terça-feira, 28 de abril de 2009

Mostra OS BONS DA BOCA

“Os Bons da Boca” aborda produção cinematográfica
nacional na década de 70

Exibição de filmes e debates sobre a época de ouro da Boca do Lixo de São Paulo traz convidados como Helena Ramos, David Cardoso, Carlos Reichenbach, Sebastião de Souza e Alfredo Sternheim ao SESC Consolação

Durante a década de 70, um pouco mais talvez, o cinema brasileiro floresceu como nunca, num lugar muito insólito. Instalada na rua do Triunfo, área deteriorada do centro de São Paulo, a chamada Boca do Lixo respondeu, à época, por 40% da produção de filmes nacionais, quando o mercado absorveu a média de 90 títulos por ano. O mais incrível: sem financiamentos ou leis de incentivo do governo, esquecida pela Embrafilme, esta produção era invariavelmente sucesso de bilheteria em todo o Brasil, e até mesmo na América Latina. Ganhou o apelido pejorativo de pornochanchada, ainda que de pornográfico nada tivesse. Era um cinema popular, composto de dramas e comédias, que falava diretamente ao público brasileiro. E que desafiava tabus, driblando a censura da ditadura e, por vezes, ampliando fronteiras da liberdade de expressão.

Uma pequena mostra desses filmes e debates sobre o movimento da Boca compõem o projeto Os Bons da Boca, que o SESC Consolação realiza no período de 4 a 26 de maio. Entre os convidados, Helena Ramos, David Cardoso, Alfredo Sternheim, Sebastião de Souza e Carlão Reichenbach.
Confira a programação:


OS BONS DA BOCA
De 4 a 26 de maio de 2009. Segundas e terças, às 19h30, no Espaço Beta. – 3º andar. Classificação indicativa: 18 anos. Número de lugares: 60. Grátis. Retirada de senhas no local, com 1h de antecedência.

Dia 4/5:
Filme: “Os Bons da Boca”
2009, 50 min.
Uma série de depoimentos produzidos especialmente para esta mostra com David Cardoso, Helena Ramos, Nicole Puzzi, Juan Bajon, Alfredo Sternheim, Neide Ribeiro, João Batista de Andrade, Carlos Reichenbach, José Miziara, João Callegaro, Sebastião de Souza, Patrícia Scalvi, Deni Cavalcanti, Débora Muniz, entre outros, na qual estes tecem um mosaico de narrativas sobre o que foi o Ciclo da Boca do Lixo na cidade de São Paulo.

Dia 5/5:
Filme: A Violência na Carne
1982, 90 min.
Direção: Alfredo Sternheim
Elenco: Helena Ramos, Ze Carlos De Andrade, Neide Ribeiro, José Lucas.
Uma casa de praia ocupada por um grupo de atores é invadida por três criminosos em fuga. Enquanto esperam o barco que os ajudará a escapar, fazem os jovens artistas de reféns, mas um deles começa a demonstrar que é bem diferente dos companheiros. Aos poucos, revela que o crime que cometeu foi contra o governo militar e apaixona-se por uma das garotas, que também sente-se atraída por ele. Premiado pela Associação Paulista de Crí¬ticos de Arte como Melhor Filme e Melhor Ator (Jose Lucas).

Debate: A Produção em Três Tempos - Antes, Durante e Depois da Boca.
Convidado: Alfredo Sternheim, diretor, crítico de cinema e autor do livro “Cinema da Boca: Dicionário de Diretores”.

Dia 11/5
Filme: Possuí¬das Pelo Pecado
1976, 93 min.
Direção: Jean Garret
Elenco: Agnaldo Rayol, Ruthinéa de Moraes, Zilda Mayo, David Cardoso, Márcia Real, Luiz Carlos Braga, Zilda Brando, Lídia Camargo, Benjamin Cattan, Miguelito, Nicole Woodward.
O milionário e poderoso Leme é separado da esposa e carrega uma enorme frustração de não ter filhos. Em sua casa ainda moram o ambicioso André, a governanta e sua filha, Dora. Leme só não imagina que André e sua ex-mulher são amantes e que planejam o seu assassinato.

Debate: As Musas da Boca.
Convidada: Helena Ramos, atriz.

Dia 12/5
Filme: A Sedução
1974, 105 min.
Direção: Fauzi Mansur
Elenco: Ney Latorraca, David Cardoso, Sandra Bréa, Dioní¬sio Azevedo, Fregolente, Jussara Freire.
Conta a história de uma jovem que não conseguia engravidar e de um pai revoltado que, ao seu modo, ia se livrando dos genros. Mas tudo se complica, quando um espertalhão entra na fila de pretendentes a marido. Baseado na obra de Marcos Rey. Prêmio de melhor filme e direção no Festival de Cinema de Guarujá, São Paulo, em 1974. Prêmios de Melhor Ator: Coruja de Ouro, Air France.

Debate: A Comédia Erótica
Convidado: David Cardoso, ator e produtor.

Dia 18/5
Filme: Corrida Em Busca Do Amor
1972, 93 min.
Direção: Carlos Reichenbach
Elenco: David Cardoso, Gracinda Fernandes, Vic Barone, Luiz Carlos Clay, Dick D'Anelo, Tony Ricardo.
Aventura juvenil. Duas equipes participam anualmente de uma modesta corrida de carros usados. Na realidade, são integrantes de duas oficinas, uma rica e outra pobre, cujos lí¬deres não estão interessados no prêmio em dinheiro, como disputam entre si as atenções da jovem filha do comendador que patrocina o evento. A equipe rica não hesita em contratar um profissional para vencer a qualquer custo. A outra é obrigada a solicitar os préstimos do inventor abilolado Dr. Ivan , que descobre a pílula da velocidade. Durante a competição, funcionários da oficina rica tentam sabotar os "possantes " dos adversários. Acontece de tudo, e o tradicional espí¬rito esportivo cede lugar a uma salutar anarquia.

Debate: A Diversidade da Boca
Convidado: Carlos Reichenbach, diretor.

Dia 19/5:
Filme: Aluga-se Moças
1982, 89 min.
Direção: Deni Cavalcanti
Elenco: Gretchen, Kleber Afonso, India Amazonense, Renato Bruno, Rita Cadillac, Deni Cavalcanti, Carlos Costa, Marcelo Coutinho, Roberto Domingues, Liana Duval.
Paula separou- se recentemente do marido e não encontra emprego, pois há sete anos não trabalha. Coloca anúncio no jornal propondo -se a dividir o apartamento onde mora com a filha e a empregada. Beth Lara, strip-girl, pretende ser cantora. É aprovada num teste fotográfico para promover a coleção da loja Crazy Shirts. Na boate, é vista por Odair, dono de uma gravadora, que se interessa em promovê-la. Beth procura Paula e passam a morar juntas. Magali, estudante universitária, está grávida e o pai, ao saber, a expulsa de casa. É encontrada na rua por Ângela que, para sustentar a mãe doente, trabalha numa casa de massagens. Lá, é contratada por Rafael, dono da Crazy Shirts, para trabalhar num bordel de luxo que ele pretende abrir. Cláudia e Marli moram juntas e trabalham na Crazy Shirts. Cláudia sai às vezes com Rafael, que, ao saber da virgindade de Marli, a oferece a Odair, seu amigo, esperando obter uma comissão pelo favor.


Dia 25/5
Filme: Meu Nome é Tonho
1972, 93 min.
Direção: Ozualdo Candeias
Elenco: Jorge Karan, Bibi Vogel, Walter Portella, Jean Silva, Edio Smânio, Nivaldo Lima.
Manelão reúne um bando de pistoleiros de várias origens e barbarizam uma região do centro/sul brasileiro. Expulsa lavradores e assume a posse de suas terras, tornando-se um fazendeiro conhecido. Mas, sua carreira de hediondos crimes entra em colapso quando Tonho surge como um anjo exterminador na região.

Debate: A Boca Cult
Convidado: Sebastião de Souza, diretor.

Dia 26/5
Filme: O Estripador de Mulheres
1978, 99min.
Direção: Juan Bajon
Elenco: Ewerton de Castro, Renato Master, Abrahão Farc, Aldine Muller, Ivete Bonfá, Lola Brah.
O trabalhador de um matadouro é o único suspeito do assassinato brutal de duas mulheres. Reportagens sensacionalistas de um jornal o expõem à opinião pública e quase ameaçam a integridade de sua vida familiar. O verdadeiro estripador, ao cometer mais um crime, fica preso com a ví¬tima no interior de um frigorí¬fico. O suspeito é inocentado e, como desagravo, apresenta-se em um programa de TV.


AMBIENTAÇÃO
“Os Bons da Boca”
Fotos de cartazes de filmes, atores, atrizes e diretores da época da Boca do Lixo.
De 1 a 31 de maio, no Espaço de Leitura – 3º andar. De segunda a sexta, das 13h às 22h/Sábados, das 9h às 18h.

sábado, 25 de abril de 2009

Ody Fraga X Walter Hugo Khouri


Este é o Corinthians e Palmeiras, o Grenal, o Fla-Flu da Boca do Lixo. Dois grandes cineastas que podem parecer não ter nada em comum. Mas tem bastante. E muitas diferenças também. Listei aqui quinze de cada categoria. Peço aos amigos se lembrarem mais alguma por favor, coloquem nos comentários.

SEMELHANÇAS
1- Ambos eram homens reconhecidos pelo talento e por serem grandes intelectuais.


2- Leitores impulsivos, de vários grandes escritores internacionais.


3- Os dois repugnavam os meios acadêmicos convencionais.


4- Nenhum dos dois tinham grande gosto por seus primeiros filmes. Tanto Khouri não morria de amores por O Gigante de Pedra como Fraga não tinha forte admiração por Vidas Nuas.

5- Conseguiam se relacionar muito bem com pessoas bem menos intelectualizadas, tornando-se amigos pessoais de várias delas.


6- Os dois trabalharam com o produtor Antônio Pólo Galante.


7- Ambos falavam bastante das mulheres em seus filmes e tiveram trabalhos em que elas foram as personagens principais das películas.

8- Ody e Khouri tinham uma relação forte com a cidade de São Paulo. Embora o último tenha levado isso bem a sério em seus filmes.

9- Trabalharam com algumas das mulheres mais desejadas do Brasil: Aldine Müller, Nicole Puzzi, Matilde Mastrangi, Marlene França, Helena Ramos, Alvamar Taddei.

10- Os dois dirigiram a mesma quantidade de longas-metragens: 25.

11- Khouri considerava a turma do Cinema Novo composta de “meninos”. Ody achava importante o movimento, mas não tinha grande intimidade.

12- Alfredo Sternheim e Afrânio Vital foram assistentes de Khouri e ambos tornaram-se realizadores consagrados. Ody teve como assistentes nomes como Guilherme de Almeida Prado e Mário Vaz Filho, ambos com grandes filmografias. O diretor Conrado Sanchez foi assistente dos dois. 13- Os dois morreram sem o devido reconhecimento da mídia especializada e da intelectualidade. Khouri muitas vezes é mais lembrado por ser o cara que dirigiu o “filme da Xuxa”. Os trabalhos dos dois eram conhecidos como “pornochanchada”. 14- Ody e Walter fizeram filmes na Boca do Lixo, freqüentavam o Soberano e detinham amigos em comum neste local. 15- Ambos não tinham qualquer relação com futebol.

DIFERENÇAS

1- Apesar de terem dirigido várias atrizes em comum, Khouri nunca dirigiu Neide Ribeiro, a atriz preferida de Fraga. E olha que Neide trabalhava com alguns dos grandes nomes do cinema da Triumpho: Carlão Reichenbach, Sternheim, David Cardoso.

2- Daniela Ferrite e Sandra Graffi eram outras atrizes que tiveram grande presença no cinema de Ody e nunca trabalharam com WHK.

3- O diretor de fotografia favorito de Khouri era o mestre Antônio Meliande. Fraga preferia o palmeirense Cláudio Portioli. Portioli e Khouri nunca trabalharam juntos.

4- Como assistente de câmera, Khouri gostava muito de trabalhar com Miro Reis, “o homem dos sete instrumentos”. Ody trabalhou mais com Concórdio Matarazzo.

5- Ody tirava sarro da classe média e dos religiosos. Khouri preferia sacanear os militantes de esquerda.

6- O diretor de “Noite Vazia” nunca dirigiu filmes de sexo explícito. Ody era grande entusiasta e dirigiu três desses. E assinou um como Johannes Freyger.

7- Khouri era centrado em seus trabalhos. Ody escrevia roteiro para fitas dele e mesmo alheias, sem qualquer tipo de preconceito.

8- WHK era conhecido pelos carros bonitos que tinha. Ody não dirigia.

9- Os dois gostavam de música mas com uma clara diferença: um preferia o jazz (Khouri) e outro a música clássica (Fraga). Ambos colocavam os gêneros preferidos nos filmes próprios.

10- Ody Fraga usava óculos. Khouri nunca precisou usar óculos.

11- Ody tinha muito desprezo de Mojica, por conta dele ter terminado a Quando aconteceu a estréia de O Despertar da Besta, ele falou: “O cara achou o nome pro filme que é muito parecido com ele pessoalmente”. Khouri nunca teve nenhum problema com o Zé do Caixão.

12- O produtor que mais vezes trabalhou com Fraga foi Cervantes. Na época da Boca, Khouri trabalhou mais com Aníbal Massaini e a poderosa Cinedistri.

13- Antes de chegar ao cinema, Fraga trabalhou na televisão. WHK nunca trabalhou na telinha.

14- O montador preferido de OF era o veterano João de Alencar. Na época da Boca, Khouri trabalhou bastante com Luiz Elias.

15- Khouri manteve uma relação bastante próxima com a imprensa paulista, em especial com críticos como Rubem Biáfora e Rubens Ewald Filho. Ody desprezava Ewald: “É um crítico americanista. A carteira de identidade dele e dos outros é um acidente sideral: não tem nada haver com ele”.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Diego Souza é animal


Amigos, achei incrível o que o Diego Souza fez com o Domingos do Santos e hoje na partida contra a LDU. É extraordinário. Finalmente o Palmeiras tem alguém que joga com raça e amor a camisa alviverde. Fazia tempo que não tinhamos um atleta dessa altura, dessa raça. Diego é o cara. Não tem melhor definição: Diego Souza é animal.
Para ver o que ele fez com o zagueiro do Santos é só ver aqui: http://www.youtube.com/watch?v=FSYsUCjIsoA

domingo, 19 de abril de 2009

Matheus and Triumpho Legends- 7


Vocês achavam que a série iria terminar? Não. Aqui está uma foto muito especial, minha com o rei da pornochanchada, o grande mestre David Cardoso. Esta foto foi tirada em um evento na bela cidade de Altinópolis (SP). A importância de David para a Boca é igual a de John Wayne para o faroeste. Natural do Mato Grosso do Sul, David foi dono da importante produtora Dacar. Com ela, fez grandes filmes, alguns dirigidos pelos mestres Jean Garrett e Ody Fraga. Um cara muito humilde, que tem orgulho de seus trabalhos no cinema paulista. Sempre fui fã do David, embora muita gente não tenha simpatia por ele. Paciência. David Cardoso é um homem de suma importância na cinematografia brasileira, principalmente como realizador e produtor. Seus melhores trabalhos como diretor são o genial episódio "O Pasteleiro" de "Aqui, Tarados"; Caçadas Eróticas e no clássico dos clássicos "A Noite das Taras". Grande David!

domingo, 12 de abril de 2009

Blog de luto


Este blog está de luto por sete dias em virtude do rebaixamento das seguintes equipes para a série A-3 do Paulista:
- Portuguesa Santista
- Clube Atlético Juventus
- Comercial Futebol Clube de Ribeirão Preto
- Associação Ferroviária de Esportes de Araraquara

Alô Federação Paulista! Alô CBF! Alô presidente Lula!
Se a coisa continuar assim os times do interior de São Paulo vão sumir.

Quem rouba time do interior deveria ter a mão cortada (como é na China, na Polônia)

sábado, 11 de abril de 2009

Boca do Lixo: tentativa de sintaxe



Por Matheus Trunk


A Boca do Lixo foi o momento de maior sucesso comercial do cinema brasileiro. Durante os anos 70 e 80, as ruas do bairro de Santa Efigênia, no centro de São Paulo, viviam lotadas pelo pessoal do cinema. Eram diretores, atores, atrizes e técnicos que tinham naquele espaço toda sua atividade profissional. O bar Soberano era o ponto oficial das reuniões do meio cinematográfico. Segundo muitos, a Boca foi uma autêntica indústria cultural, uma espécie de Broadway paulistana.

O cinema paulista deste período nasceu, cresceu e morreu completamente independente do Estado. Seu modo de produção era completamente diferente da Embrafilme e do chamado “cinema oficial brasileiro”. Os produtores radicados em São Paulo investiam com capital privado, sempre dependendo da bilheteria para pagar suas próximas produções.

As fitas da “Hollywood Brasileira” se apoiavam em um erotismo softcore com produção relativamente barata, de custos controlados. O período de ouro da Rua do Triunfo aconteceu entre os anos de 1976 e 1982, quando filmes do chamado “quadrilátero do pecado” dominavam as salas brasileiras.

A pornochanchada sempre foi completamente desprezada pela imprensa e pela crítica especializada. As divulgações dos filmes eram feitas por mídias populares, como o jornal Notícias Populares e por revistas masculinas de “segunda linha” como Homem e Fiesta. De 1974 a 1977, a revista Cinema Em Close Up, publicada pelo jornalista Minami Keizi, publicava matérias específicas sobre o cinema da rua do Triunfo.

No raciocínio dos produtores paulistas, não existia tempo para se investir em “fitas de arte” ou com propostas autorais. A saída era fazer filmes populares, que conseguissem estabelecer comunicação direta com o público. Os produtos eram destinados a um público masculino, de origem humilde.

Apesar de todo compromisso com o erotismo, a produção cinematográfica da Boca apresentava produções bastante diversificadas. Comédias, dramas, policiais, filmes de terror, faroestes (inspirados nos western spaghetti italianos), fitas sertanejas e até filmes católicos. Porém, quase sempre todas as produções tinham um mesmo ingrediente básico: lindas mulheres em cenas eróticas.

Muitas atrizes ficaram reconhecidas e tornaram-se verdadeiras musas de várias gerações de brasileiros. A Boca criou um verdadeiro star system. Helena Ramos, Matilde Mastrangi, Aldine Müller, Nicole Puzzi e Patrícia Scalvi tornaram-se rainhas dos cinemas do dia para a noite. Num grupo subalterno podem-se destacar outras atrizes que também ficaram bastante famosas como Zilda Mayo, Zaíra Bueno, Neide Ribeiro, Claudete Joubert e Vanessa Alves.

Entre os produtores da época, dois se destacaram por conseguirem serem atores e diretores ao mesmo tempo. Embora tenham estilos cinematográficos completamente diferentes, David Cardoso e Tony Vieira são duas pessoas essenciais dentro do cinema da Boca.

Natural do interior do Mato Grosso do Sul, David Cardoso se tornou nacionalmente conhecido como o “rei da pornochanchada”. Iniciou-se no cinema nos filmes do comediante Mazzaropi. Trabalhou como coadjuvante e na assistência de produção de diversos filmes. Com experiência no setor, fundou sua própria produtora, a Dacar. Produziu tramas policiais com clima de erotismo, se adequando as exigências do público da época. Trabalhou com bons diretores como Jean Garrett, Ody Fraga, John Doo e Luiz Castillini. Também dirigiu muitos filmes, sempre destacando sua imagem de astro e homem das mil mulheres como em Dezenove Mulheres e Um Homem e As Seis Mulheres de Adão. Porém, seus filmes mais interessantes são os que não atua, e que se dedica somente a produção e direção como no episódio O Pasteleiro de Aqui, Tarados! e Caçadas Eróticas.

Mauri de Oliveira Queiroz, o Tony Vieira (1938-1990) foi o rei dos cinemas de periferia e de cidades do interior do Brasil. Iniciou sua carreira fazendo pontas e sendo coadjuvante em filmes rurais de outros realizadores. Associado ao empresário Francisco Assis Soares (conhecido como Comendador) formou a produtora MQ. Interpretou, dirigiu e produziu 15 longas-metragens, faroestes e fitas policiais de baixo orçamento. O sucesso foi muito grande e Vieira tornou-se um dos mais conhecidos cineastas brasileiros da época, com diversos fã-clubes espalhados pelo país. Formou ao lado de sua então mulher Claudete Joubert e do comediante Heitor Gaiotti o trio de aventureiros de suas películas. Segundo seus contemporâneos, em certas partes do Brasil a popularidade de Tony só era comparada a de cantores como Roberto Carlos e Odair José. Realizadores como Rubens da Silva Prado, Francisco Cavalcanti e Custódio Gomes fizeram películas na mesma linha de Tony. Porém, ele era o cineasta mais conhecido deste filão cinematográfico.

Os diretores da Boca eram formados pela universidade da vida. Muitos, pelo forte cuidado artesanal com seus filmes e conseguiram tornar-se bastante respeitados entre seus pares. Ody Fraga e Jean Garrett são dois realizadores fundamentais do período.

Dentro do cinema paulista, o intelectual Ody Fraga e Silva (1927-1987) foi um monstro sagrado. Como roteirista, ele esteve presente em mais de 60 longas-metragens. Como realizador, fez 25 filmes. Alguns, apenas razoáveis, outros, verdadeiras obras-primas. Muitas vezes, Ody pecou pela enorme quantidade de trabalhos que fazia simultaneamente. Espécie de Nelson Rodrigues de São Paulo, Fraga mantinha em suas histórias sempre um olhar bastante irônico sobre a classe média e a Igreja (muitas vezes bastante parecido com o espanhol Buñuel). Era uma espécie de líder da Broadway paulistana, que sempre definia como “o meio intelectual dos pobres”. Apesar de ser um grande leitor de autores como Thomas Mann, Albert Camus e outros, o diretor detinha um grande desprezo pelos meios acadêmicos: “Na USP se faz diariamente um discurso sobre cinema. Aqui se faz cinema”, declarou ele em uma histórica entrevista a revista Status. Ody se declarava um pornógrafo: “Sou pornógrafo convicto e com muito orgulho, pois a pornografia é o sexo sem vergonha de si. Já o erotismo, é complexado e exige véus”. Quando o cinema explícito chegou, ele foi o único realizador da Boca que admitiu gostar de dirigir fitas do novo gênero.

Natural do distante arquipélago dos Açores, José Antônio Nunes Gomes e Silva (1947-1996) foi outro personagem bastante especial. Seus contemporâneos são praticamente unânimes em dizer que ele foi o melhor diretor do período. Com o pseudônimo de Jean Garrett, o português realizou 18 longas-metragens e tornou-se o “menino de ouro da Triunfo”. Sempre demonstrava muito cuidado em seus filmes, trabalhava com os melhores técnicos e namorava as mulheres mais desejadas do país. Sua obra é bastante variada, sempre trafegando entre os mais diferentes gêneros, mas sempre demonstrando um talento descomunal. Três são verdadeiras obras-primas: Amadas e Violentadas, Excitação e O Fotógrafo. O fim do cinema da Boca foi um golpe muito duro para este criador extraordinário. Jean morreu com apenas 49 anos, completamente esquecido pela mídia oficial.

O cinema da Boca começou a sentir os primeiros sintomas de crise, com a chegada do filme de sexo explícito. A chegada dos filmes hardcore estrangeiros, no começo dos anos 80, despertou uma evasão do público das pornochanchadas. Os exibidores iniciaram uma grande pressão sobre os produtores e cineastas paulistas, para embarcarem no novo gênero. O primeiro filme de sexo explícito da rua do Triunfo, Coisas Eróticas (1981) de Rafaelle Rossi, teve 4 milhões de espectadores.

Neste momento, muitos diretores, técnicos e a grande maioria das atrizes se afastaram do meio cinematográfico. Muitos realizadores assinavam seus filmes com pseudônimos. As películas explícitas da Boca se caracterizavam por serem produções mais baratas e filmadas com mais rapidez que as pornochanchadas. Durante uma década, a Rua do Triunfo produziu cerca de 500 títulos hardcore. Atrizes como Márcia Ferro, Sandra Midori, Sandra Morelli, Eliane Gabarron, Andrea Pucci e Débora Muniz tinham públicos cativos. Sem conseguir concorrer com os similares internacionais, as produções XXY paulistas, tiveram que apelar para aberrações sexuais e zoofilia, para continuarem tendo algum público. No início dos anos 90, a Boca do Lixo já tinha encerrado seu ciclo como centro de produção cinematográfica. Ficaram os filmes, as histórias e alguns sobreviventes do tempo em que o “quadrilátero do pecado” foi a Hollywood tupiniquim.


Originalmente publicado no catálogo da Mostra Retrospectiva do Cinema Paulista-Da Vera Cruz á Retomada. CCBB-SP, janeiro de 2009.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Flash Bola ABC 3- Márcio Maggiora


Márcio Maggiora relembra os bons tempos do futebol do interior paulista

Ex-meia fez parte de elencos memoráveis do Taubaté, Botafogo de Ribeirão Preto, Ponte Preta, Noroeste e Saad de São Caetano

MATHEUS TRUNK

Nos anos 60, os clubes do interior de São Paulo montavam verdadeiros esquadrões que chegavam a assustar as grandes equipes. Times como a Ferroviária de Araraquara, Comercial de Ribeirão Preto e São Bento de Sorocaba detinham grandes jogadores e faziam belas campanhas no Campeonato Paulista. Márcio Maggiora, 65, é um personagem que viu essa história de perto.

O ex-meia iniciou sua carreira profissional na Portuguesa de Desportos. Depois passou por cinco fortes times do interior paulista: Taubaté, Botafogo de Ribeirão Preto, Ponte Preta, Noroeste e Saad. “Antigamente a gente jogava muito e ganhava pouco. Hoje, eles jogam pouco e ganham muito”, brinca ele.

Aposentado, o ex-jogador mora em São Caetano do Sul, e falou sobre sua carreira ao Rudge Ramos Online.

Rudge Ramos Online- Como foi o início da carreira do senhor nas divisões de base da Portuguesa?

Márcio Maggiora- A Lusa sempre teve bastante estrutura para formar grandes jogadores. Meu treinador nas divisões de base foi o Ipojucan, que atuou na seleção na Copa de 50. Comecei com o Ivair, que ficaria conhecido como o Príncipe. Eu e ele nos destacamos e fomos para a seleção paulista juvenil. Acabamos sendo vice-campeões do Campeonato Brasileiro de Seleções. Perdemos pro time do Rio que tinha muita gente boa como o Carlos Alberto Torres, que foi tricampeão em 1970.

RRO- O senhor atuou no time profissional da Lusa?

MM- Sim. Inclusive eu estava me dando muito bem com os demais jogadores e com a torcida. Meu primeiro técnico no clube do Canindé foi o Oto Glória, um cara muito gente fina, paizão. Depois veio o Aimoré Moreira e tive um desentendimento com ele. Por isso, acabei saindo do time e fui pro Botafogo.

RRO- O Botafogo foi o time que o senhor mais jogou?

MM- Sim. Lá eu fiquei três anos e cheguei a ser capitão da equipe. Participei inclusive do jogo de inauguração do estádio Santa Cruz. Teve uma partida em que nós empatamos com o Santos com Pelé e tudo em 1 a 1. Nesse jogo, ele me deu um chapéu. Depois, eu acabei fazendo uma falta feia nele. Quando acabou o jogo, eu pedi desculpas pro Pelé. Ele me falou: “Relaxa Márcio. Fica tranqüilo”. Pra mim, ele sempre foi o melhor de todos, no comportamento, nas atitudes, em tudo.

RRO- Como era a rivalidade do Botafogo de Ribeirão com o Comercial?

MM- Era grande, os dois times faziam o clássico da cidade, que chamava come-fogo. Quando a gente ganhava era bom, mas quando a gente perdia complicava bastante. Em Ribeirão Preto, existe a chopperia mais famosa do Brasil: a Pinguim. Quando era semana de clássico, jogador não podia ir no Pinguim, não podia ir em lugar nenhum. O time ficava todo concentrado no hotel. Quando eu joguei no Noroeste, os clássicos eram contra o Marília e o Garça.

RRO- Esses jogos também eram duros?

MM- Bastante, as cidades paravam. Em clássico no interior, se você jogasse mal, você era considerado vendido. Pra você ter uma idéia, numa partida entre Noroeste e Marília, um torcedor chegou a tomar um tijolo na cabeça e morreu. Na minha época, a gente que jogava em time menor ficava dois, três meses sem receber e continuava dando raça, correndo em todos os jogos. Hoje é bem diferente.

RRO- O senhor venceu o campeonato de acesso pelo Noroeste em 1970. Como foi isso?

MM- No início do campeonato, nós empatamos as três primeiras partidas. No Noroeste, eu era o capitão e detinha grande prestígio com a diretoria. Eles me perguntaram qual jogador seria necessário para o time vencer a competição. Eu respondi: “Contratem o Fedato que está encostado no Comercial de Ribeirão”. Eles trouxeram o Fedato, que era um baita atacante e ele se tornou uma referência na frente. Nós fomos campeões e eu fui o artilheiro com 17 gols. Após o termino do campeonato, o Fedato foi pro Palmeiras, onde ficou por vários anos e acabou se tornando ídolo.

RRO- O senhor chegou a ter propostas das grandes equipes?

MM- Eu fui comprado pelo Vasco pra fazer um teste. Fiquei quarenta dias concentrado em São Januário pra fazer pré-temporada. Na véspera do embarque, o administrador de futebol me falou: “Olha, o técnico falou que você não vai mais viajar. Ele vai pegar outro jogador, que também é meia-esquerda. Ele pretende fazer uma experiência pra saber quem ele vai contratar”. Eu respondi: “Se eu tenho que receber alguma coisa, vocês me pagam porque eu vou pegar o primeiro avião pra São Paulo. Eu não sou moleque, tenho responsabilidade”. Eu já era casado e tinha uma filha. Eles insistiram pra eu ficar, mas eu voltei logo pra São Paulo. Depois, eu soube que o meu concorrente na vaga tinha pago uma grana pro técnico pra jogar na equipe. Resultado: ele jogou quatro vezes no Vasco e nunca ganhou nome.

RRO- Qual foi o melhor técnico que o senhor teve na sua carreira?

MM- O Rubens Minelli. Ele me treinou na seleção paulista juvenil. Depois, ele se tornou famoso e foi tricampeão brasileiro dirigindo o Internacional e o São Paulo. Ele era ex-jogador e sabia falar com os atletas. O Minelli sabia orientar bastante o posicionamento e o comportamento dos jogadores. Ele sempre falava: “Não adianta você querer fazer certo. Você tem que fazer e bem feito pra não comprometer os outros componentes do time”.

RRO- Nos anos 60, os times do interior eram bem fortes. Hoje, quase todos tem grandes dívidas e perderam a força. Na opinião do senhor, por que isso aconteceu?

MM-. A Lei Pelé acabou com as equipes do interior. Tiraram tudo das equipes que formaram os jogadores e enriqueceram os empresários. Antes, os direitos sobre os jogadores eram dos clubes e hoje é dos empresários. Muitas vezes eles deixam os atletas passando necessidade.

RRO- Como foi sua passagem pelo Saad?

MM- Foi meu último clube como profissional. Fomos campeões do Paulistinha e conseguimos levar a equipe pra disputar o Campeonato Paulista da primeira divisão, juntamente com os grandes times. Joguei com gente muito boa lá como o Arlindo Fanzorlin que depois foi pro Santos e com o Leonetti, que foi pro Corinthians. Meu treinador no Saad foi o Baltazar, que foi ídolo no Corinthians nos anos 50.

RRO- O senhor encerrou a carreira com apenas 31 anos. Por quê?

MM- Isso foi devido alguns problemas na hora de acertar o meu contrato com o Saad. Eu ganhava mais que o restante do elenco. Por isso, ficou um clima muito chato e quando acabou o meu contrato eu pedi pra sair.

RRO- Como o senhor vê os times do ABC hoje?

MM- Estamos com duas boas equipes: o São Caetano e o Santo André. Na minha opinião, pra você ter um bom time você precisa de duas coisas: dinheiro e jogador. Se os dirigentes souberem investir corretamente e fazer boas contratações, a região estará bem representada.