sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Grandes matérias esportivas do Jornal da República: “Este jogo foi um conflito de gerações” (29/10/1979)

SANTOS 3, SÃO PAULO 0

 

Este jogo foi um conflito de gerações



De um lado, a juventude de Pita e João Paulo. De outro, o cansaço de Edu e Teodoro

 

RICARDO KOTSCHO

 

Última grande estrela da belle-epoque do futebol paulista, ele não foi visto pelos que foram ontem à tarde ao Morumbi. Como nos tempos do seu reinado, “eu e o Getúlio ficamos 15 anos no poder”, João Mendonça Falcão, 63 anos, barba branca por fazer, calças e sapatos brancos, depois de três meses de ausência do futebol voltou a ser a principal atração do “pátio de milagres”, como é conhecido o saguão dos vestiários do Morumbi.

Falcão foi o mais malhado dirigente esportivo de todos os tempos e dá risada quando lê os jornais de hoje em dia. “Essa imprensa está acomodada pra burro. Eu levava pau todo dia...” E ele tem toda a razão: faltando meia hora para começar o jogo, o Morumbi ainda está semi-deserto, as torcidas muito comportadas, não há mais aquela guerra dos tempos em que Falcão emprestava dinheiro da Federação Paulista de Futebol para o Corinthians comprar Paulo Borges e Zé Maria, o Santos trazer Carlos Alberto e Rildo do futebol carioca e o Palmeiras ganhar a briga por Ademir da Guia.

“Acabaram as estrelas”, diz ele, sem incluir na lista, humildemente, o próprio Falcão, que agitava a brincadeira e fazia o futebol ser o melhor programa do domingo à tarde em São Paulo. Tão nostálgico anda Falcão que ele sente saudades até de Paraná e Vitor, jogadores do São Paulo sem tantos recursos que entravam em campo para dar porrada: “Cada porrada que o Vitor dava no Pelé fazia o estádio inteiro se levantar. E hoje quem acaba com quem? É tudo japonês, uma japonesada danada...”.

Mais da metade do Morumbi está vazio quando o Santos entra em campo, já meio cansado, com aquela má vontade de quem vai apenas cumprir a rotina. Daquele futebol cheio de truques, mandingas, safadeza e muita graça dos tempos de Falcão só está em campo a velha fotógrafa Meire, tirando aquelas fotos pousadas dos times que nunca saem em jornal nenhum.

No que o Santos deu a saída, Juari foi com tudo em cima da defesa do São Paulo. Menos de um minuto, primeira falta. E hoje, Ailton Lira, o terror da bola parada, está em campo. Mas chuta em cima da barreira. O Santos solta seus dois pontas malucos, Nílton Batata e João Paulo, em cima de Antenor, de volta depois de quatro meses de ausência. O Santos precisa de um ponto hoje para garantir a sua classificação e vem matando em cima do São Paulo, que parece estar saindo direto de uma bela feijoada. Juari e Rubens Feijão fazem pizza em cima de Chicão, Estevam e Bezerra. Aos cinco minutos, num contra-ataque rápido, Ailton Lira lança Juari pelo alto. Bezerra bobeia e está feito o primeiro gol: um leve toque na saída de Valdir Perez, Santos 1 a 0. E o massacre continua. Com dez minutos de jogo, o São Paulo ainda não conseguiu passar do meio de campo. Até o pequeno Nélson, refugo do São Paulo que o Santos levou, arrisca-se a chutar ao gol. Zé Sérgio, a grande arma do São Paulo, ainda não pegou na bola.

O São Paulo vai de Edu, que remédio? Ele sofre falta e ele mesmo bate, uma pancada que raspa a trave. O goleiro do Santos inspira tanta confiança que em vez dele orientar a barreira é a barreira que orienta Flávio. Zé Sérgio, deslocado para a ponta-direita, dá um chutinho e Flávio quase aceita. O São Paulo começa a fazer todo o seu jogo em cima de Zé Sérgio e o Santos faz o de costume: dá pau.

Os meninos da Vila cansaram-se logo e o provecto meio campo do São Paulo consegue equilibrar as coisas quando o jogo chega à primeira meia hora. Antenor bate um meio escanteio pela direita, Serginho tenta um bate-pronto, erra, mas mesmo assim Flávio quase consegue colocar a bola para dentro. Com seu elegante conjunto cor de vinho, Flávio é, a essa altura, a grande esperança da torcida do São Paulo. E o Santos bota todo mundo em cima de Zé Sérgio para garantir, como o São Paulo fazia quando havia um certo camisa 10 no Santos. A batucada da torcida do São Paulo está que nem o time: parece uma gravação. O Santos quase faz o segundo num vídeo-taipe do primeiro gol, mas Juari desta vez chuta para fora. Na sequência, Zé Sérgio empata, mas Ayeta anula o gol, alegando falta de Serginho em Flávio.

O jogo já estava dando sono quando Nilton Batata acordou e deu um passeio em cima de Chico Fraga, que consegue ser o pior na defesa do São Paulo. Batata vê Juari livre na área, este vai à linha de fundo e centra para trás, na medida para Rubens Feijão que, com calma, mete no meio do gol, sem, chance para Valdir Perez. Santos, 2 a 0. A coisa pega fogo. O São Paulo dá a saída, Edu centra e Rubens Feijão mete a mão na bola de bobeira. Pênalti que Serginho chuta em cima de Flávio, que defende com os pés, a bola bate no travessão e na volta o goleiro consegue mandar para longe.

O Santos volta para o segundo tempo trocando passes e o São Paulo fica só cercando, olhando. O problema do São Paulo com o Santos é um conflito de gerações, insolúvel. Aqueles senhores Chicão, Teodoro, Bezerra, Edu sentem-se impotentes diante da molecada do Santos. Com seu boné branco de técnico argentino e aquele ar que já nasceu cansado, Pepe vê o Santos perder um gol atrás do outro, brincando. Chicão entra para quebrar Rubens Feijão e não tinha outro jeito, já estava virando baile. Só Nilton Batata perdeu três gols feitos e ainda estamos em dez minutos do segundo tempo. Moleza como esse Chico Fraga ele nunca mais vai pegar. Mário Juliato, que dizem ser o técnico do São Paulo, resolve tomar uma providência: chama de uma vez Luis Muller e Jaime e, enquanto eles se aquecem, Juari faz o terceiro aos 13 minutos: João Paulo centra da esquerda, a bola bate no baixo ventre de Juari e entra para o desespero de Valdir Perez. Santos 3 a 0.

Saem Estevam e Chicão, mas a esta altura poderia sair qualquer um e entrar qualquer outro destas preciosidades que Juliato tem no banco, que daria na mesma. O Santos passeia em campo como se não tivesse adversário. E antes do jogo Juliato ainda anunciou que este seria o time-base do São Paulo para disputar as finais. Então, ótimo: agora, ele já sabe que faltam onze. Mas até que a torcida se diverte. Aos 25 minutos, num centro de Jaiminho, Edu e Serginho dão uma bela trombada dentro da área. Não há feridos. No Morumbi, cada um se diverte como pode: Ayeta distribui cartões amarelos como se fosse sopa do falecido Zarur. A torcida do Santos – veio gente até de Monte Sião, Minas Gerais – pede mais um, mais um, e é justo. Meia hora do segundo tempo, Ailton Lira sai de campo, aplaudido de pé, para entrar Pita, mas o jogo propriamente dito já acabou. Em campo, todos parecem satisfeitos com o resultado.

 

O JOGO FOI ASSIM:

Santos- Flávio; Nelson, Cassiá, Fernando e Gilberto; Gilberto Costa, Ailton Lira (Pita) e Rubens Feijão; Nilton Batata, Juari e João Paulo.

São Paulo- Valdir Perez; Antenor, Estevam (Jaime), Bezerra e Chico Fraga; Chicão (Luis Muller), Teodoro e Jaiminho; Edu, Serginho e Zé Sérgio.

Juiz- João Leopoldo Ayeta

Renda- 1.585.110.000 com 28.607 pagantes.

 

Publicado originalmente no Jornal da República em 29 de outubro de 1979, edição 55

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