FIGUEIREDO/CORINTHIANS
A festa de Dona Marlene
A primeira dama do
Corinthians roubou o banquete ludo-político
RICARDO KOTSCHO
Estavam presentes o
presidente da República, três ministros de Estado, os comandantes militares em
São Paulo, o governador, o prefeito e demais altas autoridades civis e
militares. Mas o dono da festa foi uma mulher, Marlene Matheus, a primeira dama
do Corinthians. Vestida num longo alvinegro, dona Marlene não cabia em si de
contente e desbancou o governador Paulo Maluf na tarefa de puxar o presidente
Figueiredo pelo braço. Tão feliz estava a primeira dama corintiana, nesta
gloriosa festa dos 69 anos do Sport Club Corinthians Paulista, que ela já fazia
planos para o futuro, anunciando que daqui a um mês, quando o presidente da
República voltar a São Paulo para o lançamento da pedra fundamental do novo
estádio do clube, “nós vamos colocar dois milhões de corintianos na rua”. Dona
Marlene até ganhou um troféu junto com os campões paulistas de 77.
Logo na entrada do
ginásio, palco do banquete para duas mil pessoas (posta de peixe grelhada com
salada “wadorf”, camarão com molho remolhado, supremo de frango com risoto e
champingnons à provençal, maçã glacê), um imenso painel com as cores do Brasil
e do Corinthians e as efigies de Figueiredo e Matheus; bandeirinhas alvinegras
de graça para todos. Quando o presidente entrou, a banda da PM tascou o hino do
Corinthians (Matheus queria o Hino Nacional, mas o Palácio do Planalto vetou),
todos acenaram as bandeirinhas e Figueiredo logo recebeu uma de dona Marlene,
para acenar também.
Há muito não se via uma
festa tão autenticamente tropical. Políticos, cartolas, jogadores e
treinadores, conselheiros do clube e suas digníssimas, todos confraternizavam
no imenso tablado decorado com cravos brancos e vermelhos. Havia até
representantes das torcidas organizadas – Atômico, Estopim, Mosqueteiros do
Timão, etc – devidamente acomodados no seu lugar de sempre: nas arquibancadas.
Um coro de 270 sócias-atletas do Corinthians, fantasiadas, começou a gritar
Figueiredo, Matheus/Figueiredo, Matheus. Figueiredo abriu uma exceção e se
dispôs a falar à imprensa. Em sua única declaração em São Paulo revelou que era
corintiano desde os seis anos de idade. A veteraníssima repórter Clarice
Amaral, emocionadíssima, parecia uma principiante ao microfone: “Conseguimos
captar algumas palavras do presidente”. E, ao contínuo, Matheus lascou lá seu
pronunciamento, da lavra de seu eterno ghost-writer Mário Campos: “Corinthians,
senhor presidente, é um potencial de desenvolvimento patrimonial e esportivo,
que, quando plenamente atingido, o situará como verdadeira linha auxiliar do
poder público (...)”.
O centroavante Palhinha
também tentou puxar o banquete mas para o lado, por assim dizer, político-sindical,
mas não foi feliz. Ao topar com o ministro do Trabalho, Murillo Macedo,
falou-lhe das agruras dos jogadores e do protesto que entregou ao presidente da
Federação Paulista de Futebol contra o maluco calendário do campeonato. Inútil.
O inefável Macedo respondeu com outra pergunta, mais mansa: “Você é mineiro de
onde?”. De Belo Horizonte, respondeu Palhinha. “Pois eu sou de Sete Lagoas”,
retrucou o ministro do Trabalho. E todos atacaram as atrações do banquete, que
estava muito gostoso, segundo comentários ouvidos pela reportagem.
A “Fiel” ficou de fora.
Como sempre
Mas Elisa,
torcedora-símbolo, disse: “Meu Curíntia é meu país!”
TONICO DUARTE
O deputado Biro-Biro
chegou esbaforido. Terno cinza de colete e tudo, novinho, comprado em crediário
de loja popular. Queria saber se teria de “falar com o hôme”. Antes de mais
nada, é bom esclarecer que o “homê” era o general Figueiredo, que ontem, tentou
ser mais João do que nunca, ao comparecer ao banquete de aniversário do Sport Club
Corinthians Paulista, também conhecido como “Timão”. Biro-Biro, que na última
eleição recebeu mais votos do que muito parlamentar, deveria ter perguntado a
seu colega Nabi Abi Chedid, que passava ao largo, pouco antes da chegada
presidencial: “Acho que vou ficar apavorado se ele me perguntar sobre aqueles
votos que tive”, confessava Biro-Biro. “Já pensou se ele me pergunta? O que é
que eu vou dizer?”.
Mas o “home” chegou e
não houve nada de apocalíptico – a não ser a parafernália de sempre: batedores
com sirenes a toda chega-pra-lá de agentes de segurança (delicadamente, como
mandam os tempos de abertura), gritinhos dos que ficaram fora da festa, etc.
Estava armada a grande festa-modelo “glamour patropi” para receber o presidente
da República. De um lado, solícito e elegante, o outro mandachuva do evento,
Vicente Matheus: “Só o Corinthians consegue trazer um presidente da República,
clube nenhum mais pode. Por isso estou orgulhoso e emocionado”.
Lá fora, o povão sofria
espasmos de satisfação. O presidente chegou de terno cinza escuro, e muitos
lembravam que ele trazia estampado um ar mais saudável do que Geisel, presente
ao Corinthians no ano passado. Só uma decepção, de Tuim, um velho torcedor: “Nossa,
como ele é baixinho! É quase da altura do Matheus. Sabe como é, a gente vê
aquelas fotos dele fazendo ginástica e imagina que seja do tamanho do Jairo (o
goleiro do Corinthians de quase 2 metros de altura)”.
Dona Marlene Matheus
esteve vigilante para que tudo corresse bem de acordo com o figurino. Já de
manhã, ela saiu de casa e foi direto comprar uma grava para Geraldão, o
centroavante. Geraldão não tinha gravata para a grande festa.
De noite, do lado de
fora do ginásio, a segurança se encarregava de barras qualquer pretensão da “Fiel”
de ver o João de perto. Só Elisa, a torcedora-símbolo, teve a sua chance.
Peruca caju enroladinha, vestido soirée preto de rendas e catim, ela olhou para
o João, abria o sorriso desdentado e não se conteve: “Ah, esse meu Curíntia é
um país!”.
Publicado originalmente
no Jornal da República em 29 de
setembro de 1979, edição 30
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