Uma conversa franca com o
cantor e apresentador sobre carreira musical, psicodelia, drogas, mulheres,
traição, sexo, testes de DNA, televisão, biografias não autorizadas, Rita Lee,
Roberto Carlos e o dia em que pediu eutanásia
Talvez as gerações mais novas
não veem Ronnie Von apresentando o programa de variedades Todo Seu, na
TV Gazeta, durante as noites de segunda a sexta, não imaginam que naquele homem
sempre bem-vestido, culto, extremamente educado, com fala tranquila e chamando
os seus telespectadores de “bonitinhas” e “bonitinhos”, era manchete dos
principais jornais e revistas do país entre as décadas de 1960 e 1980 – fosse
devido ao sucesso e a beleza que levaram as mulheres ao delírio, fosse devido
às polêmicas que ser um astro da música traziam consigo.
Filho do diplomata José Maria
Nogueira, Ronaldo Nogueira (só ao longo dos anos acrescentaria Lindberg Von
Schilgen Cintra entre os dois nomes) nasceu na cidade de Niterói (RJ), no dia
17 de julho de 1944 sendo apelidado de Ronnie pela mãe, Noly, ainda no berço. O
amor por aeromodelismo na infância o fez seguir a carreira militar na
aeronáutica por um tempo. Ainda cadete, retornou para casa, com o objetivo de
assumir o seu papel em meio aos negócios da família, ligados ao setor
financeiro. Mas a vida de “herdeiro” também não durou muito. Grande fã de
Beatles e com uma boa voz, que, por brincadeira, costumava soltar ao microfone,
em 1965 cantou You´ve Got to Hide Your Love Away, do álbum Help!,
durante uma apresentação musical de amigos no Beco das Garrafas, tradicional
point de Copacabana. Tudo poderia ter terminado ali, não fosse a presença de
João Araújo, então diretor artístico da gravadora Polydor, que gostou do que
ouviu e convidou Ronnie para gravar algumas canções em estúdio. Nem mesmo a
resistência do pai conseguiu conter o sonho de ser um astro – o que ocorreu de
forma meteórica, e não apenas na música.
Ao todo, gravou 16 álbuns
entre LPs e CDs até 1996, conduziu 13 programas, além de estrelar filmes e
novelas, que o catapultavam ao status de galã, rótulo que ele nunca aceitou
bem. Ainda teve tempo para se tornar botânico, economista, etnólogo, publicitário,
escritor e aviador. No auge da carreira, era o “príncipe” que fez sombra ao rei
da Jovem Guarda, Roberto Carlos. O problema é que até hoje, aos 71 anos, ele
ainda precisa explicar que não fez parte do movimento. Achava “bonitinho”, mas
gostava mesmo era de rock´n´roll.
Ao longo dos anos, acumulou
fama, fortuna e polêmicas. De brigas na rua – sempre se exaltava quando xingado
de “bichona”, em razão do cabelo comprido, dos olhos claros e do jeito educado
– aos testes de DNA – nenhum atestou positivo -, Ronnie tentou manter o
equilíbrio em seus casamentos. Primeiro com Aretuza, com quem ficou entre 1963
e 1975 e teve dois filhos, Alessandra e Ronaldo – hoje com 45 e 44 anos,
respectivamente -, e dos quais cuidou sozinho após a separação, sendo conhecido
como “mãe de gravata”. Depois com a modelo e atriz Bia Seidl, entre 1984 e
1986. E, por fim, com Maria Cristina, a Kika, com quem está casado desde 1987,
e teve Leonardo, hoje com 28 anos, que segue os passos do pai na música.
Ronnie Von conversou com os
repórteres Marcos Sérgio Silva e Leandro Saionetti por quase
cinco horas ao longo de três sessões. As duas primeiras em sua mansão, no
bairro do Morumbi, em São Paulo, uma enorme propriedade construída para
combater o seu único medo: a solidão. “Eu fiz a casa para ter os meus amigos
comigo. Os parentes que escolhi”. Já a última sessão ocorreu no seu espaçoso
camarim na TV Gazeta, antes da gravação do programa Todo Seu, que em
março completou 10 anos no ar. Aberto para as perguntas, não demonstrou
irritação em qualquer momento, sempre ligando fatos discutidos a uma cadeira de
outros assuntos que iam além da sua própria trajetória. Revelou histórias e
detalhes que não estão na boa biografia O Príncipe que Podia Ser Rei, de
Antonio Guerreiro e Luiz César Pimentel, lançada ano passado pela Editora
Planeta. Apenas quando questionado sobre uma suposta traição que sofrera,
transpareceu certo descontentamento ao falar da antiga parceira, a ponto de
pedir que o nome dela não fosse citado. E assim foi. Isso significa que você
deve acompanhar esta entrevista para conhecer melhor a história de Ronnie Von?
O primeiro disco lançado na sua fase psicodélica foi Ronnie
Von, em 1968, cuja capa é quase uma experiência lisérgica...
Exatamente. Era essa a ideia.
Mas de que forma você se aproximou desse mundo? Já
tinha experimentado alguma coisa?
Nunca provei. Quando (o psicólogo e neurocientista)
Tomothy Leary começou a falar sobre ácido lisérgico, grandes psiquiatras e
psicólogos acompanhavam as “viagens” das pessoas que se submetiam a isso. E eu
assisti a um amigo participar do experimento. No meio da sua trip, que
devia ser uma bad trip, ele começou a gritar que estava escorrendo
sangue da parede. E todo mundo olhando um para a cara do outro, escrevendo e
gravando. Daí a coisa tomou um vulto impressionante, porque ele disse que a
parede estava arrebentando e os morcegos saindo de lá para atacar. Depois ficou
em posição fetal, como se estivesse agonizando. Uma coisa horrível de se ver.
Já outro dia, andando de carro com esse amigo, ele começou a gritar que o carro
estava cheio de morcegos. Quando diminuí a velocidade para acalmá-lo, ele abriu
a porta e se jogou na rua. Se arrebentou todo. Então levei-o para o hospital e
nunca mais quis saber dessa história de experiência lisérgica. Fiquei
traumatizado para o resto da vida. E todo mundo chega e pergunta: “Como você fez
um disco daquele se não experimentou ácido?”
Nunca deu vontade?
Não. Esse pavor que eu tinha foi se ligando a outras
coisas, como opiáceo ou maconha. Tudo para mim tinha uma carga monumental. Era
uma coisa muito pesada. Ninguém acredita, e podem até não acreditar, mas tudo
bem. Que não acreditem. Mas eu nunca provei nada. A não ser uma birita daquelas
bem descompassadas, mas em situações bastante diferentes daquelas em que todo
mundo se junta para ver a reação psicológica de uma pessoa submetida a ácido
lisérgico. Nunca vi nada igual na minha vida.
O ponto é que você viveu uma época de enorme oferta,
principalmente no meio artístico.
De droga, não era muito grande. Era uma coisa difícil
de conseguir. E eu digo: não sei, não conheço, não provei. Pode até ter um
grande glamour. Ás vezes, me sinto um peixe fora d´ água para as pessoas da
minha geração. Paciência; Tive medo, e ainda confesso isso.
Já sobre esse disco de 1968, além da experiência
lisérgica, você aparece com o torso nu na capa. Aquilo era revolucionário, não?
Era, e tomei um pau em razão daquilo. Falaram: “O que
esse bobinho está pensando? Que ele é sex symbol? Ficar pelado em um
disco? E a visão era de rebeldia, talvez. Ali a música era experimental, tinha
que experimentar algo na capa. Tanto que disseram que muita gente quebrou o
disco. Um amigo comprou (recentemente) esse disco em Tóquio por 4.800
dólares. “Você é louco”, eu disse para ele. Mas por que custa isso? Porque não
vendeu nada, então eles produziram muito pouco. Eu vendi dois discos. Minha mãe
comprou um e meu irmão comprou o outro.
Um dos pontos de sua relação com o psicodelismo foi a
canção De Como Meu Herói Flash Gordon Irá Levar-me de Volta a Alpha
Centauro, Meu Verdadeiro Lar, lançada em 1969. Você imaginava alguma rádio
apresentando essa música?
Não, porque foi outro ato de rebeldia. Falaram que eu
precisava dar um nome para o disco, pois os anteriores eram Ronnie Von, Ronnie
Von número 3, e os títulos das músicas eram muito simplesinhos.
Perfeitamente. Aproveitei um cochilo deles, comigo já ligado com o pessoal da
gráfica, pois eu tinha uma boa relação com eles. Aí saiu aquele título. Os
outros nomes saíram comportados. Aquilo foi de fato para me vingar. E me senti
vingado. O importante é isso.
Mas a sua rebeldia surge em razão de quê?
Do rótulo. Do preconceito às avessas que ouvi no
começo. “Esse filhinho de papai está ocupando o lugar de alguém que precisa”. E
eu morando na Boca do Lixo (região próxima á atual Cracolândia), comendo
pão com mortadela. Isso é injusto. Eu persegui um sonho. E sem nenhuma
necessidade. Mas era o que eu queria e sonhava. E ouvindo isso no rádio o tempo
inteiro. Sem suporte da família, que é fundamental para qualquer coisa da vida,
nem dos amigos.
Você fala que não teve suporta da família. Houve alguma
repressão quando você seguiria essa carreira?
Repressão, não. Meu pai de fato não acreditava que
fosse uma atividade profissional que pudesse trazer algo de positivo para mim.
Ele achava que era um ambiente pouco intelectualizado. Por exemplo: naquela
época, jogador de futebol era minimamente alfabetizado, não é como é hoje.
Então, meu pai dizia: “Se o seu negócio é ganhar dinheiro de forma fácil, seja
jogador de futebol. O nível cultural é o mesmo”. Mas ele se arrependeu e depois
veio conversar comigo quando viu que estava irredutível e acreditava naquilo.
Ele valorizava essa história do self-made man. E sabia que eu não havia
por que fazer pressão. Eu trabalhava com a família, e isso reduzia de certa
forma a pecha de playboy, porque eu ganhava muito mal trabalhando com eles. Eu
tinha cargos, mas sem representatividade financeira. Não tinha nem como sofrer
repressão nesse caso, porque eu não tinha dinheiro nem para colocar gasolina no
carro.
Falando sobre sua beleza, você devia fazer sucesso
antes de se casar, não?
Fazia. Acreditava que todas as meninas me elogiavam
para agradar. Eu não tinha muita essa visão. Não que fosse feio, mas esses
elogios absolutamente descomunais me alegravam. Era a minha tática também. A
sedução sempre fez parte da minha vida, e eu gosto disso. Mas isso começou a me
incomodar quando passei a ficar famoso de fato.
Aí você tinha cabelo comprido, olhos claros, era um
homem bonito...
E era chamado de bichona na rua.
Como foi essa fase?
Acontecia mais nas regiões sul e oeste de São Paulo.
Era impossível passar pela Rua Augusta. Se fosse para lá, era linchado, chamado
de bichona e veado indecente. Era nesse nível. As pessoas passavam a mão em mim
e me batiam.
Você acha que havia esse mesmo tipo de reação com
outros artistas da época?
Comigo era mais veemente. Mas era com qualquer artista.
Você ia para a zona norte e era respeitado. Já na zona sul, era uma coisa
terrível. Você entrava num shopping, saía com segurança. Era muito difícil. A
primeira vez que fui preso foi quando estava subindo de carro a Rua Augusta com
a minha esposa Aretuza. Surgiram cinco caras dentro de um fusca. Começaram a me
fechar e falar barbaridades. “Quem é esse traveco que está do seu lado? Em que
zona você pegou essa vagabunda, que na verdade é homem?” Ela chorando e eu
desesperado. Pô, aí eu paro em um cruzamento sem ninguém na minha frente e o
fusca reaparece pronto para virar na Alameda Santos. Abre o sinal. Como eu vim,
bati nele e joguei dentro do antigo Cine Astor. Quando fui em cana, estava tão
cego que segurava a porta do fusca na mão, pois eu já tinha quebrado tudo. Foi
um inferno. Nem quero me lembrar dessas passagens. Mas foram várias.
Todas por agressão?
Todas por agressão. Umas 30. E sempre na rua.
Por que você acha que isso acontecia? Inveja?
Pode ser. Não sei.
Você se lembra da última vez em que isso aconteceu?
Lembro. A Cristina já era minha mulher e estava grávida
do Léo. Estávamos em um carro com motoristas e ao lado passou um Opala bege, lotado
de caras, xingando eu e ela de todos os nomes. Então a Cristina falou ao
motorista para fechar as portas. Eu abri o teto solar e saí por ali. O primeiro
que estava com vidro aberto eu peguei e espanquei mesmo. Tapa na cara, aquelas
coisas pavorosas. Já que eu ia me danar, o primeiro tapa era eu que daria. Mas
era para marcar os cinco dedos. Então, quando o tumulto estava crescendo, a
Cristina disse: “Estou grávida, você quer que eu perca nosso filho?” Prometi a
ela que nunca mais brigaria na rua. Isso, portanto, tem 28 anos, que é a idade
do meu filho. E, por coincidência, ninguém nunca mais mexeu comigo.
Você aproveitou bastante antes do primeiro casamento com a Aretuza (em
1963)?
Eu me relacionei com uma pluralidade de meninas que eu
vou dizer uma coisa...Eu já conhecia sexo, aos 12 anos tive um envolvimento com
a babá da minha prima. Fui praticamente seduzido. Ela já tinha certa idade, e
eu não sabia nada. Por isso, quando as pessoas perguntam como foi a minha
primeira vez, digo que foi péssima. Já na segunda, melhorei um pouco, com ela
sempre me ensinando. Mas a história com essa babá não foi um “ensina-me a
viver”.
E com quem aconteceu isso?
Com uma amiga da minha mãe. Estávamos na minha casa,
sentados em volta da mesa, e o pé dela esbarrou no meu. Aí eu tirei. Fiquei sem
ar, porque ela era muito bonita e na época estava desquitada. Ela tinha 42 anos
e eu, 18. Como era nossa vizinha em Copacabana, fui levá-la em casa e
aconteceram só alguns beijos e amassos Dois dias depois, ela foi nos visitar
novamente. Quando a levei para casa, acabei dormindo lá. Uma semana depois,
peguei minha mala e fui morar com ela. Foi um susto muito grande para a minha
mãe quando ela descobriu o que estava acontecendo.
Dá para entender que foi quase um casamento, mas você
foi passar uma temporada...
Eu fui com a ideia de morar com essa mulher para o
resto da minha vida.
Você estava apaixonado?
Perdidamente apaixonado. Eu tinha que dizer que estava
na casa de amigos. Só que um dia a minha mãe descobriu e foi até lá. Ela se
sentiu mal e desconfortável com aquela história. Disse que a amiga havia me
aliciado e que não era digna de sua amizade. E eu ouvindo aquilo. Então ela
desfez a relação com a moça, que também não teve culpa.
Já parou para pensar com quantas mulheres já transou?
Muita gente. Eu não sei.
Já rolou de sair com alguma fã?
Não. Nosso pavor naquela época era outro. Apareciam
filhos dos outros artistas a toda hora. Os tais relacionamentos depois
descritos como “atração fatal”. E eu tive uma atração fatal na minha vida. Uma
escorregada...Meu Deus do céu.
E quem foi essa Glenn Close?
Uma moça bastante bonita, de fato. As pessoas disseram:
“Dá uma atenção, ela é apaixonada por você...” Acho que em 1983. Ali, foi
difícil segurar a onda. E me lembro dessa história muito bem. Estive uma única
vez com essa moça e fui levado à loucura pelo resto da vida dela e da minha.
Agora sossegou um pouco.
Ela te ameaçava?
Ela me ameaçava, me ligava constantemente, mandava
cartas para a minha família ameaçando.
Você disse que acalmou recentemente. Então isso durou
muito tempo.
Durou uns 20 anos.
E tudo isso por uma noite?
Sim, uma noite.
Foi bom para você, ao menos?
Não. Foi razoável. Não foi grande coisa. E não foi nem
à noite. Foi durante o dia. Em um “almoço executivo” desses da vida. Deus me
livre e guarde.
E como suas esposas lidavam com a questão do assédio
sobre você?
Muito bem.
Todas elas?
Não, a Bia talvez não. Agora a Aretuza e a Kika, muito
bem. Eu sei que elas devem ter feito das tripas coração, mas me conhecia e
levavam no “esse é o ônus profissional que ele tem que carregar”. E eu sempre
disse, não parodiando Vinícius (de Moraes), que era “homem de uma mulher
só, enquanto durasse”. Elas sabiam que não tinha muita maluquice no meio do
caminho.
É verdade a história de que seu empresário pedia que a
Aretuza não aparecesse ao seu lado em público quando vocês eram casados?
É fato. Aconteceu. Por que ninguém tocava nesse assunto?
Porque ninguém realmente sabia. E se ninguém me perguntava, eu também não
dizia. Ela aparecia, mas era a irmão, era secretária, era empresária. E ela foi
impecável nesse papel. Isso me violentou muito. Tanto que um dia eu escancarei
e falei que estava casado. Foi um choque. As fãs achavam que eu havia traído
todas elas. Na época, devia ser de praxe esse tipo de coisa: você pode casar,
mas não pode fazer não sei o quê. E eu, que era extremamente ignorante, acabei
me deixando levar.
Você sente ciúme?
Não. É um sentimento que eu não tenho, e conversei com
o meu psiquiatra, achando que era um desequilíbrio. Ele disse que isso, na
verdade, faz parte da minha personalidade. Você não pode segurar a onda. Não
existe isso. O Juca Chaves me disse uma vez: “Ronnie, eu aprendi que se você
trancar a sua mulher no armário, ela vai te trair com o cabide”. É um
sentimento que não tenho.
Você se preocupa com a solidão?
É o único medo que eu tenho na vida. Quando garoto,
nunca fui de balada, boate. Não suporto festa. Eu gosto de casa. Dos meus
amigos na minha, e eu na deles. De preferência, na minha. Ponto final.
Sinceramente, não tenho medo de mais nada. Nem da morte, nem de coisa alguma.
Falando em amigos, você foi muito próximo dos Mutantes
nos anos 60, inclusive batizou a banda. Parece que houve uma certa mágoa com a
Rita Lee. Isso aconteceu?
Com a Ritinha, não. Na verdade, ela estava um pouco
reclusa. Eu me lembro que a convidei para ir várias vezes ao meu programa. Ela
tinha umas desculpas e não vinha. Fiquei triste, mas entendia perfeitamente,
porque a conhecia. E nunca chamei Ritinha de Rita. A moça era a coisa mais
linda do mundo. Linda e talentosa. Agora, não quis vir. Pedi uma, duas, três e
não pedi mais. Teve os motivos dela, mas a gente só se afastou. Tanto que ela
fala no documentário da Globosat (Ronnie Von: Quando Éramos Príncipes) que
não tinha entendido por que eu tinha me afastado dela. E eu achando que ela
tinha se afastado de mim. Uma grande bobagem. Mas acontece. Com amigos é assim
mesmo.
Houve aquele momento em que você teve mais mulheres que
dias do ano?
Na verdade, eu não tenho esse comportamento
multifacetado de ter várias mulheres. Eu não consigo. Não vou dizer que não
tenha tentado. Tentei. Mas vem a culpa. Se eu estou com uma namorada, ou estou
saindo com uma pessoa, é com aquela.
Em contrapartida, você já comentou que foi traído.
Fui traído por uma namorada. Traído por praticamente
todos os meus amigos da época com a mesma mulher. Quem me avisou o que estava
acontecendo foi a Hebe. Ela ligou para mim e disse: “Exatamente neste momento,
a moça está sentada no colo de um cara, na Gallery (casa noturna frequentada
pela elite paulistana e muito popular nos anos 1980)”. Um lugar que todo
mundo frequentava.
Não só isso, mas um lugar que as pessoas que te
conheciam frequentavam.
A Hebe precisou se unir a um amigo dela. Ela também me
ligou e falou: “Vou te dar uma paulada, mas estou aqui ao lado da tua melhor
amiga, a Hebe, e está acontecendo isso com fulano, beltrano, ciclano...” Até
detetive eles tinham. Quando me vieram com a lista, não acreditei.
A música Pra Ser Só Minha Mulher, que você
escreveu em 1978, tinha a ver com essa história?
No início do romance, eventualmente.
A impressão que fica dessa música é que você estava
falando com uma garota de programa, porque ela seria mulher de outros e se te
desse uma chance, você queria que ela fosse só sua mulher.
Mas pode ter certeza é isso mesmo. Não tem nada de
errado nessa história.
Imagino a dor que deve ter sentido para chegar nessa
conclusão.
Sim, quando a Hebe me disse...Meu Deus do céu. Ela foi
me buscar em casa com meus filhos e me levou para a casa dela. Ela tinha medo
que eu tivesse uma recaída. Mas eu disse: “Hebe, não existe esse problema. Do
jeito que gostei, deixei de gostar”. Para mim, ela é nada. Tenho a maior
indiferença. Sequer falo o nome dela. Não me interessa mais. Tirei da minha
vida.
Mas aí você viveu um luto, certo?
Não é agradável ser traído pelos seus amigos. Inclusive
pelos amigos mais íntimos. A ponto de um deles me pedir para eu acabar com a
vida dele. Essa moça devia ser de uma sedução monumental.
E quando você se separou da Aretuza, já estava com ela?
(Faz uma pequena pausa) Já.
Um caso extraconjugal que você teve durante quanto
tempo?
Foi algo muito rápido, porque o meu casamento estava
deteriorado. Esse é o problema. As pessoas falam: “Ah, quando o homem é
polígamo, ele trai, faz e acontece...” Se está tudo bem em casa, como vou me
meter em uma aventura maluca? Porque dá trabalho, você tem que mentir. Não
passa uma coisa dessas na minha cabeça, porque o homem que tem uma amante é um
idiota completo. Agora, a pessoa chega e te conta uma história triste. Você
acredita. É bonita, gostosa. Você está mal em casa. Vou dar um belisco. E se
arrebenta no primeiro belisco.
Mas você zerou a relação com todos esses amigos quando
soube das traições?
Com todos, não.
O que o levou a esse perdão?
O desespero deles. A procura. “Me perdoa. Perdi a
cabeça. Você não merecia isso”. Aí eu falava: “Pô, até se fosse por algo que
valesse a pena. Então esquece”. E depois de passar por uma situação como essa, alguns
outros amigos tentaram me colocar para cima. Um deles tinha um iate gigantesco
e o povoou de bonitinhas peladas, com biquínis mínimos. Moças, com toda a
certeza, regiamente pagas por ele. Aí ele me disse: “Quando você olhar três ou
quatro bonitinhas, verá o que acontece”. Sabe o que eu fiz? Vomitei. Era como
se fossem peças de alcatra expostas em um açougue já com moscas em volta.
E como foi a recuperação?
Fiquei assim por um mês. Não queria saber de mulher,
relacionamento, de nada. Até que reencontrei uma amiga no Rio de Janeiro.
Francesa, noiva de um conde francês. Essa moça me reabilitou e tirou minha
segunda virgindade. Física e emocional. Fiquei trancado com ela no anexo do
Copacabana Palace por pelo menos uns dez dias, e nem descíamos para almoçar.
Usávamos roupão o dia inteiro. Quero que ela seja muito feliz, e sei que está
muito bem. É condessa, está feliz da vida e gosta do marido. A escorregada que ela
deu foi em uma hora em que ela disse: “Eu não quero me casar”. Não que eu tenha
me apaixonado por ela. Mas uma pessoa que te devolve a vida nesse aspecto...
Era mais gratidão que amor?
Era uma gratidão, mas quando eu a via naqueles lençóis
macios... Continuava a gratidão, mas era um show de bola.
Dez dias sem sair do quarto...Bem, você já comentou que
nunca havia falhado no sexo. É verdade?
Você sabe que nenhum homem acredita nisso.
Então você nunca brochou?
Nunca.
Como consegue?
Porque não sou obrigado, nem induzido a fazer aquilo.
Faço por prazer e porque quero. É como se eu estivesse doído para tomar um
vinho. Abro, cheio a garrafa, digo “que coisa maravilhosa”...E não vou tomá-lo?
O que é isso? Então nunca aconteceu. Eu juro. Porque tudo é a cabeça. Sexo é a
cabeça. Vou contar uma história: a Cristina não ficava na menopausa de jeito
nenhum, até que começou a dar uma falhadinha aqui e ali. Fomos ao ginecologista
e, no fim, ela acabou fazendo a tal da cirurgia em que é feita uma incisão no
bumbum, onde é inserida uma cápsula que contém hormônios dos quais ela é
deficitária. Aí o médico me disse: “Ronnie, prepare-se, porque ela vai ficar
com 20 anos de idade”. No mês seguinte, eu fui falar com ele: “Você mentiu para
mim. Ela está com 17”.
Então tudo funciona de acordo com o desejo?
Com desejo, cabeça e parceria. E olha, meu amigo, à
medida que você vai ficando mais velho, a qualidade aumenta. Pode ter certeza.
E não tenho nenhuma necessidade de autoafirmação. Estou impecavelmente casado
com a mulher da minha vida. Não tenho interesse em nenhuma outra mulher para
dizer “sou o gavião ou o galo da montanha”. Não quero transar com ninguém, a
não ser com a minha mulher.
Até agora conversamos sobre muitas histórias que
marcaram a sua vida. Mas e os boatos?
Vários boatos. De namoro, separação, filhos.
Pelos boatos, com quem você já teve filhos?
Com muita gente. Essas bobagens aconteciam. Mas
anormalmente vinham de moças apaixonadas. Tive isso a vida inteira. O último
teste de DNA que fiz tem uns cinco anos. Apareceu uma moça dizendo que a mãe
afirmava que eu era o pai, e que ela ficou grávida aos 14 anos, quando eu tinha
15. Até procurei alguns amigos que trabalham com essa história de reprodução, e
eles me disseram que isso é muito difícil de acontecer.
Mas você tinha transado com ela?
Não. Foi aquela história de um amasso, um beijinho, mão
naquilo, aquilo na mão. Isso sim, com toda certeza, porque eu me lembro
vagamente da história com essa menina. Mas de fato eu não transei com ela. Não
teve penetração.
Isso foi na época do seu ensino médio?
Não. Quando eu estava na Escola Preparatória de
Cadetes, em Barbacena. Anos depois, fomos ao laboratório e fizeram o teste.
Acredita que não tinha um cromossomo que batesse? Então ela pediu, via
Facebook, para o meu filho fazer um exame de DNA. Disse que eu havia fraudado o
exame. O meu filho nunca mais quis saber de Facebook. Como você pode fraudar um
exame de DNA? Nunca ouvi uma patacoada maior do que essa. A moça não se
conforma até hoje.
Você disse que esse foi o último teste feito. Quantos
casos foram no total?
Uns quatro.
Como foram os outros três?
Tive um romance com uma moça, e aí aparece a filha. A
mãe também disse: “A gente não tem mais nada, nos encontramos e ela foi
gerada”. Eu nunca mais tinha visto essa moça. Quando já estava com laboratório
marcado, a garota não apareceu. (Em outro caso.) A menina entra no
camarim do Teatro Fênix e me chama de papai. Devia ter uns 15 anos. Aí quando
eu saio do teatro, ela está com uma moça do lado. Perguntei: “Ei, bonitinha,
vamos ou não fazer o examinho?” E a garota apresenta a mulher como mãe dela. A
mulher ficou de todas as cores. Então eu propus o exame. A moça começou a
chorar, saiu correndo e filha xingando. Aí (por fim) apareceu uma moça
na televisão dizendo que era minha filha no programa da Márcia Goldschmidt, na
TV Bandeirantes. Alguém me ligou e eu fui lá saber o que era e o que não era. E
houve um clima terrível. As pessoas sumiram. Nem que eu fosse o garanhão do
planeta Zeus. É muito filho.
Também existiram boatos de que você havia morrido
quando ficou doente. O que você teve de fato?
Eu tive polineurite plurirradicular (doença que
afeta o sistema nervoso periférico). Mas, para 99% dos brasileiros, eu tive
síndrome de Guillain-Baré. As pessoas conseguem pinçar o que de ruim existe
para veicular no jornal ou revista.
Quando percebeu que estava com o vírus?
Quando fui no hospital. Era uma dor violenta que
começou na perna esquerda. Uma virose monstruosa. A coisa foi tomando um vulto.
Uma dor no corpo inteiro. Você uiva de dor, não sabe o que faz da vida. Erra
uma coisa tão assustadora que, de certa forma, você tem consciência que não tem
cura e quer abreviar o sofrimento. E partindo logo de mim, um cara semicético
como era na época.
Por que semicético?
Porque eu não tinha muita fé, não tinha a fé que tenho
hoje. Atualmente, se você entra na minha casa, dá de cara com um Buda
tailandês, outro japonês, Nossa Senhora da Conceição... Para mim, tudo é
discutível, porque um homem sem fé não é absolutamente nada, ou está pela
metade. Tem que acreditar em Deus? Não. Pode acreditar no ateísmo dele. Essa é
a fé dele, ele acredita nisso. Precisa de um credo. Eu acredito em energias.
Mas, naquele momento, a dor era tão grande, e eu sem acreditar em quase nada da
vida...Só não diria que era um materialista completo porque tinha um senso de
humanidade.
Você só ficou no hospital?
Fui para o hospital e depois para casa, pois os médicos
disseram: “Levem ele para casa, porque não há mais o que fazer”.
Em algum momento você chegou a achar que ia morrer?
Sem dúvida nenhuma. Eu pedi até a eutanásia.
Você pediu a eutanásia?
Pedi em casa. Perguntei ao enfermeiro se ele acreditava
em Deus. Falei que eu não tinha cura, que meu caso era sério e pedi que
aplicasse uma injeção em mim. Na verdade, pedi uma embolia (injeção de ar na
corrente sanguínea). Ninguém saberia o que foi.
Se você tivesse coordenação suficiente para se matar
sozinho, teria feito?
Possivelmente sim. Você não raciocina mais. O seu
psicológico fica completamente comprometido. A dor é ininterrupta. Meu pai
tinha uma amiga que todo dia ia fazer meditação comigo. Ela ficava por uns 15
minutos. E eram os 15 minutos que eu conseguia dormir no dia.
E você no auge do sucesso.
Sim. E recém-separado da Aretuza. Eu perguntava como
havia contraído esse vírus. Todos os neurologistas disseram que isso ocorreu
porque minha imunidade havia ido para baixo da sola do sapato, a separação
havia me lavado a isso. A pior coisa que me aconteceu foi a separação do
primeiro casamento, fiquei deprimido.
Como você começou a se recuperar? A dor sumiu de uma hora para a outra?
A recuperação é muito lenta. Então, um dia, consegui me
sentar. Depois me manter na muleta. Aprendi a andar, fiz fisioterapia de todo
tipo. Hoje estou aqui.
Em 1972, você atuou no filme Janaína, a Virgem
Proibida, com elementos ligados ao candomblé. Ser perseguido por revistas
moralistas nos anos 1970 foi divertido?
Muito divertido. “Qual é a sua religião?” Todas. Nunca
fui devoto dessas religiões afro-brasileiras, mas gosto, estudo, acho bacana
qualquer manifestação.
Que nota você dá ao Ronnie Von ator, que já fez tanto
novelas quanto filmes?
Não dou nota para mim. Mas poderia, porque é muito
engraçado. Ganhei 14 prêmios pelo meu trabalho em uma novela chamada A
Menina do Veleiro (1969). Eu fiz O Descarte (1973), com a Glória
Menezes, que contava a história de um menino jovem que se apaixonava por uma
mulher de mais idade. Um filme impecável, dirigido pelo Anselmo Duarte, que
ganhou oito prêmios. No próprio Janaína, levei mais quatro prêmios.
Inclusive internacional, na Rússia, que nem fui buscar.
Você fez uma novela na Tupi chamada Cinderela 77.
A Tupi estava com problemas naquela época, ela acabou fechando em 1980. Há algo
que você se arrependa de ter feito?
Nada. A Tupi estava no fim, mas era uma novela de dois
amigos meus, Chico de Assis e Walter Negrão. E o projeto era lindo.
Hoje você apresenta o programa Todo Seu, que
está desde 2004 no ar. Você se sente seguro por estar em uma rede que não exige
audiência?
Claro que a emissora quer audiência. Mas ela quer
qualidade. Ela não me cobra coisas como pornografia, sangue, escatologia. O Todo
Seu não está nesse mainstream da televisão brasileira que é
pavoroso, horrível, em que não interessa o conteúdo...Eles me batem também, mas
aí é uma pancada que eu gosto de tomar. Aceito soco na cara, mas digo: “Bom,
estou apanhando por um motivo justo”. A audiência que interessa. Um programa de
qualidade acima do razoável. Um cenário correto, uma entrevista correta, uma
prestação de serviço correta, uma música correta. Seja qual segmento for. Não
sintetizo tudo em um só estilo. Eu abri um leque mesmo.
Já na carreira musical, parece que você sempre buscou
um reconhecimento que nem sempre teve. Até que ponto isso é frustrante?
Em uma escala? Uns 90%.
Mas, em contrapartida, o relançamento dos seus últimos
discos dos anos 1960, pela série Clássicos em Vinil da Polysom, em 2013,
parece ter trazido um pouco desse reconhecimento. Você se sentiu vingado?
Talvez eu usasse exatamente essa palavra: “vingado”.
Porque foi seguramente no que eu mais acreditei, na história da minha vida
fonográfica. Fui praticamente insultado por todo mundo. Ninguém entendeu coisas
nenhuma. Tem inclusive um texto de uma música (Meu Novo Cantar, do disco
Ronnie Von, de 1968) que eu finalizo assim: “Do que eu canto hoje você
não quer saber, pensa que o que eu digo não tem razão de ser, mas em muito
breve você vai se lembrar do que eu cantei, e então vai concordar...” É isso
aí.
Você gostou do resultado da sua biografia (Ronnie
Von – O Príncipe que Podia Ser Rei), escrita pelos jornalistas Antonio
Guerreiro e Luiz César Pimentel e lançada ano passado?
Gostei. Eu estava com muito medo, porque só li o livro
no dia do lançamento.
Como você enxergou toda a polêmica sobre as biografias
não autorizadas, iniciada em 2013, quando um grupo de artistas tentou barrar
livros que falavam sobre a vida deles? Uma biografia não autorizada pode
prejudicar o artista de alguma maneira?
Pode até prejudicar, mas eu escolhi isso. Eu jamais
bloquearia o texto. Não posso bloquear isso, desde que a pessoa não minta. Eu
escolhi uma profissão de vitrine e estou sujeito a levar pedrada. Tudo bem. Eu
escolhi.
Aos 71 anos, você tem um programa que as pessoas gostam
e uma carreira musical que começa a ser vista com seriedade...
Tenho um amigo artista plástico que me ensinou algo
quanto comentei sobre o prestígio dele: “Certo, estou cheio de prestígio. Agora
eu preciso comer”. É mais ou menos o meu caso. Profissionalmente, o que isso
representa? Prestígio. Ponto. Quer dizer também que se eu precisasse refazer a
minha vida hoje, correr atrás de algo, eu estaria perdido. Porque só o que eu
tenho é prestígio.
Sua história com a TV começou em 1966, quando você foi
contratado pela Record para apresentar O Pequeno Mundo de Ronnie Von.
Você acha que foi sabotado nesse caso?
Não sei se foi sabotagem. Meu programa seria no domingo
(a atração foi transmitida aos sábados), em cima do Jovem Guarda. Eu não
diria sabotado, mas anulado.
De quem acha que partiu isso? Do Paulo Machado de
Carvalho Filho (dono da Rede Record), do Roberto Carlos ou de outra
pessoa?
Na verdade, não sei. Acredito que a assessoria dele (Roberto
Carlos) possa ter um dedo nisso. Talvez tenham feito a cabeça do Paulo
Machado de Carvalho. Porque, antes de morrer, ele confessou que havia me
contratado para que eu não fosse uma ameaça ao Jovem Guarda. Tanto que eu não
poderia frequentar o programa, ninguém que fizesse o Jovem Guarda poderia ir ao
meu programa. Eu quase não tinha convidado. Cheguei a fazer um programa inteiro
de uma hora só com Os Mutantes.
E tem a história na qual o Roberto Carlos teria
cantando Querem Acabar Comigo olhando para uma fotografia sua. Você
queria acabar com ele?
Pelo contrário.
Mas parece que ele não gostava desse tipo de
competição.
Era uma coisa meio por aí. Eu não sei se partiu dele.
Seria até leviano dizer que partiu, porque nós temos uma relação tão boa hoje.
Mas, da assessoria dele, seguramente. Porque a gente ouve todo mundo em tudo e
perde a cabeça com bobagem. Soube dessa história por uma centena de pessoas. O
técnico de som, os músicos, a moça com quem ele saía na época... Todo mundo me
contou a mesma história, sem mudar nenhuma linha.
Então ele cantou olhando
para sua foto?
Que aconteceu, aconteceu. O que eu discuto é se isso
partiu dele. Não sei. Pode ser que a insegurança fosse por parte de quem
administrava a carreira dele. Não sei. É leviano acusar o cara.
Publicado originalmente na revista Playboy em
outubro de 2015
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