em
meu programa um cantor de voz admirável. Perfeitamente igual, em timbre, à do
Chico Viola. Com uma vantagem: mais nova, mais potente (Chico já tinha
ultrapassado a casa dos 50). Chamava-se Ericson Marta. Vítor Costa mandou que
ele fizesse o programa da Casa Garson, “Quando os Ponteiros se Encontram”, ao
meio-dia dos domingos, substituindo o titular, que estava de férias ou fazendo
uma excursão, já não me lembro bem.
O rapaz fez uma “onda”
tremenda. Todos queriam saber quem era. Muitos pensavam que era o próprio Chico
rejuvenescido. O Chico, mesmo em viagem, ouviu o programa. Não gostou: tinha
alguém fazendo-lhe concorrência (e dentro da própria estação). Ao voltar,
dirigiu-se imediatamente ao Vítor Costa e impôs: se esse “cara” continuar me
imitando saiu da rádio. E levo comigo o patrocinador. O patrocinador era o seu
grande amigo Abraão Medina (então sócio da Casa Garson), a quem o rádio muito
deve. Não houve dúvida. Vítor dispensou o Ericson. Pôs o Orlando Silva em seu
lugar. Algumas semanas depois, o Chico trazia de São Paulo um cantor,
apresentando-o ao Vítor: “Olhe, aqui está o João Dias; este é que é meu
substituto. E o herdeiro da minha voz”. Depois, mais que herdeiro da voz de
Chico Alves, o João Dias se tornou cantor de grande renome.
A
ABR: Associação Brasileira de Rádio
A Associação Brasileira
de Rádio (da qual sou sócio proprietário e fundador nº 8) foi presidida por
Gilberto de Andrade e por Vítor Costa, depois por Manoel Barcelos (ocupei a
presidência por dois meses, quando Barcelos tirou férias para se casar). Manoel
Barcelos foi, um presidente eficientíssimo. Levara a cabo uma série louvável de
iniciativas em prol dos associados. Porém, tinha a associação como feudo. Tanto
era assim que fazia tudo sem dar satisfação a ninguém.
Anunciava sempre, como
bandeira, para as suas reeleições, a construção do Hospital do Radialista.
Ninguém reclamava: o hospital realmente foi construído. Serviu mesmo de padrão
para qualquer iniciativa do gênero. Pomposa foi a inauguração. Teve presença
até do presidente da república; altas autoridades, inúmeros radialistas e
grande massa de povo. Todos se regozijavam com a obra, capaz de enaltecer
qualquer administração.
Daí para frente a coisa
começou a declinar. O hospital carecia ainda de ser complementado. Não prestava
todos os serviços a que se propunha. Manoel Barcelos fazia questão de
comparecer a todas as reuniões sobre qualquer assunto representando a ABR.
Começou a faltar a essas reuniões. Até afastar-se e deixar, com surpresa para
todos nós, a presidência da ABR.
César
de Alencar
Foi, sem a menor sombra
de dúvida, o mais popular e o melhor animador de programas de auditório que o
rádio já teve. Já frisei o quanto seu programa era ouvido e apreciado. Basta
dizer que o “Programa César de Alencar” era um dos poucos que vendia ingressos
para o auditório. Os ingressos, via de regra, esgotavam com duas semanas de
antecedência. Hoje, no entanto, a imagem do César – que tive como filho durante
muito tempo (quem o colocou no rádio, fui eu) – está algo esmaecida; e sua
popularidade um pouco esquecida.
Na época áurea da Rádio
Nacional todos os grandes programas eram gravados ao vivo. Não só aqueles
irradiados em estúdio fechado. Também os de auditório. Nestes, estavam
marcadas, também, as ruidosas e espontâneas reações dos ouvintes. O que lhes
dava um relevo especial. Mais de 5.000 discos (acetatos de 16 polegadas) foram
assim produzidos.
No entanto, as direções
que passaram pela Rádio Nacional pouca importância deram ao fato. Não souberam
guardar e resguardar as referidas gravações. Tinham valor extraordinário; não
só como documentário, como, até mesmo para possíveis e sempre desejadas
reprises. Mandaram (diziam que por falta de espaço) um sem-número delas para a
casa dos transmissores, em Brás de Pina. Ficaram jogadas em lugar inadequado e
se deterioraram. Outras, fui encontrar mal empilhadas (e também se estragando)
num compartimento, junto aos sanitários da rádio. Eram ainda cerca de 4.000
gravações. E quase a metade já estava inutilizada.
Pacientemente separei e
arrumei mais de 2.000, ainda em bom estado e bastante aproveitáveis. Nesse
trabalho, como que prevendo o que iria acontecer separei uma série dos meus
principais programas: “Alma do Sertão”, “Piadas do Manduca” e “Tran-Chan
Revista”. Copiei-os em fita para o meu pequeno arquivo. Também vários programas
de Lauro Borges e Castro Barbosa com a famosa “PRK-30”.
Parece que estava
adivinhando o que ia acontecer: a direção da rádio, alegando ter recebido
ordens do Ministério da Fazenda, doou todas as gravações ao Museu da Imagem e
do Som. Talvez estivesse certo, se aquela instituição desse ao fato o valor que
ele merecia. Mas, depois de passados já cinco anos, os discos lá permaneceram.
E ninguém se deu ao trabalho de arrumá-los. Qualquer consulta que se queira
fazer, qualquer pesquisa sobre o assunto rádio, ficaram assim extremamente
difíceis.
Destino idêntico teve a
série de discos antigos da rádio (documentário valiosíssimo), e também as
fabulosas orquestrações, feitas pelos maiores maestros do país (cuja relação já
citei). Emolduravam programas sem paralelo que a Rádio Nacional transmitiu
durante muitos anos para todo o Brasil.
No dia dessa
inexplicável doação, o maestro Francisco Duarte (o dedicado Maestro Chiquinho,
como era carinhosamente tratado), responsável pelas orquestrações, chorou de
emoção. Como quem se separa de um filho muito querido. Também estão lá
jogadas...
Além das orquestrações
(especialmente feitas para todos os cantores da rádio), havia também as
molduras musicais. Serviriam de modelo para qualquer rádio do mundo.
Excepcionais eram os programas “Festivais GE”: “A Canção da Lembrança”,
“Cancioneiro Royal”, “Um Milhão de Melodias”, “Carrossel Musical”, “Pelas
Estradas do Mundo”, “Preferências Musicais”, “Um Musical Predileto”, “Dona
Música”, “Clube do Samba”, “Horário dos Cartazes”, “Voz da RCA Victor”,
“Alegria Meus Senhores”, “Caricaturas”, “Este Mundo é uma Bola”, “Nas Asas da
Canção”, “Parada dos Maiorais”, “Quando os Maestros se Encontram”, “Seleções
Musicais ABC”, e muitos outros. Do jeito como foram transportadas e “arrumadas”
lá no museu, duvido muito que alguém, necessitando de alguma, especificamente,
a encontre. É uma pena!...
Solidariedade:
Campanhas através dos microfones
Não se pode negar certo
espírito de solidariedade do rádio (e da TV). Isso, no sentido de colaborar:
minorar efeitos de catástrofes; ou os sofrimentos e agruras dos que se sentiam
ao desamparo. No entanto, muito mais poderia ser feito, se houvesse no meio um
verdadeiro espírito de altruísmo. Este deveria presidir a todas as campanhas
que foram feitas em diversos setores. Prevaleciam a emulação e ao empenho; ou a
vaidade de uns aparecerem mais do que os outros. Além de certos promotores e
auxiliares das referidas campanhas se acharem “sócios” dos que estavam sendo
socorridos, pois sonegavam boa parte do que era arrecadado.
Promovi muitas
campanhas: umas com maior, outras com menor êxito. Além de exigir a
fiscalização das partes interessadas, prestei contas religiosamente de tudo o
que pude apurar. Assim é que tenho, nos meus preciosos arquivos, os recibos
autenticados de todas elas. Exemplo: campanha dos cigarros para os pracinhas,
campanha do agasalho para nossos soldados (às quais já me referi noutra parte
deste livro), campanha para ajudar as obras da matriz do Engenho de Dentro, que
se constituiu na organização de dez shows com entradas pagas; tinha na
bilheteria o próprio vigário da paróquia, tendo rendido um “dinheirão” para a
época; campanha para os hansenianos de Curicica, sendo que desta tenho uma
comovedora carta de agradecimento da grande dama que foi a Sra. Eunice Wave;
campanha para o Asilo dos Cegos do Meiér (fizeram questão de mandar uma asilada
ao Rádio Clube do Brasil passar o recibo e fazer um emocionante agradecimento
lido em Braile, que também consta dos meus arquivos). Duas campanhas de Natal
do sentenciado. Na segunda fomos à hoje Penitenciária Lemos de Brito. Entregamos
ao diretor, da época (com a presença de jornalistas, fotógrafos, etc), a
importância de 30 contos (muito dinheiro em 1943), além de objetos de uso,
roupas, etc. Tempos depois recebia cartas de vários sentenciados. Tinham
assistido à cerimônia de entrega, mas não tinham visto nem a cor nem o cheiro
daquele dinheiro. Desconfio que quem teve um bom Natal foi o diretor do
presídio.
Fiz duas campanhas para
a Cruz Vermelha Brasileira durante a guerra. Vendi folhetos dos meus dois
trabalhos: Regabofe dos Vândalos e Epopeia do Mundo. Renderam razoável
quantia, da qual também conservo os recibos.
Enquanto estava
preocupado com minhas próprias promoções não podia tomar conhecimento das
outras. Talvez as demais emissoras as tivessem feito. O que me entristeceu
profundamente foi, quando ao promover, pela Rádio Nacional, uma campanha em
benefício da Rádio Clube de Passa Quatro (fora completamente destruída por um
violento temporal que desabou naquela cidade sul-mineira), constatei a total
indiferença e completo alheamento das grandes emissoras, tanto do Rio como de
São Paulo. Fiz uma campanha intensa. Convoquei emissoras, ouvintes, banqueiros,
enfim, toda a gente que pudesse colaborar. E o fiz por intermédio do programa
“Papel Carbono”. Mas foi um fiasco tremendo! Apenas alguns ouvintes e três ou
quatro pequenas emissoras do interior mandaram sua colaboração. Confesso que
foi um tremendo fracasso. Tive até vergonha de anunciar o resultado.
Tive, porém, logo
depois, uma compensação altamente valiosa: a Rádio Clube de Passa Quatro mandou
ao Rio uma comissão de diretores. Era para informar que nosso esforço não fora
em vão e a maneira como nos portamos frente aos microfones da Rádio Nacional
sensibilizou os habitantes, tão só os da cidade como os de toda a região. Até
mesmo o prefeito. Todos se mobilizaram. Em pouco tempo restauraram, pelo menos
em parte, a emissora local. Já estava no ar. E o primeiro programa foi de
agradecimento aqueles que, quase sozinhos, tinham compreendido o drama daqueles
colegas. Tenho guardado, como joia preciosa, a manifestação dos meus amigos de
Passa Quatro.
O leitor pode estranhar
o fato de eu ter toda a documentação daquilo que fiz; mas não a exibo. É fácil
explicar: primeiro essa documentação está à disposição de quem quer que dela
duvide; segundo, é que, se fosse publicar tudo aquilo que tive a felicidade de
fazer ou de cooperar (motivando as maiores informações de gratidão de pessoas,
clubes, autoridades, etc.), teria que escrever outro livro. São três pastas
cheias com o que já mais desvanecedor parta um homem que dedicou toda a sua
vida ao rádio. Com a melhor das intenções. É parte importante da minha herança.
Se não tiver valor material, terá, pelo menos, o mérito de um exemplo a seguir.
Um pedido que faço aos meus netos e amigos: leiam o que contam essas três
pastas depois que eu desaparecer. Estou certo de que ficarão me conhecendo
melhor...
O
rádio e a política
Ninguém desconhece a
influência fantástica que o rádio teve em todos os movimentos políticos do
país. Desde os tempos de Getúlio Vargas, sobretudo na propaganda (muitas vezes
mentirosa) dos grandes feitos do governo, através dos órgãos e das horas que
lhes deram disciplinadas, como em horários extras, por qualquer motivo e a
qualquer pretexto. E também nas campanhas eleitorais.
O rádio, muito contra a
vontade, era obrigado a ceder aqueles horários. A Agência Nacional impunha a
fala dos candidatos, em sua maioria semi-analfabetos, ou, quando não, sem a
menor vocação para um microfone. Isso foi repetido anos e anos; só não sei bem
em que grau os resultados foram positivos.
Uma coisa, porém, é
inegável: nunca as mães dos candidatos foram tão xingadas por esse Brasil a
fora. Os tais horários designados pelo governo incidiam, quase sempre (eram os
chamados horários nobres), nos programas da preferência do público. Quando a
fala de algum candidato coincidia com a transmissão de um jogo de futebol (por mais
burro que fosse o pretendente a uma cadeira na câmara ou no senado), ele abria
mão daquele “direito” de falar: o público queria mesmo era ouvir o esporte.
Pensava, assim, angariar a simpatia de meia dúzia de eleitores. Agora, o que
não se pode negar é que as horas destinadas à propaganda eleitoral se
transformaram, em pouco tempo, nos programas mais humorísticos do rádio
brasileiro.
Houve uma campanha
eleitoral em que o rádio se meteu. Teve sua curiosidade e não pode deixar de
ser mencionada. Aliás, foi a primeira campanha eleitoral depois da ditadura
Vargas já no governo Dutra, logo após ter sido votada a constituição de 1946.
(Antes, como já nos referimos, houvera manifestações pelo sem-fio em prol de
Armando Sales de Oliveira e José Américo, que batalhavam pela presidência em
1938: uma farsa que Getúlio armara para amainar os ânimos da opinião pública, e
que ele mesmo ironizava, atrás do charuto e da barriga). O pessoal do rádio,
animado com a popularidade dos seus nomes junto ao público, julgava a eleição
dos nomes do sem-fio uma verdadeira “barbada”. Era só dizer pelo microfone: sou
candidato a vereador, ou a deputado, e estava eleito! Puro e ledo engano.
Começou a campanha.
Logo vimos vários candidatos do rádio pleiteando uma cadeira, qualquer que fosse:
Manoel Barcelos, Celso Guimarães, César Ladeira, Paulo Roberto, César de
Alencar, Paulo Gracindo, e até eu. Toda a “nata” da Rádio Nacional era a força
indiscutível na ocasião. Entretanto, apareceu “uma pedra no meio do caminho”:
sendo o rádio do governo, ficava terminantemente proibida qualquer campanha
política pelos seus microfones. Nessa altura eu já tinha gasto um “dinheirão”
com cédulas, cartazes, etc. Manoel Barcelos, então, que era o mais rico, já
tinha dado um “rombo” bem razoável nas suas finanças.
No dia em que eu ia
falar pela primeira vez ao meu “possível eleitorado”, veio a ordem taxativa:
não pode” Mas não era só ao microfone da Nacional: o candidato daquela emissora
não podia falar em nenhuma outra. Resultado: fizemos campanhas ridículas e
inoperantes. Em colégios, nas ruas, em alguns comícios sem significação.
No fim, foram eleitos
pelo rádio: Silvino Neto, o Pimpinela da Mayrink Veiga (levado pela força dos
personagens humorísticos que criara); Ary Barroso, da Rádio Tupi, com a ajuda
da “gaitinha” e da torcida do Flamengo; Átila Nunes, levado à “Gaiola de Ouro”
pela umbanda. Este, com tal prestígio que, desaparecido, legou ao filho, Átila
Nunes Filho, uma força política imensa, hoje deputado estadual. Outro eleito foi Raul Brunini, da Rádio Globo.
Além de culto e admirado pelo seu trabalho, teve a ajuda, inegavelmente
ponderável, de Carlos Lacerda (nome discutido e muitas vezes contestado, mas ao
qual não se podia negar inteligência e força política respeitáveis); finalmente
(que me lembre), Sagramour de Scuvero, da Rádio Clube do Brasil, mercê de suas
receitas culinárias, consultórios sentimentais, etc.
Como veem, nenhum da
Rádio Nacional. E toda a gente a julgava, com razão, a grande força da época.
Era engraçado ver a nossa ansiedade e a nossa decepção. Á medida que as
apurações iam sendo feitas, nome e número de votos eram asfixiados nos
corredores da Rádio Nacional. Custava a aparecer um votinho para cada um de
nós. E o curioso é que, mesmo assim, consegui 727 votos (para pensar em ser
eleito, ou mesmo para a suplência, precisava de pelo menos 3.000 votos). Assim mesmo,
fiquei na frente de vários colegas da estação, que gastaram muito mais
(julgavam-se, também, muito mais importantes).
Foi porém, uma
experiência benéfica: deu para sentir que a política, salvo raras exceções, é
um “troço” para quem tem um bom padrinho. Ou, então, muito dinheiro. E eu não
tinha nem uma coisa nem outra. O engraçado é que me encontrei depois das eleições,
com centenas, talvez milhares de pessoas, fãs e conhecidos. Mostravam-se
compungidos por não terem votado em mim: “Ora, que pena! Eu não sabia que você
era candidato!”. Pois sim! Uns 10 ou 15% talvez fossem sinceros; os demais
queriam fazer média. Uma média que não tinha “pão com manteiga”...Tudo isso
estou contando apenas com referência ao Rio de Janeiro. Como se sabe, por esse
Brasil a fora o rádio teve influência monumental nas referidas eleições. Mas,
mesmo aqui,m resumindo bastante. A passagem da gente do rádio pelo setor
político, pode-se afirmar, foi algo melancólico. Pelo menos para a classe que
representavam. Salvo Ary Barroso, que lutou denodadamente pela construção do
Estádio do Maracanã. Venceu a campanha do Carlos Lacerda, que queria
localizá-lo em Jacarepaguá (diziam que para valorizar terrenos em sua
propriedade naquele subúrbio), segundo conta Nestor de Holanda, com detalhes,
em seu livro Memórias do Café Nice.
Enfim, os eleitos do
rádio nada ou quase nada fizeram para o sem-fio de nossa terra. Para si mesmo,
devem ter feito algo. Além de receber os polpudos subsídios. A bem dizer, era
essa a verdadeira meta de quase todos. Tudo isso, porém, não tira o mérito de
alguns poucos: os que chegaram às áreas do legislativo depois de longa vida
dedicada a um trabalho edificante e dignificante, com sinceridade de
propósitos. É o caso do nosso tão conhecido Júlio Louzada, que foi nas últimas eleições
para a Assembleia Constituinte de nosso Estado, e cuja biografia resumida o
leitor encontrará no final desse livro.
Os
horóscopos
Uma verdadeira praga no
rádio. Principalmente nas estações que se dizem populares. Querem angariar audiência
a qualquer preço. Uma besteira que não tem sentido. Mas que prende muita gente
ignorante com o ouvido colado no receptor. Besteira, digo, não para atacar a astrologia
que eu considero uma ciência. Mas, geralmente, os programas do gênero estão a
cargo de charlatães, sem a menor noção do que estão dizendo. Desafiam uma série
de sandices que não estão no mapa...
É fácil comprovar a charlatanice
dos tais programas: é só ouvir dois ou três, no mesmo dia, em estações diferentes.
Depois, testa-se o que foi dito ou “aconselhado”. Encontrarão prognósticos
completamente contrários, que se chocam de maneira ridícula. Já ouvi, no mesmo
dia, uma estação dizer: “Você, aquariano, terá um dia cheio de realizações.
Aproveite para realizar seus projetos. Dia bom para viagens”. Outra estação
prognóstica: “Para os aquarianos, o dia de hoje deve ser levado com cuidado e
prudência. Dia bom para ficar em casa cuidando dos seus afazeres”.
Mas não é só no rádio
que isso acontece. Qualquer pessoa poderá constatar o que aqui reafirmamos. Os
jornais também, quase todos, têm os seus “astrólogos”. Vejam como “coincidem”
as previsões. Por trás desses conselhos vem uma série de “contos de vigário”:
venda de amuletos, livros, almanaques, etc. Os “trouxas” encomendam, e
enriquecem os seus autores.
Os
programas de calouros
De passagem já abordei
o assunto. Mas este é um tema que merece capítulo especial. O primeiro programa
(não especializado no gênero) que iniciou no rádio o lançamento de gente nova
foi “Horas do Outro Mundo”, na Antiga Rádio Philips do Brasil. Revelou para o
sem-fio: Aracy de Almeida, Joel e Gaúcho, Ary Barroso, Barbosa Júnior, João
Petra de Barros, Saint-Clair Lopes, Ismênia dos Santos, Ecyla Jopert, Olga
Nobre, Alda Verona, e alguns mais.
Deve esclarecer que
sempre tive particular repulsa por esse termo “calouros”. Tanto que, nos 28
anos em que “Papel Carbono” esteve no ar revelou mais de 100 artistas, jamais o
rotulei como “programa de calouros”, e sim apresentação de valores novos, “ilustres
desconhecidos” à procura de uma oportunidade para se revelarem.
Os programas
especificamente de calouros começaram em 1935, na antiga Rádio Cruzeiro do Sul.
Situava-se no 10º andar do edifício do Cinema Império, na Cinelândia. Era
comandado por Edmundo Maia e Paulo Roberto. Assumiu, posteriormente, a
apresentação Ary Barroso, que para ali se transferira em 1936. Passou-se depois
para a Rádio Tupi, numa mudança rumorosa para a época, assumindo a chefia as
irradiações esportivas. Viria a se consagrar pela linguagem cheia de verve, a
famosa gaitinha e a incontida paixão pelo Flamengo (demonstrada
nas transmissões). Levou também o programa de calouros, que passou a se
denominar “Calouros do Ar”.
Daí por diante essa
espécie de espetáculo proliferou em inúmeras emissoras das capitais e do
interior. Tornava-se uma das principais atrações de qualquer programação.
Contudo, a grande maioria não se fazia notar pela qualidade. Muito pelo
contrário. Alguns apresentadores parece que achavam quanto pior, melhor.
Explica-se. O público, a grande mola propulsora de qualquer programa, estava,
via de regra, animado por certa dose de sadismo (o dos auditórios, principalmente).
Parece que se compraziam mais em ver um “pobre diabo” levar uma gongada,
buzinada, ou coisa que o valha, do que mesmo constatar a vitória de um
candidato de mérito. Aplaudiam. Mas o de que gostavam mesmo era de rir do fracasso
do corajoso que se apresentava sem a menor condição.
É de se louvar,
contudo, a tenacidade de alguns elementos. Quando não fracassavam de vez, mas
tiravam segunda, terceira ou quatro lugar no programa, voltavam a se inscrever
duas, três ou quantas vezes fossem necessárias. Até se fazerem notados. Alguns
deles, nessa difícil maratona, conseguiram o seu intento. No “Papel Carbono”
posso citar diversos que ali se apresentavam por mais de uma vez. E hoje são
grandes cartazes dos meios artísticos: Dóris Monteiro, Alaíde Costa, Ângela
Maria, Élen de Lima, Hélio Paiva, Almir Saint-Clair, Joelma, Claudete Soares,
Ivon Curi, Ademilde Fonseca, e outros. Alguns, porém, tentaram e não tiveram
sorte. Passaram a ser ironicamente chamados de “calouros-veteranos”. A título
de curiosidade, cito apenas um. Parece que já “pendurou as chuteiras”.
Tornou-se célebre pela assiduidade com que compareceu aos referidos programas
durante mais de 20 anos. Houve um dia que cantor em três programas: “Aí Vem o
Pato”, na Rádio Nacional; “Calouros do Ar”, na Tupi e “Papel Carbono”. Era um
rapaz (depois um senhor, depois quase um velho) chamado Alexandre Belucci.
Tinha bonita voz de tenor. O seu forte eram as canções napolitanas e algumas
árias de óperas. Ganhou os primeiros lugares muitas vezes. Mas não teve a sorte
de fazer carreira. Não sei se pelo repertório, ou se pela sua figura pouca
sedutora: era pequenino, magro e feio. Tenho visto, porém, muita gente menor e
mais feria do que ele vencer no rádio. Mistérios da carreira artística, onde o
fator sorte também é preponderante...
Dentre os programas de
calouros mais conhecidos no Rio podemos citar: a “Hora do Pato”, que passou a
ser “Aí Vem o Pato”, na Nacional. Héber de Bôscoli, criador do programa e dono
do título, saiu dali para a Mayrink Veiga. Ficou a apresentação a cargo de
Jorge Curi, que sempre se houve com muita linha e discrição; “Pescando Estrelas”,
que Arnaldo Amaral apresentou na Rádio Clube (quando deixei a PRA-3),
substituindo meu “Papel Carbono”. Aliás, quero fazer justiça aquele saudoso
amigo e colega. Procurou imprimir ao “Pecando Estrelas” a mesma linha de
respeito pelo público que eu adotara nas minhas apresentações, coisa que
repercutia favoravelmente junto aos ouvintes; e, finalmente, a famosa “Buzina
do Chacrinha”, talvez o mais conhecido e o mais popular, em que pese a
irreverência do seu tão discutido animador, sem dúvida um dos maiores
comunicadores da nossa terra.
O interessante, nos
programas dos calouros, é que cada animador atribui a si a descoberta de “todos”
os artistas que por aí se exibem. Quando interrogado a esse respeito, sempre
respondi, provando com datas, pormenores e, muitas vezes, com os depoimentos
dos próprios artistas: “Papel Carbono”. Não para me enfeitar com as glórias que
não são minhas, pois ninguém dá voz, ritmo ou afinação a ninguém. E se
apareceram em maior número no meu programa era porque realmente tinham valor.
Procuravam-me, sabendo do cuidado e do respeito com que os tratava. Ali não
passariam os vexames tão comuns nas audições do gênero. Somente isso.
Os
programas de variedades e de auditório
O primeiro grande
programa de variedades durava mais de duas horas. Chegou, com o tempo, a três e
até quatro horas de irradiação. Era o “Programa Casé”, começando em 1932.
Embora transmitido em estúdios fechados, não deixava de ter um pequeno
auditório. Ouvintes assistiam-no através do “aquário” (que era como chamávamos
a janela de vidro que permitia ver de fora o que se passava dentro).
Um dos melhores
programas de auditório que marcaram época foi “O Trem da Alegria”, de Héber de
Bôscoli. Apresentava Yara Sales e Lamartine Babo, formando o tão celebrado Trio
de Osso. Era assim chamado pela extrema magreza dos seus componentes, que aliás
ficou comprometida, depois de algum tempo, pelo fato de Lamartine Babo, que era
o mais magro, começar a engordar sem saber como nem por quê...
Era transmitido dos
auditórios da Rádio Mayrink Veiga. Posteriormente, após passar pela Rádio
Nacional, mudou-se novamente para a onda da Mayrink. Era, então, transmitido do
palco do Teatro Carlos Gomes. A plateia tornou-se pequena para acolher os
ouvintes que para lá se dirigiam a fim de assistir a duas ou três horas de
transmissão diária.
Tivemos também o
programa “Manoel Barcelos”, ás quintas-feiras, das 11 ás 14 horas, pela
Nacional. E o “César de Alencar”, aos sábados das 15 ás 19 horas, também pela
PRE-8. Estes dois últimos se notabilizaram pela rivalidade que provocavam,
deliberadamente, entre asa cantoras Marlene e Emilinha Borba. Cada um “patrocinava”
uma delas. Desencadeavam uma verdadeira (e ridícula) “guerra” entre as fãs das
duas populares artistas. Portavam-se elas de tal modo que, merecidamente,
passaram a ser chamadas de “macacas de auditório”.
O mais longo, porém, e
o que mais tempo esteve no ar foi chamado “Programa Luís Vassalo”: estendia-se
do meio-dia até às 21 horas. Tinha esse nome porque seu titular (o saudoso e
excelente homem de rádio) era o corretor de quase todos os patrocinadores dos
diversos quadros que a Nacional transmitia naquele período, e dos quais ele
mesmo não participava pessoalmente. O “Programa Luís Vassalo” começava ao
meio-dia com a audição de “Quando os Ponteiros se Encontram”, com Francisco
Alves apresentado por Lúcia Helena (justamente considerada a melhor locutora do
nosso rádio). Seguia-se o “Doutor Enfezulino”, animado por Osvaldo Elias; a “Hora
do Pato”, com Héber, depois com Jorge Cúri; “Coisas do Arco da Velha”, com todo
o cast humorístico da emissora, onde se destacavam Floriano Faissal, Brandão
Filho, Nilza Magrassi, Walter e Ema D´Ávila, Apolo Correia, e outros; a
transmissão esportiva com Antônio Cordeiro, depois Jorge Curi; “Tabuleiro da
Baiana” com o quadro “Neguinho e Neguinha” (vividos por Floriano e Ismênia dos
Santos); “A Felicidade Bate á sua Porta”, irradiado sempre de um bairro
qualquer da cidade por grandes do cast de cantores, onde pontificava a
Emilinha; “Tancredo e Trancado”, de Ghiaroni, com Brandão e Apolo Correa; “Piadas
do Manduca”, com Lauro Borges, Castro Barbosa, Brandão, Alfredo Viviani, Alda
Verona e eu; “Nada Além de Dois Minutos”, do fabuloso Paulo Roberto. Com tudo
isso, creio que o “Programa Luís Vassalo”, pela sua duração e variedade, foi o
precursor do hoje famoso “Programa Sílvio Santos”, que vemos todos os
domingos...
Publicado originalmente
em MURCE, Renato. Bastidores do rádio:
fragmentos do rádio de ontem e hoje. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976.
Um comentário:
Excelente !
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