quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Playboy entrevista Ronnie Von (outubro de 2015)

 


Uma conversa franca com o cantor e apresentador sobre carreira musical, psicodelia, drogas, mulheres, traição, sexo, testes de DNA, televisão, biografias não autorizadas, Rita Lee, Roberto Carlos e o dia em que pediu eutanásia

 

Talvez as gerações mais novas não veem Ronnie Von apresentando o programa de variedades Todo Seu, na TV Gazeta, durante as noites de segunda a sexta, não imaginam que naquele homem sempre bem-vestido, culto, extremamente educado, com fala tranquila e chamando os seus telespectadores de “bonitinhas” e “bonitinhos”, era manchete dos principais jornais e revistas do país entre as décadas de 1960 e 1980 – fosse devido ao sucesso e a beleza que levaram as mulheres ao delírio, fosse devido às polêmicas que ser um astro da música traziam consigo.

 

Filho do diplomata José Maria Nogueira, Ronaldo Nogueira (só ao longo dos anos acrescentaria Lindberg Von Schilgen Cintra entre os dois nomes) nasceu na cidade de Niterói (RJ), no dia 17 de julho de 1944 sendo apelidado de Ronnie pela mãe, Noly, ainda no berço. O amor por aeromodelismo na infância o fez seguir a carreira militar na aeronáutica por um tempo. Ainda cadete, retornou para casa, com o objetivo de assumir o seu papel em meio aos negócios da família, ligados ao setor financeiro. Mas a vida de “herdeiro” também não durou muito. Grande fã de Beatles e com uma boa voz, que, por brincadeira, costumava soltar ao microfone, em 1965 cantou You´ve Got to Hide Your Love Away, do álbum Help!, durante uma apresentação musical de amigos no Beco das Garrafas, tradicional point de Copacabana. Tudo poderia ter terminado ali, não fosse a presença de João Araújo, então diretor artístico da gravadora Polydor, que gostou do que ouviu e convidou Ronnie para gravar algumas canções em estúdio. Nem mesmo a resistência do pai conseguiu conter o sonho de ser um astro – o que ocorreu de forma meteórica, e não apenas na música.

 

Ao todo, gravou 16 álbuns entre LPs e CDs até 1996, conduziu 13 programas, além de estrelar filmes e novelas, que o catapultavam ao status de galã, rótulo que ele nunca aceitou bem. Ainda teve tempo para se tornar botânico, economista, etnólogo, publicitário, escritor e aviador. No auge da carreira, era o “príncipe” que fez sombra ao rei da Jovem Guarda, Roberto Carlos. O problema é que até hoje, aos 71 anos, ele ainda precisa explicar que não fez parte do movimento. Achava “bonitinho”, mas gostava mesmo era de rock´n´roll.

 

Ao longo dos anos, acumulou fama, fortuna e polêmicas. De brigas na rua – sempre se exaltava quando xingado de “bichona”, em razão do cabelo comprido, dos olhos claros e do jeito educado – aos testes de DNA – nenhum atestou positivo -, Ronnie tentou manter o equilíbrio em seus casamentos. Primeiro com Aretuza, com quem ficou entre 1963 e 1975 e teve dois filhos, Alessandra e Ronaldo – hoje com 45 e 44 anos, respectivamente -, e dos quais cuidou sozinho após a separação, sendo conhecido como “mãe de gravata”. Depois com a modelo e atriz Bia Seidl, entre 1984 e 1986. E, por fim, com Maria Cristina, a Kika, com quem está casado desde 1987, e teve Leonardo, hoje com 28 anos, que segue os passos do pai na música.

 

Ronnie Von conversou com os repórteres Marcos Sérgio Silva e Leandro Saionetti por quase cinco horas ao longo de três sessões. As duas primeiras em sua mansão, no bairro do Morumbi, em São Paulo, uma enorme propriedade construída para combater o seu único medo: a solidão. “Eu fiz a casa para ter os meus amigos comigo. Os parentes que escolhi”. Já a última sessão ocorreu no seu espaçoso camarim na TV Gazeta, antes da gravação do programa Todo Seu, que em março completou 10 anos no ar. Aberto para as perguntas, não demonstrou irritação em qualquer momento, sempre ligando fatos discutidos a uma cadeira de outros assuntos que iam além da sua própria trajetória. Revelou histórias e detalhes que não estão na boa biografia O Príncipe que Podia Ser Rei, de Antonio Guerreiro e Luiz César Pimentel, lançada ano passado pela Editora Planeta. Apenas quando questionado sobre uma suposta traição que sofrera, transpareceu certo descontentamento ao falar da antiga parceira, a ponto de pedir que o nome dela não fosse citado. E assim foi. Isso significa que você deve acompanhar esta entrevista para conhecer melhor a história de Ronnie Von?

 

O primeiro disco lançado na sua fase psicodélica foi Ronnie Von, em 1968, cuja capa é quase uma experiência lisérgica...

Exatamente. Era essa a ideia.

 

Mas de que forma você se aproximou desse mundo? Já tinha experimentado alguma coisa?

Nunca provei. Quando (o psicólogo e neurocientista) Tomothy Leary começou a falar sobre ácido lisérgico, grandes psiquiatras e psicólogos acompanhavam as “viagens” das pessoas que se submetiam a isso. E eu assisti a um amigo participar do experimento. No meio da sua trip, que devia ser uma bad trip, ele começou a gritar que estava escorrendo sangue da parede. E todo mundo olhando um para a cara do outro, escrevendo e gravando. Daí a coisa tomou um vulto impressionante, porque ele disse que a parede estava arrebentando e os morcegos saindo de lá para atacar. Depois ficou em posição fetal, como se estivesse agonizando. Uma coisa horrível de se ver. Já outro dia, andando de carro com esse amigo, ele começou a gritar que o carro estava cheio de morcegos. Quando diminuí a velocidade para acalmá-lo, ele abriu a porta e se jogou na rua. Se arrebentou todo. Então levei-o para o hospital e nunca mais quis saber dessa história de experiência lisérgica. Fiquei traumatizado para o resto da vida. E todo mundo chega e pergunta: “Como você fez um disco daquele se não experimentou ácido?”

 

Nunca deu vontade?

Não. Esse pavor que eu tinha foi se ligando a outras coisas, como opiáceo ou maconha. Tudo para mim tinha uma carga monumental. Era uma coisa muito pesada. Ninguém acredita, e podem até não acreditar, mas tudo bem. Que não acreditem. Mas eu nunca provei nada. A não ser uma birita daquelas bem descompassadas, mas em situações bastante diferentes daquelas em que todo mundo se junta para ver a reação psicológica de uma pessoa submetida a ácido lisérgico. Nunca vi nada igual na minha vida.

 

O ponto é que você viveu uma época de enorme oferta, principalmente no meio artístico.

De droga, não era muito grande. Era uma coisa difícil de conseguir. E eu digo: não sei, não conheço, não provei. Pode até ter um grande glamour. Ás vezes, me sinto um peixe fora d´ água para as pessoas da minha geração. Paciência; Tive medo, e ainda confesso isso.

 

Já sobre esse disco de 1968, além da experiência lisérgica, você aparece com o torso nu na capa. Aquilo era revolucionário, não?

Era, e tomei um pau em razão daquilo. Falaram: “O que esse bobinho está pensando? Que ele é sex symbol? Ficar pelado em um disco? E a visão era de rebeldia, talvez. Ali a música era experimental, tinha que experimentar algo na capa. Tanto que disseram que muita gente quebrou o disco. Um amigo comprou (recentemente) esse disco em Tóquio por 4.800 dólares. “Você é louco”, eu disse para ele. Mas por que custa isso? Porque não vendeu nada, então eles produziram muito pouco. Eu vendi dois discos. Minha mãe comprou um e meu irmão comprou o outro.

 

Um dos pontos de sua relação com o psicodelismo foi a canção De Como Meu Herói Flash Gordon Irá Levar-me de Volta a Alpha Centauro, Meu Verdadeiro Lar, lançada em 1969. Você imaginava alguma rádio apresentando essa música?

Não, porque foi outro ato de rebeldia. Falaram que eu precisava dar um nome para o disco, pois os anteriores eram Ronnie Von, Ronnie Von número 3, e os títulos das músicas eram muito simplesinhos. Perfeitamente. Aproveitei um cochilo deles, comigo já ligado com o pessoal da gráfica, pois eu tinha uma boa relação com eles. Aí saiu aquele título. Os outros nomes saíram comportados. Aquilo foi de fato para me vingar. E me senti vingado. O importante é isso.

 

Mas a sua rebeldia surge em razão de quê?

Do rótulo. Do preconceito às avessas que ouvi no começo. “Esse filhinho de papai está ocupando o lugar de alguém que precisa”. E eu morando na Boca do Lixo (região próxima á atual Cracolândia), comendo pão com mortadela. Isso é injusto. Eu persegui um sonho. E sem nenhuma necessidade. Mas era o que eu queria e sonhava. E ouvindo isso no rádio o tempo inteiro. Sem suporte da família, que é fundamental para qualquer coisa da vida, nem dos amigos.

 

Você fala que não teve suporta da família. Houve alguma repressão quando você seguiria essa carreira?

Repressão, não. Meu pai de fato não acreditava que fosse uma atividade profissional que pudesse trazer algo de positivo para mim. Ele achava que era um ambiente pouco intelectualizado. Por exemplo: naquela época, jogador de futebol era minimamente alfabetizado, não é como é hoje. Então, meu pai dizia: “Se o seu negócio é ganhar dinheiro de forma fácil, seja jogador de futebol. O nível cultural é o mesmo”. Mas ele se arrependeu e depois veio conversar comigo quando viu que estava irredutível e acreditava naquilo. Ele valorizava essa história do self-made man. E sabia que eu não havia por que fazer pressão. Eu trabalhava com a família, e isso reduzia de certa forma a pecha de playboy, porque eu ganhava muito mal trabalhando com eles. Eu tinha cargos, mas sem representatividade financeira. Não tinha nem como sofrer repressão nesse caso, porque eu não tinha dinheiro nem para colocar gasolina no carro.

 

Falando sobre sua beleza, você devia fazer sucesso antes de se casar, não?

Fazia. Acreditava que todas as meninas me elogiavam para agradar. Eu não tinha muita essa visão. Não que fosse feio, mas esses elogios absolutamente descomunais me alegravam. Era a minha tática também. A sedução sempre fez parte da minha vida, e eu gosto disso. Mas isso começou a me incomodar quando passei a ficar famoso de fato.

 

Aí você tinha cabelo comprido, olhos claros, era um homem bonito...

E era chamado de bichona na rua.

 

Como foi essa fase?

Acontecia mais nas regiões sul e oeste de São Paulo. Era impossível passar pela Rua Augusta. Se fosse para lá, era linchado, chamado de bichona e veado indecente. Era nesse nível. As pessoas passavam a mão em mim e me batiam.

 

Você acha que havia esse mesmo tipo de reação com outros artistas da época?

Comigo era mais veemente. Mas era com qualquer artista. Você ia para a zona norte e era respeitado. Já na zona sul, era uma coisa terrível. Você entrava num shopping, saía com segurança. Era muito difícil. A primeira vez que fui preso foi quando estava subindo de carro a Rua Augusta com a minha esposa Aretuza. Surgiram cinco caras dentro de um fusca. Começaram a me fechar e falar barbaridades. “Quem é esse traveco que está do seu lado? Em que zona você pegou essa vagabunda, que na verdade é homem?” Ela chorando e eu desesperado. Pô, aí eu paro em um cruzamento sem ninguém na minha frente e o fusca reaparece pronto para virar na Alameda Santos. Abre o sinal. Como eu vim, bati nele e joguei dentro do antigo Cine Astor. Quando fui em cana, estava tão cego que segurava a porta do fusca na mão, pois eu já tinha quebrado tudo. Foi um inferno. Nem quero me lembrar dessas passagens. Mas foram várias.

 

Todas por agressão?

Todas por agressão. Umas 30. E sempre na rua.

 

Por que você acha que isso acontecia? Inveja?

Pode ser. Não sei.

 

Você se lembra da última vez em que isso aconteceu?

Lembro. A Cristina já era minha mulher e estava grávida do Léo. Estávamos em um carro com motoristas e ao lado passou um Opala bege, lotado de caras, xingando eu e ela de todos os nomes. Então a Cristina falou ao motorista para fechar as portas. Eu abri o teto solar e saí por ali. O primeiro que estava com vidro aberto eu peguei e espanquei mesmo. Tapa na cara, aquelas coisas pavorosas. Já que eu ia me danar, o primeiro tapa era eu que daria. Mas era para marcar os cinco dedos. Então, quando o tumulto estava crescendo, a Cristina disse: “Estou grávida, você quer que eu perca nosso filho?” Prometi a ela que nunca mais brigaria na rua. Isso, portanto, tem 28 anos, que é a idade do meu filho. E, por coincidência, ninguém nunca mais mexeu comigo.


Você aproveitou bastante antes do primeiro casamento com a Aretuza (em 1963)?

Eu me relacionei com uma pluralidade de meninas que eu vou dizer uma coisa...Eu já conhecia sexo, aos 12 anos tive um envolvimento com a babá da minha prima. Fui praticamente seduzido. Ela já tinha certa idade, e eu não sabia nada. Por isso, quando as pessoas perguntam como foi a minha primeira vez, digo que foi péssima. Já na segunda, melhorei um pouco, com ela sempre me ensinando. Mas a história com essa babá não foi um “ensina-me a viver”.

 

E com quem aconteceu isso?

Com uma amiga da minha mãe. Estávamos na minha casa, sentados em volta da mesa, e o pé dela esbarrou no meu. Aí eu tirei. Fiquei sem ar, porque ela era muito bonita e na época estava desquitada. Ela tinha 42 anos e eu, 18. Como era nossa vizinha em Copacabana, fui levá-la em casa e aconteceram só alguns beijos e amassos Dois dias depois, ela foi nos visitar novamente. Quando a levei para casa, acabei dormindo lá. Uma semana depois, peguei minha mala e fui morar com ela. Foi um susto muito grande para a minha mãe quando ela descobriu o que estava acontecendo.

 

Dá para entender que foi quase um casamento, mas você foi passar uma temporada...

Eu fui com a ideia de morar com essa mulher para o resto da minha vida.


Você estava apaixonado?

Perdidamente apaixonado. Eu tinha que dizer que estava na casa de amigos. Só que um dia a minha mãe descobriu e foi até lá. Ela se sentiu mal e desconfortável com aquela história. Disse que a amiga havia me aliciado e que não era digna de sua amizade. E eu ouvindo aquilo. Então ela desfez a relação com a moça, que também não teve culpa.

 

Já parou para pensar com quantas mulheres já transou?

Muita gente. Eu não sei.

 

Já rolou de sair com alguma fã?

Não. Nosso pavor naquela época era outro. Apareciam filhos dos outros artistas a toda hora. Os tais relacionamentos depois descritos como “atração fatal”. E eu tive uma atração fatal na minha vida. Uma escorregada...Meu Deus do céu.

 

E quem foi essa Glenn Close?

Uma moça bastante bonita, de fato. As pessoas disseram: “Dá uma atenção, ela é apaixonada por você...” Acho que em 1983. Ali, foi difícil segurar a onda. E me lembro dessa história muito bem. Estive uma única vez com essa moça e fui levado à loucura pelo resto da vida dela e da minha. Agora sossegou um pouco.

 

Ela te ameaçava?

Ela me ameaçava, me ligava constantemente, mandava cartas para a minha família ameaçando.

 

Você disse que acalmou recentemente. Então isso durou muito tempo.

Durou uns 20 anos.

 

E tudo isso por uma noite?

Sim, uma noite.

 

Foi bom para você, ao menos?

Não. Foi razoável. Não foi grande coisa. E não foi nem à noite. Foi durante o dia. Em um “almoço executivo” desses da vida. Deus me livre e guarde.

 

E como suas esposas lidavam com a questão do assédio sobre você?

Muito bem.

 

Todas elas?

Não, a Bia talvez não. Agora a Aretuza e a Kika, muito bem. Eu sei que elas devem ter feito das tripas coração, mas me conhecia e levavam no “esse é o ônus profissional que ele tem que carregar”. E eu sempre disse, não parodiando Vinícius (de Moraes), que era “homem de uma mulher só, enquanto durasse”. Elas sabiam que não tinha muita maluquice no meio do caminho.

 

É verdade a história de que seu empresário pedia que a Aretuza não aparecesse ao seu lado em público quando vocês eram casados?

É fato. Aconteceu. Por que ninguém tocava nesse assunto? Porque ninguém realmente sabia. E se ninguém me perguntava, eu também não dizia. Ela aparecia, mas era a irmão, era secretária, era empresária. E ela foi impecável nesse papel. Isso me violentou muito. Tanto que um dia eu escancarei e falei que estava casado. Foi um choque. As fãs achavam que eu havia traído todas elas. Na época, devia ser de praxe esse tipo de coisa: você pode casar, mas não pode fazer não sei o quê. E eu, que era extremamente ignorante, acabei me deixando levar.

 

Você sente ciúme?

Não. É um sentimento que eu não tenho, e conversei com o meu psiquiatra, achando que era um desequilíbrio. Ele disse que isso, na verdade, faz parte da minha personalidade. Você não pode segurar a onda. Não existe isso. O Juca Chaves me disse uma vez: “Ronnie, eu aprendi que se você trancar a sua mulher no armário, ela vai te trair com o cabide”. É um sentimento que não tenho.

 

Você se preocupa com a solidão?

É o único medo que eu tenho na vida. Quando garoto, nunca fui de balada, boate. Não suporto festa. Eu gosto de casa. Dos meus amigos na minha, e eu na deles. De preferência, na minha. Ponto final. Sinceramente, não tenho medo de mais nada. Nem da morte, nem de coisa alguma.

 

Falando em amigos, você foi muito próximo dos Mutantes nos anos 60, inclusive batizou a banda. Parece que houve uma certa mágoa com a Rita Lee. Isso aconteceu?

Com a Ritinha, não. Na verdade, ela estava um pouco reclusa. Eu me lembro que a convidei para ir várias vezes ao meu programa. Ela tinha umas desculpas e não vinha. Fiquei triste, mas entendia perfeitamente, porque a conhecia. E nunca chamei Ritinha de Rita. A moça era a coisa mais linda do mundo. Linda e talentosa. Agora, não quis vir. Pedi uma, duas, três e não pedi mais. Teve os motivos dela, mas a gente só se afastou. Tanto que ela fala no documentário da Globosat (Ronnie Von: Quando Éramos Príncipes) que não tinha entendido por que eu tinha me afastado dela. E eu achando que ela tinha se afastado de mim. Uma grande bobagem. Mas acontece. Com amigos é assim mesmo.

 

Houve aquele momento em que você teve mais mulheres que dias do ano?

Na verdade, eu não tenho esse comportamento multifacetado de ter várias mulheres. Eu não consigo. Não vou dizer que não tenha tentado. Tentei. Mas vem a culpa. Se eu estou com uma namorada, ou estou saindo com uma pessoa, é com aquela.

 

Em contrapartida, você já comentou que foi traído.

Fui traído por uma namorada. Traído por praticamente todos os meus amigos da época com a mesma mulher. Quem me avisou o que estava acontecendo foi a Hebe. Ela ligou para mim e disse: “Exatamente neste momento, a moça está sentada no colo de um cara, na Gallery (casa noturna frequentada pela elite paulistana e muito popular nos anos 1980)”. Um lugar que todo mundo frequentava.

 

Não só isso, mas um lugar que as pessoas que te conheciam frequentavam.

A Hebe precisou se unir a um amigo dela. Ela também me ligou e falou: “Vou te dar uma paulada, mas estou aqui ao lado da tua melhor amiga, a Hebe, e está acontecendo isso com fulano, beltrano, ciclano...” Até detetive eles tinham. Quando me vieram com a lista, não acreditei.

 

A música Pra Ser Só Minha Mulher, que você escreveu em 1978, tinha a ver com essa história?

No início do romance, eventualmente.

 

A impressão que fica dessa música é que você estava falando com uma garota de programa, porque ela seria mulher de outros e se te desse uma chance, você queria que ela fosse só sua mulher.

Mas pode ter certeza é isso mesmo. Não tem nada de errado nessa história.

 

Imagino a dor que deve ter sentido para chegar nessa conclusão.

Sim, quando a Hebe me disse...Meu Deus do céu. Ela foi me buscar em casa com meus filhos e me levou para a casa dela. Ela tinha medo que eu tivesse uma recaída. Mas eu disse: “Hebe, não existe esse problema. Do jeito que gostei, deixei de gostar”. Para mim, ela é nada. Tenho a maior indiferença. Sequer falo o nome dela. Não me interessa mais. Tirei da minha vida.

 

Mas aí você viveu um luto, certo?

Não é agradável ser traído pelos seus amigos. Inclusive pelos amigos mais íntimos. A ponto de um deles me pedir para eu acabar com a vida dele. Essa moça devia ser de uma sedução monumental.

 

E quando você se separou da Aretuza, já estava com ela?

(Faz uma pequena pausa) Já.

 

Um caso extraconjugal que você teve durante quanto tempo?

Foi algo muito rápido, porque o meu casamento estava deteriorado. Esse é o problema. As pessoas falam: “Ah, quando o homem é polígamo, ele trai, faz e acontece...” Se está tudo bem em casa, como vou me meter em uma aventura maluca? Porque dá trabalho, você tem que mentir. Não passa uma coisa dessas na minha cabeça, porque o homem que tem uma amante é um idiota completo. Agora, a pessoa chega e te conta uma história triste. Você acredita. É bonita, gostosa. Você está mal em casa. Vou dar um belisco. E se arrebenta no primeiro belisco.

 

Mas você zerou a relação com todos esses amigos quando soube das traições?

Com todos, não.

 

O que o levou a esse perdão?

O desespero deles. A procura. “Me perdoa. Perdi a cabeça. Você não merecia isso”. Aí eu falava: “Pô, até se fosse por algo que valesse a pena. Então esquece”. E depois de passar por uma situação como essa, alguns outros amigos tentaram me colocar para cima. Um deles tinha um iate gigantesco e o povoou de bonitinhas peladas, com biquínis mínimos. Moças, com toda a certeza, regiamente pagas por ele. Aí ele me disse: “Quando você olhar três ou quatro bonitinhas, verá o que acontece”. Sabe o que eu fiz? Vomitei. Era como se fossem peças de alcatra expostas em um açougue já com moscas em volta.

 

E como foi a recuperação?

Fiquei assim por um mês. Não queria saber de mulher, relacionamento, de nada. Até que reencontrei uma amiga no Rio de Janeiro. Francesa, noiva de um conde francês. Essa moça me reabilitou e tirou minha segunda virgindade. Física e emocional. Fiquei trancado com ela no anexo do Copacabana Palace por pelo menos uns dez dias, e nem descíamos para almoçar. Usávamos roupão o dia inteiro. Quero que ela seja muito feliz, e sei que está muito bem. É condessa, está feliz da vida e gosta do marido. A escorregada que ela deu foi em uma hora em que ela disse: “Eu não quero me casar”. Não que eu tenha me apaixonado por ela. Mas uma pessoa que te devolve a vida nesse aspecto...

 

Era mais gratidão que amor?

Era uma gratidão, mas quando eu a via naqueles lençóis macios... Continuava a gratidão, mas era um show de bola.

 

Dez dias sem sair do quarto...Bem, você já comentou que nunca havia falhado no sexo. É verdade?

Você sabe que nenhum homem acredita nisso.

 

Então você nunca brochou?

Nunca.

 

Como consegue?

Porque não sou obrigado, nem induzido a fazer aquilo. Faço por prazer e porque quero. É como se eu estivesse doído para tomar um vinho. Abro, cheio a garrafa, digo “que coisa maravilhosa”...E não vou tomá-lo? O que é isso? Então nunca aconteceu. Eu juro. Porque tudo é a cabeça. Sexo é a cabeça. Vou contar uma história: a Cristina não ficava na menopausa de jeito nenhum, até que começou a dar uma falhadinha aqui e ali. Fomos ao ginecologista e, no fim, ela acabou fazendo a tal da cirurgia em que é feita uma incisão no bumbum, onde é inserida uma cápsula que contém hormônios dos quais ela é deficitária. Aí o médico me disse: “Ronnie, prepare-se, porque ela vai ficar com 20 anos de idade”. No mês seguinte, eu fui falar com ele: “Você mentiu para mim. Ela está com 17”.

 

Então tudo funciona de acordo com o desejo?

Com desejo, cabeça e parceria. E olha, meu amigo, à medida que você vai ficando mais velho, a qualidade aumenta. Pode ter certeza. E não tenho nenhuma necessidade de autoafirmação. Estou impecavelmente casado com a mulher da minha vida. Não tenho interesse em nenhuma outra mulher para dizer “sou o gavião ou o galo da montanha”. Não quero transar com ninguém, a não ser com a minha mulher.

 

Até agora conversamos sobre muitas histórias que marcaram a sua vida. Mas e os boatos?

Vários boatos. De namoro, separação, filhos.

 

Pelos boatos, com quem você já teve filhos?

Com muita gente. Essas bobagens aconteciam. Mas anormalmente vinham de moças apaixonadas. Tive isso a vida inteira. O último teste de DNA que fiz tem uns cinco anos. Apareceu uma moça dizendo que a mãe afirmava que eu era o pai, e que ela ficou grávida aos 14 anos, quando eu tinha 15. Até procurei alguns amigos que trabalham com essa história de reprodução, e eles me disseram que isso é muito difícil de acontecer.

 

Mas você tinha transado com ela?

Não. Foi aquela história de um amasso, um beijinho, mão naquilo, aquilo na mão. Isso sim, com toda certeza, porque eu me lembro vagamente da história com essa menina. Mas de fato eu não transei com ela. Não teve penetração.

 

Isso foi na época do seu ensino médio?

Não. Quando eu estava na Escola Preparatória de Cadetes, em Barbacena. Anos depois, fomos ao laboratório e fizeram o teste. Acredita que não tinha um cromossomo que batesse? Então ela pediu, via Facebook, para o meu filho fazer um exame de DNA. Disse que eu havia fraudado o exame. O meu filho nunca mais quis saber de Facebook. Como você pode fraudar um exame de DNA? Nunca ouvi uma patacoada maior do que essa. A moça não se conforma até hoje.

 

Você disse que esse foi o último teste feito. Quantos casos foram no total?

Uns quatro.

 

Como foram os outros três?

Tive um romance com uma moça, e aí aparece a filha. A mãe também disse: “A gente não tem mais nada, nos encontramos e ela foi gerada”. Eu nunca mais tinha visto essa moça. Quando já estava com laboratório marcado, a garota não apareceu. (Em outro caso.) A menina entra no camarim do Teatro Fênix e me chama de papai. Devia ter uns 15 anos. Aí quando eu saio do teatro, ela está com uma moça do lado. Perguntei: “Ei, bonitinha, vamos ou não fazer o examinho?” E a garota apresenta a mulher como mãe dela. A mulher ficou de todas as cores. Então eu propus o exame. A moça começou a chorar, saiu correndo e filha xingando. Aí (por fim) apareceu uma moça na televisão dizendo que era minha filha no programa da Márcia Goldschmidt, na TV Bandeirantes. Alguém me ligou e eu fui lá saber o que era e o que não era. E houve um clima terrível. As pessoas sumiram. Nem que eu fosse o garanhão do planeta Zeus. É muito filho.

 

Também existiram boatos de que você havia morrido quando ficou doente. O que você teve de fato?

Eu tive polineurite plurirradicular (doença que afeta o sistema nervoso periférico). Mas, para 99% dos brasileiros, eu tive síndrome de Guillain-Baré. As pessoas conseguem pinçar o que de ruim existe para veicular no jornal ou revista.

 

Quando percebeu que estava com o vírus?

Quando fui no hospital. Era uma dor violenta que começou na perna esquerda. Uma virose monstruosa. A coisa foi tomando um vulto. Uma dor no corpo inteiro. Você uiva de dor, não sabe o que faz da vida. Erra uma coisa tão assustadora que, de certa forma, você tem consciência que não tem cura e quer abreviar o sofrimento. E partindo logo de mim, um cara semicético como era na época.

 

Por que semicético?

Porque eu não tinha muita fé, não tinha a fé que tenho hoje. Atualmente, se você entra na minha casa, dá de cara com um Buda tailandês, outro japonês, Nossa Senhora da Conceição... Para mim, tudo é discutível, porque um homem sem fé não é absolutamente nada, ou está pela metade. Tem que acreditar em Deus? Não. Pode acreditar no ateísmo dele. Essa é a fé dele, ele acredita nisso. Precisa de um credo. Eu acredito em energias. Mas, naquele momento, a dor era tão grande, e eu sem acreditar em quase nada da vida...Só não diria que era um materialista completo porque tinha um senso de humanidade.

 

Você só ficou no hospital?

Fui para o hospital e depois para casa, pois os médicos disseram: “Levem ele para casa, porque não há mais o que fazer”.

 

Em algum momento você chegou a achar que ia morrer?

Sem dúvida nenhuma. Eu pedi até a eutanásia.

 

Você pediu a eutanásia?

Pedi em casa. Perguntei ao enfermeiro se ele acreditava em Deus. Falei que eu não tinha cura, que meu caso era sério e pedi que aplicasse uma injeção em mim. Na verdade, pedi uma embolia (injeção de ar na corrente sanguínea). Ninguém saberia o que foi.

 

Se você tivesse coordenação suficiente para se matar sozinho, teria feito?

Possivelmente sim. Você não raciocina mais. O seu psicológico fica completamente comprometido. A dor é ininterrupta. Meu pai tinha uma amiga que todo dia ia fazer meditação comigo. Ela ficava por uns 15 minutos. E eram os 15 minutos que eu conseguia dormir no dia.


E você no auge do sucesso.

Sim. E recém-separado da Aretuza. Eu perguntava como havia contraído esse vírus. Todos os neurologistas disseram que isso ocorreu porque minha imunidade havia ido para baixo da sola do sapato, a separação havia me lavado a isso. A pior coisa que me aconteceu foi a separação do primeiro casamento, fiquei deprimido.


Como você começou a se recuperar? A dor sumiu de uma hora para a outra?

A recuperação é muito lenta. Então, um dia, consegui me sentar. Depois me manter na muleta. Aprendi a andar, fiz fisioterapia de todo tipo. Hoje estou aqui.

 

Em 1972, você atuou no filme Janaína, a Virgem Proibida, com elementos ligados ao candomblé. Ser perseguido por revistas moralistas nos anos 1970 foi divertido?

Muito divertido. “Qual é a sua religião?” Todas. Nunca fui devoto dessas religiões afro-brasileiras, mas gosto, estudo, acho bacana qualquer manifestação.

 

Que nota você dá ao Ronnie Von ator, que já fez tanto novelas quanto filmes?

Não dou nota para mim. Mas poderia, porque é muito engraçado. Ganhei 14 prêmios pelo meu trabalho em uma novela chamada A Menina do Veleiro (1969). Eu fiz O Descarte (1973), com a Glória Menezes, que contava a história de um menino jovem que se apaixonava por uma mulher de mais idade. Um filme impecável, dirigido pelo Anselmo Duarte, que ganhou oito prêmios. No próprio Janaína, levei mais quatro prêmios. Inclusive internacional, na Rússia, que nem fui buscar.

 

Você fez uma novela na Tupi chamada Cinderela 77. A Tupi estava com problemas naquela época, ela acabou fechando em 1980. Há algo que você se arrependa de ter feito?

Nada. A Tupi estava no fim, mas era uma novela de dois amigos meus, Chico de Assis e Walter Negrão. E o projeto era lindo.

 

Hoje você apresenta o programa Todo Seu, que está desde 2004 no ar. Você se sente seguro por estar em uma rede que não exige audiência?

Claro que a emissora quer audiência. Mas ela quer qualidade. Ela não me cobra coisas como pornografia, sangue, escatologia. O Todo Seu não está nesse mainstream da televisão brasileira que é pavoroso, horrível, em que não interessa o conteúdo...Eles me batem também, mas aí é uma pancada que eu gosto de tomar. Aceito soco na cara, mas digo: “Bom, estou apanhando por um motivo justo”. A audiência que interessa. Um programa de qualidade acima do razoável. Um cenário correto, uma entrevista correta, uma prestação de serviço correta, uma música correta. Seja qual segmento for. Não sintetizo tudo em um só estilo. Eu abri um leque mesmo.

 

Já na carreira musical, parece que você sempre buscou um reconhecimento que nem sempre teve. Até que ponto isso é frustrante?

Em uma escala? Uns 90%.

 

Mas, em contrapartida, o relançamento dos seus últimos discos dos anos 1960, pela série Clássicos em Vinil da Polysom, em 2013, parece ter trazido um pouco desse reconhecimento. Você se sentiu vingado?

Talvez eu usasse exatamente essa palavra: “vingado”. Porque foi seguramente no que eu mais acreditei, na história da minha vida fonográfica. Fui praticamente insultado por todo mundo. Ninguém entendeu coisas nenhuma. Tem inclusive um texto de uma música (Meu Novo Cantar, do disco Ronnie Von, de 1968) que eu finalizo assim: “Do que eu canto hoje você não quer saber, pensa que o que eu digo não tem razão de ser, mas em muito breve você vai se lembrar do que eu cantei, e então vai concordar...” É isso aí.

 

Você gostou do resultado da sua biografia (Ronnie Von – O Príncipe que Podia Ser Rei), escrita pelos jornalistas Antonio Guerreiro e Luiz César Pimentel e lançada ano passado?

Gostei. Eu estava com muito medo, porque só li o livro no dia do lançamento.

 

Como você enxergou toda a polêmica sobre as biografias não autorizadas, iniciada em 2013, quando um grupo de artistas tentou barrar livros que falavam sobre a vida deles? Uma biografia não autorizada pode prejudicar o artista de alguma maneira?

Pode até prejudicar, mas eu escolhi isso. Eu jamais bloquearia o texto. Não posso bloquear isso, desde que a pessoa não minta. Eu escolhi uma profissão de vitrine e estou sujeito a levar pedrada. Tudo bem. Eu escolhi.

 

Aos 71 anos, você tem um programa que as pessoas gostam e uma carreira musical que começa a ser vista com seriedade...

Tenho um amigo artista plástico que me ensinou algo quanto comentei sobre o prestígio dele: “Certo, estou cheio de prestígio. Agora eu preciso comer”. É mais ou menos o meu caso. Profissionalmente, o que isso representa? Prestígio. Ponto. Quer dizer também que se eu precisasse refazer a minha vida hoje, correr atrás de algo, eu estaria perdido. Porque só o que eu tenho é prestígio.

 

Sua história com a TV começou em 1966, quando você foi contratado pela Record para apresentar O Pequeno Mundo de Ronnie Von. Você acha que foi sabotado nesse caso?

Não sei se foi sabotagem. Meu programa seria no domingo (a atração foi transmitida aos sábados), em cima do Jovem Guarda. Eu não diria sabotado, mas anulado.

 

De quem acha que partiu isso? Do Paulo Machado de Carvalho Filho (dono da Rede Record), do Roberto Carlos ou de outra pessoa?

Na verdade, não sei. Acredito que a assessoria dele (Roberto Carlos) possa ter um dedo nisso. Talvez tenham feito a cabeça do Paulo Machado de Carvalho. Porque, antes de morrer, ele confessou que havia me contratado para que eu não fosse uma ameaça ao Jovem Guarda. Tanto que eu não poderia frequentar o programa, ninguém que fizesse o Jovem Guarda poderia ir ao meu programa. Eu quase não tinha convidado. Cheguei a fazer um programa inteiro de uma hora só com Os Mutantes.

 

E tem a história na qual o Roberto Carlos teria cantando Querem Acabar Comigo olhando para uma fotografia sua. Você queria acabar com ele?

Pelo contrário.

 

Mas parece que ele não gostava desse tipo de competição.

Era uma coisa meio por aí. Eu não sei se partiu dele. Seria até leviano dizer que partiu, porque nós temos uma relação tão boa hoje. Mas, da assessoria dele, seguramente. Porque a gente ouve todo mundo em tudo e perde a cabeça com bobagem. Soube dessa história por uma centena de pessoas. O técnico de som, os músicos, a moça com quem ele saía na época... Todo mundo me contou a mesma história, sem mudar nenhuma linha.

 

Então ele cantou olhando para sua foto?

Que aconteceu, aconteceu. O que eu discuto é se isso partiu dele. Não sei. Pode ser que a insegurança fosse por parte de quem administrava a carreira dele. Não sei. É leviano acusar o cara.

 

Publicado originalmente na revista Playboy em outubro de 2015

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