Playboy entrevista Arnaldo Jabor
Uma conversa franca com o cineasta e escritor sobre sua volta às telas
24 anos depois, os textos que não escreveu, o machismo de Lula ao escolher
Dilma, Viagra, prostitutas e como um encontro com Gabeira no avião o
transformou no comentarista de política mais popular do Brasil
Para quem tem em torno de 20 anos, Arnaldo Jabor é um jornalista
provocativo que faz comentários irônicos sobre o noticiário nos telejornais da
Rede Globo – além de um escritor que publica crônicas sobre comportamento e
política em alguns dos principais jornais do país, como O Estado de S. Paulo e O
Globo. Para outros, é autor de pensamentos como “A mulher tem um cheirinho
gostoso; elas sempre encontram um lugar no nosso ombro” – frase que ele jamais
escreveu, embora um sem-número de blogs a atribua a ele. O fato, porém, é que o
nome de Arnaldo Jabor já esteve muito mais associado à subjetividade da arte do
que ao pragmatismo do jornalismo.
Nascido no Rio de Janeiro no dia 12 de dezembro de 1940, Jabor era, até
o fim da década de 1980, um dos mais cultuados cineastas brasileiros. Com o
ousado Eu Sei que Vou Te Amar, de
1986, seu oitavo filme, levou 4,5 milhões de espectadores ao cinema. A obra
ainda faturou a Palma de Ouro de melhor atriz em Cannes pelo desempenho de
Fernanda Torres no papel da alma de uma jovem que, durante 2 horas, discute a
relação com o companheiro, vivido por Thales Pan Chacon (que morreu em 1997,
vítima de aids). Antes, em 1981, Arnaldo Jabor havia lançado a atriz Sonia
Braga no mercado internacional com o sucesso de Eu Te Amo, que teve bilheteria de 4 milhões de espectadores.
Em 1990, portanto, quando Fernando Collor de Mello assumiu a Presidência
da República, Arnaldo Jabor era um cineasta bem-sucedido que não podia imaginar
que, dentro de pouco tempo, estaria se um único tostão no bolso e pedindo
dinheiro emprestado aos amigos para pagar as contas. Com o fim da Embrafilme, a
estatal que financiava a produção cinematográfica nacional, o Brasil parou de
fazer cinema e Jabor ficou na pior. Como conta nesta entrevista, ele passou a
escrever em jornais porque não tinha dinheiro para comer. Mas o que em
princípio era um mero ganha-pão logo se transformou em uma atividade prazerosa
– e lucrativa. Os textos sarcásticos de Jabor, inicialmente publicados no
jornal Folha de S. Paulo, caíram no
gosto popular. O status de astro pop, no entanto, só veio em outubro de 1995,
quando ele virou comentarista do Jornal
Nacional e chamou a atenção pela falta de modos com que analisava o
cotidiano e o cenário político – os cabelos revoltos, os risinhos venenosos e
os gestos largos foram uma revolução em um telejornal que até então era marcado
pela sisudez.
O sucesso de Jabor como comentarista fez ele também um escritor
bem-sucedido. Publicou seis livros, e seu maior sucesso, Amor É Prosa, Sexo É Poesia, vendeu 350 mil exemplares. A nova
carreira, enfim, pôs a vida de Jabor de volta no eixo. Mas não o fez desistir
da antiga profissão. Vinte e quatro anos depois de Eu Sei que Vou Te Amar – em 1990, ele dirigiu Amor à Primeira Vista, uma coprodução franco italiana para a TV
francesa -, Jabor volta aos cinemas com A
Suprema Felicidade, filme com toques autobiográficos que narra a história
de um menino no Rio de Janeiro dos anos 1950. Ele reestreia no cinema com árdua
tarefa de disputar espectadores com Tropa
de Elite 2, de José Padilha, e com o blockbuster espírita Nosso Lar.
Arnaldo Jabor recebeu a editora Adriana Negreiros na sala de estar do
seu apartamento com vista para um mar de prédios no bairro de Pinheiros, em São
Paulo. Sobre um jogo americano repousava uma ervilha solitária, sinal de que
ele acabara de almoçar. De prontidão, manifestou-se disposto a conversar sobre
qualquer assunto, com uma ressalva – a jornalista não poderia perguntar nada
sobre seu estado civil. O motivo, segundo ele, era evitar queixas femininas
posteriores. “Fui casado com três marinheiros suecos. Virei gay”, desconversou.
Desde seu último filme para o cinema, Eu Seu
que Vou Te Amar, são 24 anos. Por que você ficou tanto tempo sem filmar?
Porque eu estava de saco cheio. Eu não ganhei um tostão e talvez não vá
ganhar um tostão com esse filme. É uma equação difícil.
Cinema não dá dinheiro?
Não dá. A não ser que você faça um blockbuster. Eu
ganhei dinheiro com Eu Te Amo, com Eu Sei que Vou Te Amar, mas ganhei muito
menos do que poderia. Porque todo mundo ganha; o último que ganha é o produtor.
Se eu não fosse jornalista e não vivesse de outras coisas, eu não teria
dinheiro para fazer esse filme. Fiz esse filme por amor à arte. Se der
dinheiro, deu; se não der, não deu.
Quando um filme vira blockbuster, você
fica interessado em vê-lo ainda que a temática não lhe interesse?
Sim, claro. Por exemplo, tô louco pra ver Nosso Lar. Tem o paraíso construído de plástico, deve ser
extraordinário. O kitsch mais delirante que deve ter no mundo! Um blockbuster
que eu adorei foi Avatar.
E os blockbusters nacionais, como Se Eu Fosse Você, de Daniel Filho?
(Relutante.) É importante ter
filmes que sejam sucesso. Tem de ter filmes de vários tipos.
Mas a temática e a estética desses filmes lhe
agradam?
Eu sou muito difícil pra esse negócio de estética.
(Risos). Eu gosto de cineastas que ninguém gosta. Eu gosto de (Andrei) Tarkovski (cineasta russo, morto em 1986), eu gosto de (Takeshi) Kitano (diretor
japonês). Eu gosto dos cineastas do cinema mudo. Uma das coisas que eu acho
mais estranhas no cinema atual é que ele ficou muito videoclipado.
Como assim?
Você não vê filmes com planos de mais de 3 segundos. É um inferno. Você
não consegue falar as coisas importantes num ritmo de superficialidade. O
cinema mais antigo, dos anos de ouro, dava ao espectador a chance de contemplar
a imagem. Hoje em dia, o cinema de Hollywood, principalmente, não dá tempo de
pensar. O cinema de um (Michelangelo)
Antonioni (cineasta italiano, morto em
2007), que deixava a imagem ali para você observar, criticar, você não vê
mais.
Existe uma onda no cinema nacional de filmes
espíritas. Eles te apetecem?
(Com ar ligeiramente irritado, respira fundo.) Eu não trabalho com isso, né? Eu não penso assim: “Quantos milhões de idiotas tem sobre determinado assunto?” Não estou falando de espiritismo necessariamente. “Ah, tem 2 milhões e meio de idiotas. Oba, vamos fazer um filme sobre esses 2 milhões e meio de idiotas que vai dar dinheiro”. Eu não penso assim, eu não faço filmes para idiotas. Eu tento fazer filmes para pessoas sensíveis e inteligentes que vão ao cinema não por idiotia, mas por interesse artístico.
Como você imagina que a crítica vai receber o
seu filme?
Não sei. Eu espero que gostem. É o melhor filme que eu já fiz. Ele tem
um procedimento felliniano na narrativa, mais do que na temática. É a história
de um garoto que vai descobrir a própria vida no seio de uma família careta e
infeliz e tem um avô que é um malandro carioca sensacional. O avô leva o menino
pro mundo e pra felicidade. Tenho a impressão de que as pessoas vão querer ver
porque o mundo tá bodeado. O filme faz o elogio da alegria.
O cinema brasileiro privilegiou muito nos
últimos tempos, a temática social e de denúncia?
O cinema brasileiro sempre fez muito isso. Eu próprio. Tudo Bem (1978) é um filme que trata
desse assunto, mas de forma muito paródica. Não adianta você só denunciar as
coisas. Tem uma hora em que você quer saber: “O que é bom, o que vale a pena?” Porque a vida não é só merda. Não se pode faturar
prestígio e lucro em cima da miséria.
Muita gente no cinema?
E na literatura também. Tem muita gente que vive desse álibi, “Eu sou a
favor do bem”. Ou então “A miséria é terrível”, e ganha grana. Eu acho que tem
de denunciar a situação social, mas isso não basta para uma obra de arte ser
boa. A obra de arte é muito mais ligada à ideia de mistério, de descoberta, do
que da ideia de ensinamento. Eu não gosto de arte engajada. Por exemplo,
Bertold Brecht (dramaturgo alemão, morto
em 1956), que era um gênio, fazia obra de arte política, mas com uma
dimensão metafórica, poética e misteriosa que transcendia o engajamento babaca.
Não pode a história de que “O filme é uma merda, mas é a favor do povo”.
A tutela do Estado sobre o cinema influencia
essa preferência pela temática social?
É impossível fazer um filme sem subsídios do Estado. A Lei do
Audiovisual é boa. Agora, o governo atual privilegia muitos filmes por razões
políticas. Tem muitos filmes na prateleira que jamais serão exibidos. Mas não
haveria cinema se não houvesse subsídios.
Mas o subsídio não acaba sendo um incentivo
para que sejam feitos filmes sem preocupação comercial?
Isso existe. Existiu principalmente na época da Embrafilme. Os caras
ignoravam o público. A Embrafilme financiava, o cara pegava o dinheiro, roubava
um pouquinho, e “Danem-se os espectadores que não entenderem, eu sou um gênio”.
Isso é uma maneira de fugir da falta de talento. Tem muita gente que não tem
talento e diz que isso é estilo.
Os seus filmes também foram financiados pela
Embrafilme. No que eles se diferenciam desses filmes que você critica?
O público faz parte do meu filme. Eu não ignoro o público. Um quadro de
Picasso não é nada no Deserto do Saara.
Você critica o governo em seus textos nos
jornais e comentários na televisão. Isso causou dificuldades para aprovar o
projeto do seu filme na Ancine?
Não, hoje não tem critério ideológico para isso. Ainda. Esse é o perigo.
(Exalta-se.) No próximo governo podem
falar “Ah, só faz filmes de esquerrrrrda,
sobre os mineradores de magnésio na puta que o pariu”!
Você pode falar tudo o que pensa?
Não, senão eu sou assassinado. (Risos.)
Mas em geral a TV Globo me dá muita liberdade. Claro que eu consulto os
editores, eu não sou maluco. Com os jornais é a mesma coisa. Eu vivo do que
penso. É um privilégio que eu agradeço aos deuses, é do cacete. Mas isso
provoca muita raiva e inveja, tem muitos jornalistas que me odeiam. Eu nem era
jornalista, eu virei.
É verdade que você virou jornalista graças ao
ex-presidente Fernando Collor de Mello?
Indiretamente. Fui trabalhar como jornalista porque não tinha dinheiro
para comer. Ia morrer de fome. Tinha duas filhas para sustentar, fiquei sem
emprego. O Collor acabou com o cinema brasileiro. Foram quatro horas sem filme
nenhum até que Carla Camuratti fez o Carlota
Joaquina (1995) e o cinema começou de novo. Eu fui ser jornalista porque
tinha de comer, porra! Tinha feito um filme que ganhou a Palma de Ouro em
Cannes, Eu Sei que Vou Te Amar fez
4,5 milhões de espectadores. E aí de repente eu me vi sem um tostão.
Literalmente?
Literalmente sem nada. Até que um dia...Quer eu conte?
Claro.
Eu estava sem um tostão. Chegou a um ponto em que eu não tinha mais
dinheiro nenhum. O Hector Babenco (cineasta)
me emprestou 10.000 dólares para eu viver uns meses. Um dia eu encontro o
Fernando Gabeira (deputado federal)
no avião voltando de São Paulo. Eu tinha vindo para cá pra procurar filmes de
publicidade para fazer, e ninguém me deu porra nenhuma. Aí falei: “Porra,
Gabeira, você tá escrevendo na Folha. Não dá pra falar com o Otavinho (Otávio Frias Filho, dono da Folha de S.
Paulo)?” E ele falou, o que é uma coisa
rara. E o Otavinho me ligou, me chamou pra conversar porque disse que gostava
dos meus filmes, e aí eu comecei a escrever na Folha. E eu gostei de fazer jornalismo. Foi uma maravilha. Comecei
a receber salário, passei a viver disso, depois fui para a televisão. Aí
melhorei de vida.
Há muitos textos que você
não escreve e que lhe são atribuídos. Você fica irritado com isso?
Eu fico puto. Tem um texto que rolou durante muito
tempo, atribuído a mim, que se chama Bunda
Dura. Rola até hoje. Não fui que escrevi. Depois até soube quem foi, é uma
jornalista. E nesse texto eu teria dito: “Bunda não precisa ser dura, pode ter
celulite. Eu acho um barato”. Eu nunca escrevi essa merda. Uma vez encontrei
com uma senhora na rua, eu tava tomando café, e ela veio toda contente falar:
“Ah, eu tenho bunda mole”. Toda feliz.
Era uma cantada?
Não, não era. Era uma coisa de dizer “Eu sou legal”. Eu
fiquei perplexo, custei a entender.
Por que essas coisas irritam
você?
Porque eu não escrevi, pô! E geralmente os artigos são
muito ruins, né? O pior
é que as pessoas gostam. Falaram para mim: “Adorei aquele artigo que você
escreveu de que a mulher tem de ser boazinha e ficar com a cabecinha no ombro
do marido e ficar puxando o saco do marido, sempre arrumadinha, porque senão o
marido não gosta”. Eu falei: “Minha senhora, eu não escrevi isso. Eu não ia
escrever uma bobagem dessas”. E a pessoa fica puta!
Qual é a lógica desse plágio ao contrário?
Eu não sei. É inexplicável. Acho que a pessoa não tem coragem de botar o
próprio nome e bota o de outra pessoa. Tem um sobre os gaúchos que é uma
loucura. Parece que eu sou viado falando que os gaúchos são lindos. Ai, ai.
Você tem proximidade com tucanos, como o
ex-governador José Serra. Isso pode ter afetado a sua credibilidade como
comentarista?
Não. Eu sou amigo do Fernando Henrique e do Serra há muitos anos. Eu
nunca escondi que acho que o governo anterior foi muito importante. Isso não
tem nada a ver. Eu não sou do partido, não sou tucano, não estou defendendo
nome de ninguém. A minha preocupação como comentarista é o que EU acho que é
melhor para o país. Se a Dilma apresentar um projeto bacana para o Brasil, eu apoio.
Agora, quando me vêm com loucuras arcaicas ou dirigismos pós-socialistas
babacas e delírios vagamente stalinistas, eu não sou a favor. Mas podem falar o
que quiserem de mim. Tem gente que me odeia.
A ponto de encontra-lo na rua e falar uns
desaforos?
Não, isso é muito raro. Mas acontece. O que impressiona
é que não ocorre a ninguém que uma pessoa esteja agindo por boa-fé. Sempre tem
um motivo qualquer. “Ah, ele tá defendendo o Plano Real? É porque deve estar
levando alguma grana”. Eu escrevo em jornal semanalmente tem 18 anos. Só
procuram ver erros no que eu faço. Uma vez eu estava narrando o Oscar ao vivo.
Quando começou, eu ia falar “Os Estados Unidos premiam seus melhores homens”,
mas na hora eu fiquei na dúvida porque é um verbo irregular e falei “premeiam”.
Eu saquei que tinha cometido um erro, mas já era tarde. Puta que pariu! Você
não faz ideia da quantidade de gente que falou sobre isso.
Quando esta entrevista for
publicada as eleições provavelmente já estarão definidas.
(Interrompe.)
Já vamos ter a Dilma tomando conta da nossa vida.
Existe uma diferença
considerável em ter uma mulher presidente em vez de um homem?
Nenhuma. A diferença não é de sexo, é de preparo. O
Lula é um homem extremamente carismático e tem uma experiência política espantosa.
Talvez seja o político mais esperto do Brasil, um dos maiores atores do mundo.
E ele resolveu fazer um terceiro mandato por intermédio de uma representante
que ele incentivou. A Dilma não tem competência nenhuma. Mas eu acho que –
inconscientemente o Lula preferiu uma mulher na Presidência por uma questão
meio machista de controle. Eu não sei se ele teria posto um homem mais culto,
mais inteligente e tão forte quanto ele para sucede-lo. É uma coisa parecida
com o que o Fernando Collor de Mello fez botando aquela senhora (Zélia Cardoso) para dirigir a economia
brasileira. É um pouco de machismo, “mulher a gente controla”. Mas as pessoas
que estão em torno da Dilma me preocupam mais do que ela própria – com exceção
do Antonio Palocci (ex-ministro da Fazenda
e coordenador da campanha de Dilma), que é um homem sensato.
Como assim?
O que temo é que teses e posturas ideológicas e
políticas de 40, 50 anos atrás voltem a pauta brasileira de uma forma
absolutamente arcaica. Essas pessoas que acompanham a Dilma se consideram
superiores e acham que podem ditar os rumos da sociedade. Pode haver uma união
muito estranha do clientelismo típico do PMDB com o sovietismo. Imagina um
Stalin (líder soviético, morto em 1953)
misturado com José Sarney (presidente do
Senado)? Esse é o perigo que nós corremos.
Quem seria o Stalin do
governo?
O pensamento da maioria das pessoas que estão em volta
da Dilma tem ecos stalinistas. Eu conheci vários deles. Conheço o Marco Aurélio
Garcia (coordenador do programa de
governo de Dilma), o Samuel Pereira Guimarães (ministro de Assuntos Estratégicos). Não é que sejam ainda
stalinistas, mas fica uma espécie de resquício de um pensamento socialista que
acabou. O perigo é essa oligarquia arcaica, reacionária e de direita
representada por pessoas como Sarney e Renan Calheiros (senador) ser misturada com uma oligarquia sindicalista. A mistura
dessas duas coisas é explosiva. A gente pode não ter aqui o chavismo chavista
porque o Brasil é muito complexo e não comporta um canalha como o Hugo Chávez (presidente da Venezuela). Mas pode
pintar uma espécie de chavismo light.
Por que corremos mais esse
risco com Dilma do que com outra candidato?
Porque a Dilma é formada dentro do marxismo-leninismo,
como eu fui também. Eu conheço a cabeça da Dilma e das pessoas em volta como se
fosse a palma da minha mão. Eu sei como eles pensam.
Como eles pensam?
Basicamente o seguinte: “Nós somos superiores à
sociedade. Nós temos uma linha justa. Nós sabemos o que é bom para o mundo. Nós
queremos mudar a história e o capitalismo para outra coisa. Não dá mais para
fazer socialismo, mas dá para fazer umas malandragens. Nós temos de ter
controle sobre a sociedade porque a sociedade é como uma criança que precisa de
direção, precisa de pai e mãe”. Esse é o pensamento que Dilma tem, por mais que
ela disfarce, dê sorrisos, por mais que ela mude o penteado e diga que respeita
a democracia.
Ela não respeita a
democracia?
Respeita, até, porque a democracia se impôs no mundo.
Mas é uma aceitação em parte. Nas reuniões internas, eles chamam a democracia
de “democracia burguês”, Eu lembro uma vez do Francisco Oliveira, que é um sociólogo
da USP, dizendo que a democracia é papo para enganar as massas. Eles acham que
a democracia é só da burguesia e o povo não tem acesso à liberdade.
A oposição se comportou bem
durante o governo Lula?
Não, essa é a oposição mais vergonhosa que eu já vi na
história deste país. A oposição que o PT fez ao governo Fernando Henrique foi
uma das oposições mais inclementes, em que o José Dirceu (ex-deputado federal) dizia: “Temos de nos opor a absolutamente tudo
o que eles fizerem, mesmo as coisas boas”. Então foi uma sabotagem permanente.
Já a oposição do PSDB foi vergonhosa.
A que você atribui isso?
Primeiro porque ficaram com medo do prestígio do Lula.
Segundo porque não sabem defender nem o trabalho que fizeram. Não defenderam os
oito anos do governo Fernando Henrique, que foram fundamentais na vida
brasileira. Não defenderam nem o Plano Real, nem as privatizações, nem a Lei de
Responsabilidade Fiscal, nem a redução da dívida externa, nem a consolidação da
dívida interna, nada. Por isso o Lula tá num voo de cruzeiro. A população não
sabe qual é a opção à Dilma. É uma população muito ignorante, que serve a desígnios
populistas. É bom para os populistas que as pessoas sejam analfabetas.
Este cenário da oposição vai
se repetir no provável governo Dilma?
Não tem oposição, pô! Eles têm a maioria no Congresso.
Se fizerem uma lei obrigando todo mundo a andar nu, vai passar.
Como você explica a popularidade
do presidente Lula?
Porque ele é um gênio. Um Maquiavel (filósofo italiano autor do clássico O
Príncipe, morto em 1527). Ele tem um carisma extraordinário. Nesse aspecto
ele é imbatível. E tem qualidades também. Não tô dizendo que o Lula é um
canalha.
Que qualidades?
Uma das qualidades é ter passado por todas as bocas
sujas da vida, desde a miséria a luta sindical. Isso deu a ele uma prática
política muito grande. E o Lula teve um outro mérito, 20 anos atrás, de
inaugurar uma política popular e de esquerda, porém pragmática. Não é aquela
coisa ideológica maluca do Luiz Gushiken (ex-ministro),
dos Ricardo Berzoini (presidente do PT),
dos Dirceu, de que o mundo vai ser socialista. O Lula é muito prático. Nesse
sentido, ele foi modernizador da política de esquerda no Brasil. Ele é genial,
é o Mick Jagger da política. Eu lembro que, quando teve perigo do segundo turno
contra o (candidato ao governo de São
Paulo) Geraldo Alckmin (em 2006),
foi sensacional. Ele mandou armar um palanque igual aos do Rolling Stones,
aqueles de corredor, enormes. Ele ficava falando e andando exatamente igual ao
Mick. O Lula é um genial comunicador da televisão. Eu acho até que sou um bom comunicador,
mas o Lula me dá de 10 a zero (risos).
Você já esteve com o
presidente Lula?
Sim, uma única vez na minha vida, antes de ele ser
presidente da República. Eu ainda não estava na televisão, só nos jornais. Ele
estava com a mulher dele, passou e falou comigo: “Oi, Jabor. Como é que vai?” E
passou a mão no meu braço. É de uma simpatia, o filho da mãe, é de uma sedução
que o José Serra não tem. A Dilma não tem nenhuma. Eu não consigo entender como
é que o povão que vota na Dilma porque a figura é realmente espantosa. Mas o
povo vai votar nela porque o Lula mandou!
Você escreveu em um artigo
que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, é sexy. O Lula também é?
O Lula já foi bonitinho, mas agora tá uma bolota
peluda. O Obama tem o negócio do negro, imaginam que ele tem pau grande, essas
coisas. Você conhece o provérbio: “Once
you go black you will never come back”? Se você der para um negro, nunca
mais larga.
Você escreveu que é do tempo em que as
namoradas não davam. Hoje as namoradas não apenas dão como saem contando. Isso
é bom?
Eu tenho uma inveja profunda dos garotões de 20 e
poucos anos. Eles têm verdadeiros haréns. Mas, em parte, a sexualidade feminina
– que hoje não tem mais nenhum grilo – obedece a regras masculinas. A
competição pela gostosura...Bunda bonita é um altivo. É comum que seja a maior
riqueza que a mulher tem. A sexualidade atual é uma sexualidade de mercado.
Mas você acha que é melhor
que seja assim?
É melhor no sentido da liberdade. A pílula foi fundamental.
Quando ela surgiu, nos anos 1960, houve uma libertação feminina. Foi muito
importante também o surgimento da informática, dessa digitalização do mundo,
que na minha opinião é uma revolução mais importante do que a Renascença. Essa
disseminação da informação tirou a aura do pecado, de transgressão. As coisas
ficaram um pouco mais simples, mais explícitas. A sexualidade já foi política.
Agora não é. A política é que talvez seja sexual. Inverteu tudo. Qual é a
sacanagem que está por trás de um sujeito que rouba e põe dinheiro na meia?
Isso é uma forma de sexualidade se exprimindo pela política.
Ou na cueca.
Ou na cueca, que é mais sexy ainda! Bota 100.000
dólares na cueca, dá um tesão danado!
A pílula azul foi tão
revolucionária quanto a pílula anticoncepcional?
Sim. O Viagra deu aos homens alguns anos a mais de
sexualidade. Eu me lembro que, quando era garoto, o sujeito fazia 50 e tantos
anos e já era velho. Eu lembro que, quando o (cronista) Antônio Maria morreu, eu achava ele velho pra cacete e
ele tinha 42 anos. A pílula deu mais confiança aos homens. É importantíssima.
Aumentou a qualidade da sexualidade. Melhorou a vida de muita gente. (Pausa.) Não a minha, claro, porque eu
sou um fauno, nunca precisei dessas coisas.
Você disse em sua primeira entrevista à
PLAYBOY, em 1986, que os símbolos sexuais estão cada vez mais sozinhos. Ainda
acha isso?
Não. Eu acho que os símbolos sexuais estão cada vez
mais acompanhados e multiplicados. Existe uma indústria da sexualidade...(Olha ironicamente a jornalista ao se dar
conta de que ela é da PLAYBOY.) Eu não posso falar mal disso.
Pode falar à vontade.
(Retoma o raciocínio.)
Antigamente a masturbação era literária. Os garotos tinham de imaginar
situações excitantes. Hoje em dia, basta ligar a televisão, ver um filme pornô,
comprar revista de mulher pelada. É muito fácil. Nós somos masturbados, não nos
masturbamos. Eu acho que há uma indústria masturbatória no país. E a
sexualidade virou um videogame. Talvez eu esteja até me sentindo antigo em relação
a esse troço. Eu vi um programa de televisão, outro dia, que eram quatro moças
conversando, moças de 20 e poucos anos, de classe média alta.
Sobre o que eles conversavam?
Sobre o que fizeram na casa de suingue, como uma delas
levou a namorada e o namorado e a amiga do namorado. O que me fascinou foi a
imoralidade porque não achou imoral. Mas a normalidade como elas tratavam de um
assunto que geralmente é inquietante. Eu nunca fui numa casa de suingue porque
eu não posso – se eu for, vai sair no jornal -, mas tenho curiosidade. E tudo
isso é relatado coo se fosse assim: “Ah, eu fui ver um filme”.
Qual é o problema disso?
Porque se trata a sexualidade como se ela não tivesse
nenhuma relação com o inconsciente e com as dificuldades da vida. Não é fácil.
Sexualidade é uma coisa inquietante, o amor é uma coisa inquietante. É uma
coisa que tá muito em moda hoje em dia, “tudo é normal”. O sujeito vai e dá
entrevista: “Eu tenho hábito de estuprar cadáveres no Instituto Médico Legal,
mas numa boa, entende Jô? Numa boa, Eu faço isso porque eu sou assim”. O outro
fala: “Eu gosto de transar em banheiros da rodoviária, em mictórios, porque é
uma coisa que me dá certa alegria. Numa boa, Jô!” Então eu acho esquisito. Não
é que seja imoral, é irreal. Não é verdade que a sexualidade seja uma coisa
assim tão fácil, não é brincadeirinha. Pode até ser uma coisa leve, e eu acho
que deve ser, mas não é um joguinho, é uma coisa mais complicada. Eu acho que
se está tirando do mundo da sexualidade a dimensão do inconsciente, como se a
sexualidade não dependesse disso.
Por que essa banalização da sexualidade?
Eu acho que uma das razões é que as possibilidades de
realização pessoal estão ficando cada vez mais fechadas. Quantas pessoas você
conhece que aparecem na mídia, mas não fazem nada? Não têm profissão, não são
cantoras, mas aparecem na mídia porque inventaram uma maneira para isso. A
sexualidade virou uma espécie de triunfo, uma taça que você ganha, um orgulho a
mais.
Você escreveu um artigo
sobre as moças que aparecem em revistas masculinas dizendo que elas estão ali “tão
nuas que parecem namoradas de si mesmas”. Peguemos, por exemplo, essa revista
aqui (a PLAYBOY de Larissa Riquelme).
(Interrompe.)
Eu acho todas elas lindas, adoro ver mulher pelada, não tenho problema nenhum.
O que eu quero dizer é que nada é simples. Vai conversar com essa mulher
aqui...(Aponta para Larissa.) Quem é
essa mulher? Larissa Riquelme...Eu não sei quem é. Mas vai conversar com ela, ela
quer casar, ter filhos, quer que o marido não corneie ela, que goste dela, que seja
bonzinho. É isso. Porque hoje em dia tudo o que é dúvida e angústia é tirado
pelo Photoshop da alma. Tristeza não é comercial. Eu conheço uma bichinha
costureira que me disse: “Tô perdendo meus clientes porque eu tô deprimido”.
Virou a alegria obrigatória.
Você escreveu outro artigo
em que dizia que as prostitutas de verdade estão sofrendo a concorrência das
prostitutas disfarçadas. Explique isso melhor.
É muito comum. Tanto que foi assim que surgiu aquele
célebre ditado machista carioca que diz que “quem gosta de homem é viado;
mulher gosta é de dinheiro”. É um ditado terrível, mas eu vejo acontecer muito.
Conheço uma moça que disse para a amiga que estava namorando um cara. A amiga
falou: “Qual é o carro dele?” Ou seja, é mais importante saber qual é o carro
do que saber quem é o cara. Mas eu gosto das prostitutas, tenho muito respeito
por elas. No meu filme, trabalham mais de 100 prostitutas de verdade. Vendo de
perto você percebe que são corajosas, lutadoras. São mais corajosas do que
muita perua virtuosa que eu conheço.
Você se envolveu muitas
vezes com prostitutas?
Não. Mas, na minha adolescência, se você não fosse para
um prostíbulo, nunca comia mulher na vida. Então era uma coisa muito comum. Mas
depois que inventaram a pílula não precisou mais.
Você nunca se apaixonou por
uma puta a ponto que querer tirá-la da zona?
Não, mas teve uma que eu achei legal. Fiquei
impressionado. Era deslumbrantemente bonita, 25 anos. Alegre, inteligente,
rápida, incrível. Mas eu fiquei com medo porque é outro universo. Esse mito de “vou
tirar a prostituta da zona” é muito difícil porque elas moram num mundo em que
existem cafetão, violência, um universo diferente do pequeno-burguês, do
babaquinha da classe média. É uma barra bem mais pesada do que querer achar que
o amor resolve tudo porque elas são diferentes.
Quantos anos você tinha
quando isso aconteceu?
Uns 30 e poucos anos. Mas eu fugi.
Você disse duas vezes nesta
entrevista que era odiado. Esse ódio deve influenciar a percepção do público
sobre o filme que vai estrear no fim do mês?
Não. Na verdade, eu sou mais amado do que odiado.
Uns 51% de ódio contra 49%
de amor?
Não mais. Acho que uns 70% gostam de mim. Isso me faz
feliz. Normalmente eu recebo elogios. De vez em quando tem uns caras que me
xingam, mas normalmente as pessoas percebem que eu não tô a fim de nada, só de
falar o que eu acho. E é verdade. Eu não tô a fim de porra nenhuma.
Publicado originalmente na revista “Playboy” em outubro de 2010
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