sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Grandes matérias esportivas do Jornal da República: “Ah, se não fosse o bandeirinha do Nabi...” (19/11/1979)

CORINTHIANS 2, BOTAFOGO 0

 

Ah, se não fosse o bandeirinha de Nabi...

Um gol de Vaguinho em impedimento abriu as portas para uma vitória que parecia impossível. Será que agora Matheus faz as pazes com Nabi?

 


RICARDO KOTSCHO

 

Os muito fanáticos que me perdoem, mas desta vez o Corinthians não pode colocar a culpa no Nabi. Se ele não tivesse mandado um certo Márcio Campos Salles, devidamente acompanhado do bandeira vermelha Douglas Gonçalves Las Casas para apitar o jogo de ontem de manhã contra o Botafogo, não haveria mandado de segurança que desse jeito. Já desclassificado e sem nenhuma motivação, o time de Ribeirão Preto deu um banho de bola no primeiro tempo, perdeu vários gols e seu meio-campo envolveu completamente o do Corinthians. Até que, aos 42 minutos, um lançamento de Caçapava alcançou Vaguinho em escandaloso impedimento. A dupla Campos Salles-Las Casas mandou a jogada prosseguir e, depois do gol, embora o bandeirinha tivesse sido encurralado na lateral do campo, xingado de todo jeito, quase levando uns tapas, o juiz não teve coragem de mostrar sequer um cartão amarelo. Durante toda a partida, a dupla que Nabi mandou para o Pacaembu fez o possível para ajudar o Corinthians, invertendo arremessos laterais e faltas, marcando perigo de gol cada vez que o Botafogo se aproximava da área, sem o menor constrangimento. Se Matheus não fizer as pazes com Nabi agora, nunca mais.

Descendo as ladeiras do Pacaembu com suas enormes bandeiras, gritando Corinthians duas horas antes do jogo começar, a torcida que sozinha lotou o estádio parece que está perdendo a paciência. Em 25 minutos de jogo, com Caçapava perdido em campo, o Corinthians só havia dado um chute a gol – uma falta mal cobrada por Sócrates.

Colocado no meio de toda em sucessíveis triangulações do Botafogo, Palhinha valeu-se das suas imunidades de presidente do sindicato dosa jogadores e deu uma violenta pancada em Zé Cláudio, obrigando Campos Salles a lhe mostrar o cartão amarelo.

A coisa estava tão feia que ainda no primeiro tempo a torcida já estava pedindo Piter no lugar de Vaguinho, o amigo de Matheus que o técnico nenhum tem coragem de tirar do time.

E não é que o Corinthians voltou para o segundo tempo disposto a desonroso resultado, fazendo cera? Talvez a brincadeira de tocar a bola para o lado e para trás fosse mesmo até o final, se aos 7 minutos, o destino não viesse ajudar Jorge Vieira (até aí, nada indicava que Teixeira não fosse mais o técnico do Corinthians). Romeu se machucou e o Corinthians passou a jogar oficialmente sem ponta-esquerda, entrando Geraldão em seu lugar. O Botafogo dá mais um susto na calada torcida do Corinthians aos 12 minutos, com um chute de Zito lá do meio do campo, que Jairo ficou só vendo passar raspando a trave. Mas, a partir daí, o time acorda: Geraldão faz todo o ataque se mexer mais. Ele só não consegue dar jeito na defesa e, aos 19 minutos, o pequeno e ciscador Osni consegue cabecear sozinho dentro da área, enquanto Zé Eduardo fica catando mosca. Ainda bem que a bola vai em cima de Jairo, que amortece a cabeçada na sua elegante camisa azul-maravilha.

A torcida se levanta aos 22 minutos e não é para xingar ninguém. Em sua primeira boa jogada na partida, Sócrates acerta uma meia-bicicleta que Altevir rebate de susto. Como seu antecessor Teixeira, Jorge Vieira resolve atender aos apelos da torcida e coloca Pites no lugar de Vagunho aos 27 minutos. Matheus pode não gostar, mas a torcida gosta – e Piter entra com tudo.

Logo na sua primeira jogada, ele recupera a bola no meio do campo e lança Geraldão caído pela esquerda. Piter é uma espécie de talismã da torcida e dos técnicos do Corinthians. Embora entre sempre no final do jogo, é um dos artilheiros do time, com 9 gols. Longe de ser o que se costuma chamar de craque, Piter é o tipo do jogador que agrada à torcida do Corinthians, como Geraldão: sua a camisa e vai em todas.

Essa mesma torcida que grita o nome de Piter, um salário-mínimo do futebol, não perdoa Sócrates. De uns tempos para cá, depois de algumas passagens pela seleção do capitão Coutinho, o Doutor não acerta nem suas célebres jogadas de calcanhar. O que estará acontecendo? Sócrates é um desses malabaristas da bola, fino estilista, que não adapta a esse campeonato engana-trouxa.

Ao receber um passe de Geraldão, livre na ponta-esquerda, Sócrates centra para fora como um Vaguinho qualquer e a fiel torcida não perdoa: chamam-no de “sem vergonha”, de “mercenário”, e outros bichos.

A situação só não ficou ainda pior para o Corinthians porque, aos 41 minutos, quando muita gente já estava indo embora, Palhinha acertou a bola na trave, pegou o rebote e levantou para a área: Piter vinha entrando pelo meio e acertou um belo sem-pulo no ângulo, estufando a rede. No fim, apesar da vitória, ficou um nó na garganta da grande torcida: até os mais fanáticos já devem ter percebido que seu time está melhor de advogado (Eurico de Castro Parente, o homem das liminares que, aliás, é são-paulino) do que de bola. Nas arquibancadas, jazia uma faixa: “Nabi, comida de porco é lavagem, não dinheiro da Fiel”. Porco, como se sabe, é o apelido carinhoso dado ao Palmeiras. Mas o dinheiro da Fiel, ontem, foi mais uma vez jogado fora.

 

Os heróis estavam no banco

Pites e Geraldão, que entraram no segundo tempo, foram outra vez os melhores do Corinthians. Será que isso já não é malandragem de técnico: escala dois pontas lamentáveis como Vaguinho e Romeu, depois saca os dois e ganha fama de grande estrategista? Seja lá como for, quem garantiu mesmo a vitória ontem foi o bandeirinha Douglas Gonçalves Las Casas: não marcando o impedimento de Vaguinho, lance que praticamente decidiu o jogo, ele fez jus mais que ninguém ao Motorádio. Pode passar no Parque São Jorge e pegar.

 

Corinthians

 

Jairo - Apesar do tamanho, ainda meio inseguro. Cada vez que ele sai do gol, é um ano de vida que o torcedor perde.

 

Zé Maria- Na peitada, imbatível. Com a bola nos pés, um perigo para as duas torcidas: nunca sabe o que vai acontecer.

 

Amaral - Sem saber se dava cobertura a Zé Eduardo ou Zé Maria. Na dúvida, andou dando uns chutões. Salvou a pátria corintiana.

Zé Eduardo – Procurou sempre acertas na medalhinha: muito pontapé para pouco futebol. Péssimo na entrega da bola.

 

Vladimir – O melhor da defesa, foi também mais ponta do que Romeu. Esse, ninguém pode chamar de mercenário.

 

Caçapava – Voltou com uma saúde de fazer inveja. Só falta achar um lugar em campo para não correr à toa.

 

Basílio – Parece que entrou em campo contra a sua vontade. Domingo de manhã não deve ser seu forte. Bom de rasteira, levou cartão.

 

Palhinha – Adepto do jogo na horizontal. Jogou mais deitado do que de pé. Quando grita, o juiz apita. Perdeu dois gols feitos.

 

Vaguinho – Do jeito que vai, nem Matheus o segura no time. Deu lugar a Geraldão, que, no peito e na raça, ganhou a torcida.

 

Sócrates – Vai mal o Doutor. Parece que enjoou da bola e, quando a torcida pegou no seu pé, perdeu-se de vez.

 

Romeu – Só quando se machucou e foi substituído é que se percebeu que havia entrado em campo. Píter entrou em seu lugar e fez a festa.

 

Botafogo

 

Altevir – Sempre bem colocado, deu segurança à defesa.

 

Wilson Campos- Bom no desarme e no apoio, cansou no segundo tempo.

 

Ney – Sem muita firula, manteve a bola sempre longe da área.

 

Edson – O mesmo que Ney: discreto e eficiente.

 

Beto – Anulou Vaguinho e passou mal quando entrou Piter.

 

Miro – No começo, deu boa cobertura à defesa: quando viu que o Corinthians não queria nada, foi à frente tentar o gol.

 

Osmarzinho – O melhor do Botafogo. Tomou conta do meio do campo, fez bons lançamentos e criou chances de gol.

 

Zé Cláudio – Completou bem o meio de campo, mas mostrou receio na hora de ir à frente, deixando Osni sozinho.

 

Paulo César – Foi anulado por Vladimir e saiu para o meio, sem êxito.

 

Osni – Bom no drible curto, ciscou demais e perdeu boas chances de gol.

 

Zito – Pegou uma moleza (Zé Maria) e não soube aproveitar. Fraco.

 

O JOGO FOI ASSIM:

 

Corinthians- Jairo; Zé Maria, Amaral, Zé Eduardo e Vladimir; Caçapava, Basílio e Palhinha; Vaguinho (Píter), Sócrates e Romeu (Geraldão).

 

Botafogo- Altevir; Wilson Campos, Ney, Édson e Beto; Miro, Osmarzinho e Zé Cláudio; Paulo César, Osni e Beto.

 

Juiz- Márcio Campos Salles (péssimo, assim como seu bandeira vermelha Douglas Gonçalves Las Casas).

 

Renda – Cr$ 2.357.520.000, com 40.706 pagantes (todos corintianos).

 

Gols- Vaguinho (impedido), aos 42 minutos do primeiro tempo; e Piter aos 41 minutos do segundo tempo.


Cartões amarelos- Zito, Palhinha (que fica fora do próximo jogo) e Basílio.

 


Publicado originalmente no Jornal da República em 19 de novembro de 1979, edição 72

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