UM POUCO ALÉM DA CIDADE
Por Valter Krausche
Seleção e transcrição:
Matheus Trunk
Adoniran com Clementina de Jesus e Carlinhos Vergueiro, comemorando os seus 70 anos e seu terceiro LP, no Bixiga, 1980 |
Veio a noite. E, quando já doente, perguntavam-lhe em que a noite mais o
cativava, ele respondeu:
“Nada,
a noite. Escurecia, aí eu gostava. Na noite sim, eu começava a viver”.
A relação é clara: o gosto pelo escurecer, pelo noturno, como impulso na vida. No entanto, no início veio a luz, mas que não passava de um sonho:
“As
mariposa
Quando
chega o frio
Fica
dando vorta
Em
vorta da lâmpida
Pra
se esquentá
Elas
roda, roda, roda
E
dispois se senta
Em
cima dos pratos das lâmpida
Pra
discansá
Eu
sou a lâmpida
E
as muié é as mariposa
Que
fica dando vorta
Em
vorta de mim
Tuda
as noite só pra me beijá
(break)
-
Boa noite, lâmpida
-
Permita-me oscular-lhe a sua face?
-
Pois não. Mais rápido, porque daqui a pouco eles me apaga”.
(As Mariposa, Adoniran Barbosa, 1955).
O privilégio de ser
“lâmpida”, atração obrigatória das “mariposa”, pode acabar logo, como num
sonho, partido. O prazer do beijo pode ser interrompido “porque daqui a pouco
eles me apaga”. O dia deve logo chegar. Além disso, é o sonho do maloqueiro, do
marginalizado, como indica o caráter “errado” desse samba, corrompendo a língua
oficial. Distanciando-se do dia, sonhando, o cantor chega ao prazer. Foi
preciso escurecer para acender.
A noite mudava o ritmo
do cotidiano. A boêmia e o sonho alimentavam aquele momento estratégico.
Estávamos então em 1964:
“Lá
no morro
Quando
a luz da Light pifa
Nóis
apela pra vela
Que
alumeia também
Quando
tem
Se
não tem
Não
fais mar
A
gente samba no escuro
Que
é muito mais legar”.
(Luz da Light, Adoniran Barbosa)
Com a interrupção da
moderna luz da Light, chega-se ao escuro, melhor que a penumbra, onde o samba é
“muito mais legar”. Quando a luz vai se apagando, torna-se possível captar novos
comportamentos.
Passaram-se os anos. Em
1972, o cantor já pedia um pouco mais de luz:
“Acende
o candeeiro, ó nega
Alumeia
o terreiro, ó nega
Vai
avisar o pessoa
Que
hoje tem ensaio gera
Vai
nega, vai”.
(Acende o Candieiro, Adoniran Barbosa)
Já não dava pé sambar
no escuro. Contudo, o herói ainda tenta resistir. Não canta o neon que passava
a iluminar todos os espaços. Pedia somente para a Nega Maria o favor de:
“...passar
pelo armazém
De
trazer um pacote de vela
E um litro de querosene”.
A “maloca” tinha que
acompanhar o progresso, embora as suas condições lhe permitissem apenas lançar
mão da “vela” e de “um litro de querosene”; O compositor continuava sutilmente
a propagar a sua denúncia, embora já sentisse a “necessidade” de se adaptar à
luz geral, à claridade que expõe as pessoas à vigilância, que as obriga a se
comportar com gestos muito semelhantes, de um modo público. Á luz do neon todos
são pardos, visíveis mas constrangidos em suas atitudes. As diferenças e as
individualidades, os sussurros e os mistérios tendem a desaparecer no mapa da
noite.
A rua deixava de ser
acolhedora. O progresso colocava o artista numa situação difícil. Em 1959,
segundo Abrigo de Vagabundos,
conseguia uma maloca lá pelos lados da Mooca. Porém, em 1964, era expulso para
a periferia, processo que registraria em 1969 em Despejo da Favela. Diante do
oficial de justiça entregando-lhe a ordem de despejo, exigindo que a favela
deveria estar vazia em 10 dias, resta-lhe-ia cantar o pouco que sobrou:
“Dispois
o que eu tenho
É
tão pouca mudança
É
tão pequena
Que
cabe no bolso”.
Mas voltemos a 1964.
Ali, as suas andanças já estavam comprometidas:
“Não
posso ficar
Nem
mais um minuto com você
Sinto
muito, amor
Mas
não pode ser
Moro
em Jaçanã
Se
eu perder esse trem
Que
sai agora ás onze horas
Só
amanhã de manhã
E
além disso, mulher
Tem
outras coisas
Minha
mãe não dorme
Enquanto
eu não chegar
Sou
filho único
Tenho
minha casa para olhar
(Não
posso ficar)”
(Trem das Onze)
O herói deveria voltar
cedo para casa. A noite terminava para ele: era difícil caminhar/permanecer na
cidade, afinal, o seu local de moradia, Jaçanã, ficava longe. O samba
manifestava uma ruptura: o andar separado do morar, não identificado mais com o
maloqueiro, aquele que é obrigado a ficar pelas ruas ou porque foi expulso, ou
porque mora tão mal que andar e morar são para ele um único ato. Tampouco
revela o boêmio, outro personagem das andanças urbanas. A identidade
boêmio-maloqueiro cedia o seu lugar ao moço com responsabilidades, filho único,
casa para olhar.
A cidade escapava-lhe
do andar. Os automóveis corriam pelas pistas elevadas que destruíam bairros,
avenidas...O neon eliminava buscas e mistérios. Tudo ficava muito
insignificantemente claro. A TV fazia a colagem definitiva entre voz e imagem,
instantaneamente absorvida pelo público. A imaginação deixava de ser o esforço
final para dar vida às máscaras promovidas pela voz. Não havia mais lugar para
“Charutinho”, para malandros e velhos boêmios. O espaço da criatividade enfim
transformava-se. Iam morrendo o humor, as radionovelas e os programas de
auditório promovidos pelo rádio.
Entretanto, o herói
lutava. Em 1968, por exemplo, apresentava na I Bienal do Samba, promovida pela
TV Record, o samba Patrão, Mulher e
Cachaça, em parceria com Oswaldo Moles: a música foi desclassificada.
Era um momento de
reveses. Em 1968, Histórias das Malocas
perdia muito em audiência, e com o suicídio de Oswaldo Moles tiraram-no do ar.
O grande Adoniran-Charutinho foi sendo marginalizado dentro da Rádio Record.
Todos os dias encaminhavam-se ao trabalho, procurava o seu nome na escalação
para os programas e não encontrava. O Samba do Arnesto reproduzia-se em
escala cruel e ampliada: nem um recado na porta. Adoniran ia para o bar onde
ficava papeando. De vez em quando uma ponta na TV Record. Quando à televisão,
já havia participado de algumas experiências: Histórias das Malocas, em
1958-59, que não deu muito certo. Imaginem só o diretor Randal Juliano pintando
Adoniran de preto para interpretar “Charutinho”! Em 1964, também atuara em O
Horário Nóbre...ga, pela mesma editora.
Na fase em que foi
marginalizado dentro da Record, chegou a atuar em Ceará contra 007, de
Marcos César, a primeira novela humorística da televisão, e Papai Sabe Nada.
Até que, em 1972, foi aposentado com um ordenado um pouco acima de dois mil
cruzeiros. Adoniran saía extremamente ferido e magoado não contra o novo
circuito, mas contra o modo pelo qual ele se instalava demolindo as pessoas.
Abriam-se as portas
para o novo “malandro”, o de “terno, gravata e capital”, segundo Homenagem ao
Malandro, Chico Buarque de Holanda (1978). A partir de 1968, o regime político
instalado com o golpe de Estado de 1964, através de novos mecanismos institucionais,
reforçava o seu controlo e a repressão sobre grande parte da população do país.
Á sombra do autoritarismo, sedimentava-se o processo concentrador de renda
proporcionando ainda mais, no campo dos meios de comunicação de massa, um
aumento do poder de controlo e seleção da rede de telecomunicação e do complexo
fonográfico. Consequentemente, ampliava-se o poder de manipulação das relações
entre voz e imagem. Tornava-se definitivamente possível impor a todo país uma
fala “nacional” para descrever imagens regionais.
Sob toda essa luz
reprimindo os gestos, desobrigada e impedida de flexionar seu texto ou música
com as imagens de sua cidade ou região, a estratégia criadora do artista não
poderia nascer mais do seu andar pelas ruas. Chegava-se ao ponto de proibir a
utilização das linguagens mais cotidianas através dos meios de comunicação. Um
exemplo é o que diz respeito ao próprio ‘Adoniran Barbosa’: se o leitor já
ouviu o seu LP de 1973, sentiu falta do famoso Samba do Arnesto; pois é,
foi proibido por um decreto federal que não permitia o uso “errado” do
vernáculo no rádio, na TV, etc.
Diante de tanto brilho
e tanta luz, o velho boêmio jogaria com os seus últimos triunfos: inventava a
boêmia vespertina (como disse numa certa ocasião Mathilde, sua mulher), como se
quisesse surpreender o cotidiano. Na fase final da vida, realizava à sua
peregrinação diária, frequentando o restaurante Parreirinha, velho reduto dos
sambistas de São Paulo, o La Barca, um barzinho na Rua General Jardim e tirando
a sesta no Estúdio Eldorado; tudo no centro da cidade.
De 1973 a 1976
conseguiu papéis em novelas da TV Tupi: Mulheres de Areia, onde era o pecador
“Chico Belo”; Os Inocentes, onde interpretava um barbeiro sempre sequioso por
uma boa fofoca; Xeque-Mate e Ovelha Negra. Todavia, esse desempenho estava
dissociado de sua produção musical: a cisão entre atuar e cantar atingia a seu
ápice. A condição básica do andar-compor estava finalmente morta. Os rostos das
pessoas, das ruas e da cidade, que Adoniran tanto procurava, estavam se
perdendo para sempre.
Talvez não tenha sido
coincidência o afastamento entre Adoniran e seus grandes intérpretes, Os
Demônios da Garoa. Há diferentes versões a respeito do motivo. De qualquer
maneira, ficava explícito que o samba afastava-se de suas vozes, sendo tal
ruptura um aspecto da cisão entre o atuar e o compor. Nos últimos anos,
Adoniran se fez acompanhar por um novo regional, o grupo Talismã. O samba já
não morava mesmo no Brás. Arnesto saiu, nem deixou o esperando recado na porta.
Há muito o cantor denunciava o rompimento dos compromissos sócio-culturais de
uma cidade. É essa quebra de compromissos que se torna estrondosa a partir dos
anos 60, e mais demolidora ainda nos 70.
Dos tanguinhos de
Zequinha de Abreu, dos maxixes das “sociedades” paulistanas, das batucadas
comunitárias do Largo da Banana, na Barra Funda, das ruas do Parque Peruche e
das ladeiras do Bixiga, chegava-se ao rádio e ao disco. Dos anos 30 aos 50, sob
a égide do rádio, a música urbana foi perdendo o seu poder de reforçar as
relações de solidariedade e de vizinhança, definindo-se como canção de consumo
e de massa. Quando esse processo atinge o seu ponto crítico, nos anos 60, os
valores comunitários foram expulsos de vez da canção – definitivamente não se
fazia mais músicas para vizinhos, para o bairro, para os rituais e as festas do
lugar. O músico popular não era mais expressão direta de uma coletividade, mas
fruto da estratégia traçada pelos meios de comunicação de massa. Ele não era
mais “descoberto” nas ruas e depois propagado pela mídia; ele é porque resulta
de uma “programação”. O músico (popular) tendia a se tornar uma extensão da
indústria do disco, do rádio, da TV e do VT. Desse modo, o espaço de autonomia,
de livre criação (não produzir canções exclusivamente “comerciais”), tende
mesma a ser anulado? Ou criam-se
outros?
No começo foi a rua. Mas na década de 60, um dos espaços mais criativos
foi o “cantinho”. A expulsão do artista das ruas (ou a sua retirada estratégica?)
transportou-o para a penumbra das boites e para o cantinho dos
apartamentos. Era a bossa- nova coma sua canção elaborada e intimista, com o
seu tom coloquial:
“Um cantinho, um violão
Este amor, uma canção....”
Eram Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça que cantavam através de João
Gilberto. A cidade passava a ser captada a partir do interior:
“da janela vê-se o Corcovado
O Redentor, que lindo!”
Adoniran no Bixiga em 1978 |
Entretanto, quando chegávamos no ano de 1967, talvez os últimos
cantinhos já tivessem sido neutralizados. Pelo menos os seus músicos e
cantores, os que mais brilharam, já estavam produzindo a canção com gesto, com
mise-en-scêne, muitas vezes com arroubos melodramáticos, como fazia Elis
Regina no programa de televisão O Fino da Bossa (TV Record). O palco, o
programa de TV, os Festivais de música popular brasileira contribuíam para a
canção do espetáculo. O cantor já se distanciava das ruas e mesmo do seu
cantinho: transformava-se em um dos criadores da linguagem dos mídia, do
espetáculo que ele proporcionava. O que estava acontecendo? Será que o músico
popular tendia a se tornar um servidor dos meios de comunicação de massa,
perdendo o seu espaço de criação e de crítica?
Provavelmente a resposta mais audaciosa tenha vindo com Caetano Veloso,
Gilberto Gil, o poeta Torquato Neto e o maestro Rogério Duprat: A Tropicália.
Tratava-se de usa o espaço do espetáculo, participar dele, para expô-lo através
de significações que ficavam encobertas pelo vozerio da MPB. A Tropicália não
nascia para denunciar, para fazer crítica social, mas para inverter o sentido
do espetáculo. Como? Pelo ato antropofágico (ato estético preconizado pelo
poeta modernista Oswald de Andrade). Para o tropicalista, praticar essa
antropofagia cultural significava deglutir tudo aquilo que os meios de
comunicação veiculavam, assimilando e utilizando as informações (gêneros
musicais, telenovelas, literatura, etc.), e criando, a partir daí, uma nova
mensagem. Gêneros musicais diferentes e “concorrentes” (baião, iê-iê-iê, música
erudita contemporânea, etc.), imagens conflitantes (as que traduziam o atrasado
e o moderno) faziam parte de uma mesma canção.
Na contracapa do LP Tropicália ou Panes et Circensis (1968), o
maestro Rogério Duprat provocava: “...como receberão a notícia de que um disco
é feito para vender?”. Esforçava-se por denunciar que o músico já não podia
pensar em si como um “passarinho” pelas ruas da cidade. Nem mesmo teria a
liberdade intimista de um “cantinho”. Estava, sim, condenado a se perceber como
produtor de mercadorias – para as massas.
Assim, o último rosto que Adoniran tanto procurava nas ruas chegava ao
fim. O seu destino: finalmente, a multidão. Impossível buscá-la nesse imenso
buraco urbano sem fundo. Ou para buscá-lo já não se podia andar a pé.
Estávamos bem longe do idílico Luar do Sumaré, de Décio Pacheco
da Silveira, e bem mais distante das valsas de Martins Fontes e de Alberto
Marino do início do século. E mesmo da mais recente Praça Clóvis, de
Paulo Vanzolini, compositor que, como Adoniran sofria a angústia da busca pelos
rostos da cidade. O seu samba-canção Ronda é um dos exemplos mais desesperados:
“De noite
Eu rondo a cidade
A te procurar
Sem encontrar
No meio de olhares espio
Em todos os bares
Você não está...”
No final da década de 70, há ainda quem queira cantar a cidade. Mas como
fazer isso, se o seu músico não consegue interromper, através de sua canção, os
passos apressados do homem que passa, nem reter a cidade em seu movimento? O andar-compor aí não teria mais caminho:
aderiria e perder-se-ia no vozerio surdo da multidão. Portanto, decifrar
musicalmente o exterior, opor-se ao caminhar sem rosto à procura de sua
identidade, torna-se-ia extremamente problemático. Isolado em relação ás ruas,
a única saída seria tentar interromper o fluxo das linguagens que a multidão
transporta: a canção de consumo, os quadrinhos, a TV, etc., invertendo-lhes os
significados, desconcertando-os aos olhos e aos ouvidos do público.
Alguns músicos populares optaram, naquele final de década,
por essa via. Em São Paulo, Arrigo Barnabé estruturava sua mensagem com a
utilização da música atonal e a linguagem dos quadrinhos. Em 1980, gravava Clara
Crocodilo (LP), personagem visto como “um perigoso marginal”, que se o
ouvinte prestar atenção, poderá ser “confundido” com o próprio disco de Arrigo
ou com a sua própria música. Em outras palavras, o personagem da música popular
não é mais um objeto exterior captável pelo compositor. Ele não surge como
alguém (real ou fictício) que a canção revela. Clara Crocodilo percorre
os quadrinhos, as “tiras” musicais, sem as quais não existiria.
De uma forma ou de outra, artistas e grupos arriscaram-se a
cantar a cidade: Itamar Assumpção, Premê (Premeditando o Breque), Grupo Rumo e
outros. O Premê, por exemplo, ridicularizando e/ou parodiando canções e outros
discursos: ao cantarem a sua São Paulo, São Paulo, realizam uma paródia
do hit internacional New York, New York, mostrando São Paulo como um
avesso – uma grande metrópole subdesenvolvida – onde não há mais lugar para
sambistas e boêmios líricos como Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini.
Adoniran Barbosa viveu intensamente todo esse processo,
debatendo-se entra a sua sedução pela cidade que crescia e a sua resistência em
aceitar que o samba “comunitário” (aquele que havia sido combinado com o
“Arnesto) e a solidariedade tradicional entre os vizinhos fossem dilacerados. E
nessa luta ele avançou envolvendo-se com a linguagem cotidiana do progresso, na
busca desesperada pelos últimos gestos, pelas últimas fisionomias. Nos últimos
anos de sua vida, Adoniran, vivendo de alguns shows, participações esporádicas
em programas de TV e de alguns jingles, no processo de desfiguração de sua máscara,
atingia um público diferente daquele de sua grande fase no rádio, um público
constituído mais de universitários e intelectuais do que de ouvintes dos lares
paulistanos comuns. O novo circuito, matando a lembrança do rádio tradicional,
apagando-lhe a memória sepultava as múltiplas vozes que Adoniran interpretou.
A imagem que ficou, apesar de tão forte e verdadeira, onde o
seu olhar é vivo, é aquela marcada pela presença de sua gravatinha borboleta,
do seu cachecol, do seu paletó e do seu chapéu. Segundo testemunhas, esses
aspectos da imagem foram resultados de seus problemas de saúde, defesas que
adotou. Porém, houve, por parte do cantor, uma escolha, salientando tão bem a
sua última grande imagem, esforço para impedir a diluição de sua identidade. Nesse
sentido, Adoniran foi os personagens que cantou: Matogrosso e Joca, Mané, Inês,
Iracema, que iam sendo tragados pelo “progréssio”. O artista popular é aquele
que não aspira à imortalidade, mas que quer resistir contra o desaparecimento
de sua persona em cada novo passo pelo qual avança. Eis a sua última viagem.
Sua morte ocorreu em 23 de novembro de 1982, segundo o laudo
oficial, por insuficiência cardíaca. O enterro, de acordo com o Jornal da
Tarde (24.11.1982), “tinha no máximo 500 pessoas (...) Mas só gente
respeitável. Compositores, cantores, músicos, velhos companheiros de boêmia, pessoal
de escola de samba, sua mulher, seus amigos, populares. Nenhuma autoridade,
como disse o maestro Júlio Medaglia, ‘graças a Deus (...) Adoniran devia estar
feliz. Pois foi uma festa bem ao seu estilo”.
Adoniran morreu. Como um grande. Segundo a Folha de S.
Paulo, deixou como herança “uma residência em São Paulo, uma aposentadoria
de 125 mil cruzeiros e a quantia de 60 mil cruzeiros por trimestre, referente a
direitos autorais”. Herança de quem lutou muito pela vida. Mas que isso,
deixou-nos seus sons e imagem a chave para entendermos a história da cultura e
da arte de uma grande cidade. Uma Prova de Carinho, para citarmos um
samba que compôs com Hervê Cordovil (outro grande músico paulista) em 1960, e
em homenagem à sua mulher, Mathilde.
Adoniran no Bixiga, 1978 |
Fica-nos essa imagem.
Publicado originalmente
por KRAUSCHE, Valter. Adoniran Barbosa.
São Paulo: Brasiliense, 1985.
Um comentário:
Excelente texto,realmente.
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