POR UM GRITO DE GOL
Por Nelson Urt, com sucursais
Os locutores da Copa afinam as vozes e aguçam a imaginação para contar ao Brasil a grande conquista (Deus os ouça) do tetracampeonato mundial
O Estádio Azteca, na cidade do México, está apinhado de gente neste domingo, 29 de julho de 1986. Disputa-se a final da 13º Copa do Mndo. De um lado, a Seleção Brasileira. Do outro... bem, do outro lado não importa, porque, em final de Copa, o que é adversário vira inimigo. O Brasil joga demais. Edinho é o leão da defesa; Cerezo e o velho Dirceu estão por toda a parte; Zico e Júnior exibem a conhecida categoria; Müller e Casagrande disputam, alegremente, a artilharia do Mundial. A equipe não lembra, bem de leve, aquele time macambúzio da fase de preparação.
Ninguém duvida: a Seleção Brasileira caminha para seu quarto título mundial. É neste momento que um seleto grupo de homens terá uma missão mais que especial. Eles vão contar à pátria-mãe como é que o Brasil foi tetra. São as vozes da Copa.
Nesse exato instante, o narrador Osmar Santos estará realizando um sonho acalentado desde 1974, na Alemanha, quando trabalhou em seu primeiro Mundial ainda pelo microfone da Rádio Jovem Pan, de São Paulo. Osmar, que transmitiu as duas Copas seguintes pela também paulista Rádio Globo, está agora em outro veículo de comunicação eletrônica. Ele é a voz da poderosa Rede Globo de Televisão.
APELIDO DE HERÓI- “No dia em que formos tetra, usarei minha veia emocional para dizer tudo o que for mais bonito”, sonha Osmar. “Será o clima do momento, mas que valerá por uma eternidade”. De uma coisa o vibrante e criativo narrador tem certeza: sentirá mais emoção do que quando subiu aos palanques das diretas ou transmitiu o sprint de Joaquim Cruz rumo à medalha de ouro olímpica dos 800 m, há dois anos, em Los Angeles. Até lá, ele espera que o telespectador já esteja familiarizado com os apelidos que deu aos futuros heróis como o “Menino-Emoção” Casagrande, “Galinho Mágico” Zico e a “Elegância Brasileira” Falvão.
Ao contrário de Osmar Santos, o veterano Fiori Gigliotti, da Rádio Bandeirantes, de São Paulo, já viveu uma grande conquista brasileira. Aos 57 anos, o titular da “Cadeia Verde e Amarela, norte e sul do Brasil” transmitiu sua primeira Copa em 1962, no Chile, quando a Seleção ganhou sua segunda Jules Rimet. Fiori tenciona enfeitar mais que nunca – mais do que quando, em dias bonitos, informa os ouvintes de que “o céu se vestiu de azul”. E pretende rechear suas transmissões de mensagens patrióticas. “Será um tetra dedicado à juventude carente, que ainda não teve a sensação de comemorar uma Copa”, prevê. “Servirá para o jovem se tornar mais patriota”, acredita ele, que, como pano de fundo de suas narrações, usará a canção Verde e Amarelo, de Roberto e Erasmo Carlos.
Fiori já tem na sua ponta de língua o discurso do grande dia: “Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo, torcida brasileira. Brasil tetracampeão. Explode, coração! Dezesseis anos depois, a juventude brasileira se alegra, abre um sorriso verde e amarelo. Os velhos se renovam e o Brasil tetracampeão se fortalece. Aguenta coração!”
“Choveu na horta do Brasil, deixa comigo”. Em princípio, é assim que outro veterano, Waldir Amaral, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, pretende contar que o Brasil chegou ao tetra. Esta será a nona Copa do autodenominado “mais categorizado locutor esportivo do país”. Waldir, que estreou vendo a máquina húngara passar por cima do Brasil, em 1954, na Suíça – mas que foi testemunha de 1958, 1962 e 1970 –, transmitirá o Mundial para 135 emissoras. Ele pretende começar com o pé direito, já no dia 1º de junho, data da estréia brasileira, berrando para o éter o mais conhecido de seus jargões: “Tem peixe na reeede” Da Espanha, naturalmente.
BORDÕES FAMOSOS- Já o locutor José Carlos Araújo, o “Garotinho” da Rádio Globo do Rio, não vê motivo para grandes invenções no dia do triunfo. Ele acredita que sua linguagem se identifica de tal modo com seu público que, a esta altura, seria até contraproducente qualquer inovação. Desta maneira, cada gol do Brasil será por ele identificado com o conhecido “Entrou...” – o mais famoso dos bordões de seu repertório.
Em Belo Horizonte, o locutor Willy Gonser, titular da Rádio Itatiaia, líder de audiência em Minas Gerais, diz-se contra as frases feitas. “Sou da escola do Pedro Luiz (atualmente diretor da Rádio Gazeta, de São Paulo) e, por isso, minha base será a improvisação”, promete. “Vou falar o que viver na cabeça”, avisa, ressalvando que “o narrador deve utilizar um vasto vocabulário para aumentar o nível do ouvinte”.
Na Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, dois estilos absolutamente opostos terão a incumbência de contar os feitos da Seleção: o sóbrio, de Armindo Antônio Ranzolin, e o enfeitado, de Haroldo de Souza. Desde já, o primeiro avisa que estará preocupado com os aspectos técnicos e jornalísticos da campanha do tetra. “Alguma novidade que os ouvintes venham a perceber será fruto da inspiração do momento”, explica Ranzolin. Enquanto isso, seu companheiro Haroldo de Souza tem pronta, pelo menos, uma expressão a ser usada nas vitórias do Brasil: “É tique no taque e taque no tique”. “Dito assim não tem graça, mas vai funcionar para criar um clima de suspense”, espera Haroldo.
O pernambucano Roberto Queiroz, da Rádio Jornal do Commercio, do Recife, ainda não preparou qualquer texto especial para o grande momento. “Não costumo fazer isso”, argumenta. “O que vem é espontâneo, criado pela própria emoção.” O rádio, enfim, como se sabe, é aquele veículo mágico que faz o torcedor imaginar lances fascinantes.
A televisão, por contar com o testemunho da imagem, é bem mais cruel. Talvez por isso, quem virar o televisor em direção da Rede Bandeirantes verá o competente Luciano do Valle tratando o tetra como algo que a torcida não esperava. “Essa conquista confirmará que Deus é um brasileiro fanático. Só ele mesmo será capaz de empurrar nossa Seleção”, afirma Luciano, que narrará sua quarta Copa.
IBOPE DE ASTRONAUTA- Quatro anos atrás, quando ainda era titular da Rede Globo, Luciano sentiu-se tão importante quanto os astronautas norte-americanos que, pela primeira vez, pisaram o solo lunar, em 1969. “No jogo Brasil X Escócia, o índice de audiência chegou a 92%. Isso representa umas 80 milhões de pessoas”, orgulha-se. “Depois que o homem pisou na Lua, este tinha sido o maior índice conseguido por uma emissora brasileira.”
Nesta sua primeira Copa em casa nova, Luciano terá a coadjuvá-lo três celebridades do Mundial de 1970: Rivelino, Clodoaldo e Pelé. O locutor joga confete em seu trio de comentaristas, mas em particular, elogia o novo timbre de voz de Rivelino.
Esta será a estreia da Rede Manchete em Copas do Mundo. O narrador titular é o sóbrio Paulo Stein, que terá como coadjuvantes os comentaristas Márcio Guedes e João Saldanha. As transmissões não terão um tom ufanista. “Somos a favor de realçar a informação, o aspecto puramente jornalístico”, diz Stein, advertindo que não sabe ser engraçado – “bem que eu gostaria, mas não é do meu feitio”. Caso o Brasil chegue ao título, ele sabe que será levado pela emoção. “Mas nunca relegando a razão a um segundo plano”, afirma. “Teremos o prazer de elogiar os 11, porque com um ou dois só não alcançaremos o tetra”, completa o consagrado Saldanha.
“O SMOKING DA GLOBO”- “Se eu puder, entro em campo para comemorar o tetra ao lado dos jogadores.” Este aviso não soa estranho quando parte de Sílvio Luiz Perez Machado de Souza, a voz do pool SBT-Record. Como sempre, ele estará longe do alcance de qualquer padrão mais ortodoxo. Irreverente, malicioso e, por vezes, gaiato, Sílvio jamais entra numa transmissão sem num bom estoque de piadas.
Em frente ao microfone, este ex-juiz de futebol, de 51 anos, procura fazer as vezes do torcedor. “Uso a linguagem do povo e não vou mudar”, adverte Sílvio. “Quem pensou em mudanças foi a Globo, ordenando que seu pessoal tirasse o smoking e descontraísse no ar”, alfineta.
Sílvio Luiz, de qualquer modo, está atento a inovações. Recentemente, patenteou frases como “pelas barbas do profeta” ou “pelo amor dos meus filinhos”. Para junho, promete novidades que, por ora, andam guardadas a sete chaves. Está seguro de que conseguirá bons índices de audiência. Em 1982, na Espanha, ele só conseguiu transmitir a Copa pelas ondas médias e de FM da Rádio Record. Foi uma aventura quixotesca contra a exclusividade da Globo. “Tire o som de seu televisor e ouça a Rádio Record”, apelava, naqueles dias magros.
Agora, porém, Sílvio terá som e imagem para seu jeitão debochado. “Existe coisa mais positiva que samba, mulher e futebol?”, pergunta. E promete pular, cantar e chorar de alegria com os torcedores. “Afinal, eu sou povo”, concluí. O povo espera a mesma coisa. Não importa, como diria o peladeiro costumaz Chico Buarque de Holanda, a voz do dono ou o dono da voz.
Publicado originalmente na revista Placar número 832 em 05 de maio de 1986
2 comentários:
Grande Matheus, muito bacana este post.
A gente era feliz e não sabia.
Márcio Feijó
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