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quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Vida de Jornalista II de IV: A primeira reportagem

 


     Por Luiz Carlos Ramos

           

            Tenho certeza de que meus olhos brilharam. Meu estilo otimista me dizia que, com paciência e determinação, eu seria aprovado nos testes, mas sem subestimar as barreiras. Como seria aquele mês? Eu teria de levantar cedo, ir até o “Jornal da Tarde” para pegar a pauta do tema de minha reportagem do dia, ir ao local estabelecido, levantar todas as informações, e deixar para escrever o texto à noite, no próprio “JT”. Tomar um lanche da hora do almoço, correr para a “Última Hora” e cuidar do habitual trabalho de cobrir os clubes pelo telefone até às 18 horas, escondendo do Paes Leme minha possibilidade de mudar de emprego. Em seguida, voltar para o novo jornal.

            Um jornal? Não. Na realidade, dois: a mesma equipe de jornalistas que produzia a seção de Esportes do “Jornal da Tarde” era responsável pelo semanal “Edição de Esportes de O Estado de S. Paulo”, apelidada de “Estadinho”, lançada em setembro de 1964 para circular aos domingos à noite, com cobertura dos jogos do fim de semana. Era uma alternativa moderna em relação à tradicional “A Gazeta Esportiva”, com a vantagem de evitar submissão aos dirigentes de futebol.

            Mino Carta, primeiro editor-chefe do “Estadinho”, fez daquele pequeno laboratório para formar e treinar a equipe que ele comandaria no lançamento do “JT”, em 4 de janeiro de 1966. Mino, extrovertido, arrojado e vaidoso, demitiu-se em 1968 para lançar a revista semanal “Veja”, levando vários integrantes do time. E Murilo Felisberto, discreto, mas genial, assumiu o comando do “JT”.

            Portanto, por algum tempo, naquele final de 1966, eu estaria a serviço da “UH”, do “JT” e do semanário – este já nas mãos de outro grande jornalista, Sebastião Gomes Pinto, o Tão. Fiquei conhecendo o próprio Tão, os excelentes repórteres José Maria de Aquino, Vital Battaglia, Tim Teixeira, Luciano Ornelas, Darci Higobassi e outros; os redatores João Werneck, Otoniel dos Santos Pereira e José Carlos Abbate, e os colunistas Mauro Pinheiro e Cláudio Carsughi. Eles seriam meus companheiros somente após a esperada aprovação nos testes.

            Da primeira reportagem, a gente jamais esquece. Minha tarefa na segunda-feira, 18 de outubro, foi entrevistar o goleiro Heitor, do Corinthians, acusado de falhar em três dos gols da derrota por 4 a 3 diante do Noroeste, em pleno Parque São Jorge. A torcida corintiana estava revoltada com ele. Seu futuro no clube ficou em risco. Cheguei bem cedo à Redação do “JT”, li a pauta, peguei o endereço do Heitor, um apartamento no Tatuapé, perto do clube. Ao contrário das limitações impostas pela “Última Hora” em crise, o “Jornal da Tarde” dispunha de todos os recursos para o trabalho externo dos repórteres. Passei pelo Departamento de Fotografia, ao lado da Redação, e me apresentei ao experiente Arnaldo Fiaschi, escalado para ser meu parceiro na missão de estreia. Boa gente, Arnaldo me contou que havia trabalhado na “Gazeta Esportiva” e que cobriu a Copa de 1962, no Chile. Descemos até a garagem do prédio, entramos numa van e seguimos para a Zona Leste.

            Encontramos um Heitor abatido, ao lado da esposa, Dilma, e tendo aos braços o filho de apenas 7 meses. Explicou que no sábado, dia 16, ele amanheceu com forte gripe, mas aceitou entrar em capo, à tarde. Admitiu ter falhado em dois gols no Noroeste, principalmente no decisivo, de Lourival, aos 44 minutos do segundo tempo. E contou sua história no futebol.

Em 1963, o mineiro Heitor Amorim Perroca, era do São Cristóvão, do Rio de Janeiro, ao ser contratado pelo Corinthians, dois meses depois de ter vestido a camisa da seleção brasileira nas vitórias contra o Uruguai (3 a 1) e o Chile (3 a 0), pelo Campeonato Pan-Americano. No clube alvinegro, onde Cabeção e Aldo se revezavam, Heitor estreou em 14 de julho, em Bauru, com derrota por 2 a 1 contra o mesmo Noroeste de seu drama. Teve boa atuação e virou titular. Em 1964, ele foi aplaudido como herói, ao defender um pênalti cobrado por Pelé, garantindo o 1 a 1 contra o Santos, líder, no Pacaembu. Foi em 1º de outubro, jogo remarcado porque havia sido interrompido, em 20 de setembro, aos 6 minutos do primeiro tempo, quando desabou uma parte da arquibancada da Vila Belmiro. No tumulto, o alambrado foi derrubado e o campo, invadido. Quase 200 pessoas ficaram feridas.

“E agora?”, perguntei a Heitor, que admitiu: “A vida de goleiro é a constante oscilação entre herói e vilão. Espero ter chance de reagir”.

A história era mesmo boa. Só faltava botar no papel. Troquei ideias com o fotógrafo Arnaldo, guardei as anotações, e voltei ao “JT”, à noite, para fazer o texto. “Pode escrever tudo o que você tem”, disse Hamiltinho. “Na hora de editar, a gente pode enxugar”. Fiquei perto de três horas teclando a máquina Olivetti, e entreguei sete laudas aos editores. “Amanhã a gente conversa”, avisou Pompeu. Me despedi.

No dia seguinte, abri as páginas do “JT” e vi, com orgulho, minha reportagem. Não estava assinada e, mesmo tendo sido resumida pelos redatores, ocupou página inteira do jornal, com uma bela foto tirada pelo Arnaldo Fiaschi.

Durante a semana, continuei lutando para conseguir o emprego, enquanto Heitor ia perdendo o dele. Jamais voltou a jogar pelo Corinthians: seu contrato foi rescindido. Em três anos, disputou 115 jogos, sofreu 137 gols. Depois, atuou no Juventus, de São Paulo, e em outros clubes. O emprego do técnico Filpo Nuñez também não durou muito. O clube havia perdido a liderança do campeonato para o Palmeiras na derrota para o Noroeste, foi mal em sete outros jogos, e Filpo acabou sendo demitido.

Personagens sobem. E caem. Ás vezes, mergulham no esquecimento. Em 15 de agosto de 2018, uma pequena rota num jornal chamou minha atenção: “Heitor, goleiro do Corinthians nos anos 1960, faleceu ontem, aos 77 anos, de insuficiência cardíaca, em Ubatuba-SP. Após deixar o futebol, foi pastor do movimento evangélico Testemunhas de Jeová. Deixa esposa e três filhos”.

Faço uma pausa neste texto, para lamentar, em silêncio. Silêncio e saudade.

 

Retirado de: RAMOS, Luiz Carlos. Vida de Jornalista. São Paulo: A4 Ideias Editora, 2023.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Grandes matérias esportivas do Jornal da República: “Pobres torcedores de Sorocaba” (15/10/1979)

CORINTHIANS 1, SÃO BENTO 1

Pobres torcedores de Sorocaba

O jogo foi tão ruim que um espectador pegou no sono em cima do equipamento de uma emissora


Quinze minutos antes de o jogo terminar, ontem à tarde, boa parte da torcida já abandonava o Estádio Municipal de Sorocaba. Foi a melhor maneira que os torcedores encontraram para protestar contra o baixo nível de Corinthians e São Bento. Além das tradicionais vaias, é claro. Porque, embora o Corinthians estivesse sem 7 titulares (Zé Maria, Amaral, Djalma, Basílio, Vaguinho, Sócrates e Romeu) e o adversário apresentasse os seus desanimados Tutu, Dodô, Coca e Cacá, o estádio estava lotado.

Das 22 mil pessoas que pagaram ingressos, seguramente metade era de corintianos que por sinal se decepcionaram muito, ao verem Jairo, a “Muralha Negra”, tomar o maior frango de sua vida, segundo ele mesmo confessou ao final do primeiro tempo. O inusitado lance foi assim: Dodô, do meio de campo, deu um “balão” fraco e despretensioso em direção ao gol do Corinthians. Quando quase todos no estádio, inclusive jogadores, juiz e bandeirinhas, já se voltavam para o campo de defesa do São Bento, eis que a bola dá uma “quicada” na frente de Jairo, encobre o gigantesco goleiro e vai para o fundo das redes. A solidariedade humana, no entanto, não faltou neste infeliz momento. O time inteiro do Corinthians foi consolar Jairo.

O primeiro tempo terminou em 1 x 0 para o São Bento, apesar de o Corinthians, esmo com Taborda, ter dominado o jogo, Biro-Biro, com ares de Sócrates, se destacava, dando passes de calcanhar, correndo, driblando, jogando pelo time inteiro.

No segundo tempo, logo aos 6 minutos, Piter recebeu um cruzamento de Geraldão e emendou para dentro do gol do São Bento. A torcida corintiana se animou, agitou bandeiras, gritou, incentivou o time, acreditando numa reação. Mas a sua vibração ficou mesmo só para esse solitário gol. Em determinado momento, o que acontecia dentro de campo era tão desinteressante que um espectador dormiu em cima do equipamento da rádio e TV Bandeirantes.

Para os corintianos, ficou o consolo de que, o time jogou sem Sócrates (que já vale por mais de meio time) e mais 6 outros titulares. E a esperança de que no terceiro turno o seu time jogue o futebol com que eles tanto sonham.

 

O JOGO FOI ASSIM

Corinthians: Jairo; Luiz Cláudio, Taborda, Zé Eduardo e Wladimir; Caçapava, Wagner e Biro-Biro; Piter, Palhinha e Geraldão.

São Bento: Márcio; Marcelo, Tutu, Nilson Andrade e Dodô; Draílton, Gatãozinho e Coca; Cremilson, Campos e Cacá.

Renda: Cr$ 1.096.040,00 (recorde em Sorocaba), com 21.384 pagantes.

Juiz: Oscar Scolfaro

Gols: Dodô, aos 36 do primeiro tempo, e Piter aos 6 minutos do segundo tempo.

 


Publicado originalmente no Jornal da República em 15 de outubro de 1979, edição 43

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Grandes matérias esportivas do Jornal da República: “A festa de dona Marlene” (29/9/1979)

FIGUEIREDO/CORINTHIANS

 

A festa de Dona Marlene

A primeira dama do Corinthians roubou o banquete ludo-político


RICARDO KOTSCHO

 

Estavam presentes o presidente da República, três ministros de Estado, os comandantes militares em São Paulo, o governador, o prefeito e demais altas autoridades civis e militares. Mas o dono da festa foi uma mulher, Marlene Matheus, a primeira dama do Corinthians. Vestida num longo alvinegro, dona Marlene não cabia em si de contente e desbancou o governador Paulo Maluf na tarefa de puxar o presidente Figueiredo pelo braço. Tão feliz estava a primeira dama corintiana, nesta gloriosa festa dos 69 anos do Sport Club Corinthians Paulista, que ela já fazia planos para o futuro, anunciando que daqui a um mês, quando o presidente da República voltar a São Paulo para o lançamento da pedra fundamental do novo estádio do clube, “nós vamos colocar dois milhões de corintianos na rua”. Dona Marlene até ganhou um troféu junto com os campões paulistas de 77.

Logo na entrada do ginásio, palco do banquete para duas mil pessoas (posta de peixe grelhada com salada “wadorf”, camarão com molho remolhado, supremo de frango com risoto e champingnons à provençal, maçã glacê), um imenso painel com as cores do Brasil e do Corinthians e as efigies de Figueiredo e Matheus; bandeirinhas alvinegras de graça para todos. Quando o presidente entrou, a banda da PM tascou o hino do Corinthians (Matheus queria o Hino Nacional, mas o Palácio do Planalto vetou), todos acenaram as bandeirinhas e Figueiredo logo recebeu uma de dona Marlene, para acenar também.

Há muito não se via uma festa tão autenticamente tropical. Políticos, cartolas, jogadores e treinadores, conselheiros do clube e suas digníssimas, todos confraternizavam no imenso tablado decorado com cravos brancos e vermelhos. Havia até representantes das torcidas organizadas – Atômico, Estopim, Mosqueteiros do Timão, etc – devidamente acomodados no seu lugar de sempre: nas arquibancadas. Um coro de 270 sócias-atletas do Corinthians, fantasiadas, começou a gritar Figueiredo, Matheus/Figueiredo, Matheus. Figueiredo abriu uma exceção e se dispôs a falar à imprensa. Em sua única declaração em São Paulo revelou que era corintiano desde os seis anos de idade. A veteraníssima repórter Clarice Amaral, emocionadíssima, parecia uma principiante ao microfone: “Conseguimos captar algumas palavras do presidente”. E, ao contínuo, Matheus lascou lá seu pronunciamento, da lavra de seu eterno ghost-writer Mário Campos: “Corinthians, senhor presidente, é um potencial de desenvolvimento patrimonial e esportivo, que, quando plenamente atingido, o situará como verdadeira linha auxiliar do poder público (...)”.

O centroavante Palhinha também tentou puxar o banquete mas para o lado, por assim dizer, político-sindical, mas não foi feliz. Ao topar com o ministro do Trabalho, Murillo Macedo, falou-lhe das agruras dos jogadores e do protesto que entregou ao presidente da Federação Paulista de Futebol contra o maluco calendário do campeonato. Inútil. O inefável Macedo respondeu com outra pergunta, mais mansa: “Você é mineiro de onde?”. De Belo Horizonte, respondeu Palhinha. “Pois eu sou de Sete Lagoas”, retrucou o ministro do Trabalho. E todos atacaram as atrações do banquete, que estava muito gostoso, segundo comentários ouvidos pela reportagem.

 

A “Fiel” ficou de fora. Como sempre

Mas Elisa, torcedora-símbolo, disse: “Meu Curíntia é meu país!”

TONICO DUARTE

O deputado Biro-Biro chegou esbaforido. Terno cinza de colete e tudo, novinho, comprado em crediário de loja popular. Queria saber se teria de “falar com o hôme”. Antes de mais nada, é bom esclarecer que o “homê” era o general Figueiredo, que ontem, tentou ser mais João do que nunca, ao comparecer ao banquete de aniversário do Sport Club Corinthians Paulista, também conhecido como “Timão”. Biro-Biro, que na última eleição recebeu mais votos do que muito parlamentar, deveria ter perguntado a seu colega Nabi Abi Chedid, que passava ao largo, pouco antes da chegada presidencial: “Acho que vou ficar apavorado se ele me perguntar sobre aqueles votos que tive”, confessava Biro-Biro. “Já pensou se ele me pergunta? O que é que eu vou dizer?”.

Mas o “home” chegou e não houve nada de apocalíptico – a não ser a parafernália de sempre: batedores com sirenes a toda chega-pra-lá de agentes de segurança (delicadamente, como mandam os tempos de abertura), gritinhos dos que ficaram fora da festa, etc. Estava armada a grande festa-modelo “glamour patropi” para receber o presidente da República. De um lado, solícito e elegante, o outro mandachuva do evento, Vicente Matheus: “Só o Corinthians consegue trazer um presidente da República, clube nenhum mais pode. Por isso estou orgulhoso e emocionado”.

Lá fora, o povão sofria espasmos de satisfação. O presidente chegou de terno cinza escuro, e muitos lembravam que ele trazia estampado um ar mais saudável do que Geisel, presente ao Corinthians no ano passado. Só uma decepção, de Tuim, um velho torcedor: “Nossa, como ele é baixinho! É quase da altura do Matheus. Sabe como é, a gente vê aquelas fotos dele fazendo ginástica e imagina que seja do tamanho do Jairo (o goleiro do Corinthians de quase 2 metros de altura)”.

Dona Marlene Matheus esteve vigilante para que tudo corresse bem de acordo com o figurino. Já de manhã, ela saiu de casa e foi direto comprar uma grava para Geraldão, o centroavante. Geraldão não tinha gravata para a grande festa.

De noite, do lado de fora do ginásio, a segurança se encarregava de barras qualquer pretensão da “Fiel” de ver o João de perto. Só Elisa, a torcedora-símbolo, teve a sua chance. Peruca caju enroladinha, vestido soirée preto de rendas e catim, ela olhou para o João, abria o sorriso desdentado e não se conteve: “Ah, esse meu Curíntia é um país!”.

 

Publicado originalmente no Jornal da República em 29 de setembro de 1979, edição 30

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Grandes matérias esportivas do Jornal da República: “A Portuguesa tropeçou em Sócrates” (10/9/1979)

CORINTHIANS 2, PORTUGUESA 0

 

A Portuguesa tropeçou em Sócrates

Ele deu passe para os dois gols e quebrou a invencibilidade da Portuguesa


TONICO DUARTE

 

O estádio do Pacaembu faz com que qualquer jogo de futebol tenha o sabor dos velhos tempos. A frase pode encerrar uma semelhança com propagandas de cigarro ou licor, mas é cheia de verdade. Talvez pela sua arquitetura, concebida em pleno Estado Novo, que faz lembrar um circo romano. Pena que tanto aconchego tenha sido estragado por Paulo Maluf que, na sua época de prefeito de São Paulo, demoliu a concha acústica para construir o tobogã, um monstrengo de concreto que não tem nada a ver com o estilo do resto do conjunto.

Foi lá que, ontem, como nos velhos tempos, o Corinthians venceu a Portuguesa por 2 a 0, quebrando uma série invicta de 13 jogos. E a sua torcida teve mais uma vez o prazer de assistir o requintado futebol de Sócrates. É neste estádio que encontro o velho comentarista Mauro Pinheiro, da rádio Bandeirantes. Com aquele seu aplomb Mauro lembra o passado e, coincidentemente, o Corinthians e o Pacaembu sempre tiveram uma história em comum: “Aqui existe um aconchego, como se o estádio criasse vida para receber a torcida com carinho”.

Talvez por isso, no Pacaembu, a torcida do Corinthians se sinta em casa. E se espalha muito à vontade: os “Gaviões”, a “Camisa 12”, até a pequena e nova “Evolução Corintiana”, muito provavelmente uma torcida darwinista. Gritam palavrões, choram, enchem a cara e brigam com a maior naturalidade. Daniel Criosto, por exemplo, quis mostrar para a namorada Elzinha que era machão. Havia alguém sentado em seu lugar, nas numeradas cobertas, e ele não teve dúvidas – deu um tremendo tabefe na cara do atrevido. Elzinha, em prantos: “Deixa pra lá Daniel”...

O jogo começa e a Portuguesa está melhor. Mas nem por isso a torcida deixa de festejar. Afinal, o serviço de alto-falantes informa que, em Rio Preto, o América vai ganhando do Palmeiras. E o Palmeiras é o arqui-inimigo de toda aquela gente. Surgem os primeiros gritos de “porco, porco”. A pequena torcida da Portuguesa protesta e a ira dos corintianos se volta contra ela: “Burro, burro”.... - tanta vaia que a Portuguesa nem parece um time da cidade.

Rita Lee se diverte com tudo isso. Ela assistiu ao jogo na cabine da Globo, convidada por Osmar Santos. E Rita comenta que vê como se estivesse fazendo um dos seus deliciosos rocks. Talvez, um dia, ela realmente venha fazer uma canção para Sócrates: “É impressionante o nível da transação da cabeça do Sócrates. Isto aqui é uma festa, e ele é a parte maravilhosa de tudo”.

Mas o Pacaembu, ao longo dos tempos, também tem uma tradição de ser um importante ponto de contato político. No salão de mármore onde agora é servido o cafezinho para jornalistas, cartolas, eternos bocas-livres e políticos, o deputado federal Caio Pompeu de Toledo arregimenta os seus eventuais futuros eleitores. Elegante, calças bem cortadas, Caio é sempre solícito e simpático, se bem que os inimigos políticos costumam partir para algumas ilações, como, por exemplo, dizer que tão cordata figura iniciou-se politicamente no CCC.

No segundo tempo, a torcida do Corinthians sossega: o time começa a render um pouco mais. Dentro de campo, o juiz José de Assis Aragão pensa, ao que me informam, no fim-de-semana prolongado que poderia estar passando e São Sebastião. Aragão havia alugado, junto com alguns amigos, uma casa na praia e pedira licença à Federação. O presidente Nabi Abi Chedid lhe teria prometido que, ontem, ele seria escalado para apitar em São José dos Campos, de onde depois, desceria para o litoral. Ilusão: Aragão apitou o principal jogo da rodada e foi obrigado a esquecer os seus sonhos de ganhar uma cor morena, quem sabe jogar um futebolzinho.

Enquanto isso, Sócrates vai demolindo a Portuguesa. Em duas jogadas pessoais, aos 13 e aos 39 minutos, ele deixou Palhinha e Romeu prontos para marcar os 2 a 0. E, não bastasse tudo isso, aos 16 minutos levou uma solada de Bolívar, aturou-se ao chão, reclamou do juiz, fez com que a torcida iniciasse o inevitável “bicha, bicha”, pedindo pênalti. Terminada a partida, nos vestiários, ele ri e faz confissões com a sua genial simplicidade:

“Pênalti nada, só! Eu me joguei no chão, bem que temei cavar, mas o Aragão não entrou”.

No outro vestiário, João Avelino pode ter perdido o jogo, mas não perdeu a malandragem. Ele consola um grupo de chorosos lusitanos – “ai, Jesus, que lástima”. João repete o seu filósofo de cabeceira, Neném Prancha:

“Lástima nada, vamos para outro. Futebol é como sorveteria, tem pra todo quanto é gosto”.

Lá fora já é noite, e as menininhas de sempre esperam ansiosas pelos seus olimpianos. A torcida vai deixando o velho estádio e mais uma vez, “Corintia” parece ser a voz que vem da cidade.

 

O JOGO FOI ASSIM:

Corinthians 2, Portuguesa 0

Corinthians

Jairo; Zé Maria, Amaral, Djalma e Vladimir; Caçapava, Basílio e Palhinha (Biro-Biro); Vaguinho, Sócrates e Wilsinho (Romeu).

Portuguesa

Everton; Edson, Daniel Gonzalez, Bolívar e Toninho Fraga; Luciano, Eudes e Enéas; Zair (Carrasco), Rui Lima e Jorge Luís.

Juiz: José de Assis Aragão

Renda: Cr$ 2.390.760,00

Público pagante: 51.143 pessoas

Gols: Palhinha aos 13´e Romeu aos 39´do segundo tempo.

Cartão amarelo: Enéas.

 


Publicado originalmente no Jornal da República em 10 de setembro de 1989, edição 13