Adriano Stuart (1944-2012) possui
uma trajetória interessante dentro das artes brasileiras. O realizador nasceu
em um circo na cidade de Quatá, interior de São Paulo. Foi ator mirim da TV
Tupi e roteirista de inúmeros programas de televisão. Na Boca paulista foi
um diretor conhecido por seus trabalhos nas comédias. Clássicos como Kung Fu Contra as Bonecas e Bacalhau foram assinados por ele. Stuart
também colaborou intensamente com o grupo Trapalhões dirigindo programas e
cinco longas-metragens com a trupe. Após essa fase, Adriano voltou a ser ator. Criou
tipos interessantes em filmes de realizadores de diversas gerações como Carlos
Reichenbach (Garotas do ABC), Flávio
Frederico (Urbânia), Beto Brant (Os Matadores) e sobretudo Ugo Giorgetti
(Festa, Boleiros, O Príncipe, Boleiros
II).
Stuart morreu ano passado sem
merecer o devido reconhecimento. O cineasta André Klotzel trabalhou em quatro longas-metragens
ao lado de Adriano Stuart: Exorcismo
Negro (1974), Cada um Dá o Que Tem
(1975), Kung Fu Contra as Bonecas
(1975) e Sabendo Usar Não Vai Faltar
(1976). Ambos estiveram próximos no período de maior sucesso das produções da
rua do Triunfo. Klotzel conversou por telefone com a reportagem de VSP e recordou
alguns episódios que viveu ao lado de Adriano.
Violão,
Sardinha e Pão- Como você conheceu o Adriano Stuart?
André Klotzel- Ele foi a primeira
pessoa com quem eu trabalhei profissionalmente em cinema. Naquela época, eu estava
indo na Boca tentar conseguir algum trabalho. Mas eu batia de porta em porta, me
colocava disposição e nunca tinha uma chance. Eu estava no primeiro ano de
cinema da ECA (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo). Fomos
com uma turma conversar com o Aníbal (Massaini, produtor e proprietário da
Cinedistri). Um dos meus colegas, o Alain Fresnot cobrou o Aníbal que ele
deveria dar uma oportunidade pra alguém da USP. Ele tinha uma vaga de assistente
de produção. Nisso, eu falei que topava e acabei indo trabalhar junto com o
Adriano (Stuart). A partir daí, nós tivemos bastante contato e fomos criar uma amizade
no Exorcismo Negro. O Aníbal ia
produzir esse filme do Zé do Caixão mas ele tinha ficado noivo, precisava
viajar pra fora do país. O Adriano acabou ficando como entreposto dele aqui. Um
assistente que representava o produtor frente ao Mojica. Fiquei muito amigo do
Adriano e nisso eu fiquei conhecendo o eterno dele: o pai dele Walter Stuart, o
Lima Duarte. Aí fiz com ele Sabendo Usar Não
Vai Falta e ele dirigiu um longa em que eu fui assistente de direção
chamado Kung Fu Contra As Bonecas. Eu
não queria mais fazer produção. Esse filme foi um caos, um desastre.
VSP- Por
quê?
AK- Kung Fu foi feito de maneira muito precária. O Walter Stuart que
fazia um dos papéis principais acabou quebrando a perna no começo da filmagem.
Foi tudo feito numa precariedade tremenda. Eu como assistente acabava cobrindo
pepinos de produção no meio de todo processo. A produção era do (Alfredo)
Palácios e do (Antônio Pólo) Galante. Não sei o que aconteceu, mas as condições
de filmagem foram muito precárias. A equipe ficava hospedada em lugares
difíceis com recursos mínimos. Foi tudo feito em Porto Feliz (interior de São
Paulo), mas foi muito divertido apesar de bem complicado. Tivemos um tempo
mínimo pra realizar aquilo tudo. Depois, o Adriano foi fazer o Bacalhau e me
chamou pra trabalhar de novo com ele. Mas eu estava fora de São Paulo, no
Nordeste e acabei não fazendo mais nenhum filme com ele.
VSP-
Vocês tiveram mais contato na época dos trabalhos pro Aníbal?
AK- Sim. Nesse período tivemos
bastante contato. Teve outro episódio de um filme do Aníbal chamado Cada Um Dá o Que Tem do John Herbert em
que ele foi ator. Também estivemos juntos nessa. O Sílvio de Abreu dirigiu esse
episódio com ele. Lembro que enquanto fazíamos esse trabalho eu fui com o
Adriano no sítio em que o (Luiz Sérgio) Person morava. Ele era muito amigo do
Person. Convivi bastante com o Adriano durante um, dois anos. Ele ia muito na
Tupi e eu era muito garoto...tinha dezenove anos na época. O Adriano já tinha uns trinta
anos.
VSP- Como
era trabalhar em um filme produzido pelo Aníbal naquela época?
AK- É curioso. Na Boca apesar de
você ter um baixo orçamento tinha um profissionalismo grande. As pessoas trabalhavam
ali regularmente. O diretor de fotografia não era qualquer um, ele tinha que
ter todo um trabalho, um passado profissional. Isso era uma maneira de
trabalhar bem estabelecida mesmo sendo filmes que não tinham uma estrutura de
produção grande. Dentro da Boca, os filmes do Aníbal eram os mais bem
produzidos. Normalmente, eles podiam durar mais tempo com equipes menores e
atores qualificados. O Massaini resolveu produzir o Mojica depois que ele
ganhou um prêmio de cinema fantástico na Espanha e começou a ficar cult. Como
produtor, o Aníbal queria fazer um filme do Mojica mais sofisticado,
mais produzido. Mas não que foi bem isso que acabou acontecendo.
VSP- O
Adriano era um cara que vinha da televisão. Isso refletia na direção dele?
AS- Sim, ele era cria de
televisão. Ele vinha da Tupi desde criança. Inclusive, ele tinha sido ator
mirim na primeira versão do Sítio do
Picapau Amarelo. Depois, ele fez circo...a TV vinha do rádio. Então, tudo
era um pouco ligado. O próprio Mazzaropi era de circo...a Tupi também. O
Adriano e Walter Stuart eram atores criados no circo, a família inteira. Não
sei se você sabe disso, mas ele era dublê em cenas perigosas. Mesmo se fosse
pra fazer figuração. O Adriano sabia rolar da escada, fazer cena perigosa,
cair, se jogar. A Tupi tinha haver com o circo. A televisão era muito
interligada a esse universo circense.
VSP- Como era o Adriano no set de filmagem?
AK- Um cara tranquilo, bastante
tranquilo. Era um dos meus primeiros filmes, é até difícil eu fazer uma
avaliação objetiva daquilo tudo. Eu estava entrando no cinema. Mas eu não tenho
nenhuma lembrança de nervosismo dele, sair do sério, ficar exaltado. Ele tinha
uns gestos descompassastes. Lembro que ele deu um susto na (atriz) Alcione
Mazzeo e ela quase chorou. Depois, ele acabou se desculpando. Então, ele
aprontava umas coisas assim mas nada de se exaltar. Um cara um pouco
aprontadador, daqueles que enganavam as pessoas, sabe? Fazia umas brincadeiras.
Aliás, ele tinha um repertório vasto nisso de piadas e brincadeiras constantes.
Ele era de circo, dessa tradição circense. Tanto que ele fez cinema, dirigiu
Trapalhões e ainda voltou a ser ator.
VSP- Você
percebia que ele tinha preocupações formais com os trabalhos dele?
AK- Isso na Boca era algo
estabelecido pelo produtor. Ele não era um cara de cinema, mas tinha algum
conhecido. Era um estreante que conhecia televisão, alguma coisa de teatro.
Mesmo assim, acabava dependendo muito do produtor. Como o Aníbal era um
produtor preocupado com isso as coisas eram bem acabadas. A Cinedistri que
tinha feito O Pagador de Promessas.
Então, era uma empresa preocupada em oferecer um produto bem acabado para o mercado.
A empresa do Aníbal conseguia produzir em um padrão elevado pros filmes da Boca
em geral. O padrão acabou caindo justamente no Kung Fu Contra as Bonecas que
foi algo completamente precário. Por isso, acabou ficando um filme um pouco
diferenciado em relação aos outros. Agora, eu reassisti outro dia e achei muito
divertido. Um filme bem engraçado.
VSP- Ele
pensou em fazer uma sátira aos filmes de kung fu do Bruce Lee que faziam muito
sucesso na época?
AK- Não sei. Provavelmente sim. O
Adriano sempre foi um cara criativo e tinha um monte de ideias.
VSP- É
verdade que a Helena Ramos treinou pra fazer as cenas de luta?
AK- Ela treinou um pouco, mas o
Adriano que sabia essas coisas. Ele na hora fazia e mostrava pra ela. Lembro que
ele se preocupava com os barulhos da porrada. Ele pediu que eu fosse com um
gravador cassete gravar os ruídos de socos e porradas dos filmes do Bruce Lee
para serem usados. Lembro que fui num cinema do centrão fazer
isso. Dessa parte marcial, o Adriano cuidava pessoalmente disso porque ele
entendia muito dessas coisas. Não sei se ele chegou a treinar artes marciais,
coisas assim. Mas ele mostrava os golpes pros atores, fazia coreografia da
luta. Onde dar a porrada, como dar a porrada, essas coisas todas.
VSP- Como
foi o relacionamento de vocês com a Helena nesse filme? Ela já era uma musa do
cinema e como você falou que aquele era um longa-metragem de orçamento
restrito.
AK- A Helena foi sensacional,
sensacional. Eu achei ela o máximo, super esforçada naquele filme. Ela sempre
ficava próxima de todos, inclusive a equipe, os técnicos. Não era aquela pessoa
que ficava distante, inacessível. Fiquei amigo dela fazendo esse filme.
VSP- Como
era a direção de atores do Adriano?
AK- Ele era ator né? Então, ele
tinha um diálogo muito grande e cumplicidade com todo elenco. Muitos eram
amigos dele, colegas de profissão. O Rubens Moral, o Maurício do Valle no Kung Fu Contra as Bonecas. A direção
dele sempre tinha camaradagem e cumplicidade. Direção de ator é algo muito
complicado. Você avalia melhor o resultado porque as pessoas que subatuam
muitas vezes conseguem aproveitar o ator da melhor maneira possível. O
resultado na tela é o melhor parâmetro pra se avaliar algum trabalho.
VSP- O
que você acredita que aprendeu de direção com o Adriano Stuart?
AK- Olha, o Adriano me deu
confiança. Uma confiança no meu batismo profissional. Eu não sabia como era
trabalhar em cinema. Sei que eu saí daqueles filmes sabendo que eu era um
profissional da área. Trabalhar com ele me deu essa confiança. O próprio Aníbal
me possibilitou isso. Mas o Adriano me fez ter essa continuidade que me
possibilitou ser ao mesmo tempo aluno da USP e profissional de cinema. Era algo
raro alguém que fazia faculdade ter uma vida profissional na Boca. Poucos
colegas conseguiram isso.
VSP- Muita
gente da Boca tinha certo preconceito contra o pessoal da USP. O Adriano não tinha isso?
AK- Não, em absoluto. Ele sempre
foi a maior simpatia comigo. Me acolheu muito bem. Posso inclusive dizer que de
certa forma ele foi o meu mentor. Você precisa ter em mente que eu estava
começando. Eu via ele como um grande diretor, um grande cara. O primeiro filme
dele ele tinha uns trinta anos e devia estar um bocado inseguro. Como eu era um
jovem disposto, louco para trabalhar em cinema e que faria qualquer coisa que
fosse possível. Eu sempre me senti muito a vontade na Boca, queria ter feito
mais filmes lá. Eu pegava o carro da minha mãe pra fazer produçao. Usávamos o
carro pra levar ele na padaria com os atores da Tupi. A padaria Real era o ponto
de encontro Tupi que ainda existia naquela época. Isso acabou sendo o meu batizado, meu
primeiro trabalho. Eu aprendi pela primeira vez o que é trabalhar, o que é
trabalhar em cinema. Foi meu primeiro emprego pra valer na vida.
VSP- Como
era o relacionamento do Adriano com o Aníbal?
AK- Eles eram muito cúmplices.
Tinham quase a mesma idade inclusive. Lembro de algumas vezes eles marcava, de
beber uísque juntos, fazerem programa não sei onde, assistir tal coisa. Eles
discutiam muito os filmes. Eu não participava tanto dessa parte e não sei
exatamente o que eles conversavam. Mas havia muita confiança entre os dois.
Depois, eu perdi contato do Adriano e só fui reencontrá-lo quando ele estava
com o Festa (do Ugo Giogetti) no Festival de Gramado. De vez em quando tinha algum encontro esporádico
em algum festival, algum amigo em comum.
VSP-
Vendo os filmes dele como ator, principalmente os trabalhos do Giorgetti a
gente percebe que ele era um ator muito do improviso. Você concorda com isso?
AK- Sim. Ele tinha muito de improviso, de resolver
algo na hora. Ele tinha muitas coisas de um humor seco, áspero, muitas vezes até
carrancudo. Ele tinha um tipo durão né? Sempre tinha essa coisa de durão. O
humor dele era muito bem marcado.
VSP- Na
sua opinião, qual é o legado do Adriano pro cinema paulista e brasileiro?
AK- Não sei. Legado é algo tão
maior que é até difícil eu dizer isso objetivamente. Acho que ele representa
bem essa transição que foi interrompida de um cinema industrial em grande
escala feito no Brasil. Na Boca era feito um longa-metragem atrás do outro e
muitos realizados de maneira concentrada. O Adriano foi um dos caras que fez isso
com desenvoltura. Acho que vocês críticos, jornalistas sabem contextualizar
isso melhor.
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