Playboy entrevista Daniel Filho
Uma conversa franca e nervosa com o diretor da Globo Filmes sobre teste
do sofá, remédios para impotência, música ruim do Faustão e o mal que Glauber
Rocha causou ao cinema brasileiro
Daniel Filho parece impressionado com seus 69 anos. Julga-se em idade por
demais avançada para dissertar sobre sexo ou narrar seu rico passado de
aventuras carnais. Por outro lado, trabalha com agilidade de um garoto. Em
outubro, leva às telonas Muito Gelo e
Dois Dedos D´Água, filme que dirigiu e produziu, ao mesmo tempo em que se
dedica à adaptação para o cinema de O
Primo Basílio, de Eça de Queiroz. Daniel também dá sinais de preocupação
com uma velha sina dos profissionais do entretenimento. Um cantor que venda um
milhão de cópias em sua estreia e 100 mil no segundo disco é tido como
fracassado – ainda que 100 mil seja uma boa cifra. Um diretor que leva 3,5
milhões de espectadores ao cinema – como aconteceu com o próprio, com a comédia
romântica Se Eu Fosse Você – sente-se
pressionado a repetir o êxito na incursão seguinte. E Daniel está tenso.
A favor da saúde mental de Daniel Filho está a sua falta de tempo para
dedicar-se a devaneios. O nome do chefão da Globo Filmes consta em praticamente
todos os créditos do cinema nacional recente, seja como produtor, supervisor ou
diretor. Eis a prova: O Auto da
Compadecida, Cidade de Deus, Carandiru, Cazuza, o Tempo Não Para, Tainá
II (em todos produtor associado); A
Partilha, A Dona da História
(diretor). Sexo, Amor e Traição, Caminho das Nuvens (produtor); A Casa de Areia, Dois Filhos de Francisco (supervisor artístico). E a lista
continua, com incursões pelo teatro, produção de discos e a autoria de dois
livros sobre televisão.
Daniel Filho ingressou no cinema há 51 anos, no filme Fuzileiro do Amor. Sua estreia na
direção ocorreu em 1968, em Pobre
Príncipe Encantado. Apesar da prolífica carreira cinematográfica, foi seu
desempenho na televisão que o tornou uma figura célebre. Filho de artistas de
circo, cresceu nos palcos. Virou ator de teatro e, tão naturalmente quanto
migrou do circo para o tablado, foi parar na televisão. Fez seus primeiros
trabalhos na época em que as novelas não eram gravadas. Produziu mais de 350
programas ao vivo, participou de 81 novelas, 14 seriados, 21 minisséries e
inúmeros especiais e musicais. Essa experiência fez Daniel Filho um dos maiores
conhecedores da história e da técnica de televisão no Brasil. Há seis anos,
porém, voltou suas atenções para o cinema.
Em mais de meio século de carreira, boa parte dele em posição de
comando, Daniel Filho colecionou uma série de desafetos por conta de algo que
detesta que falem a respeito – ele é um sujeito duro. No começo desta
entrevista, Daniel Filho lançou um desafio à repórter Adriana Negreiros, que
esteve com ele em duas ocasiões, em seu escritório no bairro da Barra da
Tijuca, no Rio de Janeiro: que não escrevesse o quanto ele tem fama de
irritadiço, como relatou o escritor Ruy Castro na entrevista concedida por
Daniel à PLAYBOY em 1981. Desafio aceito, mas não superado. Daniel Filho é
irascível. Extremamente.
Seu novo filme, Muito Gelo e Dois Dedos D´Água trata de duas irmãs que resolvem se
vingar da avó má. O que você acha que os críticos vão falar sobre ele?
Vão falar mal, sem dúvida nenhuma. Normalmente, meu filme é apontado
como um filme médio.
Por quê?
Não gostam do filme, dizem que os atores estão bem, mas
atuam sozinhos, sem direção. Outros dizem que faço um filme fácil, popular.
Existe uma diferença entre o popular e o popularesco. Eu quero público no
cinema? Quero. Eu faço filmes que gosto de ver, embora meu gosto seja bem
amplo. Sempre há alguns filmes que eu assisto, mas não obrigo minha esposa a
assistir comigo. Quem assiste é cinéfilo. Eu acabo de ver o filme e digo: “Que
lindo! Mas como é lento, chato e difícil de digerir”.
Você considera os críticos
de cinema previsíveis?
Considero que não temos críticos. Gosto do Luiz Carlos
Merten, do Estadão, do Rubens Ewald
Filho e de alguns outros. A maioria desconhece o assunto. Se fossem meus alunos
de cinema, eu daria uma má nota para eles. Dão informações erradas. Até os
livros fazem isso. Eu mesmo já corrigi enciclopédias. E os jornais abriram
espaço para que várias pessoas deem opiniões. O público vai ler duas ou três
críticas? Ele vai dar uma olhada na cotação. E um filme você só sabe se é bom
ou ruim dez anos depois.
Como assim?
Tem filme do momento e o que fica. Por acaso, estamos
aqui ouvindo a música “As Time Goes By” (nesse
instante, o aparelho de som de Daniel Filho toca a trilha sonora de Casablanca).
Acredito que todo mundo sabe cantar essa música e não sabe quem é o diretor do
filme Casablanca. É um cara chamado
Michael Curtiz. Esse filme é bom ou ruim? Eu diria que é excelente.
Ao fazer filmes você tem pretensão de ser
eterno?
Não. Se seu tivesse essa pretensão, não me mexia dessa
cadeira. A minha pretensão é me comunicar com meus contemporâneos, contar
histórias que emocionam as pessoas. Eu faço filmes dirigidos ao público de
hoje. Querer ser eterno é tão pretencioso quanto querer ser revolucionário. É
ser Deus. É mais que pretensão. Pretensão é falar: “Eu sou bom”.
Você é bom?
Eu sou competente. Uma pessoa que vive há tanto tempo
da mesma coisa deve ter valor. Competente é aquele que realiza com constância e
o serviço fica bem terminado. O bom é quase uma questão de sorte.
E por que o cinema nacional
tem tantos altos e baixos?
Porque no Brasil nenhum governo viu a cultura como algo
importante. Eu já participei de umas três ou quatro retomadas do cinema. Quando
a gente passou a primeira cópia do filme Os
Cafajestes, na mesma hora o Anselmo Duarte estava lá e disse: “Eu estou
aqui com uma cópia nova de O Pagador de Promessas”. E também foi exibido Assalto Ao Trem Pagador. Esses filmes
são de 1962 e todos foram um sucesso. Aí logo depois veio o Barravento, do Glauber Rocha, e todo
mundo queria fazer Barravento. Aquela
coisa do Cinema Novo. Aí o público foi embora do cinema. Não foi o que
aconteceu com o cinema mexicano, que sempre foi um grande melodrama. O público
curtia isso. Eu disse para o Glauber Rocha que ele provocava um grande mal ao
Brasil. Todo mundo achava que podia sair com uma ideia na cabeça e uma câmera na
mão. Mas nem todo mundo é Glauber Rocha. Porque era o barato do cara! O que ele
fazia era uma coisa única. Todo mundo queria fazer tudo solto e o público não
entrava no cinema. Os próprios filmes do Glauber iam muito bem nos festivais,
mas não existiam como indústria.
Pelo seu raciocínio, o
Cinema Novo prejudicou o cinema brasileiro?
Não é isso. Ele foi bom para a divulgação do Brasil nas
cinematecas mundiais. Alguns filmes concorreram em festivais, ficaram muito
famosos. Mas foi apenas uma onda, a reboque da Nouvelle Vague francesa. Até o
nome é parecido. Eu acho o Carlos Diegues mais consistente que o Glauber Rocha.
O Glauber é de vida curta. O Carlos Diegues tem uma consistência na sua
carreira. Coisa que o nosso grande Nelson Pereira dos Santos não tem.
Atualmente, ele faz um filme bom e três ruins. Se você analisar a carreira
dele, tem filmes realmente muito bons como Rio
40 Graus, Amuleto de Ogum e Memórias do Cárcere. Mas ao mesmo tempo
tem filmes tão ruins que você até desconfia que não tenha sido ele quem fez.
Por exemplo?
Tenda dos Milagres é um filme muito ruim. Mas
acontece, porque ele é inconstante mesmo. Não é um filme à altura dele.
Você está ansioso para ver o
filme sobre o livro da Bruna Surfistinha?
Não.
O que você acha disso?
Oportunismo. Tanto do filme quanto do livro. O que não
quer dizer que eu não entre no filme. Se tenho o desejo de que o cinema vire
uma indústria, não posso ser preconceituoso. Eu não li o livro. E ela não é a
primeira prostituta que escreve um. Nem sei se é erótico. Ok, faça, se for um
bom negócio, a gente pode entrar nele.
O filme será feito pelo
Karin Aïnouz, o mesmo diretor de Madame
Satã. Madame Satã é um bom filme?
É um filme especial. Mas não pertence a uma linha de
filmes, né? Vamos fazer vários Madames Satãs! Madame Satã 2! Não vejo isso. Mas
vejo que o Karin é um diretor inquieto, com um bom jogo de câmera. E se ai
fazer o filme sobre a Bruna Surfistinha, deve ter alguma olhada. Talvez queira
unir o útil ao agradável, fazer um pouco de público.
Você está trabalhando na adaptação do romance
O Primo Basílio, de Eça de Queiroz,
para o cinema. Quando dirigiu essa minissérie na Globo, você tece que cortar
uma das cenas a pedido do dono da emissora, Roberto Marinho, como você conta em
seu livro O Circo Eletrônico. Como
foi?
Essa história está aprovada pelos filhos e por isso
escrevi no livro. Eu não trairia a confiança do Roberto. Do doutor Roberto (corrigindo-se). Numa conversa que eu
tive com ele, falei que ia fazer uma minissérie sobre O Primo Basílio. De imediato, ele teve um sobressalto. Olhou para
os lados e sussurrou: “Mas tem um minete”. Minete é uma palavra muito antiga
para sexo oral.
E então?
Eu falei: “Doutor Roberto, eu tentarei ser tão discreto
quanto o livro”. Mas ele ficou muito preocupado e acabou cotando a cena de sexo
oral. A cena é uma brincadeira. Não é uma cena forte. Mas o doutor Roberto
conhecia muito o Eça de Queiroz e leu aquele livro possivelmente com 14, 15
anos. Ou seja, ele leu uma coisa escandalosa, talvez com uma vela embaixo do lençol.
Eu senti que o homem que estava falando comigo não conseguia ter a dimensão da
época em que estávamos vivendo e mantinha o sentimento que aquele livro tinha
causado a ele, quando o leu. Quem cortou a cena não foi o empresário. Foi o
menino de 14 anos.
Você implementou os testes
internos de atores para as produções da Globo. Isso gerou muita antipatia?
Não tenho a menor ideia. Isso é uma profundamente comum
em qualquer lugar do mundo. Teste é uma coisa salutar para saber se a gente vai
se dar bem ou não.
Teve uma ocasião em que você
tirou uma atriz de um papel numa novela e isso causou frisson...
(Interrompendo).
Ah, mas isso é uma bobagem tão grande, porque é muito comum uma pessoa começar
uma coisa, não dar certo e ser substituída por outra.
Mas isso mexe com os brios
de tipo de gente muito sensível.
Mexe. Mas é comum também você ser diretor e tirarem
você da direção. Eu já fui despedido da TV Bandeirantes e não sei o motivo. É
um jogo que nós temos que viver. Harvey Keitel, de Cães de Aluguel, tinha filmado 20 dias de Apocalipse Now e o Coppola disse: “Olha, não é você”. Tirou ele do
filme entrou o Martin Sheen. É muito comum. Em novelas, já substituí diretores.
Não acho que seja grave. Isso faz parte da profissão. Você substitui cenógrafo,
fotógrafo.
Por que alguns atores viram
celebridade e depois desaparecem?
(Com desprezo).
Você está me fazendo perguntas da vida cotidiana.
Eu gostaria de saber sua
opinião.
O fator mais comum é o da celebridade instantânea. Todo
mundo ficará célebre por 15 minutos, atualmente até por 15 segundos. Basta
entrar num bom programa da pessoa no Youtube. Com o ator é igual. Os bons
resistem ao tempo. É aquilo que você me perguntou sobre querer ser eterno...Eu
até achei que essa pergunta, p(*), onde você está querendo me jogar?
Você é muito desconfiado.
Sou, sou mesmo. Tem muito tempo que eu dou entrevistas
e as pessoas escrevem coisas erradas. Então, voltando, é a coisa do clássico e
do não-clássico. Tem atores que você vê que são clássicos, que começam a
articular a carreira de uma maneira sólida e você sente que ele ficará aí
trabalhando por muito tempo. Agora, o sucesso momentâneo, purpurina, capa de
revista, isso vem em ondas como o mar. Eu mesmo, pessoalmente, passo por essas
ondas de “tô na boca, tô fora da boca”. Te muito tempo que eu estou nas
páginas. Mas existem os que são momentâneos e não tem consistência.
Por que isso acontece?
Agora isso é muito falado, mas sempre existiu a pessoa
bonita, a modelo que foi tornada atriz. Uma vez, a Bete Davis disse: “Quando comecei,
existiam muitas atrizes que queriam ser estrelas. Atualmente, existem muitas
estrela querendo ser atrizes”. Nós não temos o privilégios dos problemas que
você está levantando.
Quem são os bons atores
dessa geração?
Ah! Você tem alguma dúvida sobre o Wagner Moura e o
Lázaro Ramos? Esses dois caras são astros! O Rodrigo Santoro é outro. Ele vai
trabalhar até o resto de seus dias. Ele é bom ator, inteligente e sabe o que
está acontecendo com ele.
Ele vai conseguir superar
essa fase dos papéis menores...
(Interrompendo).
Ele sabe o que está acontecendo com ele.
Então diga o que está
acontecendo com o Rodrigo Santoro.
Ele sabe! Ele está ganhando bem. Agora está em Lost. O papel dele no comercial da
Channel com a Nicole Kidman é quase um estrelato.
Ele pode ser um Antonio
Banderas?
Não sei qual é a intenção dele. Mas você vê a
multiplicação de coisas que ele faz. Deixou dois filmes feitos aqui-
Desafinados e Não por Acaso. Ele vai ficar, como ficaram Francisco Cuoco, Lima
Duarte, Tarcísio Meira. Tarcísio Meira, quando começou, muitos o consideravam
apenas um ator bonito.
Tinha fama de canastrão.
O que era irritante. Eu o adorava. Tenho não apenas uma
grande amizade com o Tarcísio, como sou responsável por algumas das coisas que
ele fez em televisão. Eu sou a pessoa que desmanchou o topete do Tarcísio
Meira. Ele sempre deixava o cabelo penteadinho. O galã era o bom moço. Aí ele
estava fazendo um toureiro e falei pelo fonte de estúdio: “Tarcísio, enfia a
mão nos cabelos”. Ele fez de leve. Eu repeti, não dei jeito, desci de lá e
tchá, tchá, no cabelo dele. Quando diziam que ele era canastrão, eu falava:
“Esse camarada tem um poder que vocês não estão prestando atenção”. É o poder
de ficar na tela uma hora, você olhando para a cara dele, ele dizendo bobagens e
você ligado nele. Isso é um poder. Isso é algo que, se existir Deus, é Deus que
dá.
Por que atores como o José
Mayer ficam presos a um tipo de personagem?
Por ele ter determinado tipo físico, estão amarrando-o
a um papel. Ele fez o Zé do Burro maravilhosamente bem em O Pagador de Promessas. Ele fez A
Vida Como Ela É. É um ator com mais recursos, mas está aprisionado.
Isso é ruim para o ator?
É, ele fica insatisfeito. Ninguém vai botar a Vera
Fischer para fazer uma mulher não-gostosa. Ela está condenada. Você vê os
papéis que a Vera Fischer tem feito ultimamente e fala: “Lá vem aquela loira
portentosa, uma senhora, mas gostosa”.
A personalidade do ator não
contribui para isso?
Não, porque o ator é uma pessoa. O José Mayer não é
aquela pessoa que está na televisão.
Mas a Vera Fischer é um
pouco.
Nããããoo (com
desprezo). A Vera não é assim. O ator tem que criar uma persona. Um
político que sai na rua está representando. Eu acho que qualquer pessoa, a bem
da verdade, quando sai na rua, está representando. Você, agora, está
representando. Você não é assim, tendo que me dar esse tipo de atenção, tendo
de me provocar. Você preparou uma personagem pra me entrevistar. Você tem que
se comportar. Mas você não está sob a lente de uma câmera. Nós, atores, somos
reféns disso. Eu quando entrou em um lugar e sou reconhecido – isso no Brasil
acontece – não mudou meu comportamento. Mas logicamente tenho que ser mais
educado do que realmente sou. Você dá uma refreada.
Você não pode beber todas...
Não é problema de beber, eu posso beber. É no cinema.
Se eu quisesse botar os pés na cadeira, pegar a pipocona e comer de qualquer
jeito, eu não posso fazer essa p(*). Tem o artista que, quando há esse
burburinho, começa a representar um pouco mais. Quando passam a interpretar mais,
passam a chamar mais atenção.
Houve uma época, quando você
tinha cerca de 40 anos, em que você tinha um carro conversível, era famoso e
pegava todas. Como foi essa fase?
É uma fase sonhada por todo homem. Como a coisa já
passou, posso falar tranquilamente dela. Tem uma história que contam dos homens
sobre sexualidade e vida material. Quando é garoto, você tem vitalidade e
tempo, mas não tem grana. Depois você passa a trabalhar, tem vitalidade, está
com alguma grana, mas está sem tempo, p(*). Depois você está com tempo e
dinheiro e não tem vitalidade (risos).
Mas eu estava numa época em que tinha tempo, dinheiro e vitalidade. E nesse
dinheiro ponha-se uma frase minha: dinheiro e popularidade são duas coisas
muito parecidas. Não compram as mesmas coisas, mas conseguem coisas parecidas.
A boa mesa no restaurante não é só o dinheiro que consegue, mas também a
popularidade. Você é a pessoa observada com mais interesse numa festa. Então,
com 40 e poucos anos de idade, eu estava nessa fase e ainda por cima solteiro.
Poucas pessoas achegam a essa fase solteiro. E eu fiquei uns seis, sete anos
solteiro. Foi uma fase bem aproveitada (risos).
Um dos seus amigos da época
contou que participou de algumas boas surubas das quais você fazia parte.
Não é verdade. A palavra suruba quer dizer sexo grupal.
Não estou dizendo que os
homens transavam entre si. Mas que faziam sexo com muitas mulheres ao mesmo
tempo.
Não é verdade. Não me lembro de ter feito sexo no mesmo
ambiente em que estavam outras pessoas, a não ser a minha parceira.
Nem um ménage à trois?
Não. Isso depende do gosto sexual de cada um. Acredito
que em todas as épocas sempre teve tudo. Ménage
à trois, sexo grupal. Os gregos e romanos faziam isso. Agora isso não quer
dizer que todos participavam.
Você fazia questão de
transar com uma mulher diferente rodo sai, como alguns de seus amigos da época?
Quem age assim está doente. O que fazíamos era ver
quem, no período de um ano, conseguia levar para a cama mais mulheres. E não
valia repeteco. Era uma aposta de um grupo de cafajestes. Uns 15. Foi de onde
saiu o filme. Era uma turma da qual eu fazia parte.
Como vocês faziam para
contabilizar o número de mulheres?
Tinha que acreditar um no outro. Você via o camarada
com a pessoa, mas não era uma contabilidade real. Não houve alguém contando o
número de mulheres.
Você foi o campeão?
Não, houve um empate geral, todo mundo mentiu (risos).
Todo mundo era muito garganta.
Era fácil chegar ás mulheres
quando não havia tanta liberação sexual?
Sempre. Mas estamos falando de assuntos sexuais e eu
acho que já estou com a certa idade para ficar falando deles (irritado). Eu acho que já falei tudo que
tinha que falar. Minha vida não foi feita profissionalmente e nem a minha
popularidade está ligada à minha figura sexual.
Já se contabilizou que você
teria transado com 900 mulheres.
Eu acho isso uma bobagem. Passa-se tanto tempo e nós
vamos falar sobre essas mesmas coisas, com tantas coisas novas para falar? Não
é falta de ideia minha e tua?
Mas sexo é um assunto que
sempre interessa bastante
Pois vamos falar de sexo hoje.
Vamos. Você usa Viagra?
Mas eu falei de sexo no geral. Você usa camisinha?
Uso.
Sempre?
Sim. Mas a jornalista aqui
sou eu.
Eu só quero ficar no mesmo nível. Se você usa
camisinha, é porque não transa com o mesmo homem.
É um método contraceptivo.
E não usa pílula por quê, hein?
Porque pílula engorda. Agora
é minha vez. Você usa Viagra?
Não acho que seja necessário.
Ah, você não precisa?
É, eu ouvi dizer que tem muitas reações contrárias,
dizem que dá dor de cabeça. Eu tenho muito medo dessas coisas que mexem com a
saúde e com o físico da gente. Prefiro remédios mais naturais.
Eu li que você usava
Ciallis.
Alguém deve ter mentido.
Era uma entrevista e você
dizia que preferia Ciallis ao Viagra.
É a mesma empresa que fabrica os dois medicamentos?
Não, são concorrentes.
Então eu devo ter levado algum dinheiro da Ciallis (gargalha). Meu negócio é dinheiro, vamos
lá. Qual é a outra pergunta?
Incomoda falar de sexo?
Incomoda ser considerado garanhão?
Não, é a figura que está criada. É falta do que fazer.
Houve um caso recente de um
diretor do programa Zorra Total que
foi demitido por suspeitas de fazer o teste do sofá. Você deve ter tomado
conhecimento disso.
Li notinhas no jornal.
Qual foi a proposta mais
indecente que uma aspirante a atriz fez para você para conseguir um papel?
(Pausa).
Proposta, proposta, não me lembro de ter recebido. Durante muito tempo, eu
passei a não ter conversar com aspirantes a atrizes sozinho. Acho que você
recebe uma cantada ou não se assim o desejar. A não ser que seja grosseira e
você tenha que responder numa grosseria. Porque você se coloca num lugar de uma
maneira tal que vai dar o ensejo da ação da outra pessoa. Mas receber uma
oferta não profissional é secular. Isso de uma pessoa seduzir outra para ganhar
alguma coisa deve ter começado logo depois de Abel e Caim. Me parece uma
história bíblica (risos). Portanto,
eu não me lembro de ter recebido alguma coisa assim. Quer dizer, eu me lembro
de uma moça que tentou uma vez tirar a roupa na minha sala.
Tirou?
Não, porque eu chamei a secretaria imediatamente.
Como foi?
Queria mostrar que tinha um corpo bonito. Eu falei:
“Não, peraí, vou chamar a minha secretária”.
E essa moça deu certo
depois?
Não me lembro quem era a moça.
Teste de sofá existe?
(Irritado). É
o que eu já te disse: eu não sei, meu amor Eu nunca escalei ninguém com teste
do sofá. Porque a primeira coisa para eu conseguir ganhar dinheiro é que meu
filme e meu programa sejam bons. Eu não acredito que seja no sofá que se veja isso.
Eu nunca fiz esse teste. Existe secularmente a utilização do sexo em todos os
ambientes. Tanto é que se não fosse assim não existiria a lei do assédio
sexual. Essa lei não está ligada exatamente à televisão ou ao cinema.
Inclusive, é fora desse ambiente que se registram mais queixas de assédio
sexual, né?
É, mas ás vezes quando ambas
as partes estão interessadas...
Aí se chama outra coisa. Chama-se sexo (risos).
Ainda que estejam
interessadas por razões diferentes...
As pessoas estão sempre interessadas por razões
diferentes. Raramente o amor é puro.
Ou seja, só para deixar
claro, você considera legítimo que uma atriz transe com o diretor porque está
interessada em conseguir um papel na novela ou no filme e o diretor porque está
interessado...
Em comer a atriz. Se a atriz quer dar, é problema dela.
Isso não é teste do sofá?
Não sei o que é isso. Isso aí é uma moça que se
deixa...Se ela é menor de idade, é pedofilia, é cadeia. Se ela é maior de
idade, é um caso de concessão a dois. Do uso do poder, no máximo. Ou da pessoa
não ter confiança na sua própria qualidade como atriz. Mas não precisa ser
atriz. Pode ser cenógrafa, maquiadora, figurinista. Mas você também pode pedir
emprega para uma mulher. Existem mulheres diretas. Mas graças a Deus eu não tô
nisso.
Em entrevista à PLAYBOY, a
Maitê Proença disse que os diretores pensam com a cabeça de baixo e que por
isso algumas mulheres, quando chegam à meia-idade não são mais escaladas com a
mesma frequência com que eram no passado. O que você acha dessa afirmação?
Eu acho que a Maitê tem todo direito de fazê-la.
Mas você concorda com isso?
Não, mas brigaria até a morte pelo direito dela de
dizer isso. Deve ter sido um momento infeliz. Ela é mais inteligente que essa
frase.
É verdade que as mulheres
quando chegam aos 40 anos encontram dificuldades a serem escaladas?
Existem poucos papéis clássicos para mulheres de 40
anos, por um erro ou costume da dramaturgia. Uma mulher de 40 e poucos anos que
entre no teatro vai ver que os melhores papéis foram escritos para os homens –
o rei Lear, o Ricardo III, tudo foi escrito para homem.
Ou seja, as mulheres nas
novelas tem papéis...
(Interrompendo).
Eu falei na dramaturgia, não falei nas novelas. A novela nada mais é que um
reflexo da dramaturgia.
Mas nas novelas esse fato
não é mais evidente?
Não. Se você fosse mais ao teatro, você notaria. Se
você visse teatro com a mesma frequência com que vê novela, iria ver isso.
O que você faz para deixar
as atrizes à vontade quando elas precisam ficar nuas em cena?
Elas confiam em mim. É importante que ela se sinta à
vontade, segura, certa de que o que ela vai fazer é bom dramaticamente. Essa
confiança vem da minha maneira de trabalhar e da certeza de que ela vai fazer
uma cena que não ofenda.
Você é um homem religioso?
Não.
É ateu?
Não, porque eu digo “graças a Deus”.
Mas pode ser força de
expressão.
Não, porque eu não digo “graças a Alá”. Não acredito em
santos, milagres e nem que exista um Jesus que morreu para nos salvar.
Então é ateu, pode-se dizer.
Não, porque acredito que tenha uma força superior.
Sua estreia como artista foi
saindo de um caixote de palhaço. Você era uma criança exibida?
Mamãe diz que sim.
Nunca te ocorreu ter outra
profissão que não artista?
Nunca. Mas, se eu seguisse meu pai e minha mãe, hoje
seria um militar reformado que toca piano.
Estudou?
Até o segundo ginasial. No colégio, fiz todas as
traquinagens que você pode imaginar. Era indisciplinado. Quando eu estava com
sete ou oito anos, havia uma menina que sentava na minha frente e tinha o cabelo
muito longo. A minha bancada ligava no banco dela. A menina jogava toda a p(*)
do cabelo no meu papel. E naquela época a gente usava inteiro. Década de 40. Aí
um dia eu peguei o cabelo dela e botei na tinta. Era tinta sardinha, difícil de
sair (gargalha). Eu matava aula, ia
no cinema.
Qual foi a sua relação com
as drogas?
Foi numa época em que todo mundo tinha relação com
drogas. Foi uma relação de moda. Houve a moda, todo mundo entrou e no que a
moda acabou eu fui me mandando, vi que era uma péssima.
Qual era a droga da moda?
Tinha a maconha, a cocaína, mas eu peguei ainda a época
do lança-perfume, álcool; comecei bebendo cachaça. Havia o ácido. Mas parou.
Isso é uma coisa velha.
Em algum momento a droga
complicou a sua vida?
Nããããão, isso nunca fez parte da minha vida.
E a bebida?
Não bebo, não fumo. Bebida era coisa da moda, coisa
social. Eu só tomo vinho quando o jantar é ótimo. Para que eu vou gastar um
vinho bom num jantar de m(*)? Não tive excessos.
Nunca tomou um porre
daqueles?
O único porre que tomei na vida foi quando a censura
liberou Malu Mulher, em 1979.
E nessa situação você
cometeu alguns excessos?
Não, um cara bêbado é um cara bêbado. Ele vomita e cai.
Tem muita gente que sobe na
mesa, por exemplo.
Quem sobe na mesa não está bêbado. Está ótimo. Se sobe
na mesa é porque tem forças, p(*). O álcool é terrível, mata mais que o HIV.
Você trabalhou com Chico
Anysio no início da sua carreira como diretor...
(Interrompendo).
Ele me deu a oportunidade de trabalhar com ele.
Vocês dois tem personalidade
forte. Como foi essa convivência?
Ótima! A gente se divertia, ria. Hoje somos meio
diferentes, estamos meio separados. Ele é uma pessoa muito engraçada, muito boa
de se trabalhar. É de uma velocidade, de um saber, de uma generosidade
fantástica. O Chico eu não somos muito opostos. As piadas do Chico só ficaram
mais sarcásticas que as minhas.
Mas em O Circo Eletrônico você disse que até hoje ele tem dificuldades com
as emissoras. Ele é uma pessoa de personalidade difícil?
Nãããão...O Chico está sempre inquieto. Não gosta de
estar satisfeito, você entende? Você vê o quanto ele casa. Ele tem essa coisa
de ficar insatisfeito, uma inquietação. E sempre fica criando caso. Ele não
sabe o que está incomodando.
Ele já criou caso com você?
Jáááá. Ele cismou que era eu quem trabalhava contra ele
na Globo e começou a me xingar nos jornais, dizer coisas horrorosas. Mas isso
passou A gente conhece o Chico, essa é uma coisa boa da idade – você conhece
melhor as pessoas. Eu me lembro que as pessoas ficavam perguntando se eu tinha
ficado chateado com o que o Chico tinha dito de mim. E eu respondia que o Chico
precisava ainda xingar minha mãe muitas vezes até eu começar a ficar chateado
com ele.
Você sabe quem são Mariana
Felício, Grazi Massafera e Kléber Bambam?
Perdão?
Mariana Felício, Grazi
Massafera e Kléber Bambam.
Esse Bambam não é um que participou do Brother número
um?
Eu estou te perguntando isso
para saber se você assiste ao Big Brother.
O Bambam...(pensativo).
Eu me lembro desse. Não era um garoto forte, que tinha alguma espécie de
problema? Tinha problemas, o rapaz. Sim, mas você está me levando para que tipo
de armadilha?
Não é armadilha nenhuma.
Você assiste ao Big Brother?
Ás vezes. Mas eu não sei quem ganhou. Se eu tiver que
passar por um teste desses eu perco, não tenho a menor ideia. Eu não vejo muito
televisão. É um programa que vai acabar, depois vão inventar outro, dança do
gelo, não sei o quê. Isso faz parte das programações de diversão da televisão,
são programas que vão e vêm. O que você acha de programas de perguntas e
respostas, em que o cara ganha um milhão? É isso aí. É a mesma coisa. Mas não é
algo para a gente gastar páginas numa revista como a PLAYBOY.
Mas eu queria saber a sua
opinião sobre ele. É um programa de muito sucesso, vai entrar na sétima edição.
É um programa como outro qualquer, meu amor (irritado). Isso faz parte da programação
de diversão da televisão. É como o Qual É
a Música?. O que eu acho desses programas? São programas divertidos.
A TV forma o gosto do
público ou o público tem o gosto formado pela TV?
A televisão é reflexo do público. Não tenho como fazer
você usar para sempre determinada pasta dental. Posso fazer você experimentar.
Mas você não vira uma pessoa que utiliza aquela pasta para sempre porque eu
disse na televisão.
Por que os programas de
auditório têm qualidade tão ruim?
Eu vou te fazer uma pergunta. Por que os programas de
auditório têm qualidade tão ruim?
Por quê?
Por quê?
Daniel, só para lembrar,
aqui você é o entrevistado.
Deve ser porque é o que o povo quer (gargalha). Vamos falar de uma coisa
séria: Presidência da República. Quando essa entrevista sair, nós já saberemos
quem é o presidente eleito. Ao que tudo indica, será o Lula, o principal
representante do Partido dos Trabalhadores. Passamos por um escândalo imenso.
Todos os jornais, todas as televisões explicaram o que a eleição do Lula
representava para a corrupção. E o público não deu bola. Estamos nós diante de
um Brasil anestesiado? Se a gente vê isso na política, o que se pode dizer da
televisão? E o que a televisão pode fazer de contrário ao que pensa esse
público? Se é essa música que gostam de ouvir, é a música que vai tocar. A
televisão não tem como mudar isso.
A televisão não pode
sofisticar o público?
Não. A gente não pode atribuir à televisão um papel que
não é para ser feito pelo governo. Você não pode fazer que uma pessoa escute
Mozart se ela não conhece nem o samba da própria terra.
Quando o Manoel Carlos, autor de Páginas da Vida, bota Bossa Nova na
trilha sonora da novela não ajuda a melhorar o gosto musical do telespectador?
Não. Vende um disco de Bossa Nova. Mas eu acho que
todas as catequeses são válidas. É como dizem: se no sermão em que fala para
200 ovelhas o padre conseguir conquistar uma ou duas ovelhas para o rebanho de Deus,
terá cumprido seu dever. E acho que o Manoel Carlos está cumprindo o seu. Mas o
que nós temos que fazer é conquistar o Brasil com educação. E não atribuíam à
televisão esse poder. É tarefa do governo. Esse é um país que conviveu pouco
com a democracia. Tanto é que estamos reelegendo um presidente, mesmo não
gostando dele. Eu não vi um canal de televisão falando bem do Lula, nem um
jornal. Alguma televisão está a favor? Não. Alguém mexe na força pessoal do
Lula? Isso tem a ver com a música que a gente está achando ruim do programa Domingão do Faustão.
Você já disse que costuma
mentir em entrevistas para parecer mais interessante do que é. Você mentiu
muito aqui?
Eu menti 25 a 30%. Ou um pouco mais. Eu acho que a
reportagem só fica legal quando há insegurança sobre o que o entrevistado
falou. Os jornais já mentiram muito sobre mim. Então eu acho que o bom jogo é o
toma-lá-dá-cá. Eles mentem sobre mim e eu minto para eles (gargalhadas).
Publicado originalmente na revista “Playboy” em outubro de 2006
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