Notoriamente avesso a entrevistas, Frank Sinatra concordou em falar para dois amigos jornalistas, Joe Hyams e William Reed Woodfield, sobre temas em que nunca tocara até então:
As pessoas vivem me perguntando como consigo ‘comunicar tão bem para uma platéia o sentimento de uma canção’. É fácil. Tento fazer com que a platéia acredite na canção – assim como eu acredito nela. Não faço isto deliberadamente, apenas não consigo evitar. Se a canção trata de alguém que está sofrendo porque perdeu a namorada é como se eu estivesse sofrendo a solidão e a dor de uma situação dessas.
Não sei o que se passa com os outros cantores quando cantam letras assim, mas sendo maníaco-depressivo como sou e tendo levado uma vida de violentas contradições emocionais, tenho uma enorme capacidade para a tristeza. Sei exatamente o que o cara que escreveu a canção tentou dizer, porque já passei por aquilo. Acho que a platéia percebe isso, mesmo que não queira.
Quase tudo que se escreve a meu respeito é um monte de asneiras, mas lembro-me de ter sido escrito numa única palavra com a qual concordei. Vinha num artigo que arrasava comigo por causa de meu comportamento particular, mas o jornalista dizia que, quando a orquestra tocava e eu começava a cantar, eu era ‘sincero’. É exatamente o que eu acho. Tudo mais que foi dito a meu respeito não tem a menor importância. Quando canto, acredito no que estou cantando.
Você deve dirigir-se a sua platéia com humildade absoluta. O cara pode ser o maior cantor do mundo, mas a platéia é como uma mulher – se ele for indiferente, vai ser um fiasco. E isto serve para qualquer contato humano: seja um político na televisão, um ator diante da câmera ou um cara com uma garota. Vale tanto para a vida quanto para a arte.
Há quem me pergunte também sobre religião. Acho que posso resumir meus sentimentos religiosos em poucas palavras. Primeiro: acredito em você e em mim. Tenho o maior respeito pela vida – em qualquer forma. Acredito na natureza, nos pássaros, no mar, no céu, em tudo que eu veja ou de haja alguma prova concreta. Se é isto que as pessoas chamam de Deus, então acredito em Deus. Mas não acredito em um Deus em particular, no qual eu busque conforto ou um par de seis num jogo de dados. Mas entendo perfeitamente essa aparente necessidade do homem pela fé. Sou a favor de qualquer coisa que ajude um sujeito a passar a noite, seja uma oração, um tranqüilizante ou uma garrafa de uísque. Só que, para mim, a religião é uma coisa profundamente pessoal, da conta exclusiva de cada um e de Deus, sem intermediários. O intermediário, padre ou pastor, tenta nos convencer de que precisamos pedir ajuda a Deus, dizer-lhe do que precisamos e até suborná-lo com orações ou com uma moeda na caixa de esmolas. Acho que Deus sabe perfeitamente o que cada um de nós quer ou precisa. Não precisamos ir à igreja para chegar a Ele, porque Ele está em toda parte. E, para que não pensem que estou dizendo alguma heresia, meu informante é o melhor possível: São Mateus, capítulos 5 a 7, O Sermão da Montanha.
Há algumas coisas sobre a religião organizada que me incomodam. Cristo é reverenciado como o Príncipe da Paz, mas já se derramou mais sangue em Seu nome do que no de qualquer outra figura na história. Mostrem-me um passo adiante dado em nome da religião que lhes mostrarei uns cem retrocessos. Foram os homens de Deus que destruíram a biblioteca da Alexandria, que perpetraram a Inquisição na Espanha, que queimaram as feiticeiras de Salém. Há mais de 25 mil religiões organizadas neste planeta, mas os adeptos de cada uma desprezam os demais e os consideram agentes do demônio. Na Índia eles adoram vacas sagradas. Os muçulmanos acham a escravidão normal e esperam por Alá, o qual lhes promete vinho e mulheres revirginadas. E os feiticeiros não se limitam à África: basta abrir um jornal de Los Angeles, aos domingos, para encontrar os anúncios deles entre os classificados.
Detesto esses hipócritas que se fingem de liberais enquanto exercem todos os preconceitos possíveis dentro de seus mundinhos mesquinhos. Na minha opinião, o homem é um produto de seu condicionamento, e as forças sociais que moldam a sua moral e o seu comportamento – inclusive o preconceito racial – são mais influenciadas por coisas materiais, como comida e necessidades econômicas, do que pelo medo e pela hipocrisia gerados pelos sacerdotes da superstição comercializada. Não me entendam mal: sou a favor da decência – e ponto. Sou a favor de qualquer coisa que promova o amor e a consideração entre os homens.
Não tenho problemas com homens de bem em qualquer nível. Mas não consigo acreditar que toda decência do mundo se origine na religião. E acho ridículo que tantos homens públicos tenham de simular fé religiosa para manter uma aura de respeitabilidade. Nossa civilização foi marcada pela religião, e os homens que aspiram a cargos públicos arriscam-se ao opróbrio sem essa aura. A própria imprensa reflete essa natureza religiosa da nossa sociedade, mas, ao mesmo tempo, publica horóscopos e dá divulgação a toda espécie de picaretas religiosos.
Nós, nos Estados Unidos, nos orgulhamos da liberdade de imprensa, mas todo dia vejo essa desonestidade e distorção do noticiário – sobre caras como eu, por exemplo. Acontece que eu sou um sujeito sem a maior importância, a não ser para mim mesmo. Mas no noticiário internacional é a mesma coisa. Como pode um povo livre tomar decisões sem conhecer a verdade dos fatos? Se o resto do noticiário publicado for tão honesto como o que é publicado sobre mim, estamos mal.
Só para terminar, já pensaram no risco que estou correndo ao dizer essas coisas? Podem imaginar a torrente de cartas, ameaças, agressões e obscenidades que vou receber depois que essas palavras chegarem as bancas? Pior ainda, talvez até tentem boicotar meus discos e fazer piquetes na bilheteria de meus espetáculos. E por quê? Simplesmente porque me atrevi a dizer que o amor e a decência não são necessariamente produtos do fervor religioso. Sempre pensei desse jeito e há anos que queria dizê-lo. Mas não quero que você apague a fita. Está dito.
3 comentários:
Matheus, se eu não estou enganado acho que este ano completa 30 anos daquele show antológico do Sinatra no Maracanã...
Prezado Antonico: você tem razão. Seria esse ano sim.
O sujeito cantante dizia o que tem de ser dito muito bem dito.Não sei como era a oratória do artista,o conteúdo é ótimo.
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