segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A atriz da Boca Vanessa Alves lança biografia e relembra trabalhos no cinema

A atriz Vanessa Alves colecionou diversas histórias dentro de sua carreira. Foi musa do cinema da Boca do Lixo, recebeu prêmio no festival de Gramado e participou de mais de 35 longas-metragens nacionais. "O problema é que muitos desses filmes mudavam de nome. Eu recebi o roteiro de Fuga na Selva que acabou sendo lançado como Curral de Mulheres", lembra, rindo.

Um dos destaques da carreira de Vanessa é sua parceria com o cineasta Carlos Reichenbach (1945-2012). Eles fizeram cinco filmes juntos. "Inicialmente, ela veio como exigência do produtor Antonio Polo Galante", afirma Eduardo Aguilar, que foi assistente de Reichenbach durante anos. "Mas depois ela acabou ganhando o Carlão. No set de filmagem, a Vanessa era extremamente profissional: calma, tranquila e dedicada".

Parte das histórias da atriz e do realizador está no livro Vanessa Alves - coletânea de imagens e palavras que será lançado hoje (dia 14) pela Editora Laços. A obra foi organizada pelo produtor cultural Rafael Spaca e conta parte expressiva do cinema paulista nas últimas décadas. VICE conversou com a musa sobre sua carreira.

VICE: Como você começou no cinema?
Vanessa Alves: Recebi um convite de uma agência de atores e modelos para um teste. Era para um produtor que estava começando um filme, e precisavam de uma moça nova. Fiquei na dúvida se ia ou não ia porque o escritório era na Rua do Triunfo [centro de São Paulo], que tinha má fama. Acabei indo, e foi lá que eu conheci o [Antônio Polo] Galante [produtor de cinema]. Ele me pediu para voltar outro dia pra fazer um teste e levar um biquíni. O teste era botar o biquíni e desfilar. Eu desfilei, e ele me disse que eu estava aprovada pra fazer A Filha de Emmanuelle. Eu ia fazer um papel secundário.
Alguns dias depois, o Galante me ligou dizendo que a atriz principal tinha sofrido um acidente ou ficado doente. E perguntou se eu topava fazer o papel principal. Acabei topando.

Do que você se lembra nesse primeiro trabalho?
O Galante era muito inteligente pra títulos. Já tinha a série internacional da Emmanuelle com a Sylvia Kristel. Então, ele fez [o filme] com esse título pra chamar atenção do público. Acabou dando certo, porque foi uma superbilheteria.
Esse filme teve direção do Osvaldo de Oliveira [cineasta e diretor de fotografia conhecido pelo apelido de Carcaça]. Todo mundo falava: "Cuidado com ele. Ele é muito bravo". Já fui morrendo de medo, tanto que, um dia antes de começar[em] as filmagens, me recomendaram tomar um remédio pra ficar relaxada. Aí a idiota aqui foi, comprou e tomou. No dia seguinte, acordei mal e fiquei com uma sensação estranha. Parecia que eu estava pisando nas nuvens. Porque eu nunca tinha tomado remédio pra nada – e até hoje não sou de ficar tomando remédio. Mas foi tudo ótimo, e não tenho nada para falar mal do Carcaça. Não sei se foi sorte ou dedicação, mas me dei muito bem com ele.

Como você conheceu pessoalmente o Carlos Reichenbach?
Não lembro. Acho que foi alguém da parte da produção que nos apresentou: "Esse é o Carlão, diretor do filme e autor do roteiro. Vocês começam a filmar dia tal". Pode ter sido o Galante. Mas eu nem sabia quem era o Carlão. Pra mim, ele era outro diretor da Boca. Nem imaginava que íamos trabalhar juntos tantas vezes. O nosso primeiro trabalho foi Paraíso Proibido, que foi meu segundo longa-metragem.

Como era ele no set? 
Ele era um amor de pessoa. Nunca vi o Carlão elevando a voz, sempre ele ficava torcendo pelo bom desempenho de todos. Vibrava com os atores, e o jeito dele fazia todo mundo trabalhar melhor. Inclusive a equipe técnica. Na época da Boca, não tinha muito ensaio. Você recebia o roteiro, decorava e fazia. Mas o Carlão era um doce no set.


Filme Demência é tido como a obra mais radical do Carlão. Você consegue se lembrar de algo que seja diferente nesse trabalho?
Não. Meu papel era bem pequeno. Fizemos algumas cenas na estrada: [era] uma externa, eu pedindo carona. Era uma participação pequena, tanto que todas as minhas cenas foram rodadas no mesmo dia. Mas era muito engraçado eu contracenar com o Ênio [Gonçalves, ator]. Porque eu era muito tímida e ele também.
Lembro[-me] da gente indo para o set de filmagem numa Kombi. Ele ficava num canto lendo um livro e eu no outro canto do automóvel. Podíamos ficar horas sem trocar uma única palavra. O Carlão dizia que eu era a versão feminina do Ênio e que éramos os atores preferidos dele. Vai ver isso acontecia porque nós dois somos virginianos. Mas o Ênio era excelente ator e uma pessoa maravilhosa.


Você trabalhou diversas vezes com o Reichenbach. Parece que existia um respeito muito grande entre vocês, certo?              
Sim. Aliás, não só com o Carlão como [também com] todos os diretores com quem trabalhei. E o Reichenbach respeitava todo mundo, cuidava de todas as atrizes. Muitas vezes, elenco e equipe técnica acabavam virando uma família. Isso porque todo mundo ficava hospedado na mesma locação. Aí quando acabava o filme era uma choradeira danada. Você chorava e abraçava todo mundo porque você não ia encontrar mais aquele pessoal. Isso acontecia muito.

Você ganhou o prêmio de melhor atriz coadjuvante no Festival de Gramado por Anjos do Arrabalde. Como foi isso?
Eu estava voltando do Paraguai, onde tinha participado de um filme chamado Corruptores. Lembro que cheguei em São Paulo e, no dia seguinte, fui para Gramado. Quando anunciaram, foi uma surpresa muito grande – eu não esperava. Estava concorrendo contra grandes atrizes como a Marília Pêra. Sei que eu estava usando óculos de grau durante a premiação. Na hora, eu abracei tanta gente que os óculos entortaram. Mas eu não acreditava, foi muito emocionante. Lembro que foi um ano que não tinha prêmio em dinheiro. Ganhei só o troféu, mas pra mim aquilo foi ótimo. Depois, com o Anjos, também ganhei o prêmio Governador do Estado (concedido pelo jornal O Estado de São Paulo).

A minha personagem fala pouco no filme. Não tem grandes diálogos, não tem grandes coisas. Por isso, acho que o mérito do prêmio é todo do Carlão. Ele que escreveu o roteiro e fez a minha personagem aparecer dessa maneira.

Você teve um papel pequeno num filme do Walter Hugo Khouri (Amor Estranho Amor). Como foi isso?
Foi quase uma figuração de luxo. Eu fazia uma garota que trabalhava no prostíbulo. Nem sei se ele tirou uma cena que rodaram minha sapateando. Foi no estúdio da Álamo que dublei essa cena do sapateado e me esforcei muito para ela sair perfeita.
Agora, esse filme tinha a Vera Fischer como protagonista. A gente começava a rodar sete horas da manhã. E ela estava toda produzida: uma mulher linda, com aquela pele maravilhosa. A Xuxa era muito bonita também, lembro[-me] do Pelé aparecer com ela no set. Esse filme tinha muitos bons atores: Tarcísio [Meira], Mauro [Mendonça]. Todos muito educados, e o Khouri era um verdadeiro gentleman. Não importava se era eu, a figurante mais figurante ou a Vera. Ele tratava todo mundo igual. Sempre com uma delicadeza que fazia você se sentir a mais bela de todas, a melhor atriz de todas. O Khouri era muito educado e um superdiretor.

O que você viu de diferente em trabalhar com o Khouri?
A produção. Tudo era muito bem cuidado. No set, não tinha só café e água como na maioria dos filmes da Boca. Tinha frutas, biscoitinhos, queijinhos. Do comportamento do Khouri, o que mais marcou foi a gentileza e a educação dele com todos. Até porque as filmagens com a minha personagem duraram uma semana somente.

Você chegou a trabalhar com o Fauzi Mansur também?
Sim. Foi o único filme de terror que eu fiz na minha carreira: Ritual da Morte. Produção toda rodada no Teatro São Pedro, um teatro que estava um pouco abandonado. Eram várias cenas com aquele sangue artificial... sei que minha participação foi pequena. O engraçado foi que esse filme era todo falado em inglês. Até hoje, eu não falo inglês, mas tinha um professor que ajudava a decorar a fala. Então, a gente decorava e ficava um inglês bem tosco, né? Eu devo ter sido dublada em inglês por outra pessoa.

O que a Boca significou na sua trajetória?
Significou o início de tudo. Eu tenho certeza [de] que cheguei aonde cheguei por causa da Boca. Eu mesma sabia que existia a Rua do Triunfo e se fazia cinema lá. Mas abriram essa oportunidade de trabalho, e eu acho que devo tudo à Boca. Depois da Boca que eu fui fazer teatro e alguma coisa na televisão. Novela, a única que eu fiz foiAntônio Alves, o Taxista, no SBT; fiz muito programa de humor, teleteatro na TV Cultura. Mas fiquei mais conhecida pelo cinema mesmo.

Sua carreira no teatro e na TV não foi tão marcante. Você acha que isso aconteceu por você ter trabalhado na Boca?
Eu acho que não. Acho que eu mesma não corri atrás. Teatro, se eu quisesse, estaria fazendo até hoje. Minha última peça foi Sete Vidas, do Paulo Goulart, em 1997. Mas depois entrei de cabeça na área de dublagem. Comecei dublando e hoje sou diretora da área. Enquanto eu só dublava, dava pra conciliar com teatro. Mas depois, não. Eu nunca fui atrás, e também não vieram muito atrás de mim. Então, foi uma coisa que, se eu tivesse procurado e batalhado, poderia ter sido diferente. Mas eu nunca fui atrás.

Foi pela sua timidez, talvez?
Não. Sempre achei o meio de televisão meio desgastante, muito diferente de teatro ou filme. Eu já fui tirada de uma novela por causa de um produtor. Isso quando meu nome tinha aparecido no jornal e estava confirmado que eu iria fazer esse trabalho.


Então, o meio de televisão era mais predatório que o da Boca?
Muito mais. Pelo menos, pra mim, foi.

Nenhum comentário: