Playboy entrevista Soninha
(janeiro de 2002)
A apresentadora demitida por
declarar que fuma maconha, fala de droga, gravidez precoce, traição, budismo e
por que doa metade do que ganha por mês
Novembro último foi uma
correria integral para Soninha. Se houve alguma overdose naquele mês, foram de
telefonemas, entrevistas e debates. Depois de declarar à Época que fuma
maconha – o que resultou na sua demissão como apresentadora da TV Cultura e num
processo contra a revista -, ela falou com agência internacional de notícia e
jornal japonês, discutiu no programa da Adriane Galisteu e em muitos outros na
TV, participou de discussões na Assembleia Legislativa do Rio. Até no Congresso
a história foi discutida. Soninha virou assunto nacional. “Minha vida virou de
cabeça pra baixo mesmo”, diz ela, que passou pelo menos duas semanas falando
sobre o assunto, de manhã, à tarde e à noite.
Existem dados mais
surpreendentes na biografia dessa paulistana de 34 anos que teve a franqueza de
reconhecer em público que fuma maconha. Casada pela terceira vez, tem três
filhas, uma de 17 (Rachel), outra de 15 (Sarah) e a mais nova, de 4 (Julia).
Com o marido atual, Marcelo, músico de 31, mora num apartamento de 50 metros
quadrados em Perdizes, Zona Oeste de São Paulo. Marcelo administra a casa, mas
quem paga as contas e até viagens dele é a mulher. “Ele não precisa trabalhar,
o que recebo dá pra gente viver bem”, garante.
Mas o orçamento da casa sofreu
o recente baque da demissão de Soninha. Foi reduzido, segundo ela, em “uns
40%”. Soninha vai ter de cortar a alta cota de generosidade que afirma praticar
– outro lado pouco conhecido dela. “Doou para instituições e pra gente que eu
conheci na rua”, revela. “Quase metade do que recebo”, diz Soninha, que soma
agora os ganhos da ESPN, das colunas da Folha e da América On-Line, em
que produz conteúdo para um site. “Não quero parar de doar. Me sinto na
obrigação, porque, mesmo com a demissão, o que entra de dinheiro é suficiente”.
Nesta casa em Perdizes quem
mais entende de futebol não é Marcelo. Soninha é quem vibra com os programas de
mesa redonda aos domingos – isso quando ela não participa deles, como
comentarista da ESPN Brasil. “Amo futebol de paixão”, informa a palmeirense (“quase
fanática”). Soninha também escreve uma coluna na Folha de S. Paulo.
Talento nato para falar de futebol. Uma das poucas representantes femininas na
área, tem opinião firme e se sai bem nas discussões com ruidosos especialistas
de mesas redondas.
A trajetória da apresentadora
daria um livro bacana. Sônia Francine Gaspar Marmo nasceu no bairro de Santana,
Zona Norte de São Paulo, numa família de classe média sem muita grana. Os pais
se separaram quando Soninha tinha 12 anos. Aos 15, engravidou. A adolescência
praticamente se encerrou aos 16, quando, já com uma filha no colo, ela se
casou. Foi então morar num apartamento pequeno, sem TV, som e conforto. Dureza
brava. Anos depois estava separada, com mais uma filha para cuidar. Ela, que já
ralara muito (fez teatro, deu aulas de inglês, tomou conta de criança em
orfanato), foi à luta. Estudou cinema na USP. Em 1990, casou-se pela segunda
vez. Tinha então emprego novo – como produtora da MTV. Anos depois, ela sairia
dos bastidores para apresentar clipes e, mais tarde, o Barraco MTV, em
que mediava debates ao vivo.
O editor-especial Marco
Antônio Lopes conversou com ela no apartamento de Perdizes por mais de sete
horas, divididas em três sessões de entrevista.
“O prédio é antigo e fica numa
rua calma. De uma padaria vizinha saiu um senhor meio gordinho, com uns 60 e
tantos anos. Soninha foi abordada por ele na porta do edifício. ‘Minha filha,
você não pode ser crucificada assim!’, bradava.
Depois da demissão, Soninha
falou com muita gente na rua. Ela gosta disso e faz com disposição. Não
complica nas argumentações. Fala simples e direto. E fala também pelos
cotovelos, sem nunca cansar quem ouve. Conta história, gesticula, se mexe
muito, diverte, diz gíria e palavrão aos montes. Não faz pose nem firula para
responder as perguntas.
Veste-se despojadamente, sem
frescura, meio antiperua. Nas entrevistas para PLAYBOY, estava de calça de
abrigo e camiseta de banda de rock. O lugar onde ela mora também não tem
segredo. O seu apê é cheio de imagens budistas (ela virou budista, praticamente).
Lugar pequeno, mas confortável, colorido, alto astral. São dois quartos. A sala
é o maior cômodo. Ali ficam dois computadores. É também local de trabalho.
Sem cerimônia, ela diz: ‘Vamos
pra quarto. Na sala é muita bagunça’. Sentada na cama, relembrou da
adolescência louca ao episódio em que foi comentada quase pelo país inteiro.
‘Pelo menos abriu o debate, né?’, diz. ‘Até aquele velhinho hoje fala de maconha...
Mas que figura, hein?’
PLAYBOY – Você fuma maconha?
SONINHA –
Pouquíssimas vezes.
PLAYBOY – Mas quanto você
fuma?
SONINHA – Como
eu já disse antes, só em casa de amigo, em festa. Não na minha casa...
PLAYBOY – Qual foi a última
vez que você fumou antes da sua demissão da TV Cultura?
SONINHA – Acho
que algumas semanas atrás...
PLAYBOY – Onde foi?
SONINHA – Na
casa de amigos. Teve jantar, sopa, sobremesa e o dono da casa acendeu um back,
como faz normalmente na casa dele. Dei um pega...
PLAYBOY – Só um?
SONINHA – Dois,
três, sei lá. Uso pouco mesmo. Nunca comprei. Não consigo comprar. Tenho
resistência a isso.
PLAYBOY – Por quê?
SONINHA – Por
causa do traficante. Não acho certo dar dinheiro pra traficante. Então esse meu
amigo da festa teria de qualquer jeito. Adoraria ter um pouco em casa... Mas,
mesmo se tivesse, não fumaria todo dia. Porque trabalho muito, não tenho um
puta tempo de lazer. E não dá vontade de fumar quando estou estressada. Pelo
contrário, quando eu fumo, eu já estou numa situação sem estresse nenhum. Na
praia, na montanha, na casa de amigo depois de tomar uma sopa de abóbora... (ri).
PLAYBOY – Já fumou mais?
SONINHA – Até
teve uma época em que eu fumei mais. Quando eu convivia com amigos que sempre
têm maconha em casa. Isso na faculdade, ou antes dela. O primeiro baseado que
eu vi na vida eu tinha 14 anos. Via milhões de pessoas fumando e tinha certo
medo. E se me baixar a pressão, e se eu desmaiar? Sei lá! Aí vi que não
acontecia nada tão dramático com quem fuma. Mas só fui tomar uns dois anos
depois. Senti o efeito, que é bem relax...
PLAYBOY – Quais outras drogas
você experimentou?
SONINHA – Além
das variáveis de maconha, como haxixe e skunk, tomei ácido uma vez. Foi foda
porque eu morria de medo de ácido. Sempre ouvia aquelas histórias que o cara
não volta da viagem. Mas tinha muita vontade e experimentei. Fiquei acesa e
rindo muito. Foi legal, mas também nunca mais tomei. Cocaína nunca tive
vontade. Vejo nego cheirando e me dá aflição. Ectsasy, benzina, também não tive
vontade de saber qual era a sensação.
PLAYBOY – Suas duas filhas
mais velhas (uma de 17 e outra de 15; a menor tem 4) podem fumar ou
tomar outras drogas?
SONINHA – No
começo, quando elas me viam fumando, na casa de amigos, perguntavam: “Você não
fuma cigarro, não bebe e tá fumando isso aí?” Explicava que esse cigarro (de
maconha era diferente). Não vou mentir. Elas estavam me vendo fumar. Mas
não abria tanto o jogo. Quando chegaram a uma idade em que já sabiam o que é
maconha, ficaram mais putas de me ver fumando. “Ah, mãe, já vai fumar essas
porcarias?”
PLAYBOY – Elas nunca fumaram?
SONINHA – Não.
Não sei se vão mudar de ideia daqui a um tempo. Sempre ficavam bravas de me ver
fumando. Aí eu dizia: “Filha, todo mundo pode beber, ficar bêbado, mas fumar,
não? Tô fazendo mal pra alguém?” Não sei se elas vão experimentar um dia. Tenho
certeza de que as minhas filhas nunca vão tomar um porre. Não gostam nem de
beber.
PLAYBOY – E se você
encontrá-las fumando?
SONINHA – Vou
querer saber onde elas conseguiram, quanto estão fumando. Mas por outro lado,
elas têm tanto bom senso e responsabilidade que isso não me preocupa.
PLAYBOY – Nesse episódio da
sua demissão, o que suas filhas comentaram?
SONINHA – O bom
foi que eu falei pra elas antes. Disse que ia sair numa matéria com várias
pessoas que fuma. Falei do horror que as pessoas têm de maconha, que tem que
deixar de ser crime. Elas entenderam, mas deram risada e falaram: “Imagina
quando a vó Neide (a mãe de Soninha) ler a matéria...” (Risos.)
PLAYBOY – Sua mãe acha normal
você fumar?
SONINHA – Na
verdade, falei com ela sobre esse assunto dois dias depois que a matéria tinha
saído e o mundo já estava virado pra mim. Ela já tinha visto toda a discussão,
sabia da demissão, leu as revistas. Minha mãe deu apoio. Nem sei se ela se
surpreendeu com o fato de a filha fumar maconha. Acho que não. Mas ela sabe o
quanto eu sou careta com outras coisas, como cigarro e bebida. E sabe que eu
fumo pouco.
PLAYBOY – Como foi exatamente
o episódio da sua demissão? Quando deu a entrevista que dizia que fumava, você
não temia nada?
SONINHA – Não
pensei nos diretores da (TV) Cultura. Pensei em quem não me conhecia.
Quando a repórter da Época ligou, topei falar em descriminalização. E
achei eu isso não poderia dar problema. Eu tinha todo o direito de dar a minha
opinião. Durante essa conversa com a repórter, ela me perguntou se eu fumava, e
aí, lógico, falei. Era verdade, fato. Tem gente que fuma e não é desvairado,
não vai bater na mãe pra comprar droga. Conheço milhares de pessoas assim.
Falei na boa. Ainda pensei que teria gente que iria achar que “era uma menina
tão boazinha e não é mais...” Mas de jeito nenhum toparia ser capa com o título
“Eu Fumo Maconha”.
PLAYBOY – Mas a repórter não
falou que a reportagem poderia ser capa?
SONINHA – Acho
que me lembro dela ter falado. Mas ser matéria de capa e estar na capa são
coisas bem diferentes.
PLAYBOY – Qual a diferença?
SONINHA – Ela
me ligou e disse: “Vamos fazer uma matéria com pessoas falando sobre
descriminalização”. Como eu sou a favor, topei. No meio da entrevista, falei:
fumo, às vezes. Mas ela não me disse que sairia uma capa dizendo que eu fumo...
PLAYBOY – Se você já falou que
fuma lá dentro, o que muda?
SONINHA – Muda
porque quem vê aquela capa, aquele outdoor, não sabe de nada. Fica
estereotipado. A pessoa não sabe que eu tenho uma posição, que é liberar, mas
com regra. Que eu acho que maconha também faz mal. Ou seja, reduz a discussão.
PLAYBOY – O Brasil inteiro
discutiu o assunto e você acha que saiu como “a maconheira”?
SONINHA – Não.
Mas sei que tem muita gente que entende errado.
PLAYBOY – Como você ficou
sabendo que saíra na capa?
SONINHA – Era
um domingo. Eu estava em Cumbica (no aeroporto internacional de Guarulhos,
em São Paulo). Fui lá buscar meu marido, que voltava de viagem do Nepal. E
a minha filha de 4 anos deu um grito assim: “Olha, mãe, você na revista!”.
Gelei. Quando olhei e vi o título, “fumo maconha”, morri de vergonha! A
sensação que eu tinha era de que todo o mundo estava me olhando no aeroporto:
“Ela fuma maconha”. Normalmente, eu ando na rua e não tenho a sensação de que
todo o mundo me conhece. Porque, meu, 30% das pessoas me conhecem no máximo.
PLAYBOY – Mas te reconheceram?
SONINHA – Não
sei, acho que só algumas pessoas.
PLAYBOY – Alguém te chamou de
maconheira?
SONINHA – Não...
Algumas se cutucavam e davam um sorrisinho. E eu já não sabia se era só porque
me conheciam ou porque falavam: “Olha lá a menina que fuma maconha...” Fiquei
envergonhada. Aí, sem falar nada, peguei meu marido. Minha sogra, meu sogro,
minha filha estavam também no carro. A gente tava voltando pela Marginal (Tietê,
uma das principais vias expressas da cidade), ele contava superanimado da
viagem... Fazia vinte dias que eu não via meu marido... E de repente vimos o
outdoor, falando que fumo maconha! Ninguém quis comentar aquilo na hora. Nem
criticaram depois. Até o dia seguinte, eu fiquei com aquilo me incomodando.
PLAYBOY – E como foi o dia
seguinte?
SONINHA – Eu
estava me sentindo mal. Depois do almoço, o meu marido voltou com a Época.
Abri e fui direto ao meu depoimento. Li e foi um alívio. Diminuiu bastante a
minha ansiedade. Era aquilo mesmo que eu queria dizer. A repórter pegou os
pontos principais de uma hora de conversa, enxugou, ficou ótimo. Colocou que eu
tinha medo de ser mal compreendida, que tinha de liberar, mas com regras, que
fumo pouco. Então, fiquei aliviada, mas ficava só lembrando do outdoor. Aquele
assunto virou um peso. Fechei a revista, pus na bolsa e fui pra TV. Eu cheguei
na emissora morrendo de vergonha.
PLAYBOY – O pessoal que
trabalha com você criticou a reportagem?
SONINHA – Não.
Cruzei com um cara do Cartão Verde (programa esportivo da Cultura),
que falou rindo: “Ô, Soninha, que história é essa? Não falava nada, hein?” Aí
eu disse: “Tava mais do que na hora de alguém falar a verdade, pô!” Aí ele
tirou um sarro. E eu: “Olha, a cana, hein?” (Risos.) Aí fui preparar o RG
(o programa diário que ela apresentava). Encontrei o pessoal da
produção. Ninguém falou nada. Fui trabalhar normalmente, vendo que convidado
estava confirmado, as pautas... Aí vem a secretária da Cultura. “Estão te
chamando na diretoria”.
PLAYBOY – Aí você já imaginava
que seria demitida?
SONINHA – Achei
que ia tomar uma puta bronca pela capa. Esperava dureza. Que não renovassem meu
contrato em 2002. Cheguei na sala. Estava o diretor mais duas pessoas que eu
não sei por que estavam ali. Então ele falou (faz como se estivesse jogando
uma revista na mesa): “Como a gente, na Cultura, vai defender qualidade na
programação se você diz que fuma maconha?”
PLAYBOY – Não faz sentido?
SONINHA – Não,
claro que não. Falei pro diretor: “Se vocês não conseguirem defender a
qualidade da programação porque eu fumo maconha, vocês estão muito mal de
advogado de defesa...” Ninguém vai colocar a programação em dúvida por minha
causa.
PLAYBOY – Por que não?
SONINHA – Nem a
pau. Ninguém vai sair fumando por aí só porque uma apresentadora diz que fuma.
Isso é subestimar a inteligência de quem assiste TV. É o contrário. As pessoas
precisam ficar sabendo, porque é a vida real. Existe gente que fuma às vezes,
não rouba, não deixa de trabalhar por causa disso. Expliquei a história toda,
que várias pessoas tinham sido entrevistadas pra dizer que fumavam e eram
normais. Falei que se não se falar a verdade, a discussão sobre maconha vira
uma fantasia, uma mentira.
PLAYBOY – E o que ele
respondeu?
SONINHA –
Disse: “É. Mas não dá pra gente ficar com isso aqui...”
PLAYBOY – A decisão já tinha
sido tomada, não?
SONINHA – Já,
eu é que não estava entendendo. E o diretor: “Mas não dá. Estamos numa situação
delicada, não podemos continuar essa associação com você. Significa que o RG
vai sair do ar”. E eu: “Quando?” Ele falou: “Imediatamente. Você descumpriu uma
lei, está na capa, não dá pra dizer que é mentira. É mentira”.
PLAYBOY – O que você disse pra
ele?
SONINHA –
Argumentei: “Você leu a matéria? Eu disse que fumo de vez em quando... Não
compro, não tenho em casa...” Ele falava: “Mas a gente não pode botar um
advogado pra dizer o contrário”. Aí eu ainda disse: “Chama outra pessoa pra
apresentar o programa”. E ele: “Não tem jeito, está fora do ar”. Depois ele me
apresentou uma carta que dizia “hoje, rescindimos o contrato”. Peguei o papel e
levei na produção. “Olha, não trabalho mais aqui. Tô fora da TV Cultura” Aí
cada um caiu da sua cadeira, sabe? Ainda mais que eu falei que não tinha mais
programa naquele dia e que ele ia acabar. E depois encontrei aquele mesmo cara
do Cartão Verde, que zoou comigo. Falei que estava fora e ele: “Como
assim? Tá brincando?”.
PLAYBOY – A repercussão dessa
história foi ruim para você?
SONINHA – Não.
Recebi mensagens bem contrariadas, algumas bem agressivas, quase violentas. A
Cultura recebeu uns depoimentos na linha “tirem essa drogada do ar”. Nos sites
que botavam a pesquisa “você acha certo a TV Cultura demitir Soninha”, ficou
meio dividido. Mas a mim chegou muito mais apoio e de muita gente que eu não
imaginava. Era de se imaginar que o (deputado federal do PT, Fernando)
Gabeira me defendesse, mas várias pessoas que eu não imaginava também me
apoiaram. A maioria que escreveu pro RG era a meu favor, me contaram
depois. Diziam: “Absurdo, hipocrisia, farsa!”. Também achei. Aliás, já discuti
maconha no meu programa mesmo, o RG. Foi recente (em outubro). A
gente levou até um médico de um grupo da USP que estuda drogas e um jornalista
que era a favor da descriminalização. Sem falar que fuma.
PLAYBOY – Você deu sua
opinião?
SONINHA – Não.
Já falei de muitas coisas no RG, mas sem dar opinião. Porque num debate
na TV, acho que o mediador deve ficar na dele.
PLAYBOY – Por que só pode
tomar partido fora do programa?
SONINHA – Acho
que o cara que assiste e tem uma opinião contrária à minha pode se sentir
excluído da conversa.
PLAYBOY – Você decidiu
processar a Época antes ou depois da demissão?
SONINHA –
Antes. Mas não sabia por onde começar. O (cartunista) Angeli (também
saiu na mesma reportagem da Época) me ligou. Ele tinha ficado puto com a
capa, pelos mesmos motivos que eu. Disse que já tinha uma advogada, e perguntou
se eu queria entrar com uma ação junto com ele. Nunca tive advogado. Aí topei.
Se tivessem me dito ‘vamos pôr sua foto a favor de descriminalização da
maconha’. Você autoriza”, tudo bem...
PLAYBOY – Mas o que isso
mudaria?
SONINHA – Tudo,
pô. Puta, com essa frase “sou a favor da descriminalização”, podia ter a minha
foto ali, não teria nada contra. Teria essa opinião mesmo se não fumasse.
Aliás, se eu precisar parar, eu paro, ou fico meses sem fumar. A informação de
que fumo é importante porque é uma verdade.
PLAYBOY – Não foi o que eles
da revista fizeram?
SONINHA – Foi,
mas vou falar de novo: tudo o que eu os disse colocaram na matéria. Mas quem
ler só a capa – e sei que é um recurso do jornalismo e tal – não vai entender
direito o meu ponto de vista. Porque é possível ser usuário de maconha e não
ser dependente, e não passar pra cocaína, pro crack, pra ser internado. Falei
que fumo pra desmentir essas coisas. Fumo porque gosto do efeito. E o que a
maconha faz em mim? É como tomar champanhe no ano-novo, cacete!
PLAYBOY – Mas faz mal.
SONINHA – E
isso eu sempre digo, tem esse lado, sim. Por isso que acho que colocar uma
frase “eu fumo maconha” reduz totalmente a discussão.
PLAYBOY – Você se arrepende de
tudo?
SONINHA – Não.
Falei uma verdade, falei um fato.
PLAYBOY – Já fumou maconha
desde que foi demitida?
SONINHA – Não
tive nem ânimo... (Ri.) Maconha é aquilo mesmo pra mim: ás vezes, em
casa de amigo...
PLAYBOY – Você já foi
repreendida por alguma coisa que falou no ar, na Cultura ou na MTV?
SONINHA – Na
primeira entrevista mais longa que eu dei, pra (revista, já extinta) Trip
College, a assessoria de imprensa (da MTV) ficou do meu lado vendo o
que eu falava. Perguntaram, por exemplo, de maconha. Tinha uma pergunta no
final assim “cerveja ou maconha?”. Dei risada e disse: “Detesto cerveja” (risos).
A assessora ficou meio apreensiva. Porque a MTV era muito visada. Mas não rolou
advertência. A assessora só disse: “Cuidado com o que você diz, hein? Podem
entender mal...” Na Cultura, já impuseram algumas pautas, mas normal...
PLAYBOY – Já vetaram alguma
coisa?
SONINHA – Nunca
vetaram nada e nunca me advertiram.
PLAYBOY – De que maneira ter
saído da Cultura balançou seu orçamento?
SONINHA –
Nossa, balançou muito! A America On-Line (em que ela tem uma página com
conteúdo para jovens) e a Folha (em que assina uma coluna sobre
futebol) são complementos do que eu ganho. Na ESPN, a grana que recebo é
praticamente idêntica ao que ganhava na Cultura. Perdi... Deixa eu fazer umas
contas... uns 40% do que ganhava.
PLAYBOY – Como você vai
compensar isso?
SONINHA – Doar
menos. Eu doava no mínimo 30% de tudo o que ganhava, e, dependendo do mês, até
50%. Vou ter de reduzir, ou procurar alguém pra ajudar. Uma parte do que ganho
vai pro centro budista que frequento. Uma outra pra um orfanato de São Caetano,
mais para uma ONG na Lapa... Pago escola, dentista, material de construção, 24
cestas básicas e vários aluguéis de gente que eu conheci, que moravam na rua. O
pessoal me critica muito: “Ah, mas você só tá sustentando...” Sei que não é a
melhor maneira. Mas ao mesmo tempo não consigo negar. Se eu ganho mais do que
preciso pra viver, me sinto na obrigação de passar adiante de algum jeito.
PLAYBOY – Você não guarda
nenhum dinheiro pra você?
SONINHA –
Guardo pouco. Fiz dois trabalhos de publicidade, que deram um cachê maior. Pra
padrão de publicidade era ridículo, mas pra mim era muito. O que eu ganho dá
pra viver bem, tanto que eu doava metade. É assim: moro num apartamento de 70
metros quadrados. Pra mim tá bom demais. Minhas duas filhas maiores moram com o
pai, no Tremembé, Zona Norte (de São Paulo).
PLAYBOY – Você não fica muito
distante delas?
SONINHA – Primeiro,
porque elas estudam no mesmo colégio que eu estudava, que fica lá perto do
Tremembé. Depois, porque se ficassem neste apartamento, não dava. São duas
cavalonas. E por último porque a gente sempre se encontra, finais de semana,
elas ligam sempre. Normal. Eu trabalho muito e não teria tempo pra gente se
encontrar direito, mesmo se morássemos juntas. Uma coisa que eu sinto falta no
meu apartamento é de um lugar só pra trabalhar. Do tipo: a gente vem conversar
aqui, né? (No quarto dela, em cima da cama.) O escritório real é na
sala. Mas é muito bagunçado, tem papel pra tudo quanto é lado. Nunca fiz
questão de ter casa própria. Não gasto muito. O Marcelinho (o marido)
adora quando eu compro roupa pra mim. Mas é roupa simples, sabe? Uma roupa um
pouquinho mais apresentável é foda, porque não tenho.
PLAYBOY – Em casa, é você quem
trabalha. Seu marido cuida do apartamento e da sua filha. Isso não é tão comum.
Você acha normal?
SONINHA –
Acho... Ele é músico e, quando não tem trabalho, fico em casa mesmo. Falei pra
ele: “Você não precisa procurar emprego. A gente gasta pouco, o que eu ganho dá
pra nós”.
PLAYBOY – E houve muita
gozação?
SONINHA – Só de
brincadeira. Dizem aqueles “ah, queria ser seu marido, hein! Quero um emprego
ideal...” (Risos.) Já quiseram que o Marcelinho não ficasse mais em
casa, sem nada pra fazer, que achasse coisa melhor. Como se ele passasse por
problemas...
PLAYBOY – Ele não se sente mal
com isso?
SONINHA – Não,
normal... Ele sempre fica na dele.
PLAYBOY – Ele não fala “preciso
trabalhar” nunca, não tem conflito?
SONINHA – Ele
já quis mandar currículo, essas coisas. Mas acho besteira ficar com essa
encanação. Já ganho o suficiente. E temos conta conjunta.
PLAYBOY – Mas o orçamento de
casa diminuiu. Ele não precisava trabalhar agora?
SONINHA – Acho
que não... Vou ter é que rever mesmo essa rede (de doações). O que eu
ganho ainda é suficiente. Os maiores gastos que eu tive este ano foram com
passagem aérea. Consideráveis, porque o Marcelinho ficou um tempão lá no Sul,
trabalhando como voluntário no templo budista. E ele passou vinte dias no Nepal,
fazendo uma peregrinação e um pouco de passeio. Este ano fui várias vezes ao
Sul pra encontrá-lo no templo. Mas não erro. Já fui tão dura que reduzir as
despesas não é fácil.
PLAYBOY – Você falou uma vez
que tem “inaptidão às coisas do lar”. Quem tem aptidão é ele, seu marido?
SONINHA – Nossa,
sou ineficiente pras coisas do lar mesmo, embora já tinha sido dona de casa.
Quando tive as minhas filhas mais velhas, lavava roupa na mão. Hoje, gosto de
cozinhar. Faço mulher bolo, pavê, sobremesa. Não é ruim minha comida, não,
cara. Só não tinha um repertório muito vasto. E tenho os piores métodos pras
coisas domésticas. Dá pra ver que eu tenho dificuldade pra jogar coisa fora (aponta
pra dezenas de livros e caixas com CDs jogados no canto do quarto)... Já o
Marcelinho leva minha filha pra escola, vai ao supermercado.
PLAYBOY – Você sai e deixa uma
grana pro seu marido fazer feira?
SONINHA – Não,
nem precisa. Desde que a gente começou a namorar tem conta conjunta. Ele
administra, vai ao supermercado, faz feira se for o caso, leva nossa filha pra
escola. O Marcelinho é o homem do lar. A gente se conhece faz tempo. Olha só.
Foi em 1993, 94. Ele tocava na banda de um amigo meu. Aí conheci e fiquei muito
interessada. E toda vez que eu o encontrava era: tóinnnn (risos). A
gente começou a namorar em 1995, no meu aniversário.
PLAYBOY – Ele fica em casa,
não trabalha. Você é ciumenta?
SONINHA – Hoje,
não.
PLAYBOY – Numa festa você fica
atenta, pra ver se ele pode estar olhando pra outra mulher?
SONINHA – De
jeito nenhum! Isso é ridículo.
PLAYBOY – Como você encararia
eventuais traições? Ou já encarou?
SONINHA – Já
encarei traição, passei por isso com meu primeiro namorado, o Binho. Foi uma
puta tragédia pra mim, porque eu punha minhas duas mãos no fogo por ele. Foi
bem no começo do namoro. As pessoas erram, se apaixonam, vacilam. Têm uma
oportunidade e aproveitam. Então nunca mais confiei cegamente em alguém.
PLAYBOY – Já quebrou a cara
outras vezes?
SONINHA – Nunca
fui surpreendida. Não cultivo ciúme, nem teria nada com alguém que tivesse
ciúme de amigo, de telefonema. Agora, tem horas que a história rola. Uma vez o
meu segundo marido, o Alemão, se envolveu com uma amiga nossa. Na boa, ficou
apaixonado. E eu seu superperspicaz. No começo nem liguei muito. Mas chegou uma
hora em que começou a atrapalhar. Um dia, depois de receber a notícia de que
tinha arranjado emprego ele não contou primeiro pra mim. Foi correndo contar
pra essa amiga que ele tava meio a fim. Aí não dá. A camaradagem tinha sido
traída, não é nem a atração por outra mulher. Terminamos bem depois, até porque
não tinha mais aquela paixão.
PLAYBOY – Você pode contar nos
dedos os namorados que teve?
SONINHA –
Posso. Sabe por quê? Nunca fiz questão de namorar. Se eu ficava com alguém era
porque eu queria muito. Mas basicamente meus namorados foram os meus maridos.
Como o Roberto (o Binho), o Alemão (o Hélcio) e o Marcelinho.
Quando eu digo que casei três vezes, o pessoal fala: uh, uh! (Risos.)
Vida louca dessa mina: 34 anos, três casamentos! Por esse lado, são muitos
maridos, mas se você pensar como namorados, são poucos.
PLAYBOY – Você disse que não
compra roupa, não dá bola pra vaidade. Tem estojo de maquiagem, essas coisas?
SONINHA – Só o
básico... (ri). Nunca achei a menor graça em me maquiar.
PLAYBOY – Você nunca foi
perua?
SONINHA – Ah,
não, nunca. Quando eu era pequena, era assim, meio Joãozinho... E esse era
motivo de muita frustração infantil. Minha mãe pedia pra cortar o cabelo curto,
achava muito bonito. Passei muito tempo respondendo à pergunta: “Você é menino
ou menina?” (risos). E eu tinha a maior vontade de ter rabo de cavalo,
sabe? Quando ela não mandava mais no meu cabelo, deixei crescer. Aos 15 anos,
era muito comprido. Hoje vai do momento, varia. Na adolescência, eu gostava de
ficar imunda, ou largada. Lembro de um dia que eu tava no treino de basquete.
Num intervalo, atravessei o pátio do colégio pra ir ao banheiro. Eu tava de
calção, camiseta e um boné. Quando passei, a diretora gritou (era colégio de
freiras, só de mulher): “Ô, menino, que cê tá fazendo aí?” (Risos.)
Depois, ela me viu de perto: “Desculpa! Também de longe, com esse boné...” (Risos.)
PLAYBOY – Não tinha umas
amigas que tiravam sarro desse seu visual?
SONINHA – Muitas.
Mas eu tinha a minha turma, a das que andavam esculhambadas. Lógico que tinha
umas garotas que adoravam vir passar lápis no meu olho, pra ver como ficava.
Mas eu gostava de andar largada.
PLAYBOY – Sendo largada, como
você seduzia os caras?
SONINHA – Ah,
eu não era muito boa nisso... (ri). Tentava conquistar fazendo o que eu
sabia fazer bem: jogar vôlei. Porque aí eu aparecia. Quando eu queria ficar
bonita, ficava mais esculhambada. Não era então total ausência de vaidade. Mas
tinha que gostar de mim daquele jeito.
PLAYBOY – Seus pais se
separaram na sua adolescência. O que mudou na sua vida?
SONINHA – Foi
superdramático. Descobri por acaso que eles estavam brigando. Ouvi uma conversa
e fiquei chocada. Naquela época era tabu se separar. Acho que 1976, 77. Na
escola todo mundo sabia quem era filho de pais separados. Minha mãe é que
queria se separar. Aí meu pai foi viajar e não voltou mais. Depois eu passei a
brigar muito com ela. A gente se dava bem, ao mesmo tempo. Era meio
esquizofrênico. Mas era legal. Ela me deixava ouvir “conversa de adulto”, e
coisas da vida dela, de trabalho, política. E até ouvia meus conselhos.
PLAYBOY – Você namorava muito?
SONINHA – Eu
tinha certa aflição de que não tinha beijado ainda, isso com 12 anos, sabe?
Vivia apaixonada por uns quatro meninos ao mesmo tempo. Ficava com um ou outro,
normal. Mas namorar, não. Aos 14 anos conheci um cara do teatro da (escola
de inglês) Cultura Inglesa. E aí rolou uma puta história. Depois de um
tempo a minha mãe o deixava dormir em casa. Porque ela achava normal. E aí
rolou uma coisa muito gradual entre nós. Um avanço, uma descoberta muito aos
pouquinhos. Tocar no peito, amassos... Durante muito tempo, cara, a gente não
transava, mas tinha várias experiências juntos. Eu tinha medo de transar, juro.
Vai doer? Mas um dia rolou, tranquilo.
PLAYBOY – Foi na sua casa?
SONINHA – Não
vou falar (envergonhada, ri)... Não foi nada demais...Um dia, quando eu
tinha uns 14, a gente – eu e uma amiga – tava vendo uma revista. Tinha uma foto
de um casal tomando banho. Era um anúncio de um sabonete. Essa amiga disse:
“Deve ser bom, né?” Falei: “Ô!” E ela: “Ah, sua filha-da-puta, me conta, me
conta! Já tomou banho com alguém? Disse que era muito bom mesmo...
PLAYBOY – Você sabia tudo
sobre sexo?
SONINHA – Ah,
meu, tava cansada de saber disso! No colégio ensinavam. Em casa também.
Gravidez e como evitar era um assunto normal. “Olha lá a Antonieta, sua tia...”
(Risos.) Então eu sabia tudo, tive até debate sobre masturbação no
colégio. Lembro da psicóloga falando: “Masturbação é normal. Todo mundo faz”.
Pensei: nossa, que alívio que alguém falou isso... E aprendi muita coisa lendo
revista feminina.
PLAYBOY – Mesmo informada,
você engravidou aos 15 anos. O que aconteceu?
SONINHA –
Vacilo total. E aconteceu comigo o contrário de todo mundo. Minha mãe não
queria que eu me casasse. Porque aí seria ceder a uma “pressão da sociedade” –
mas não tinha nenhuma pressão. A gente queria casar, era o que a gente mais
queria. Na época, eu trabalhava em orfanato. Ter um filho pra mim não era um
estorvo. Claro que quando a minha mãe soube, ficou passada. Aí minha avó tinha
um apartamento alugado, que vagou e ofereceu pra gente morar. O apartamento
estava superdetonado. Passei o último mês de gravidez pintando. Uma noite, eu e
o Binho combinamos de sair pra comer uma pizza.
PLAYBOY – Nasceu na pizzaria?
SONINHA – (Risos.)
Quase. Fomos a pé. No meio do caminho, senti contração. Daí veio uma outra bem
forte. Na pizzaria, sentamos e fizemos o pedido. Aí a contração voltou forte.
Falei: “Melhor a gente ir pra maternidade”. Fui ao balcão e disse: “Dá pra
embrulhar a pizza pra viagem?” (Risos.) Minha avó morava mais perto da
pizzaria. Meu avô pegou o carro. E assim, meu avô, em plena 23 de Maio (uma
das principais avenidas de São Paulo), ia a 40 (quilômetros) por
hora! (Risos). E eu no banco de trás, tentando manter a calma. No
hospital, um puta embaço absurdo. A moça do balcão perguntava: “Seu nome,
endereço, idade, nome do pai...” (Risos.) De repente apareceu meu
médico. Que alívio! Ele examinou: “Sala de parto imediatamente!” Uns 10 minutos
depois a Rachel já tinha nascido, cara! Maior facilidade o parto. “Primeiro
filho?”, a enfermeira perguntou. “Parideira nata, hein?”(Risos.) Depois,
no quarto, ainda comi a pizza! (risos) Três meses depois, nos mudamos
pro apartamento. Antes, a gente foi pro cartório casar, até porque eu tinha 16
anos.
PLAYBOY – Como foi perder a
adolescência em função do filho?
SONINHA – Vivia
dentro de casa, cuidando de filha. Era dureza mesmo. Muito pior do que a classe
média que eu era com a minha mãe e meu pai. Se eu respondesse questionários de
poder aquisitivo, eu dava “D” ou “E”. Porque eu e meu marido e Rachel fomos
morar com o básico: berço e guarda-roupa comprados de segunda mão. A gente não
tinha TV, som, máquina de lavar. Eu trabalhava muito, mas em casa.
PLAYBOY – E parar de estudar
foi a melhor solução?
SONINHA –
Pensava muito nisso. Parei de estudar e de trabalhar pra cuidar da minha filha.
Aproveitava que tinha só 16 anos. Sabia que mais tarde eu tomaria minha vida
normal. E retomei mesmo. Eu tava bem feliz assim. Mas era muito punk, cara.
PLAYBOY – Quando melhorou?
SONINHA –
Primeiro voltei a fazer teatro amador, com um amigo da Cultura Inglesa. Mas aí
era assim: pra ir ao ensaio, um puta trampo. Quinze minutos a pé até o metrô,
com bebê, sacola, cestinha, leite, fralda... Ia com essa bagagem toda e voltava
só à noite. Tinha muito perrengue. No almoço do sábado, só tinha dinheiro pra
um cheeseburguer. Não dava nem pra Coca-Cola. Era muito “no limite”.
PLAYBOY – O seu primeiro
marido trabalhava?
SONINHA – Era
bancário e músico aos fins de semana. Ganhava pouco. Eu ficava em casa. E, meu,
eu tava feliz! No final de 1986, nasceu minha outra filha, a Sarah. Saí do
teatro. Perdi o embalo, já tinha outras duas filhas, me afastei. Aí encontrei
um amigo. Ele soube que eu era atriz. Fazia cinema e me convidou pra fazer um
curta-metragem. Aceitei. Fiquei fascinada. E aí deu vontade de fazer faculdade
de cinema. Esperei só a Sarah crescer, pra prestar vestibular. Passei em Cinema
na USP. Comecei a faculdade em 1989. O casamento não ia bem. A gente não era
mais feliz. Brigava aos berros, tipo novela mexicana. No ano seguinte a gente
se separou.
PLAYBOY – Você entrou na MTV
nessa época?
SONINHA – Foi.
Um amigo, jornalista da MTV, o Daniel (Benevides), me disse que a
emissora estava procurando assistente de produção. Ele me conhecia, achava que
eu daria certo pra função, porque era preciso saber inglês e ter conhecimento
de música. Fui fazer o teste, já sabendo que a grana era pouca. Passei.
Escrevia texto pros VJs. De novo perrengue. Entrava Às 10 da manhã e saía às 10
da noite, no mínimo. Era tosco. O trabalho era num galpão provisório, não era
onde são hoje as instalações da MTV, no Sumaré (Zona Oeste de São Paulo).
Era máquina de escrever. Seis pessoas para escrever a três máquinas. Um puta
calor de dezembro (1990)... Não tinha Internet. Depois comecei a entrar
no estúdio, ver se o texto estava correto. Tinha contato direto com o VJ. Mas
tarde, virei produtora de programa, depois redatora, coordenadora...
PLAYBOY – Como você virou VJ?
SONINHA –
Sempre me imaginava falando aqueles textos que eu fazia. Fora que VJ ganhava
bem melhor. Um dia rolou um teste pro Cine MTV. Fui finalista. Mas quem
pegou foi a Cris Couto (hoje na Globo) – e ela é muito boa mesmo. Muito
tempo depois, acabei pedindo pra fazer mais um teste de VJ. Queria provar que
eu era capaz. Fiz e saiu. Tirei isso das minhas costas. Daí deixei a fita na
mesa da minha chefe e fui viajar. Quando voltei, ele tinha visto, gostado e
passado pra todo mundo. Depois ele me mostrou um papel com um comunicado. “A
partir de segunda-feira, Soninha assume (o programa de clipes) Pix”.
(Ri, emocionada.) Olhei até o fim e não sabia se era piada... Bom. Segunda
estreei. Louco, né? Tempos depois, apresentei outros programas... E, anos mais
tarde, também comecei a falar de futebol na ESPN.
PLAYBOY – Como mulher e
comentarista de futebol, você é uma raridade. Te sacaneiam muito por causa
disso?
SONINHA – Não.
O pessoal respeita.
PLAYBOY – Você sempre entendeu
de futebol?
SONINHA –
Gostava mais de outros esportes. Mas acompanhava futebol. Via TV, lia o caderno
de esportes. Adorava Copa do Mundo. Lembro da musiquinha do Zagallo na Copa de
1974 (cantarola como se fosse aquela música “90 Milhões em ação...”)
“Todo o mundo de porrete na mão, esperando o Zagalo descer do avião...” (Risos.)
Na década de 90, estava casada pela segunda vez. Meu marido, o Alemão (chama-se
Hélcio), era palmeirense. Na época o Palmeiras tinha um puta timão, ganhava
campeonatos. Aí fiquei mais vidrada, acompanhava, ia a estádio.
PLAYBOY – Mulher entende tanto
de futebol assim?
SONINHA – Eu
entendo, mas vivo aprendendo. Adoro futebol. Só teve e-mail de gente reclamando
de alguma opinião minha, mas nunca enchendo o saco por falta de conhecimento.
PLAYBOY – Não é coisa pra
homem, só?
SONINHA –
Imagina! Tanto faz. Não vejo que tem preconceito, nem me sacaneiam por causa
disso.
PLAYBOY – Em discussões sobre
futebol, muita gente diz: “Você é mulher, volta pro tanque”?
SONINHA – Ah!
Pessoalmente, nunca me falaram não.
PLAYBOY – E numa mesa redonda?
Já trombou com comentarista?
SONINHA – Teve
uma vez que isso aconteceu. Justo com o meu amado chefe (José) Trajano,
na ESPN. Mas não foi nessa linha de “você é mulher e não entende nada”. Foi um
puta pau, o único até hoje. Ao vivo, via satélite. Foi assim. O Brasil se fodeu
na Olimpíada, desclassificado por Camarões (2 a 1, nos Jogos de Sidney, em
2000), aquele vexame todo. O Brasil era criticado porque vinha fazendo uma
campanha sem-vergonha. E aí durante a Olimpíada todo o mundo simplificava: “O
problema é que os jogadores são supermascarados. Ganham uma fortuna, não têm
amor à camisa”. Eu ficava doída com essa história. Meu, ganham muito e ponto!
Mas não era esse o problema da seleção. Dinheiro o jogador já tem. A glória,
não. O Brasil jogava mal porque tinha mil outros problemas, escalação, treino,
calendário... Eu falei isso no programa no dia da derrota para Camarões. Aí o
Trajano acabou comigo...
PLAYBOY – O que ele disse?
SONINHA – (Ri.)
“A Soninha não pode desrespeitar meus 30 anos de futebol. Esses jovens
comentaristas acham que sabem tudo”. Ferveu o sangue do Trajano. Superexaltado,
até porque tava puto com a seleção brasileira. Ficou uns dez minutos me
descascando via satélite! Ao vivo! Aí chegaram uns 200 e-mails, 180 concordando
com o Trajano! “Quem essa comentarista pensa que é?”, falaram. (Risos.)
O Trajano é assim mesmo. Mas sempre me deu liberdade pra dar opinião, mesmo que
achasse uma merda. E eu sempre discuto, não aguento.
PLAYBOY – Ele também achou uma
merda essa história da demissão?
SONINHA – Ele
me ligou logo naquele dia pra dizer que na ESPN nada mudaria, que eu
continuaria lá na boa, que ele me apoiava. Até me deu uns dias de folga pra
esfriar a cabeça.
PLAYBOY – Você mudou muito
desde os tempos que quebrava o pau com sua mãe? Continua brigando?
SONINHA – Ah,
eu era bem mais briguenta, geniosa. Achava que quebrar pau é que resolvia.
Depois de uma certa idade, aquela coisa, você fica puta do mesmo jeito, mas
consegue evitar mais algumas situações. Mesmo que eu tenha raiva, ela não me
carrega. Isso eu consegui com o budismo. Outros conseguem com ioga, massagem,
terapia, de várias maneiras.
PLAYBOY – Como você virou
budista, sendo católica?
SONINHA – A
religião católica eu fui aos poucos abandonando. Eu tinha três amigos budistas.
E os três eram tão legais, tão na deles, tão tranquilos, que eu achei que o
budismo tinha a ver com isso. Um deles era o Marcelinho. Muito na dele, muito
“personalidade”. Bom, admirava os três pra caramba. Aí pensei que eu podia ser
bem melhor se eu fosse budista. Comecei a ler os ensinamentos. Fiquei três anos
nesse contato. Foi a partir de 1995. A ideia que eu tinha era que para ser
budista só indo pro Tibete viver numa caverna. Bom. Daqueles três, eu casei com
o Marcelinho (ri). Fui a um retiro budista com ele, no templo em Três
Coroas (RS), e aí caíram umas fichas. Aí entendi tudo e concordei sem ressalva.
Daí fui participar de uma cerimônia de refúgio. Budismo é método de
transformação da mente. Você medita, lê textos, segue uma liturgia, reflete.
Fiz o voto de refúgio, que mais ou menos à entrada ao budismo. Eu era católica.
Me desiludi com essa insistência de dizer que sexo é pecado, a virgindade,
essas coisas. No budismo, tudo me convenceu. O voto de refúgio foi no final de
1998. Fui colocando imagens budistas em casa. Passei a ter prática diária.
Meditação.
PLAYBOY – Em momentos de
grande tensão qual é a melhor saída, maconha ou budismo?
SONINHA –
Meditação. Nunca fui tão maconheira, mas uma das coisas que me levou a fumar
bem menos ainda foi o budismo. O budismo faz restrições seríssimas a cigarro e
a opiáceas. Causam dependência, são coisas bem mais nocivas. Eu faço meditação
formal, num horário do dia que tem um texto pra ler. Além disso, frequento o
centro budista, na Aclimação (Zona Sul de São Paulo) uma vez por semana.
Gostaria de participar mais. Mas não dá pra fumar e meditar...
PLAYBOY – Por que o
impedimento?
SONINHA – Tem
que estar totalmente apto pra usar sua mente como ela é. Com a maconha você
está num estado alterado de percepção. Não rola. Ah, olha só. Outro dia eu saí
numa matéria de budismo na Revista da Folha. A minha cara lá, com o
título “Buda é pop”. E dizia também que o “Dalai Lama repete a fórmula de
livros de auto-ajuda”. Caramba, isso é filosofia milenar, não custa nada ter
mais respeito. Não sou budista porque é “pop”. Essas coisas são complicadas...
Nossa, como já tive problema em falar demais! Nem foi esse caso da Revista
da Folha, que falaram besteira mesmo. Mas em dezembro (de 2001) fui
à Assembleia Legislativa do Rio, para um debate sobre droga, e o (deputado
estadual) Carlos Minc disse algo assim: “Menina, você é sincericida!” (Risos.)
Eu falo as coisas e depois... Não vou dizer que me arrependo. Mas “sincericida”
caiu bem pra cacete, hein? (Risos.).
Publicado originalmente na
revista “Playboy” em janeiro de 2002
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