quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Memórias de um Cafajeste- parte VIII: A repercussão de Rio, 40 Graus e Rio Zona Norte



Por Jece Valadão

“No Rio nunca fez quarenta graus”
O filme é lindo, maravilhoso. E foi feito sem recurso nenhum. Recurso zero.

Só que mesmo pronto, nossos problemas não acabaram. Veio a censura e proibiu a estreia. Foi aquela luta para liberar o filme.

Uma das alegações do chefe de polícia para proibir o filme é que ele era uma mentira do começo ao fim, porque nunca tinha feito quarenta graus no Rio de Janeiro. Só que ele teve o maior azar. No dia seguinte a essa declaração, os termômetros da cidade indicavam claramente: estava fazendo quarenta graus.

Para liberar o filme fizemos um trato com o Juscelino Kubischeck, que na época era candidato a presidente da República. Procuramos o diretor de campanha e ele propôs que a gente colaborasse na campanha em troca da liberação do filme.

O Nelson, comunista, apoiando o Juscelino...o Modeste de Souza, um antor antigo, também comunista, apoiando o Juscelino...Sobrou para mim. Armamos uma banquinha – aquelas de distribuir santinho – na Cinelândia e a minha função era entrar no bonde superlotado, na hora do pique mesmo, e fazer um discurso relâmpago: “Meus amigos, estou aqui em nome da democracia para dizer que o presidente da República sem maioria no Congresso, não pode fazer nada, porque quem manda é o Legislativo. Por isso, o nosso homem é o Juscelino Kubnischeck”. O bonde chegava no ponto, eu saltava, pegava outro e assim ia...Quatro horas fazendo a mesma coisa; e, ainda, sendo vigiado pelo diretor de campanha.

Graças a tudo isso, o filme foi liberado e fez o maior sucesso.

Trilogia
Logo em seguida, começamos a fazer Rio Zona Norte. A ideia era fazer uma trilogia: Rio 40 Graus, Rio Zona Norte e Rio Zona Sul.

O último deles, Rio Zona Sul, o Nelson acabou não fazendo.

CURSO STALIN
Na época do Rio 40 Graus, tive uma participação comunista ativíssima, só que de pouca duração.

Toda a equipe tinha ligação com o partido comunista, menos eu. Sempre fui capitalista, e eles não se conformavam: “Você tem que aderir”.

Presionaram-me de tal maneira que eu acabei cedendo. Marcaram uma noite para eu estar numa esquina do centro do Rio, ás nove horas.

Chega um carro, encosta; um cara salta do carro, abre a porta de trás, me empurra para dentro, me bota uma venda nos olhos e sai a mil por hora. Do meu lado, no banco de trás, tinha uma pessoa com uma venda, também; na frente, o motorista e um outro cara vigiando a gente.

O carro rodou, rodou, mais de uma hora e meia; até que parou. Levaram-me para dentro de uma casa e só aí tiraram minha venda. Não tinha a menor ideia de onde eu estava.

Ganhei um nome de guerra: Rogério.

Dentro da casa tinha várias pessoas; todas desconhecidas. Cada uma tinha um nome de guerra e uma função diferente: “Você, você e você cuidam da parte da limpeza; vocês lavam a louça...”. Distribuíram serviço para todo mundo.

De manhã, de tard e de noite: tome política. Vinha um professor, reunia todo mundo e começava a aula.

Fiquei vários dias sem ver a luz do sol. A casa só tinha uma porta – por onde entrava e saía o professor -, que era vigiadíssimo dia e noite.

Foi quase um mês lavando louça e aprendendo sobre Stalin. O chamado curso Stalin.

Quando saí de lá queria pegar uma metralhadora e matar tudo que era capitalista, tal a lavagem cerebral que me fizeram.

Só que a minha história comunista, depois que eu saí de lá, não durou três dias.

No primeiro dia de comuna, depois que terminei o curso, fui distribuir prospecto dentro da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.

Fui preso na hora.

Chegando na delegacia, os sacanas falaram para mim: “Você, esquece, está queimado”. Deixeram-me lá. O cara era preso, estava queimado no partido.

Fiquei puto: “O quê? Vocês vão para puta que os pariu”. Cheguei para o delegado e falei que era um inocente-útil e contei tudo o que tinha acontecido. Só não dei o endereço porque não sabia.

Os sacanas não mandaram um advogado para me defender, nada; me deixaram sozinho lá.

Depois que consegui sair da prisão, nunca mais quis saber de ser comunista.

A FAMA
Fiquei conhecido no país, como ator, quando ganhei o prêmio de melhor interpretação, por causa do Rio 40 Graus.

Antes eu fazia rádio-novelas, e é muito difícil ficar conhecido só por causa da voz.

RiO ZONA NORTE
Rio Zona Norte também era sobre o malandro, mas outro estilo de malandragem.

O malandro do Rio 40 Graus era mais autêntico, do morro. Já o do Rio Zona Norte era o malandro de rádio.

Malandro asqueroso
O Grande Otelo fazia o papel de um compositor de morro e eu fazia um locutor de rádio, ligado às cantoras. O personagem do Grande Otelo compunha os sambas e levava para o meu personagem apresentar para uma cantora, que gravava essas músicas.

Tipo a Ângela Maria, que fazia muito sucesso na época.

Aí, meu personagem, como um bom malandro, lia a letra do samba e mudava alguns detalhes, trocando por exemplo “também não” por “não também”. Alegava co-autoria e assinava a letra. Quando o disco era gravado, só saía o nome do meu personagem. O nome do autor de verdade não aparecia.

Isso existe até hoje. Um tipo de malandro bem asqueroso.

Originalmente publicado em: VALADÃO, Jece. Memórias de Um Cafajeste. São Paulo: Geração Editorial, 1996.

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