SANTOS 3, SÃO PAULO 0
Este jogo foi um
conflito de gerações
De um lado, a juventude
de Pita e João Paulo. De outro, o cansaço de Edu e Teodoro
RICARDO KOTSCHO
Última grande estrela
da belle-epoque do futebol paulista, ele não foi visto pelos que foram ontem à
tarde ao Morumbi. Como nos tempos do seu reinado, “eu e o Getúlio ficamos 15
anos no poder”, João Mendonça Falcão, 63 anos, barba branca por fazer, calças e
sapatos brancos, depois de três meses de ausência do futebol voltou a ser a
principal atração do “pátio de milagres”, como é conhecido o saguão dos
vestiários do Morumbi.
Falcão foi o mais
malhado dirigente esportivo de todos os tempos e dá risada quando lê os jornais
de hoje em dia. “Essa imprensa está acomodada pra burro. Eu levava pau todo
dia...” E ele tem toda a razão: faltando meia hora para começar o jogo, o
Morumbi ainda está semi-deserto, as torcidas muito comportadas, não há mais
aquela guerra dos tempos em que Falcão emprestava dinheiro da Federação
Paulista de Futebol para o Corinthians comprar Paulo Borges e Zé Maria, o
Santos trazer Carlos Alberto e Rildo do futebol carioca e o Palmeiras ganhar a
briga por Ademir da Guia.
“Acabaram as estrelas”,
diz ele, sem incluir na lista, humildemente, o próprio Falcão, que agitava a
brincadeira e fazia o futebol ser o melhor programa do domingo à tarde em São
Paulo. Tão nostálgico anda Falcão que ele sente saudades até de Paraná e Vitor,
jogadores do São Paulo sem tantos recursos que entravam em campo para dar
porrada: “Cada porrada que o Vitor dava no Pelé fazia o estádio inteiro se levantar.
E hoje quem acaba com quem? É tudo japonês, uma japonesada danada...”.
Mais da metade do
Morumbi está vazio quando o Santos entra em campo, já meio cansado, com aquela
má vontade de quem vai apenas cumprir a rotina. Daquele futebol cheio de
truques, mandingas, safadeza e muita graça dos tempos de Falcão só está em
campo a velha fotógrafa Meire, tirando aquelas fotos pousadas dos times que
nunca saem em jornal nenhum.
No que o Santos deu a
saída, Juari foi com tudo em cima da defesa do São Paulo. Menos de um minuto,
primeira falta. E hoje, Ailton Lira, o terror da bola parada, está em campo.
Mas chuta em cima da barreira. O Santos solta seus dois pontas malucos, Nílton
Batata e João Paulo, em cima de Antenor, de volta depois de quatro meses de
ausência. O Santos precisa de um ponto hoje para garantir a sua classificação e
vem matando em cima do São Paulo, que parece estar saindo direto de uma bela
feijoada. Juari e Rubens Feijão fazem pizza em cima de Chicão, Estevam e
Bezerra. Aos cinco minutos, num contra-ataque rápido, Ailton Lira lança Juari
pelo alto. Bezerra bobeia e está feito o primeiro gol: um leve toque na saída
de Valdir Perez, Santos 1 a 0. E o massacre continua. Com dez minutos de jogo,
o São Paulo ainda não conseguiu passar do meio de campo. Até o pequeno Nélson,
refugo do São Paulo que o Santos levou, arrisca-se a chutar ao gol. Zé Sérgio,
a grande arma do São Paulo, ainda não pegou na bola.
O São Paulo vai de Edu,
que remédio? Ele sofre falta e ele mesmo bate, uma pancada que raspa a trave. O
goleiro do Santos inspira tanta confiança que em vez dele orientar a barreira é
a barreira que orienta Flávio. Zé Sérgio, deslocado para a ponta-direita, dá um
chutinho e Flávio quase aceita. O São Paulo começa a fazer todo o seu jogo em
cima de Zé Sérgio e o Santos faz o de costume: dá pau.
Os meninos da Vila
cansaram-se logo e o provecto meio campo do São Paulo consegue equilibrar as
coisas quando o jogo chega à primeira meia hora. Antenor bate um meio escanteio
pela direita, Serginho tenta um bate-pronto, erra, mas mesmo assim Flávio quase
consegue colocar a bola para dentro. Com seu elegante conjunto cor de vinho,
Flávio é, a essa altura, a grande esperança da torcida do São Paulo. E o Santos
bota todo mundo em cima de Zé Sérgio para garantir, como o São Paulo fazia quando
havia um certo camisa 10 no Santos. A batucada da torcida do São Paulo está que
nem o time: parece uma gravação. O Santos quase faz o segundo num vídeo-taipe
do primeiro gol, mas Juari desta vez chuta para fora. Na sequência, Zé Sérgio
empata, mas Ayeta anula o gol, alegando falta de Serginho em Flávio.
O jogo já estava dando
sono quando Nilton Batata acordou e deu um passeio em cima de Chico Fraga, que
consegue ser o pior na defesa do São Paulo. Batata vê Juari livre na área, este
vai à linha de fundo e centra para trás, na medida para Rubens Feijão que, com
calma, mete no meio do gol, sem, chance para Valdir Perez. Santos, 2 a 0. A
coisa pega fogo. O São Paulo dá a saída, Edu centra e Rubens Feijão mete a mão
na bola de bobeira. Pênalti que Serginho chuta em cima de Flávio, que defende
com os pés, a bola bate no travessão e na volta o goleiro consegue mandar para
longe.
O Santos volta para o
segundo tempo trocando passes e o São Paulo fica só cercando, olhando. O
problema do São Paulo com o Santos é um conflito de gerações, insolúvel.
Aqueles senhores Chicão, Teodoro, Bezerra, Edu sentem-se impotentes diante da
molecada do Santos. Com seu boné branco de técnico argentino e aquele ar que já
nasceu cansado, Pepe vê o Santos perder um gol atrás do outro, brincando.
Chicão entra para quebrar Rubens Feijão e não tinha outro jeito, já estava
virando baile. Só Nilton Batata perdeu três gols feitos e ainda estamos em dez
minutos do segundo tempo. Moleza como esse Chico Fraga ele nunca mais vai
pegar. Mário Juliato, que dizem ser o técnico do São Paulo, resolve tomar uma
providência: chama de uma vez Luis Muller e Jaime e, enquanto eles se aquecem,
Juari faz o terceiro aos 13 minutos: João Paulo centra da esquerda, a bola bate
no baixo ventre de Juari e entra para o desespero de Valdir Perez. Santos 3 a
0.
Saem Estevam e Chicão,
mas a esta altura poderia sair qualquer um e entrar qualquer outro destas
preciosidades que Juliato tem no banco, que daria na mesma. O Santos passeia em
campo como se não tivesse adversário. E antes do jogo Juliato ainda anunciou
que este seria o time-base do São Paulo para disputar as finais. Então, ótimo:
agora, ele já sabe que faltam onze. Mas até que a torcida se diverte. Aos 25
minutos, num centro de Jaiminho, Edu e Serginho dão uma bela trombada dentro da
área. Não há feridos. No Morumbi, cada um se diverte como pode: Ayeta distribui
cartões amarelos como se fosse sopa do falecido Zarur. A torcida do Santos –
veio gente até de Monte Sião, Minas Gerais – pede mais um, mais um, e é justo.
Meia hora do segundo tempo, Ailton Lira sai de campo, aplaudido de pé, para
entrar Pita, mas o jogo propriamente dito já acabou. Em campo, todos parecem
satisfeitos com o resultado.
O JOGO FOI ASSIM:
Santos- Flávio; Nelson,
Cassiá, Fernando e Gilberto; Gilberto Costa, Ailton Lira (Pita) e Rubens Feijão;
Nilton Batata, Juari e João Paulo.
São Paulo- Valdir
Perez; Antenor, Estevam (Jaime), Bezerra e Chico Fraga; Chicão (Luis Muller),
Teodoro e Jaiminho; Edu, Serginho e Zé Sérgio.
Juiz- João Leopoldo
Ayeta
Renda- 1.585.110.000
com 28.607 pagantes.
Publicado originalmente
no Jornal da República em 29 de
outubro de 1979, edição 55
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