Histórias de Heleno de Freitas, parte III: Cidade maravilhosa
Capítulo III: 1933-1935 Cidade
maravilhosa
Por Marcos Eduardo Neves
Heleno de Freitas parecia o galã Rodolfo Valentino: gomalina nos cabelos e vestido com bom gosto |
O Rio de Janeiro que encontraram respirava política.
Havia três anos, a cidade presenciara a revolução que impediu o eleito Júlio
Prestes de tomar posse na presidência da República. Em voga desde 1894, a
“politica do café-com-leite” que alternava no poder os partidos republicanos
paulista e mineiro, provocara a reação de Rio Grande do Sul, Paraíba e até
Minas Gerais na indicação do sucessor de Washington Luís. Estava formada a
Aliança Liberal, que, após a morte de João Pessoa, caminhou em marcha resoluta
rumo ao Distrito Federal. Para tomar o poder e deixar o país nas mãos do líder
Getúlio Vargas, agora chefe do governo provisório.
A linha dura tomava conta do mundo. Se nos Estados Unidos
Franklin Roosevelt colocava em prática o “New Deal”, seu plano para superar a
severa crise econômica provocada pela quebra de bolsa de Nova York, ocorrida em
1929, poucos repararam o teor de outras notícias que estamparam regularmente os
jornais. Em Portugal, Salazar criara o seu “Estado Novo”. Meses depois o Japão
abandonava a Liga das Nações. Na Alemanha, Adolf Hitler, seu chanceler, assumia
o papel de Führer com o Partido Nazista no poder. Desejando vingar as heranças
malditas do pós-guerra, como a cruel recessão, Hitler defendia a superioridade
da raça ariana para, ao negar as instituições básica da democracia liberal,
incitar uma luta pelo expansionismo na Europa. Ganhava a população usando sem
freios os meios de comunicação e transformando comícios em verdadeiros
espetáculos. Já na Itália, cada vez mais áspero e desumano era o governo de
Mussolini. Volta e meia as manchetes dos principais periódicos do Distrito
Federal, como o Jornal do Brasil, o Correio da Manhã, o Diário
de Notícias, A Noite e o Diário Carioca, omitiam tais
informações. As modernidades tecnológicas eram bem mais modestas. Havia muitas
dificuldades para se comunicar a longa distância.
Mas o
Rio, em si, era um caldeirão de novidades. Dona Miquita, Heleno e Vera Maria,
que só a conheciam por fotos, logo constaram que a cidade era maior, bem maior
do que imaginavam. Milhares de automóveis, motocicletas e caminhões faziam de
suas ruas uma autêntica sinfonia de buzinas. Proliferavam ônibus de dois
andares, os “chopes-duplos”, que viajavam do Centro ao Pavilhão Mourisco, em
Botafogo. Eram da Light, estofados e confortáveis. Os táxis, geralmente pretos,
cobravam por quilometragem e não por hora. Nas calçadas, inúmeros reclames com
letras garrafais, expostos nos muros, eram lidos por homens de bigode, sem
pressa, mas determinados, e por mulheres elegantes, que desfilavam seus
perfumes e colônias, atraindo a atenção do sexo oposto. Quase todo mundo usava
chapéu. Um dos locais de maior concentração de chapéus era o boêmio Café Nice,
na avenida Rio Branco. Como também era bastante concorrida a Galeria Cruzeiro,
a metros dali. O Centro era o coração do Rio. A alma eram suas músicas.
As
escolas de samba ainda engatinhavam, mas seus desfiles já eram bem-vistos pela
elite e classe média. O carnaval de rua houvera sido movido pelo som de “Linda
morena”, de Lamartine Babo, e “O teu cabelo não nega”, de Lamartine e os irmãos
Valença. Naquele 1933, Francisco Mignone escrevia seu bailado afro-brasileiro,
“Maracatu do Chico-Rei”, mas havia muito que não a clássica, e sim a negra, a
música que se tornava a melhor expressão da essência nacional.
A
música invadia as casas pelo rádio, que vivia fase de expansão desde que o
governo liberava a veiculação de comerciais. O aparelho era obrigatório nos
lares; acalentava o povo por misturar música erudita com popular em meios a
programas de variedades. Num deles, a Rádio Cajuti, “o rei da voz” Francisco
Alves lançou o cantor Orlando Silva – que se revelaria seu principal rival
artístico.
A
beleza da capital federal tocava os estrangeiros, que prometiam voltar e
cumpriam. Fiéis admiradores da praia, da vida noturna, do charme e glamour
das pessoas, os turistas vinham despreocupados, apenas para curtir, curtir e
gastar. Quem tinha bala na agulha assinava a ficha de entrada no suntuoso
Copacabana Palace. Local que Heleno muito ainda iria frequentar. Na mocidade.
Pois, aos 13 anos, ao desembarcar as malas, o que mais fez foi conferir o que
havia de melhor nos cinemas.
Coincidência
assegurar-se, logo de cara, que Hollywood combinava com o Brasil. Ginger Rogers
e Fred Astaire, por exemplo, pela primeira vez dançavam juntos em Voando para o
Rio, uma expressiva homenagem ao país. Pouco antes – Heleno não pôde contemplar
-, sua musa, a linda Greta Garbo, estrelava Grand Hotel, da Metro
Goldwyn-Mayer, junto a John Barrymore. Quanto aos filmes nacionais, uma voz já
conhecida nas rádios, Carmen Miranda, a mais brasileira das portuguesas,
começava a se impor, tornando-se figura marcante e assídua nos telões.
Dona
Miquita acertou em se mudar. No Distrito Federal as escolas superiores formavam
os bacharéis que construíam a elite política do país. Meio caminho andado, já
que seus filhos eram aplicados na escola, loucos por livros. Naqueles idos,
florescia a inteligência brasileira, sendo publicados marcos como Casagrande
& senzala, de Gilberto Freyre, e Evolução política do Brasil, de
Caio Prado Júnior. Por viverem em ambiente no qual se lia muito e se conversava
profundamente sobre quaisquer assuntos, ampliava Heleno e seus irmãos suas
aptidões verbais e intelectuais.
A
cidade fez bem aos Freitas. A liberdade de circulação e a circulação de ideias
eram melhores. A família se instalou no Posto 6, na rua Conselheiro Lafaiette,
29, 3º andar, apartamento 7. Copacabana podia parecer provinciana, seus
moradores levavam uma vida simples e tranquila, mas sua beleza era tão valorosa
que já havia apartamentos de aluguel por temporada, destinados a estrangeiros e
turistas que vinham ao Rio passar o verão na praia. Ou, a exemplo dos Freitas,
se estabelecer.
Curioso,
Heleno percorria os cantos de Copacabana. E de Botafogo. Pois, enquanto tomava
conhecimento dos prazeres da capital, a cidade se vestia de preto e branco com
o bicampeonato do Botafogo Football Club. Heleno se apaixonou pela festa que
fez sua torcida no estádio de General Severiano – festa essa que só findaria em
1935, com o até hoje tetracampeonato dentro de campo de uma agremiação na
cidade. Como disse anos mais tarde João Saldanha, “nada como um time campeão
para conquistar um coração de um garoto”.
Mas
não era apenas por causa do famoso futebol carioca que Heleno ansiava todo dia
sair de casa. Amor à primeira vista sentiu também pela praia, onde repousava o
corpo na areia para contemplar o sol ou catar tatuí. Areia branca, céu azul,
mar limpo e sol forte, de que mais precisava?
De
mulheres. Afinal, fora matriculado no rígido São Bento, próximo à praça Mauá,
famoso pela segregação dos sexos. A primeira atividade física de Heleno no Rio
foi a azaração dos footings pela avenida Atlântida.
Os footings
eram caminhadas sem compromisso por entre o Lido e o Posto 5. Como se fosse o
único point de uma cidade do interior, era ali o melhor local para as moças se
exibirem, enquanto os homens paqueravam ou discutiam política ou futebol. As
cariocas mais modernas e elegantes, que na areia trajavam maiôs compridos e
comportados, nas caminhadas desfilavam diversas tonalidades de azul e vermelho
em vestidos com enfeites de renda, faixas de cetim, golas jabot e lanços
de crepe georgette. Estilo que exigia um corpo frágil, esguio e
delicado. Envoltas de leque, luvas, lenços e poderosos chapéus, abusavam de
sensualidade quanto conduziam à boca, com classe, seus cigarros Bungalow ou
Magnólia.
Heleno
gostava de andar de bicicleta sem destino por Copacabana. Sua mãe só pedia uma
coisa: que não fosse a Ipanema. O bairro vizinho sofria com o descaso das
autoridades. As ruas eram esburacadas e a praia mais parecia um imenso matagal.
Além da falta de policiamento, era precário seu saneamento. Embora muitos já
decantassem o Arpoador como local ideal da cidade para banhos de mar.
Ainda
que julgasse belíssimo o mar, mergulhar não era a praia do mineiro Heleno. Ao
contrário dos meninos de sua idade, jamais ousou pegar jacaré. Antes do advento
do surge, os garotos se esbaldavam entrando nas ondas de peito, sem tábua. Como
não sabia nadar, Heleno somente os contemplava, não encarava. Habitué da
praia da moda, a em frente ao Posto 6, em breve transformaria, metros à
esquerda, o corpo mirrado num de atleta. Em outro esporte.
Apesar
da profissionalização do futebol, ocorrida em janeiro, as páginas esportivas de
destaque nos jornais endereçavam-se ao turfe. Heleno pouco se apetecia com
equinos, mas era apaixonado, louco por carros. Marcos presença no Grande Prêmio
do Rio de Automobilismo, no circuito da Gávea. Em 8 de outubro de 1933, 35
pilotos, alguns internacionais, como o alemão Hans Stuck, atraíram uma
multidão, aglomerada nas calçadas. Manuel de Teffé, francês radicado no Brasil,
venceu a prova com um Alfa-Romeo de seis cilindros. Heleno suspirou e disse
para si mesmo que ainda teria um carrão importado.
Enquanto
não podia dirigir, deslumbrado ficava com a excelência dos cinemas. Não perdia
um filme no Rian. Arrependimento? Talvez ter assistido ao polêmico Match da
Morte – a íntegra dos 13 assaltos da luta entre Primo Carnera e Ernie Schaaf,
na qual o segundo, um jovem boxeador, perdeu a vida trabalhando. Em seu bom
coração não havia espaço para tragédias.
Os
outros esportes eram interessantes, mas a paixão do jovem era mesmo o futebol,
já bastante popular na cidade. Depois de décadas como esporte amador e
elitista, praticado por filhos de boa família, a profissionalização prometia
embates ainda melhores nos grandes estádios. Se, anteriormente, alguns atletas
pobres recebiam gorjetas de sócios ricos para representarem seus clubes – o
famoso amadorismo marrom -, daquele ano em diante a certeza era de que os
melhores jogariam, independentemente de credo ou classe social. Sendo ainda
pagos para isso.
Mas
Heleno não era assíduo em estádios. Quando não estava na classe, ainda em
Copacabana, mais precisamente no Posto 4, assistindo às partidas dirigidas por
Antônio Ferreira Franco de Oliveira, o Neném Prancha. Admirava cada jogada,
sentado no paredão da avenida Atlântida – como era chamado o calçadão, que as
pessoas precisavam pular para pisar os pés descalços na areia fofa. Na época, o
futebol de praia ateava fogo na paixão dos cariocas. O paredão vivia cheio onde
tinha jogo. Heleno via aquelas rixas disputadas com andor, truncadas, se
estremecia de raiva quando zagueiros desesperados distribuíam pontapés para
intimidar atacantes habilidosos. Ficava louco para entrar. O problema é que era
tímido demais para se enturmar com desconhecidos.
Figura
que se tornaria folclórica no futebol brasileiro, aos 27 anos o humilde Neném
Prancha ainda era um obscuro jogador do Carioca que fazia sucesso na praia pela
forma diferente de comandar seus meninos. Fluminense de Resende, filho de um
biscateiro e uma doméstica, chegara ao Rio em 1917, adotado por uma família que
morava na rua Constante Ramos, em Copacabana. No pedaço de praia ali em frente,
fundou, com um jogo de camisas e duas bolas de borracha, seu primeiro time, o
Posto 4 Futebol Clube. Alegria de muitos garotos.
Parrudo,
alto e pesando oitenta quilos, seu corpo forte escondia um mulato solitário,
feio e introvertido, para muitos tido como assexuado. Nada disso. Como muitos
treinadores de praia daquele tempo, Neném Prancha satisfazia suas necessidades
hormonais com algumas crianças sem talento que tinham como maior desejo
integrar uma equipe de futebol.
Este
e, principalmente, os que pareciam ter melhor futuro nos campos, Neném agradava
pagando refrigerantes, oferecendo sorvetes, tentando se tornar uma espécie de
guarda-costas dos meninos. Pelas mãos e pés enormes – 23 centímetros e sapatos
44, respectivamente – recebeu o apelido de Prancha. Quanto á boca, era uma
metralhadora de pérolas.
Com
uma boina na cabeça para espantar o sol, Neném gesticulava sem parar, dava
autênticos sermões nos intervalos, embora sempre falasse mansamente, com
carinho e ternura. Não se banhava no mar, mas, se necessário mandava os
indisciplinados darem um mergulho de cinco minutos, “para refrescar a cuca”.
Com o tempo, teria problemas de vista. Mesmo assim, preferiu não enxergar bem a
usar óculos. Afinal, não precisava. Sentia craque pelo cheiro.
Heleno
se enfeitiçou pelo uniforme do time de Neném Prancha – camisa preta e branca
como a do Botafogo, mas de listras horizontais, e short preto. Do
paredão o guri apreciava o fino trato que o astro Pirica aplicava na pelota. E
se identificava com o espírito alegre do centroavante João Alves Jobim
Saldanha, um rebelde de 17 anos prestes a se filiar ao Partidão, que, se tinha
pouca intimidade com a bola, estava sempre pronto para encarar qualquer
encrenca.
Os
principais rivais do Posto 4 FC eram o Lá Vai Bola, o Atlântico, o Cruzeiro e o
Huracán. Mais tarde, duelos memoráveis seriam travados em campeonatos
organizados com times como o Posto 3 Atlético Clube, o Ouro Preto, o Escrete
Guanabara, o 103 FC – nome que remetia à linha dos ônibus mais modernos do
Distrito Federal -, o Copacabana, o Americano e o 11 Garotos. Quem organizava o
11 Garotos era Catulino Veloso. Respeitado mas ruim de bola, Catulino foi na
verdade quem pronunciou a famosa frase, atribuída anos mais tarde a Neném
Prancha: “Arrecua os arfe previtá catástre”. Neném não falava assim – pelo
contrário, era até filósofo. Catulino, sim, era capaz de confundir seus próprios
jogadores: “Centra alto rasteiro! Centra alto rasteiro!”.
Heleno
não via a hora de penetrar este universo. Um dia o instinto foi mais forte e
ele tomou coragem para ir até Prancha implorar uma chance.
- Não
fiz fé no menino – confessaria Neném. – Sempre o via acompanhando o jogo da
calçada, a distância. Fiquei surpreso quando ele apareceu de calção pedindo
para jogar. Tão compenetrado, e de repente parecia um demônio atormentado por
mil deuses a correr endiabrado pela areia.
Como
eternizou o escritor Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, de quem, Heleno se
tornaria amigo, na crônica “O Ídolo”:
(...) Um
dia nós saímos rua abaixo. De calção bem curtinho, toalha no pescoço, íamos
para a praia, como fazíamos todas as tardes, jogar futebol na areia.
Aos poucos iam chegando todos; uns pulavam o paredão e
vinham bater bola, outros ficavam lá por cima mesmo, de conversa, esperando os
retardatários. Quando não faltava mais ninguém, começava a distribuição de
camisas.
Aproximei-me de um grupo, já metido no seu “uniforme”,
quando alguém segurou-me pelo braço para apresentar o novo jogador. Era um
garoto magro, moreno, de cabelos muito lisos. Veio com um andar gingante,
apertou-me a mão com um sorriso e, logo em seguida, o jogo começava.
Nada
de pontapés sem bola, nem trancos, nem nada. Tudo correndo normal, a gente
gritando os nomes uns dos outros, pedindo ou mandando passes, alegres e
divertidos, que não havia nada mais alegre e divertido do que jogar futebol na
areia (...)
Mas
naquele dia foi diferente. Sem ninguém compreender por que, o jogador novo, de
repente, saiu dando murros no ar, esbravejando cheio de ódio, a dizer que não
era palhaço, que quebrava a cara do primeiro que lhe fizesse um foul.
Quando
o jogo acabou, na rua acima, de volta para casa, alguém me disse, comentando a
briga: “Aquele camarada é maluco”.
Em
1934, Vargas assumiu, oficialmente, a presidência da República. O uso político
das rádios se revelaria um traço marcante de sua gestão. Não havia como fugir.
Getúlio percebia que a comunicação era o melhor canal para propagar sua
política às camadas mais pobres da população.
Precoce,
Heleno não só se informava pelas emissoras como folheava os jornais do dia,
assim como a revista Beira-Mar, uma espécie de “porta-voz” da Zona Sul
carioca. Defronte às bancas, parava à cata de boas-novas. Que ás vezes não eram
boas, como a eliminação da Seleção Brasileira na Copa da Itália, em plena
primeira fase. Que às vezes eram trágicas, como o triste fim de Ernesto
Nazareth.
Foi
terrível para o menino saber que o compositor, um gênio da música brasileira,
morreu afogado na represa da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, tentando
fugir do hospício. Cabisbaixo, Heleno descobriu que a vida podia ser cruel. Não
com ele, mas com outros.
Para
ele o mundo era euforia. Desde que entrou, não saiu mais do time de Neném
Prancha. Na verdade, pela tenra idade, do segundo time. Jogando de zagueiro,
Heleno se dava em cada disputa, cada lance contra os atacantes adversários.
Tinha de fazer o melhor, afinal, no gol estava um topetudo, gorducho e
amedrontado Sérgio Porto. Um guri de apenas 11 anos que tremia só de pensar na
bola se aproximando.
Além
de Porto, figuravam no time o jovem Sandro Moreyra, um ponta-direita preguiçoso
para correr – jogava na parte dura da areia, próximo ao mar. Faria Lima era, na
ponta esquerda, o inverso: cheio de fôlego. Neném também gostava de pontas
abertos e ofensivos como Roberto Silveira, muitas vezes escalado. Gildo Borges
era um atacante diferenciado. Sem dúvidas, o que mais arriscava a gol. E o que
menos acertava o alvo. O meia Neves era o craque da equipe.
Quanto
a Heleno, cujo temperamento inconstante despertava a curiosidade dos
“torcedores” do Posto 4, Neném bem que tentava aconselhar:
- Não
adiante reclamar da marcação do juiz, Heleno! Só vais conseguir ser expulso.
Jamais um juiz voltou nem voltará atrás de uma decisão por obra de estrilos de
um jogador! Joga teu jogo e deixa o juiz apitar, menino!
Assim
pregava, mas em questão de minutos Heleno era novamente posto para fora pelo
árbitro. Neném preferia assumir a culpa. Acreditava que poderia, com sua
experiência, lapidar aquele diamante bruto. O guri valia o esforço, sabia tudo,
parecia conhecer de outras vidas os segredos da areia. Sem falar em sua devoção
à equipe. Mesmo quando caía doente na cama, conseguia encontrar estímulo para
defender o Posto 4 uma ou duas horas depois. Com um gorro a conter-lhe os lisos
cabelos, pernas finas e cara de mau, o comprido e bonito Heleno levou seu time
ao triunfo na primeira liga formada pelos clubes de Copacabana. Vocação de
craque, seu futebol começou a ser reconhecido no bairro.
Contagiado
pelo grupo com que frequentava a praia, em abril de 1935 Heleno se inscreveu
como sócio do Botafogo. Em pouco, começaria a fazer história pelo clube.
Publicado
originalmente em NEVES, Marcos Eduardo. Nunca houve um homem como Heleno.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
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