domingo, 27 de junho de 2021

Cineastas brasileiros em PBY: Entrevista com Daniel Filho (outubro de 2006)

Playboy entrevista Daniel Filho

 

Uma conversa franca e nervosa com o diretor da Globo Filmes sobre teste do sofá, remédios para impotência, música ruim do Faustão e o mal que Glauber Rocha causou ao cinema brasileiro

Daniel Filho parece impressionado com seus 69 anos. Julga-se em idade por demais avançada para dissertar sobre sexo ou narrar seu rico passado de aventuras carnais. Por outro lado, trabalha com agilidade de um garoto. Em outubro, leva às telonas Muito Gelo e Dois Dedos D´Água, filme que dirigiu e produziu, ao mesmo tempo em que se dedica à adaptação para o cinema de O Primo Basílio, de Eça de Queiroz. Daniel também dá sinais de preocupação com uma velha sina dos profissionais do entretenimento. Um cantor que venda um milhão de cópias em sua estreia e 100 mil no segundo disco é tido como fracassado – ainda que 100 mil seja uma boa cifra. Um diretor que leva 3,5 milhões de espectadores ao cinema – como aconteceu com o próprio, com a comédia romântica Se Eu Fosse Você – sente-se pressionado a repetir o êxito na incursão seguinte. E Daniel está tenso.

A favor da saúde mental de Daniel Filho está a sua falta de tempo para dedicar-se a devaneios. O nome do chefão da Globo Filmes consta em praticamente todos os créditos do cinema nacional recente, seja como produtor, supervisor ou diretor. Eis a prova: O Auto da Compadecida, Cidade de Deus, Carandiru, Cazuza, o Tempo Não Para, Tainá II (em todos produtor associado); A Partilha, A Dona da História (diretor). Sexo, Amor e Traição, Caminho das Nuvens (produtor); A Casa de Areia, Dois Filhos de Francisco (supervisor artístico). E a lista continua, com incursões pelo teatro, produção de discos e a autoria de dois livros sobre televisão.

Daniel Filho ingressou no cinema há 51 anos, no filme Fuzileiro do Amor. Sua estreia na direção ocorreu em 1968, em Pobre Príncipe Encantado. Apesar da prolífica carreira cinematográfica, foi seu desempenho na televisão que o tornou uma figura célebre. Filho de artistas de circo, cresceu nos palcos. Virou ator de teatro e, tão naturalmente quanto migrou do circo para o tablado, foi parar na televisão. Fez seus primeiros trabalhos na época em que as novelas não eram gravadas. Produziu mais de 350 programas ao vivo, participou de 81 novelas, 14 seriados, 21 minisséries e inúmeros especiais e musicais. Essa experiência fez Daniel Filho um dos maiores conhecedores da história e da técnica de televisão no Brasil. Há seis anos, porém, voltou suas atenções para o cinema.

Em mais de meio século de carreira, boa parte dele em posição de comando, Daniel Filho colecionou uma série de desafetos por conta de algo que detesta que falem a respeito – ele é um sujeito duro. No começo desta entrevista, Daniel Filho lançou um desafio à repórter Adriana Negreiros, que esteve com ele em duas ocasiões, em seu escritório no bairro da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro: que não escrevesse o quanto ele tem fama de irritadiço, como relatou o escritor Ruy Castro na entrevista concedida por Daniel à PLAYBOY em 1981. Desafio aceito, mas não superado. Daniel Filho é irascível. Extremamente.

 




Seu novo filme, Muito Gelo e Dois Dedos D´Água trata de duas irmãs que resolvem se vingar da avó má. O que você acha que os críticos vão falar sobre ele?

Vão falar mal, sem dúvida nenhuma. Normalmente, meu filme é apontado como um filme médio.

 

Por quê?

Não gostam do filme, dizem que os atores estão bem, mas atuam sozinhos, sem direção. Outros dizem que faço um filme fácil, popular. Existe uma diferença entre o popular e o popularesco. Eu quero público no cinema? Quero. Eu faço filmes que gosto de ver, embora meu gosto seja bem amplo. Sempre há alguns filmes que eu assisto, mas não obrigo minha esposa a assistir comigo. Quem assiste é cinéfilo. Eu acabo de ver o filme e digo: “Que lindo! Mas como é lento, chato e difícil de digerir”.

 

Você considera os críticos de cinema previsíveis?

Considero que não temos críticos. Gosto do Luiz Carlos Merten, do Estadão, do Rubens Ewald Filho e de alguns outros. A maioria desconhece o assunto. Se fossem meus alunos de cinema, eu daria uma má nota para eles. Dão informações erradas. Até os livros fazem isso. Eu mesmo já corrigi enciclopédias. E os jornais abriram espaço para que várias pessoas deem opiniões. O público vai ler duas ou três críticas? Ele vai dar uma olhada na cotação. E um filme você só sabe se é bom ou ruim dez anos depois.

 

Como assim?

Tem filme do momento e o que fica. Por acaso, estamos aqui ouvindo a música “As Time Goes By” (nesse instante, o aparelho de som de Daniel Filho toca a trilha sonora de Casablanca). Acredito que todo mundo sabe cantar essa música e não sabe quem é o diretor do filme Casablanca. É um cara chamado Michael Curtiz. Esse filme é bom ou ruim? Eu diria que é excelente.

 

Ao fazer filmes você tem pretensão de ser eterno?

Não. Se seu tivesse essa pretensão, não me mexia dessa cadeira. A minha pretensão é me comunicar com meus contemporâneos, contar histórias que emocionam as pessoas. Eu faço filmes dirigidos ao público de hoje. Querer ser eterno é tão pretencioso quanto querer ser revolucionário. É ser Deus. É mais que pretensão. Pretensão é falar: “Eu sou bom”.

 

Você é bom?

Eu sou competente. Uma pessoa que vive há tanto tempo da mesma coisa deve ter valor. Competente é aquele que realiza com constância e o serviço fica bem terminado. O bom é quase uma questão de sorte.

 

E por que o cinema nacional tem tantos altos e baixos?

Porque no Brasil nenhum governo viu a cultura como algo importante. Eu já participei de umas três ou quatro retomadas do cinema. Quando a gente passou a primeira cópia do filme Os Cafajestes, na mesma hora o Anselmo Duarte estava lá e disse: “Eu estou aqui com uma cópia nova de O Pagador de Promessas”. E também foi exibido Assalto Ao Trem Pagador. Esses filmes são de 1962 e todos foram um sucesso. Aí logo depois veio o Barravento, do Glauber Rocha, e todo mundo queria fazer Barravento. Aquela coisa do Cinema Novo. Aí o público foi embora do cinema. Não foi o que aconteceu com o cinema mexicano, que sempre foi um grande melodrama. O público curtia isso. Eu disse para o Glauber Rocha que ele provocava um grande mal ao Brasil. Todo mundo achava que podia sair com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Mas nem todo mundo é Glauber Rocha. Porque era o barato do cara! O que ele fazia era uma coisa única. Todo mundo queria fazer tudo solto e o público não entrava no cinema. Os próprios filmes do Glauber iam muito bem nos festivais, mas não existiam como indústria.

 

Pelo seu raciocínio, o Cinema Novo prejudicou o cinema brasileiro?

Não é isso. Ele foi bom para a divulgação do Brasil nas cinematecas mundiais. Alguns filmes concorreram em festivais, ficaram muito famosos. Mas foi apenas uma onda, a reboque da Nouvelle Vague francesa. Até o nome é parecido. Eu acho o Carlos Diegues mais consistente que o Glauber Rocha. O Glauber é de vida curta. O Carlos Diegues tem uma consistência na sua carreira. Coisa que o nosso grande Nelson Pereira dos Santos não tem. Atualmente, ele faz um filme bom e três ruins. Se você analisar a carreira dele, tem filmes realmente muito bons como Rio 40 Graus, Amuleto de Ogum e Memórias do Cárcere. Mas ao mesmo tempo tem filmes tão ruins que você até desconfia que não tenha sido ele quem fez.

 

Por exemplo?

Tenda dos Milagres é um filme muito ruim. Mas acontece, porque ele é inconstante mesmo. Não é um filme à altura dele.

 

Você está ansioso para ver o filme sobre o livro da Bruna Surfistinha?

Não.

 

O que você acha disso?

Oportunismo. Tanto do filme quanto do livro. O que não quer dizer que eu não entre no filme. Se tenho o desejo de que o cinema vire uma indústria, não posso ser preconceituoso. Eu não li o livro. E ela não é a primeira prostituta que escreve um. Nem sei se é erótico. Ok, faça, se for um bom negócio, a gente pode entrar nele.

 

O filme será feito pelo Karin Aïnouz, o mesmo diretor de Madame Satã. Madame Satã é um bom filme?

É um filme especial. Mas não pertence a uma linha de filmes, né? Vamos fazer vários Madames Satãs! Madame Satã 2! Não vejo isso. Mas vejo que o Karin é um diretor inquieto, com um bom jogo de câmera. E se ai fazer o filme sobre a Bruna Surfistinha, deve ter alguma olhada. Talvez queira unir o útil ao agradável, fazer um pouco de público.

 

Você está trabalhando na adaptação do romance O Primo Basílio, de Eça de Queiroz, para o cinema. Quando dirigiu essa minissérie na Globo, você tece que cortar uma das cenas a pedido do dono da emissora, Roberto Marinho, como você conta em seu livro O Circo Eletrônico. Como foi?

Essa história está aprovada pelos filhos e por isso escrevi no livro. Eu não trairia a confiança do Roberto. Do doutor Roberto (corrigindo-se). Numa conversa que eu tive com ele, falei que ia fazer uma minissérie sobre O Primo Basílio. De imediato, ele teve um sobressalto. Olhou para os lados e sussurrou: “Mas tem um minete”. Minete é uma palavra muito antiga para sexo oral.

 

E então?

Eu falei: “Doutor Roberto, eu tentarei ser tão discreto quanto o livro”. Mas ele ficou muito preocupado e acabou cotando a cena de sexo oral. A cena é uma brincadeira. Não é uma cena forte. Mas o doutor Roberto conhecia muito o Eça de Queiroz e leu aquele livro possivelmente com 14, 15 anos. Ou seja, ele leu uma coisa escandalosa, talvez com uma vela embaixo do lençol. Eu senti que o homem que estava falando comigo não conseguia ter a dimensão da época em que estávamos vivendo e mantinha o sentimento que aquele livro tinha causado a ele, quando o leu. Quem cortou a cena não foi o empresário. Foi o menino de 14 anos.

 

Você implementou os testes internos de atores para as produções da Globo. Isso gerou muita antipatia?

Não tenho a menor ideia. Isso é uma profundamente comum em qualquer lugar do mundo. Teste é uma coisa salutar para saber se a gente vai se dar bem ou não.

 

Teve uma ocasião em que você tirou uma atriz de um papel numa novela e isso causou frisson...

(Interrompendo). Ah, mas isso é uma bobagem tão grande, porque é muito comum uma pessoa começar uma coisa, não dar certo e ser substituída por outra.

 

Mas isso mexe com os brios de tipo de gente muito sensível.

Mexe. Mas é comum também você ser diretor e tirarem você da direção. Eu já fui despedido da TV Bandeirantes e não sei o motivo. É um jogo que nós temos que viver. Harvey Keitel, de Cães de Aluguel, tinha filmado 20 dias de Apocalipse Now e o Coppola disse: “Olha, não é você”. Tirou ele do filme entrou o Martin Sheen. É muito comum. Em novelas, já substituí diretores. Não acho que seja grave. Isso faz parte da profissão. Você substitui cenógrafo, fotógrafo.

 

Por que alguns atores viram celebridade e depois desaparecem?

(Com desprezo). Você está me fazendo perguntas da vida cotidiana.

 

Eu gostaria de saber sua opinião.

O fator mais comum é o da celebridade instantânea. Todo mundo ficará célebre por 15 minutos, atualmente até por 15 segundos. Basta entrar num bom programa da pessoa no Youtube. Com o ator é igual. Os bons resistem ao tempo. É aquilo que você me perguntou sobre querer ser eterno...Eu até achei que essa pergunta, p(*), onde você está querendo me jogar?


Você é muito desconfiado.

Sou, sou mesmo. Tem muito tempo que eu dou entrevistas e as pessoas escrevem coisas erradas. Então, voltando, é a coisa do clássico e do não-clássico. Tem atores que você vê que são clássicos, que começam a articular a carreira de uma maneira sólida e você sente que ele ficará aí trabalhando por muito tempo. Agora, o sucesso momentâneo, purpurina, capa de revista, isso vem em ondas como o mar. Eu mesmo, pessoalmente, passo por essas ondas de “tô na boca, tô fora da boca”. Te muito tempo que eu estou nas páginas. Mas existem os que são momentâneos e não tem consistência.

 

Por que isso acontece?

Agora isso é muito falado, mas sempre existiu a pessoa bonita, a modelo que foi tornada atriz. Uma vez, a Bete Davis disse: “Quando comecei, existiam muitas atrizes que queriam ser estrelas. Atualmente, existem muitas estrela querendo ser atrizes”. Nós não temos o privilégios dos problemas que você está levantando.

 

Quem são os bons atores dessa geração?

Ah! Você tem alguma dúvida sobre o Wagner Moura e o Lázaro Ramos? Esses dois caras são astros! O Rodrigo Santoro é outro. Ele vai trabalhar até o resto de seus dias. Ele é bom ator, inteligente e sabe o que está acontecendo com ele.

 

Ele vai conseguir superar essa fase dos papéis menores...

(Interrompendo). Ele sabe o que está acontecendo com ele.

 

Então diga o que está acontecendo com o Rodrigo Santoro.

Ele sabe! Ele está ganhando bem. Agora está em Lost. O papel dele no comercial da Channel com a Nicole Kidman é quase um estrelato.

 

Ele pode ser um Antonio Banderas?

Não sei qual é a intenção dele. Mas você vê a multiplicação de coisas que ele faz. Deixou dois filmes feitos aqui- Desafinados e Não por Acaso. Ele vai ficar, como ficaram Francisco Cuoco, Lima Duarte, Tarcísio Meira. Tarcísio Meira, quando começou, muitos o consideravam apenas um ator bonito.

 

Tinha fama de canastrão.

O que era irritante. Eu o adorava. Tenho não apenas uma grande amizade com o Tarcísio, como sou responsável por algumas das coisas que ele fez em televisão. Eu sou a pessoa que desmanchou o topete do Tarcísio Meira. Ele sempre deixava o cabelo penteadinho. O galã era o bom moço. Aí ele estava fazendo um toureiro e falei pelo fonte de estúdio: “Tarcísio, enfia a mão nos cabelos”. Ele fez de leve. Eu repeti, não dei jeito, desci de lá e tchá, tchá, no cabelo dele. Quando diziam que ele era canastrão, eu falava: “Esse camarada tem um poder que vocês não estão prestando atenção”. É o poder de ficar na tela uma hora, você olhando para a cara dele, ele dizendo bobagens e você ligado nele. Isso é um poder. Isso é algo que, se existir Deus, é Deus que dá.

 

Por que atores como o José Mayer ficam presos a um tipo de personagem?

Por ele ter determinado tipo físico, estão amarrando-o a um papel. Ele fez o Zé do Burro maravilhosamente bem em O Pagador de Promessas. Ele fez A Vida Como Ela É. É um ator com mais recursos, mas está aprisionado.

 

Isso é ruim para o ator?

É, ele fica insatisfeito. Ninguém vai botar a Vera Fischer para fazer uma mulher não-gostosa. Ela está condenada. Você vê os papéis que a Vera Fischer tem feito ultimamente e fala: “Lá vem aquela loira portentosa, uma senhora, mas gostosa”.

 

A personalidade do ator não contribui para isso?

Não, porque o ator é uma pessoa. O José Mayer não é aquela pessoa que está na televisão.

 

Mas a Vera Fischer é um pouco.

Nããããoo (com desprezo). A Vera não é assim. O ator tem que criar uma persona. Um político que sai na rua está representando. Eu acho que qualquer pessoa, a bem da verdade, quando sai na rua, está representando. Você, agora, está representando. Você não é assim, tendo que me dar esse tipo de atenção, tendo de me provocar. Você preparou uma personagem pra me entrevistar. Você tem que se comportar. Mas você não está sob a lente de uma câmera. Nós, atores, somos reféns disso. Eu quando entrou em um lugar e sou reconhecido – isso no Brasil acontece – não mudou meu comportamento. Mas logicamente tenho que ser mais educado do que realmente sou. Você dá uma refreada.

 

Você não pode beber todas...

Não é problema de beber, eu posso beber. É no cinema. Se eu quisesse botar os pés na cadeira, pegar a pipocona e comer de qualquer jeito, eu não posso fazer essa p(*). Tem o artista que, quando há esse burburinho, começa a representar um pouco mais. Quando passam a interpretar mais, passam a chamar mais atenção.

 

Houve uma época, quando você tinha cerca de 40 anos, em que você tinha um carro conversível, era famoso e pegava todas. Como foi essa fase?

É uma fase sonhada por todo homem. Como a coisa já passou, posso falar tranquilamente dela. Tem uma história que contam dos homens sobre sexualidade e vida material. Quando é garoto, você tem vitalidade e tempo, mas não tem grana. Depois você passa a trabalhar, tem vitalidade, está com alguma grana, mas está sem tempo, p(*). Depois você está com tempo e dinheiro e não tem vitalidade (risos). Mas eu estava numa época em que tinha tempo, dinheiro e vitalidade. E nesse dinheiro ponha-se uma frase minha: dinheiro e popularidade são duas coisas muito parecidas. Não compram as mesmas coisas, mas conseguem coisas parecidas. A boa mesa no restaurante não é só o dinheiro que consegue, mas também a popularidade. Você é a pessoa observada com mais interesse numa festa. Então, com 40 e poucos anos de idade, eu estava nessa fase e ainda por cima solteiro. Poucas pessoas achegam a essa fase solteiro. E eu fiquei uns seis, sete anos solteiro. Foi uma fase bem aproveitada (risos).

 

Um dos seus amigos da época contou que participou de algumas boas surubas das quais você fazia parte.

Não é verdade. A palavra suruba quer dizer sexo grupal.

 

Não estou dizendo que os homens transavam entre si. Mas que faziam sexo com muitas mulheres ao mesmo tempo.

Não é verdade. Não me lembro de ter feito sexo no mesmo ambiente em que estavam outras pessoas, a não ser a minha parceira.

 

Nem um ménage à trois?

Não. Isso depende do gosto sexual de cada um. Acredito que em todas as épocas sempre teve tudo. Ménage à trois, sexo grupal. Os gregos e romanos faziam isso. Agora isso não quer dizer que todos participavam.

 

Você fazia questão de transar com uma mulher diferente rodo sai, como alguns de seus amigos da época?

Quem age assim está doente. O que fazíamos era ver quem, no período de um ano, conseguia levar para a cama mais mulheres. E não valia repeteco. Era uma aposta de um grupo de cafajestes. Uns 15. Foi de onde saiu o filme. Era uma turma da qual eu fazia parte.

 

Como vocês faziam para contabilizar o número de mulheres?

Tinha que acreditar um no outro. Você via o camarada com a pessoa, mas não era uma contabilidade real. Não houve alguém contando o número de mulheres.

 

Você foi o campeão?

Não, houve um empate geral, todo mundo mentiu (risos). Todo mundo era muito garganta.

 

Era fácil chegar ás mulheres quando não havia tanta liberação sexual?

Sempre. Mas estamos falando de assuntos sexuais e eu acho que já estou com a certa idade para ficar falando deles (irritado). Eu acho que já falei tudo que tinha que falar. Minha vida não foi feita profissionalmente e nem a minha popularidade está ligada à minha figura sexual.

 

Já se contabilizou que você teria transado com 900 mulheres.

Eu acho isso uma bobagem. Passa-se tanto tempo e nós vamos falar sobre essas mesmas coisas, com tantas coisas novas para falar? Não é falta de ideia minha e tua?

 

Mas sexo é um assunto que sempre interessa bastante

Pois vamos falar de sexo hoje.

 

Vamos. Você usa Viagra?

Mas eu falei de sexo no geral. Você usa camisinha?

 

Uso.

Sempre?

 

Sim. Mas a jornalista aqui sou eu.

Eu só quero ficar no mesmo nível. Se você usa camisinha, é porque não transa com o mesmo homem.

 

É um método contraceptivo.

E não usa pílula por quê, hein?

 

Porque pílula engorda. Agora é minha vez. Você usa Viagra?

Não acho que seja necessário.

 

Ah, você não precisa?

É, eu ouvi dizer que tem muitas reações contrárias, dizem que dá dor de cabeça. Eu tenho muito medo dessas coisas que mexem com a saúde e com o físico da gente. Prefiro remédios mais naturais.

 

Eu li que você usava Ciallis.

Alguém deve ter mentido.

 

Era uma entrevista e você dizia que preferia Ciallis ao Viagra.

É a mesma empresa que fabrica os dois medicamentos?

 

Não, são concorrentes.

Então eu devo ter levado algum dinheiro da Ciallis (gargalha). Meu negócio é dinheiro, vamos lá. Qual é a outra pergunta?

 

Incomoda falar de sexo? Incomoda ser considerado garanhão?

Não, é a figura que está criada. É falta do que fazer.

 

Houve um caso recente de um diretor do programa Zorra Total que foi demitido por suspeitas de fazer o teste do sofá. Você deve ter tomado conhecimento disso.

Li notinhas no jornal.

 

Qual foi a proposta mais indecente que uma aspirante a atriz fez para você para conseguir um papel?

(Pausa). Proposta, proposta, não me lembro de ter recebido. Durante muito tempo, eu passei a não ter conversar com aspirantes a atrizes sozinho. Acho que você recebe uma cantada ou não se assim o desejar. A não ser que seja grosseira e você tenha que responder numa grosseria. Porque você se coloca num lugar de uma maneira tal que vai dar o ensejo da ação da outra pessoa. Mas receber uma oferta não profissional é secular. Isso de uma pessoa seduzir outra para ganhar alguma coisa deve ter começado logo depois de Abel e Caim. Me parece uma história bíblica (risos). Portanto, eu não me lembro de ter recebido alguma coisa assim. Quer dizer, eu me lembro de uma moça que tentou uma vez tirar a roupa na minha sala.

 

Tirou?

Não, porque eu chamei a secretaria imediatamente.

 

Como foi?

Queria mostrar que tinha um corpo bonito. Eu falei: “Não, peraí, vou chamar a minha secretária”.

 

E essa moça deu certo depois?

Não me lembro quem era a moça.

 

Teste de sofá existe?

(Irritado). É o que eu já te disse: eu não sei, meu amor Eu nunca escalei ninguém com teste do sofá. Porque a primeira coisa para eu conseguir ganhar dinheiro é que meu filme e meu programa sejam bons. Eu não acredito que seja no sofá que se veja isso. Eu nunca fiz esse teste. Existe secularmente a utilização do sexo em todos os ambientes. Tanto é que se não fosse assim não existiria a lei do assédio sexual. Essa lei não está ligada exatamente à televisão ou ao cinema. Inclusive, é fora desse ambiente que se registram mais queixas de assédio sexual, né?

 

É, mas ás vezes quando ambas as partes estão interessadas...

Aí se chama outra coisa. Chama-se sexo (risos).

 

Ainda que estejam interessadas por razões diferentes...

As pessoas estão sempre interessadas por razões diferentes. Raramente o amor é puro.

 

Ou seja, só para deixar claro, você considera legítimo que uma atriz transe com o diretor porque está interessada em conseguir um papel na novela ou no filme e o diretor porque está interessado...

Em comer a atriz. Se a atriz quer dar, é problema dela.

 

Isso não é teste do sofá?

Não sei o que é isso. Isso aí é uma moça que se deixa...Se ela é menor de idade, é pedofilia, é cadeia. Se ela é maior de idade, é um caso de concessão a dois. Do uso do poder, no máximo. Ou da pessoa não ter confiança na sua própria qualidade como atriz. Mas não precisa ser atriz. Pode ser cenógrafa, maquiadora, figurinista. Mas você também pode pedir emprega para uma mulher. Existem mulheres diretas. Mas graças a Deus eu não tô nisso.

 

Em entrevista à PLAYBOY, a Maitê Proença disse que os diretores pensam com a cabeça de baixo e que por isso algumas mulheres, quando chegam à meia-idade não são mais escaladas com a mesma frequência com que eram no passado. O que você acha dessa afirmação?

Eu acho que a Maitê tem todo direito de fazê-la.

 

Mas você concorda com isso?

Não, mas brigaria até a morte pelo direito dela de dizer isso. Deve ter sido um momento infeliz. Ela é mais inteligente que essa frase.

 

É verdade que as mulheres quando chegam aos 40 anos encontram dificuldades a serem escaladas?

Existem poucos papéis clássicos para mulheres de 40 anos, por um erro ou costume da dramaturgia. Uma mulher de 40 e poucos anos que entre no teatro vai ver que os melhores papéis foram escritos para os homens – o rei Lear, o Ricardo III, tudo foi escrito para homem.

 

Ou seja, as mulheres nas novelas tem papéis...

(Interrompendo). Eu falei na dramaturgia, não falei nas novelas. A novela nada mais é que um reflexo da dramaturgia.

 

Mas nas novelas esse fato não é mais evidente?

Não. Se você fosse mais ao teatro, você notaria. Se você visse teatro com a mesma frequência com que vê novela, iria ver isso.

 

O que você faz para deixar as atrizes à vontade quando elas precisam ficar nuas em cena?

Elas confiam em mim. É importante que ela se sinta à vontade, segura, certa de que o que ela vai fazer é bom dramaticamente. Essa confiança vem da minha maneira de trabalhar e da certeza de que ela vai fazer uma cena que não ofenda.

 

Você é um homem religioso?

Não.

 

É ateu?

Não, porque eu digo “graças a Deus”.

 

Mas pode ser força de expressão.

Não, porque eu não digo “graças a Alá”. Não acredito em santos, milagres e nem que exista um Jesus que morreu para nos salvar.

 

Então é ateu, pode-se dizer.

Não, porque acredito que tenha uma força superior.

 

Sua estreia como artista foi saindo de um caixote de palhaço. Você era uma criança exibida?

Mamãe diz que sim.

 

Nunca te ocorreu ter outra profissão que não artista?

Nunca. Mas, se eu seguisse meu pai e minha mãe, hoje seria um militar reformado que toca piano.

 

Estudou?

Até o segundo ginasial. No colégio, fiz todas as traquinagens que você pode imaginar. Era indisciplinado. Quando eu estava com sete ou oito anos, havia uma menina que sentava na minha frente e tinha o cabelo muito longo. A minha bancada ligava no banco dela. A menina jogava toda a p(*) do cabelo no meu papel. E naquela época a gente usava inteiro. Década de 40. Aí um dia eu peguei o cabelo dela e botei na tinta. Era tinta sardinha, difícil de sair (gargalha). Eu matava aula, ia no cinema.

 

Qual foi a sua relação com as drogas?

Foi numa época em que todo mundo tinha relação com drogas. Foi uma relação de moda. Houve a moda, todo mundo entrou e no que a moda acabou eu fui me mandando, vi que era uma péssima.

 

Qual era a droga da moda?

Tinha a maconha, a cocaína, mas eu peguei ainda a época do lança-perfume, álcool; comecei bebendo cachaça. Havia o ácido. Mas parou. Isso é uma coisa velha.

 

Em algum momento a droga complicou a sua vida?

Nããããão, isso nunca fez parte da minha vida.

 

E a bebida?

Não bebo, não fumo. Bebida era coisa da moda, coisa social. Eu só tomo vinho quando o jantar é ótimo. Para que eu vou gastar um vinho bom num jantar de m(*)? Não tive excessos.

 

Nunca tomou um porre daqueles?

O único porre que tomei na vida foi quando a censura liberou Malu Mulher, em 1979.

 

E nessa situação você cometeu alguns excessos?

Não, um cara bêbado é um cara bêbado. Ele vomita e cai.

 

Tem muita gente que sobe na mesa, por exemplo.

Quem sobe na mesa não está bêbado. Está ótimo. Se sobe na mesa é porque tem forças, p(*). O álcool é terrível, mata mais que o HIV.

 

Você trabalhou com Chico Anysio no início da sua carreira como diretor...

(Interrompendo). Ele me deu a oportunidade de trabalhar com ele.

 

Vocês dois tem personalidade forte. Como foi essa convivência?

Ótima! A gente se divertia, ria. Hoje somos meio diferentes, estamos meio separados. Ele é uma pessoa muito engraçada, muito boa de se trabalhar. É de uma velocidade, de um saber, de uma generosidade fantástica. O Chico eu não somos muito opostos. As piadas do Chico só ficaram mais sarcásticas que as minhas.

 

Mas em O Circo Eletrônico você disse que até hoje ele tem dificuldades com as emissoras. Ele é uma pessoa de personalidade difícil?

Nãããão...O Chico está sempre inquieto. Não gosta de estar satisfeito, você entende? Você vê o quanto ele casa. Ele tem essa coisa de ficar insatisfeito, uma inquietação. E sempre fica criando caso. Ele não sabe o que está incomodando.

 

Ele já criou caso com você?

Jáááá. Ele cismou que era eu quem trabalhava contra ele na Globo e começou a me xingar nos jornais, dizer coisas horrorosas. Mas isso passou A gente conhece o Chico, essa é uma coisa boa da idade – você conhece melhor as pessoas. Eu me lembro que as pessoas ficavam perguntando se eu tinha ficado chateado com o que o Chico tinha dito de mim. E eu respondia que o Chico precisava ainda xingar minha mãe muitas vezes até eu começar a ficar chateado com ele.

 

Você sabe quem são Mariana Felício, Grazi Massafera e Kléber Bambam?

Perdão?

 

Mariana Felício, Grazi Massafera e Kléber Bambam.

Esse Bambam não é um que participou do Brother número um?

 

Eu estou te perguntando isso para saber se você assiste ao Big Brother.

O Bambam...(pensativo). Eu me lembro desse. Não era um garoto forte, que tinha alguma espécie de problema? Tinha problemas, o rapaz. Sim, mas você está me levando para que tipo de armadilha?

 

Não é armadilha nenhuma. Você assiste ao Big Brother?

Ás vezes. Mas eu não sei quem ganhou. Se eu tiver que passar por um teste desses eu perco, não tenho a menor ideia. Eu não vejo muito televisão. É um programa que vai acabar, depois vão inventar outro, dança do gelo, não sei o quê. Isso faz parte das programações de diversão da televisão, são programas que vão e vêm. O que você acha de programas de perguntas e respostas, em que o cara ganha um milhão? É isso aí. É a mesma coisa. Mas não é algo para a gente gastar páginas numa revista como a PLAYBOY.

 

Mas eu queria saber a sua opinião sobre ele. É um programa de muito sucesso, vai entrar na sétima edição.

É um programa como outro qualquer, meu amor (irritado). Isso faz parte da programação de diversão da televisão. É como o Qual É a Música?. O que eu acho desses programas? São programas divertidos.

 

A TV forma o gosto do público ou o público tem o gosto formado pela TV?

A televisão é reflexo do público. Não tenho como fazer você usar para sempre determinada pasta dental. Posso fazer você experimentar. Mas você não vira uma pessoa que utiliza aquela pasta para sempre porque eu disse na televisão.

 

Por que os programas de auditório têm qualidade tão ruim?

Eu vou te fazer uma pergunta. Por que os programas de auditório têm qualidade tão ruim?

 

Por quê?

Por quê?

 

Daniel, só para lembrar, aqui você é o entrevistado.

Deve ser porque é o que o povo quer (gargalha). Vamos falar de uma coisa séria: Presidência da República. Quando essa entrevista sair, nós já saberemos quem é o presidente eleito. Ao que tudo indica, será o Lula, o principal representante do Partido dos Trabalhadores. Passamos por um escândalo imenso. Todos os jornais, todas as televisões explicaram o que a eleição do Lula representava para a corrupção. E o público não deu bola. Estamos nós diante de um Brasil anestesiado? Se a gente vê isso na política, o que se pode dizer da televisão? E o que a televisão pode fazer de contrário ao que pensa esse público? Se é essa música que gostam de ouvir, é a música que vai tocar. A televisão não tem como mudar isso.

 

A televisão não pode sofisticar o público?

Não. A gente não pode atribuir à televisão um papel que não é para ser feito pelo governo. Você não pode fazer que uma pessoa escute Mozart se ela não conhece nem o samba da própria terra.


Quando o Manoel Carlos, autor de Páginas da Vida, bota Bossa Nova na trilha sonora da novela não ajuda a melhorar o gosto musical do telespectador?

Não. Vende um disco de Bossa Nova. Mas eu acho que todas as catequeses são válidas. É como dizem: se no sermão em que fala para 200 ovelhas o padre conseguir conquistar uma ou duas ovelhas para o rebanho de Deus, terá cumprido seu dever. E acho que o Manoel Carlos está cumprindo o seu. Mas o que nós temos que fazer é conquistar o Brasil com educação. E não atribuíam à televisão esse poder. É tarefa do governo. Esse é um país que conviveu pouco com a democracia. Tanto é que estamos reelegendo um presidente, mesmo não gostando dele. Eu não vi um canal de televisão falando bem do Lula, nem um jornal. Alguma televisão está a favor? Não. Alguém mexe na força pessoal do Lula? Isso tem a ver com a música que a gente está achando ruim do programa Domingão do Faustão.

 

Você já disse que costuma mentir em entrevistas para parecer mais interessante do que é. Você mentiu muito aqui?

Eu menti 25 a 30%. Ou um pouco mais. Eu acho que a reportagem só fica legal quando há insegurança sobre o que o entrevistado falou. Os jornais já mentiram muito sobre mim. Então eu acho que o bom jogo é o toma-lá-dá-cá. Eles mentem sobre mim e eu minto para eles (gargalhadas).

 

Publicado originalmente na revista “Playboy” em outubro de 2006

Nenhum comentário: