segunda-feira, 1 de abril de 2019

VSP Entrevista: Felipe Levoto


São mais de 30 anos semanalmente na TV brasileira. Mesmo assim ele continua sendo um ilustre desconhecido do grande público. Muitos devem conhecer o tipo alto e desengonçado. Aos 65 anos, o ator Felipe Levoto é um dos maiores coadjuvantes de humor do Brasil. Ele iniciou a carreira como figurante em novelas da TV Tupi e está no SBT desde 1979. “Eu comecei a trabalhar no Sílvio antes dele ganhar a concessão da TVS”, lembra com orgulho. Na Praça É Nossa ele está desde 1987. Mas Levoto não resumiu sua carreira artística na telinha. Ele também trabalhou no rádio, com dublagem de desenhos, filmes e teve uma longa carreira com comerciais. “Nas décadas de 1980 e 1990 eu fiz o Frankenstein em diversas peças publicitárias. Fui chamado inclusive pra fazer esse personagem em Portugal”.

O veterano também arrumou tempo para trabalhar em cinema. Foi através do jurado Pedro de Lara (1925-2007) que ele começou na área. Levoto foi chamado para interpretar o personagem Tonhão no longa-metragem infantil Padre Pedro e a Revolta das Crianças de Francisco Cavalcanti. “Fiz um capanga do José Mojica Marins, o Zé do Caixão”. O então galã esteve em diferentes filmes da Boca paulista como Os Animais do Sexo Explícito do mesmo Cavalcanti, Nuas no Asfalto de Ubiratan Gonçalves, O Gato de Botas Extraterrestre de Wilson Rodrigues, A Tara do Touro de Walter Wanny e O Preço da Fama de Henrique Borges. “Muitas dessas produções começavam com um título e depois o dono do cinema cismava com outro mais comercial pra chamar atenção do público”.

Levoto não fugiu de nenhuma pergunta. Conversou sobre todos os filmes que trabalhou. Estive com ele numa tarde de setembro de 2018 em Arujá, cidade da região metropolitana de São Paulo. O ator mora na cidade há décadas. Cheguei algumas horas atrasado para o encontro, mas isso não abalou o bom humor do ator. Muito pelo contrário. Levoto foi extremamente amável e gentil. Contou histórias sobre toda sua trajetória artística. Uma verdadeira lenda viva do humorismo nacional.

Seu Levoto: pra gente começar fala um pouco onde o senhor nasceu, o lugar, o que os pais do senhor faziam?

Bom...Eu nasci no bairro do Ipiranga (zona sul de São Paulo), mais precisamente num lugar chamado Vila Carioca. Tenho maior orgulho de lá: na periferia do Ipiranga. Foi lá que eu cresci, foi lá que eu comecei a minha vida. Em 1972, eu acabei servindo o exército numa época Militar (refere-se a Ditadura Militar, 1964-1985). E assim que eu dei baixa eu falei pro meu pai: “Vou lá pro sítio pra descansar” e não voltei mais cara. Estou aqui a 46 anos.

E o senhor veio morar em Arujá?

Sim. Vim morar aqui em Arujá.

O pai do senhor tinha alguma propriedade aqui? Algum parente?

Tinha sítio aqui, né? Tinha um sítio e nós tínhamos uma casa no Ipiranga. Hoje meus pais são falecidos, né? Então, aquela casa que tinha lá ficou com os meus dois irmãos mais novos e aqui a parte do sítio que ficou com o meu irmão. Dos que tinham alguma coisa ali onde eu tenho eu indenizei eles na época...Isso já vai fazer mais de trinta anos. Então, eu estou aqui e sinceramente vai ser difícil sair. Voltar pra lá...Porque aquilo que nos atraia lá não existe mais, né? Não existe mais. Foram os anos dourados que nós trabalhávamos lá inclusive no cinema, era do cacete. E os meus pais...Eu sou filho de imigrantes: meu pai era um legítimo calabrês e eles vieram pra cá. O meu avô chegou aqui em 1919. E o meu pai era mecânico diesel cara. Uma pessoa que marcou naquilo que ele fez na época dele. Era uma pessoa muito conceituada no que fazia inclusive teve convites pra ir embora pros Estados Unidos e não foi exatamente por mágoas da guerra. Entende? Meu pai era mecânico, uma pessoa simples. Eu batalhei, estudei, fui atrás e nunca tinha nenhum problema com regime, ideologia política, essas coisas. Eu na verdade me desenvolvi na época militar. Foi quando estudei, me formei, fiz faculdade, trabalhei.

O senhor nasceu em que ano? Desculpa perguntar...

1953. Eu vou fazer 65 anos agora em outubro. Deus permita que eu chegue lá.

Vai chegar com certeza. 

Entendeu? Já estou com 65. Então, sabe? Não é o que as pessoas falam, não é o assunto em questão. Mas como eu tive todo esse atrativo na época militar: desenvolvi, adolescência, juventude. Estudei, fiz faculdade, servi o exército e nunca tive um problema. Nunca rolou isso que falam, né? Mas isso não é o assunto...

Lógico. O senhor se formou no quê?

Olha, eu comecei a minha primeira formatura em técnico de administração. Aí eu fiz faculdade de Direito na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo). Eu só não fiz o exame da ordem, não exerço.

O senhor formou em Direito?

Sim. Mas eu não exerço. Aí fiz outros cursos paralelos: marketing industrial, essas coisas todas. Mas como o Brasil...Eu não gosto de tocar nesse assunto: mas como o Brasil não oferece oportunidades e a vida artística era tratada no chinelo eu fiz por amor. O que era o meu plano B. E eu me sustento até hoje porque com todo estudo que eu tenho não consigo trabalhar porque não tem emprego. Entendeu? Então, eu me mantive mantendo até que numa época eu decidi só continuar com a arte e vamos que vamos. Sabe? Mas eu acho que o Brasil precisaria valorizar mais os seus profissionais mais em todas áreas, né? Não é só nas artes. Em todas as áreas.

E como surgiu essa ideia do senhor ser ator ou seguir carreira artística? O senhor estava aqui em Arujá?

Não, não. Agora que vem o segredo: eu fui criado numa família muito rígida. Fui criado muito dentro de casa. Com onze, doze anos a nossa diversão era assistir televisão: TV Pullman, aquelas coisas todas. E passava A Praça da Alegria. Eu tinha onze, doze anos. E o Jô Soares fazia o quadro de um alemão. Eu ia no guarda-roupa do meu pai: pegava um capote dele, amarrava um travesseiro na barriga e ficava na sala repetindo o bordão que ele repetia. O bordão era: “Que têm louco? Que têm louco?”. E o meu pai me dava um cacete rapaz (risos). Até que um dia ele falou: “Você parece bobo fica imitando os outros”. Eu falei: “O senhor acha que eu sou bobo mas um dia eu vou estar lá”. Eu tinha doze anos. Nunca imaginei isso. Quando comecei a me aproximar dos dezessete, dezoito aí surgiu o interesse de fazer novela. Então, você começa a falar com um, com outro e ninguém te ajuda. Essa é a real. Eu só consegui no dia que eu tomei uma atitude. E o meu primeiro trabalho foi na TV Tupi. Eu participei das novelas Ídolo de PanoSheik de IpanemaMeu Rico PortuguêsJoão Brasileiro, o Bom Baiano e aí a Tupi quebrou. Mas nesse período...Eu comecei já em 1972 a participar de filmes de cinema. O pessoal vinha lá na Tupi buscar o pessoal pra fazer elenco que era no laço que pegava. E aí comecei, sabe? Comecei a fazer um monte. Eu graças a Deus não participo do esquema celebridades e famosos. Você sabe qual é o esquema, né? Eu trabalho porque eu gosto. Se sou conhecido é porque o meu trabalho foi veiculado e aconteceu. Mas eu não corro atrás, não faço esse meio de campo.

E o senhor chegou para ser figurante na Tupi?

Sim. O mais engraçado: a primeira pessoa que me atendeu na TV Tupi era gerente de produção chama-se Aldo César. Ele já é falecido. Aí comecei a fazer mais depois acabou a Tupi. Comecei a fazer teatro, uma série de coisas. Depois eu fui fazer um monte de situações em teatro, cinema, comercial. Eu entrei para o SBT em 1979.

Em 1979?

Em 1979. Eu fiz três anos e quatro meses com o Paulo Celestino o programa Apertura. Aí a Globo contratou todo mundo pra ir pra lá. Eu não quis ir. Eles falaram: “Você não quer ir?”. “Não, eu quero ficar”. Sou o último que sobreviveu na profissão. Os atores que foram pra Globo eram pra limar. Quando acabou o Apertura eu já estava dublando no SBT. Eu dublei durante muito tempo: filme, desenho, tudo. Inclusive, eu e o José Soares Coutinho fomos os únicos do SBT que até hoje ganharam prêmios em dublagem. Aí eu comecei a trabalhar na Praça É Nossa em 1987.

Quando foi pro SBT?

Exatamente. Eles começaram...Foram contratados em maio e começaram a gravar no final de agosto pra setembro. Eu entrei em outubro e fiquei quase dez anos fazendo com o Magnólio, um quadro chamado "A bicha Magnólia". Eu era o policial e o Aldo César era o delegado. Nós ficamos quase dez anos no ar. E eu tenho a honra de dizer a você que esse ano eu completo 39 anos de SBT e 31 anos de Praça.

O senhor entrou quando o SBT começa? 

Não. Eu tenho um ano e dez meses mais que a concessão. Porque passava: nós gravávamos na (avenida) Ataliba Leonel e passava na Record. Porque o Sílvio era dono de metade da Record.

O Sílvio era dono de metade e a outra metade da família Machado de Carvalho?

Sim. Isso foi em 1979. Em 1981, saiu a concessão da Tupi. O meu primeiro registro foi na TVS do Rio de Janeiro embora eu fosse de São Paulo. Eu fui registrado por lá. Quando saiu a concessão passou tudo pra cá. Então, eu tenho um ano e dez meses a mais que a concessão que o SBT tem.

Quando o senhor começou já tinha interesse em humor?

Não. Na verdade, quando eu comecei foi com novela. Eu nunca imaginei que eu fosse cair no humor. E dou graças a Deus de ter entrado no humor cara. Porque o  ator que faz humor sabe fazer qualquer coisa. E quem faz qualquer coisa não sabe fazer humor. Eu já vi atores de novela serem convidados na Praça, não saberem nem por onde entra nem por onde saí. Porque a turma pensa que os atores de novela decoram, né?

Não decora?

Nem sempre. Mas o profissional não é isso. E no SBT, graças a Deus, ali dentro eu participei de novelas. Inclusive nesse período de transição entre o Apertura e A Praça eu fiz quatro novelas no SBT. Sendo que uma delas foi o top que foi Meus Filhos, Minha Vida e depois Jogo do Amor. Participei de outras coisas. Mas quando começou A Praça só fiquei nesse programa.

E o senhor como figurante na Tupi ganhava alguma coisa?

Não. O cachê existia. O problema era receber porque...Mas eu recebi, recebi. Algumas coisas ficaram pra trás no final. Porque eles colocaram uma cooperativa com um outro pessoal e o pessoal começou a desviar. Mas, eu vou ser sincero pra você: o prazer em trabalhar era tão grande, que o cachê que se ferre. Porra, eu era molecão. Eu trabalhava fora e queria trabalhar. Não queria aparecer na televisão queria trabalhar, queria trabalhar. Tanto, que quando eu fiz o filme do Padre Pedro eu fui contratado pra ficar quatro dias lá. Eles tiveram que mudar toda a cena e eu fiquei 36 dias. Você entende? Porque a arte no Brasil não dá dinheiro, dá prazer. E eu tenho prazer, entendeu?

Quando o senhor começou quais atores e quais comediantes o senhor se espelhava?

Olha, quando eu comecei...Sempre gostei de brincar de humor. Então, os caras que foram meus ícones foram Ronald Golias, Pituca, entendeu? Tem tantos cara. Tantos que eu vou até me magoar por não lembrar o nome de todos. Mas, aquela turma antiga, sabe? Eu acompanhava direto. Então, você vai se espelhando nos caras. Vai se espelhando. Mas, se eu falar que tem alguém em particular eu posso estar sendo injusto. Eu sempre procurava me espelhar nos lances melhores dos melhores momentos. Entendeu? Porque eu aprendi com outros profissionais que a melhor interpretação é a sua natureza, a tua naturalidade. Você só se molda naquilo que você vai fazer. Se você é um padre você se porta como um padre. Se você é um bêbado, você tem que se portar como um bêbado, entende? A mesma coisa se você fazer um político. Aí o cara pergunta: “Mas, como é se portar como um político?”. “É só roubar pra caralho” (risos). Mas assim: os antigos, entendeu? Principalmente em dramaturgia, novela foram os melhores. Se a televisão não mudar logo ela está em processo de falência.

Quando o senhor começou na Tupi já tinha VT? Ou era tudo ao vivo?

Não. Alguma coisa ainda era feita na hora. Depois que chegou a Betamax. Uma puta de umas bobinonas, né? Aí dava pra voltar mas no começo era tudo ao vivo.

O senhor começou na Tupi em 72?

Foi na passagem de 1971 pra 72. A primeira novela que eu participei foi Ídolos de Pano. Depois eu fiz A Volta de Beto Rockfeller. Entendeu? Com o Luiz Gustavo, Plínio Marcos. Inclusive, em 1972, quando eu estava na Tupi, eles vieram fazer um convite pra fazer algo na Cultura. Porque antigamente, a TV Cultura ainda era do governo do Estado. E eu fiz uma peça lá, um teleteatro dirigido pelo Antunes Filho, em que o ator principal era o Antônio Fagundes garotão. E eu fui como figurante. Passaram quatro pra fazer a cena e não conseguiram. A minha cena falaram pro diretor: “Testa ele aí”. Fui de primeira e assim eu fui mostrando, sabe? De oportunidades de mostrar o trabalho. Mas, em regra geral, eu não tenho nada assim, em particular, contra denegrir a imagem de nenhum profissional de maneira geral.

O senhor começou na Tupi e depois teve no SBT. Passou por mais emissoras?

Comecei na Tupi. Participei na Globo de dois Casos Especiais. Um foi sobre a vida de um menino que virou santo. Era um teleteatro, e eu fiz o papel de fotógrafo que faz a foto que imortalizou o menino segurando um lírio. E eu fiz um médico no episódio Cabeças Brancas. Era sobre os velhos que eram abandonados e eu fazia um médico que dava a assistência, a coisa toda. E depois eu não continuei, porque em 1975 eu estava tentando alguma coisa. Afinal, a Tupi estava muito mal das pernas. E eu trabalhava numa construtora.

Construtora?

Numa construtora. E eu tinha um cargo muito bom. Em função do meu trabalho, dos meus estudos eu consegui: entrei como office-boy e sai como assessor da vice-presidência. Entendeu? Passei por cargos de gerência. E assistindo domingo em casa o Moacyr Franco, tinha um programa chamado Moacyr Franco Show. Então, eles faziam interpretação da parte de uma novela e mostravam o cara interpretando. Nisso, eles escolhiam e justamente no dia que eu fui marquei o cara falou: “Vem aqui na praça Marechal Deodoro e traz uma foto porque a gente tem muita gente aí. Então, você faz o cadastro”. “Tudo bem. Mas como eu trabalho vou na hora do almoço”. “Sem problema”. Quando eu cheguei me indicaram a sala do cara, cheguei na porta falei: “Quero falar com fulano de tal”. “Sou eu”. “Eu falei com você me disseram pra trazer uma foto”. Ele falou: “Foi você?”. Falei: “Foi”. “Deixa eu ver a sua foto. Dá pra ser domingo agora?”. Já não tinha mais fila. Eu falei: “Tudo bem”. “Então você espera aí que os caras vão conversar com você o que vai fazer. Nós vamos escolher uma cena pra você ver”. E eu tava tenso cara. No corredor fiquei imitando o Chico Anysio, ele era o meu ídolo.

Ele era foda, né? Ele era incrível. Acho que até hoje no Brasil não vai ter outro.

Ele fez o que sempre eu tive o sonho de fazer: vários personagens. Não consegui na televisão, mas eu consegui no livro. Porque estou escrevendo personagens: dando perfil e texto pra cada um. Eu tenho que fazer. Aí eu no corredor brincando. Até que saiu um cara: “Pô, quem está imitando o Chico aí?”. Eu falei: “Desculpa fui eu”. Ele falou: “Faz de novo aí. É você que vai fazer o negócio lá? Você vai fazer o Chico Anysio”. Ele pegou três quadros do Chico Anysio pra eu fazer três partes dele. Quem que ele botou pra contracenar comigo? Rosamaria Murtinho e Ilka Soares. E eu ganhei um puta beijo da Ilka Soares, garotão, sabe? Eu tinha 27 anos. E ali eu fui chamado pra fazer o cabeça do Fantástico: sabe aquelas apresentações, tal, tal? Mas, eu não quis mais que a minha mãe caiu doente. Tanto que eu perdi ela cedo jovem pra caramba. Então, fui eu mesmo, que até limei o meu trampo pra ficar com ela. Entendeu? E assim foi acontecendo, tem várias histórias.

Como era a sua relação com cinema? Desde moleque o senhor gostava?

O meu primeiro trabalho registrado foi na Mesbla. E eu fui designado pra trabalhar no departamento de cinefoto som. Então, eu trabalhei no departamento que fazia as revelações dos filmes e das fotos. E toda sala de cinema nacional...As fotos que ficavam na entrada aquelas 25x30 eram todas reveladas lá. Eu comecei a desenvolver essa paixão revelando foto-filme de cinema. Aí a coisa começou.

Quantos anos o senhor tinha nessa época?

Catorze anos. Isso são partes que eu estou te contando, mas foram somando, até que quando eu entrei no desespero: “Eu preciso voltar a trabalhar na televisão. Eu não vou desistir do meu sonho”. Fui trabalhando e aí em 1979 o Sílvio Santos criou um quadro chamado Beleza Masculina. Na primeira fase quem ganhou foi o Antonio Fonzar.

Sei quem é o Antônio Fonzar. Ele fez a segunda tentativa do Vigilante Rodoviário

Isso. Aí eu comecei a assistir a partir da segunda fase. Eu falei: “Porra, eu não sou bonito. Tenho altura, porte, tudo, mas não sou bonito. Eu sou meio relaxadão. Mas é uma forma de eu entrar lá e conversar com alguém”. Me inscrevi cara. Quem me recebeu, que na época era o produtor do Sílvio era o Clayton Ramos. Ele falou: “Vai participar”. Participei e o Sílvio começou a fazer uma série de perguntas. Elogiou a minha voz, e depois que terminou o programa o cara veio falar comigo: “Pô meu, Sílvio não é muito de conversar com candidato. Ele foi com a sua cara”. Eu falei: “Legal”. Ele falou: “Se aparecer alguma coisa aqui eu te aviso”. Passou um mês e eu falei: “Os caras me esqueceram. Nem vou ficar atrás”. Um dia tocou o telefone alguém atendeu não sei se era minha mãe porque ela ficava sentada perto do telefone. Ela falou: “É pra você. Um tal de Clayton”. Falei: “Clayton?”. Mas nem imaginava. Do outro lado da linha: “Tudo bem? É o Clayton aqui da TVS do Sílvio”. Eu falei: “Oi Clayton tudo bem”. “Eu não falei pra você que se pintasse algo eu te chamava? Vem vindo um programa novo do Rio aí, mas não sei qual é o esquema dos caras. Você não quer vir aí pra trocar uma ideia?”. Eu falei: “Vamos lá”. Quando eu cheguei tinha um pessoalzinho lá e eu fui o primeiro a ser atendido. Era o Paulo Celestino. Foi a primeira vez que eu tive contato com ele pessoalmente. Ele falou: “Nós somos de humor, nós estamos vindo do Rio. Qual é a sua experiência no humor?”. Eu falei: “Nenhuma”. Ele falou: “Gostei da sua sinceridade”. Falei: “Já fiz isso, isso, coisa em cinema, teatro. Estou começando, mas cheguei a participar de algumas novelas”. “Mas o meu elenco está fechado. Você se importa de ficar no elenco de apoio?”. Eu falei: “Não”. No primeiro programa: eu ficava com uma sunguinha com um sorvetinho lá atrás. No segundo programa a mesma coisa. Já no terceiro programa falei uma palavrinha e estou lá até hoje.

Que coisa.

Entendeu? Porque o que eu priorizei foi o meu trabalho e não as negociatas. Não participo. A minha esposa outro dia falou ainda: “Você é louco mesmo. Você nunca vai em show, você joga os convites fora”. Eu falei: “Não vou porque vou perder tempo”. Os caras não vão dizer: “Nosso amigo”. Quando um amigo meu vem a falecer eu sinto, choro, mas eu não vou no cemitério.

O senhor não vai em velório. O senhor não gosta?

Não é que eu não gosto. No velório de artista só vai os caras para aparecer e eu não gosto. O que a pessoa representou pra mim tem que ser em vida. Depois que passou só Deus pode consolar.

Então quando o Golias morreu, o Canarinho, o senhor não foi. Mas ficou chateado?

Pô...Só com o Canarinho fizemos quadro juntos durante nove anos e quatro meses gravando toda semana. Eu não tenho uma foto antiga, porque, inclusive acabei perdendo as coisas de mudança em de mudança, tudo encaixotado, essas coisas todas.

O senhor não tem mais isso?

Estou tentando achar. Até fotograma eu tenho. Tenho que procurar numas caixas que tenho lá em casa. Eu me lembro que fiz um filme chamado Nuas no Asfalto, do diretor Ubiratan Gonçalves. Entendeu? Eu não lembro de todos que fiz,  porque os caras: “Está precisando de terminar uma cena. Você não tem ninguém pra me emprestar?”. “Eu estou fazendo outro trabalho”. “Não a gente dá uma camuflada pra quebrar o galho”. Foram vários assim, mas os que mais me tocaram foram Nuas no AsfaltoA Tara do Touro com o Walter Wanny, Os Sequestradores e Padre Pedro e a Revolta das Crianças. Foram os que eu tive mais destaque. Agora, tem alguns até que eu participei, com outros atores famosos, que mudaram de nome, os caras acabaram vendendo. Eu acabei participando com o Heitor Gaiotti, do Gato de Botas Extraterrestre.

Ah o senhor participou do Gato de Botas do Wilson?

Sim. Do Wilson Rodrigues. Você conhece? Já ouviu falar? Ele que acabou comprando tudo isso daí.

O senhor me contou seu inicio foi no SBT nesse programa do Paulo Celestino como figurante. 

Mas isso foi durante duas, três semanas. Depois fui pro elenco de apoio e aí tudo foi dando certo.

Entendo. Mas antes disso o senhor estava meio afastado da vida artística?

Assim: eu fazia uma coisa aqui. Mas era meu plano B. Meu plano A era a construtora. Mas, aí em 1977, eu dei um tchau final.

Sim, sim. E o senhor não era tão novo assim?

Não. Eu já tinha quase vinte e cinco anos. Foi daí que eu comecei a correr atrás da vida artística. Participei de muitos comerciais. Por exemplo: nos anos 1980 e 1990, praticamente todos os comerciais que apareceu do Frankstein fui eu que fiz. E isso rendeu cinco filmes na Europa, irmão. Até prêmio, que eu ganhei pelo Meio & Mensagem um cara de lá falou: “Eu quero esse ator”. Outro falou: “Não dá, ele é americano”. Aí um disse: “Não, ele é brasileiro”. Aí mandaram por fax, e eu tive que mandar uma foto, até chegaram a conclusão: “É ele mesmo”. E eu fui pra lá fazer cinco filmes na televisão de Portugal. Fiquei em Pombal, Coimbra, entendeu? Fiquei lá um tempão. Ainda os caras falaram: “Você tem duas semanas”. Eu fiz tudo em uma semana. Aí ele falou: “Fica passeando aí”.

Olha só. O senhor tinha o tipo do Frankenstein?

Isso.

Aí pintava?

Eu caracterizei o Frankenstein de várias formas. Inclusive no programa Apertura com o Paulo Celestino. Antes de ir pra Globo, o Geraldo Alves falou: “Eu vou fazer por sua causa”. Ele escrevia o quadro da Família Monstro e eu fazia o Frankzinho, o filho que era surfista. E foi justamente, o Frankenstein surfista que eu fiz em Portugal. Foram cinco filmes. Aí eu criei um personagem de humor que era o Frankenstein. Peguei um pedacinho de cada hipócrita que tem no cenário e criei o Frankeado. Esse inclusive eu participei de um filme, um convite fora de circuito que o cara falou: “Eu queria que você participasse”. Ele falou: “Mas como eu escrevo esquete você que escreve o seu”. E eu escrevi. Inclusive quem participou comigo foi o Clayton Silva porque eu também escrevo, né? E no outro foi o Felisberto, outro comediante que já faleceu. E ele colocou nesse filme, né?

E que importância teve o Paulo Celestino na carreira do senhor?

Toda, toda. O que eu aprendi com ele foi a presteza, a educação, o talento, o profissionalismo. E diga-se de passagem: no humor era difícil alguém fazer um homossexual melhor que ele. Paulo Celestino. Ele fazendo esse tipo de papel era imbatível. Assim como o Tutuca fazendo a Magnólia.

E o Paulo Celestino é sempre uma pessoa muito pouco citada. Quando se fala da história da TV, história do humorismo.

É porque o brasileiro como é descendente de português: eles não tem memória, tem vaga lembrança. Porque minha mãe também era portuguesa. Eu tenho sangue...

Poxa, calabrês e português...

Transmontano.

Vixe, Trás dos Montes.

Sim. Porque o meu avô pai minha mãe é primo legítimo do Vitor Guedes,  aquele do azeite de galo. Então, pegou aquela faixa dos transmontano. A coisa era complicada: tanto na Itália quanto em Portugal, o cacete era o mesmo. Então, tinha essas coisas, entendeu? É gostoso, sabe? O pessoal antigo da TV era diferente. Hoje tem muito egoísmo, individualismo. Tem muitas pessoas...Não querendo falar mal de ninguém. Mas a gente tem observado em vários setores da arte a gente vê uns caras arrogante, apelativo, entendeu? Baixa cultura. Ele acha que falar...Aprende uma coisa vocês que estão começando agora: humor pra ter graça, tem que ficar no subentendido. Você não pode falar rasgado. Aí você vira popular, aí você vira roda de samba, não funciona.

Tem que dar impressão. Não precisa ser apelativo.

Você conhece aquele ditado que diz: "quer conhecer uma pessoa dê pra ele cargo ou dinheiro". Tem alguns que não tem cargo, nem dinheiro e acham que tem poder. Aí Deus fala: “Minhoquinha: eu vou te dar uma asinha pra você achar que é cobra”. E os caras acham que é dragão. Tem que respeitar os antigos. Porque aquela escola acabou. Hoje o que tem é lixão.

Sim. Porque o Paulo Celestino trabalhou em Teatro de Revista, Chico Anysio, chanchada.

E outro parceiro, que eu trabalhei que também trabalhou com o Chico, foi o Arnaud Rodrigues. Eu trabalhei com toda essa turma: todos os antigos, todos. Um cara que ninguém se lembra. Por exemplo: você já ouviu falar de Chocolate? Ele era ator da Praça da Alegria, entendeu? Aquele pessoal da antiga: (Otelo) Zeloni, Borges de Barros, ninguém respeita esse pessoal. Zilda Cardoso, Consuelo Leandro. A Zilda está viva, mas também se afastou cara. Saiu fora.

A Maria Teresa o senhor deve ter conhecido.

A Maria Teresa? Ela frequentava a minha casa porque o filho dela gostava de rock e eu era programador de uma rádio de rock. Inclusive, a Kiss FM começou aqui em Arujá. Era uma rádio comunitária e eu era locutor da Kiss. Depois foi pra São Paulo e eu acabei saindo fora porque ficou longe. Mas eu fui programador da primeira rádio de rock de São Paulo, a chamada FM 97, em São Bernardo do Campo. Ainda era o meu material que o pessoal usava, por causa de umas loucuras que eu fazia na cidade. Pegava o meu salário e gastava tudo em disco, na (loja) Museu do Disco, que era na (rua) Dom José de Barros. Eu fui um dos primeiros clientes do cara. O que eu tenho de disco até hoje você não acredita.

O senhor trabalhou muito tempo em rádio?

Trabalhei. Inclusive quando eu fui fazer...Eu era da (rádio) Difusora de Guarulhos. Quem me deu todas as dicas e só não continuei porque ele faleceu: Estevam Sangirardi da Jovem Pan.

Foi ele que criou o Show de Rádio.

Show de Rádio eu fazia com ele. Entendeu? O Tatá, o Escova, Serginho Leite. Aí o Cláudio Cremer tinha um programa de sucessos. Ele falou: “Pô, vem trabalhar comigo”. Aí, eu fui pra Imprensa FM. “Eu quero que você faça isso aqui”. Aí o diretor da emissora falou: “Não. Mas esse tipo de coisa não funciona a nível de FM”. Porque era novidade. Aí meu amigo falou: “Se ele não fica eu também não fico”. Hoje, todo mundo faz humor em rádio. E eu fui o pioneiro, porque eu tomei um pé no rabo, porque eles não me aceitaram. Entendeu?

Seu Levoto temos tantos assuntos. O senhor trabalhou com tanta gente...

Eu consegui fazer um pouco de cada coisa.

Como surgiu a oportunidade do senhor trabalhar com cinema na Boca? Quem levou o senhor? Como foi isso?

Olha, na realidade foi uma coisa interessante. Quando eu comecei na SBT, inclusive no dia que eu participei do programa o Pedro de Lara olhou pra mim e falou assim: “Eu estou pra fazer um filme. Quando eu fizer você vai trabalhar comigo no filme”.

Isso no SBT?

Sim. No dia em que eu participei do concurso. Aí passou aquele mês que eu te falei, teve o contato e comecei a trabalhar. Passaram-se quase três anos e o Pedro de Lara falou: “Eu vou fazer”. Aí ele me mandou ir lá, falar com o diretor que era o Chico Cavalcanti. Aí despencou cara, despencou porque ele falou: “Vou te contratar pra você fazer quatro dias”. Poxa, cheguei lá e foram 36 dias. Mudou todo o meu papel. Aí eu passei a ser o capanga do Zé do Caixão. Entendeu? Aí eu fui o filme inteiro e aí começou. Inclusive o Darcy Silva, que fazia os efeitos especiais, depois foi trabalhar no SBT, naquele programa Jornal Policial. Ele fazia efeitos especiais, e lá eu fiz dois casos principais: o do índio e piratas no cais. Tudo isso, foram trabalhar com o Darcy Silva, que era de cinema. Aí comecei a fazer cinema com esse pessoal da Boca.

Era uma história do Pedro de Lara?

Isso. Era do Pedro de Lara. O Chico fez a adaptação, e ficou o cerne da história. O que mudou foram os movimentos, entendeu? De quem não falava, ia no contraponto e tchau. Porque, o cinema é assim: take a take. Se você não sabe dar o seu texto, eles dão a minha imagem, e você grava em off. É problema seu.

Até porque não tinha som direto era tudo gravado.

Mas nesse filme Os Sequestradores foi uma turma boa.

Mas voltando ao Padre Pedro. Tem gente que fala que foi filmado em Atibaia e tem gente que fala que foi em Bom Jesus dos Perdões.

Não. A locação foi toda em Atibaia. Algumas cenas a gente fazia fora. A igreja era em Bom Jesus dos Perdões, entendeu? Nós ficamos num sítio em Atibaia, de um espanhol um tal de Perez. Me parece que ele tinha um negócio de batidas lá na (rua) Sete de Abril.

Batidas o senhor diz de barzinho?

Barzinho. Tipo lanchonete. Eu não cheguei a ir. Mas ele era conhecido parece.

Mas tinha roteiro? Vocês receberam roteiro do Padre Pedro?

Tinha roteiro das cenas, entendeu? Só que muitas cenas eles começaram a criar com a autorização do Pedro. Ele falava: “Não quero o cara aí”. Aí mudaram as falas, entendeu? Na hora mesmo a gente ia fazer...A única coisa que eu fiquei chateado em cinema é que estive sentado frente a frente com o Mazzaropi. Ele falou assim: “Eu queria que você estivesse no meu próximo filme”. “O prazer é meu”. E ele faleceu. Era exatamente um negócio que ele ia fazer em Serra Pelada. Foi o último que ele ia fazer.

É justamente nessa época. O Mazzaropi morre em 81. Fala um pouco do Padre Pedro. Como era o relacionamento do Pedro de Lara e do Chico? Eles se davam bem no set?

Nunca tiveram problema. Não teve nenhum problema. O cinema da Boca era família. Como eu gostava daquilo.

Teve uma história que parece que a TVS ia produzir esse filme. Parece que o Chico chegou a conversar com o Sílvio. O senhor lembra disso?

Isso era uma coisa fora. Não cheguei a acompanhar isso. Era uma coisa só deles.

O personagem do senhor chamava-se Tonhão?

Tonhão. Capanga do Mojica.

Como era contracenar com o Mojica?

Não tinha problema. Pra mim, nunca tive problema. Eu sempre me moldei a todos os personagens. E eu acabei entendendo, que o cinema é uma linguagem. O teatro é outra linguagem, a novela é outra, humor, entendeu? E você vai pegando os macetes. Tinha umas brincadeiras que os caras faziam. Quando chegavam aqueles arrogantezinhos, acabavam sacaneando. Mas, isso foi muito reservado, pra meia dúzia de dois ou três que se achavam: “Aqui não. Aqui todo mundo come marmitex. Não vem com história”. Engraçado que a gente saia: “Vamos rodar uma cena pela estrada”. Daqui a pouco parava uma Kombi: “Onde é a locação?”. “É aqui”. Porra e saia fazendo. Era um tesão, entendeu? Por quê chamava-se Boca? Porque a gente trabalhava durante o dia, e quando chegava no finalzinho do dia quando a turma saia do escritório pra tomar uns negócios a noite virava ponto das mariposas, das meninas lá. Mas, era um ambiente que você entrava e saia, que eu nunca tive problema nenhum cara.

De marginalidade? De ficar com medo?

Naquela época não. Começou de uns anos pra cá. Aí virou Cracolândia, essas coisas todas.

Como foi o relacionamento do senhor com o Francisco Cavalcanti? Ele diretor do Padre Pedro e outros trabalhos.

Olha, acho que a pior coisa que aconteceu comigo entre ele e eu foi ele nunca ter me carregado no colo. Porque a gente se dava tão bem...Nunca tive uma discussão. Nunca. A Inez (Cavalcanti), que era contrarregra pode te falar isso: nunca. No filme do Padre Pedro lá estava a mulher e a filha do Zé do Caixão. Quando ele saia pra filmar ele dizia: “Felipe: você toma conta da minha família?”. Eu falei: “Fica tranquilo”. Nunca tive problema com ninguém do cinema.

Esse filme foi fotografado pelo Salvador do Amaral.

Isso. Salvador.

Ele era um técnico da Boca. Como era o relacionamento do Francisco com o Salvador pelo que o senhor viu?

Olha, sinceramente eles tinham uma afinação tão grande, que um já falava o outro já entendia o que ele queria. Entendeu? Eles se conheciam bem. O que a gente observava o Chico chegava: “Eu quero assim, assim, assim”. Ele media, conferia: “Aqui não dá. Acho melhor”. Eles tinham uma afinação muito boa, sabe? Pra ser sincero pra você, teve outras equipes que eu não participei, que o pessoal falava, que tinha nego que aprontava mesmo. Mas, eu graças a Deus, quando eu tive a oportunidade de participar com o Francisco Cavalcanti, com o Ubiratan Gonçalves e até com o Walter Wanny, eu nunca tive problema cara. Entendeu? O Walter Wanny é uma moça cara. Discutir com o cara você é idiota, sabe? O cara tinha um puta coração. Vinha, conversava e explicava, sabe? Sempre educado, sempre respeitoso. O Chico também. O Ubiratan era brincalhão, meninão, tinha o jeito dele. Com os outros eu nunca...

E por ser um filme infantil, isso chamou a atenção do senhor? Na Boca não era sempre que se produzia um filme infantil.

É, na verdade não era comum. Porque, os filmes da Boca eram praticamente filmes dirigidos. O dono do cinema falava: “Eu quero um filme assim”, chegava lá e produzia. “Não gostei desse nome”, chegava lá e mudava o nome. “Põe cena assim”. Naquela época tinha aquela cultura. E o pessoal produzia mesmo pra isso. Depois, foi que começou a avacalhar, passou as pornochanchadas aí depois passou pros filmes de sexo explícito, muito explícito, insinuação. Porque, eu acredito que, nós não tínhamos o recurso,  o cinema na época foi ousado. Nos anos 1970, se você for analisar só filme sueco tinha nesse tema. Então, na linguagem de liberdade, o cinema falou muito mais rápido do que a televisão.

O senhor falou um pouco desse filme do Padre Pedro. O senhor chegou a discutir seu papel com o Chico pra aumentar? Pra trazer um tique?

O que mandavam fazer eu fazia. Eles sentiam na obrigação de aumentar. Nunca discuti, porque na verdade pra mim ninguém faz sucesso sozinho. Tudo é em equipe. Eu sempre vim pra somar, nunca pra dividir ou multiplicar. Entendeu? E eles gostavam de um fator meu: eu me dublava. Quando precisavam pra galã ,quando tinha no caso de escolha, eu tinha uma ligeira vantagem sobre os outros.

Financeiramente foi legal participar do Padre Pedro?

Nenhum filme é gratificante financeiramente. É tudo por amor. O que nós ganhávamos, era uma verba que eles tinham de produção e muitas vezes nem tinha. Então, a gente fazia aquela divisão humana. Mas, não se tinham grandes cachês, grandes estrelas. A gente fazia por amor.

Aquele clima de família, imagino que vai se criando vocês estando meio improvisado.

Sim, sim. Inclusive o Fabrício (Cavalcanti) era moleque. Hoje ele deve estar com quarenta e poucos. Ele tinha oito, nove anos na época.

O senhor lembra se o filme foi bem de bilheteria? 

Aí é uma parte que eu não vou saber te falar.

Mas, imagino que o Pedro de Lara ficou feliz, de ver um roteiro dele virando filme.

Ele cumpriu a palavra dele. Ele fez um filme que ele tinha o prazer de fazer e conseguiu. Dentro dos recursos e da maneira que a gente podia naquela época.

O senhor assim não tremeu ou ficou nervoso por ser seu primeiro longa-metragem como ator?

Olha, tem uma coisa que nunca conseguiu acontecer comigo. O desejo de estar lá e fazer era tão grande, que eu não tremi. Eu fazia com prazer cara. Não via a hora de entrar: laboratizava, conversava. Como essa novela, que eu fiz do Jerônimo no SBT: eu fiz dois personagens, que eram irmãos gêmeos, com duas personalidades diferentes. Então, o pessoal gostava das brincadeiras que eu fazia, tal. Eu sempre procurei ser amigo, sabe? Não: “Quero exclusividade. Quero que me mostre isso”.

Ou de ser galã.

Não. Ou de: “Se der duas batatas pra ele eu quero três, senão eu vou embora”. Comigo não.

E foi a partir do Padre Pedro que o senhor começou a frequentar a rua do Triunfo, a Boca do Lixo?

Depois teve: Os SequestradoresNuas no Asfalto e, em 86, 87, que foi o último filme que eu fiz, que foi A Tara do Touro.

Sim. Mas vamos conversando um pouco dos outros. Os Sequestradores, é um outro filme que o Francisco Cavalcanti dirigiu, que ele é motorista de um ônibus, certo?

Isso. Não, ele sequestra o ônibus.

Não, não. O senhor, o Roney Wanderley, vocês sequestram o ônibus.

Sim. Eu, Roney Wanderley, Marthus Mathias e Grandini.

Como foi feito esse filme? O que o senhor lembra?

Lembro que foi feito na região da (rodovia) Fernão Dias. Nós fizemos umas tomadas numa igrejinha, que pegou fogo. Teve todo movimento e na saída, nós íamos fugir com a grana num avião. No final a menina que eu sequestrei, se apaixona e por causa dela o meu personagem morre. Ele se põe na frente...A polícia metendo pau, ele joga ela pra trás e morrem todos. Na boca do avião.

Sim. Foi filmado no aeroporto de Congonhas inclusive. Se chamava Os Sequestradores?

Isso.

Mas foi lançado como Os Animais do Sexo Explícito.

É...Os caras que mudavam o nome. Mas, era Os Sequestradores.

E tinha roteiro? Tudo?

Sim. Era tudo...Tinha cena tal, sequência tal. A Inez (Cavalcanti) que era a continuísta.

E como era a produtora do Chico? A Plateia Filmes. O senhor chegou a frequentar?

Sim. Era simplesinho, né? Mas era um escritório arrumadinho, né? Com uma salinha. Era mesa de trabalho, porque ali era o ponto de encontro. Depois dali saia pra fazer as cenas.

Como reunia todo mundo? Tinha um ônibus que pegava vocês? Ou vocês iam pro carro de vocês?

Eu lembro que eu estacionava com o meu carro na rua do Triunfo. Hoje não tem mais esse esquema. Virou Cracolândia.

O senhor falou do Chico. Vocês trabalharam várias vezes juntos. Como o senhor avalia as produções dele? Era improvisado? Ou ele se esforçava e tentava melhorar?

Tudo isso. A gente não tinha muito recurso. E ele era um cara muito esforçado...Ele gostava, a impressão que passava, era que ele era meticuloso pra fazer as coisas. Dentro do pouco que ele tinha, queria fazer o melhor. Na verdade, depois que a Globo começou a tomar conta, você vê: filme nacional só tem ator da Globo.

Sim. E os orçamentos foram lá pra cima. Vocês trabalhavam de maneira muito...

Precária. Às vezes não tinha dinheiro nem pra fazer o copião. Tinha que mandar lá pra Líder no Bexiga pra poder rolar.

Quais as qualidades e os defeitos que o Chico tinha, como diretor, que o senhor possa contar? De repente, o senhor lembra de alguma história.

Cara, ele era muito legal com a gente. Não era de gritar, nunca vi ele discutindo de cunho pessoal ou desfazer de alguém.

No set ele era uma pessoa tranquila com vocês? Não tinha nenhum estrelismo?

Não, não. Sabe? Do Chico eu só tenho saudades. De todos eles, de todos eles. Todos

Depois dos Sequestradores, o senhor fez o Nuas no Asfalto do Ubiratan. Como foi isso?

Eles vieram atrás. Queriam que trabalhasse e aí ele mostrou o roteiro. Falei: “Vamos embora. Vamos fazer”. Aí fomos lá pra Arceburgo (interior de Minas Gerais). Você conhece Mococa (interior de São Paulo)?

Conheço. 

Então, quando você está chegando em Mococa, tem uma saída que vai pra São Tomé das Letras. Vai pra Passos. Antes de entrar pra Mococa, você vai pela esquerda vai pra São Tomé das Letras, Arceburgo, Passos. Tem uma cidade chamada Passos também. São João do Paraíso. Fica assim do lado direito pra quem vai lá. Ficamos um mês e meio lá.

O elenco todo?

Porra...Quando a gente veio embora, tinha um vereador, não sei se é vivo ainda chamado Toninho. O cara chorava no final da tarde (gargalhando). No final da tarde, o padre vinha abrir a gaiola na praça, pro pessoal ver televisão. Ninguém tinha televisão (risos). Era uma loucura meu, sabe? Esse filme foi legal o Nuas no Asfalto. Teve uma cena muito bonita lá,  que o Ubiratan gostou pra caramba. Não sei se você chegou a ver...

Não. Esse filme não tem cópia, infelizmente. O Padre Pedro eu cheguei a ver. Os Animais também.

Você chegou a ver? Os Sequestradores. Tem uma menina, que eu pego no ônibus, com uma metralhadora transando. Caramba, só brasileiro faz isso (risos). Mas, em regra geral cara: eu não tenho nada pra reclamar. Mesmo com aqueles que não tiveram condições de cumprir financeiramente eu não guardei mágoa.

Só voltando: como era o Ubiratan como diretor? Com vocês?

Ele era um cara legal, sabe? Mas, ele gostava das coisas certinhas. Ele era meio chatinho: ele queria, queria. Inclusive teve uma cena em que eu estava rodando, com uma menina, e ela teve um problema lá, pensando num cara. Isso estragou a cena, e ele ficou...Falei: “Fica quieto”. “Não...”. “Vai pra cena final. Vai pra cena final e mata a personagem dela. Pronto”. Ele fez a cena e dispensou a menina. Eu era assim, sabe? Nunca gostei de briga e  nunca fui estrela. Nunca me senti estrela. Mesmo depois de todos esses anos com todos os trabalhos, que acumulei na minha carreira. Indo pra fora do país, indo pra Europa filmar, em função do meu trabalho. Eu posso dizer pra você, com todo carinho e respeito: eu sou o único seu Madruga brasileiro.

Ah sim. Tem isso.

É, porque o (Roberto Gómez) Bolãnos autorizou o Sílvio (Santos) a fazer o Chaves fora do original, com elenco do SBT. Ele fez três: um especial de trinta anos, Natal e Ano Novo. Eu fiz os três. O Chaves morreu irmão. Ninguém assina mais. E foi uma coisa única no Mundo, que ninguém conseguiu fazer o Chaves sem ser eles. O Sílvio conseguiu. Então, eu me considero.

Sim. O Ramón Valdez que interpretava o Seu Madruga era um ator fantástico, super respeitado no México. Irmão do Tin Tan. Imagino que pro senhor, é uma honra interpretar o mesmo personagem, de uma pessoa desse gabarito.

Poxa, tudo isso. Se você quer saber de todos os personagens, o Seu Madruga é mais famoso que o Chaves. Porque ele é exatamente o brasileiro: um malandro, 171, não sabe sair das encrencas que ele mesmo faz. Um malandro borboleta: vai daqui, pousa aqui.

Sim. A chanchada tinha muito essa coisa, né?

Porque o Chaves começou com resto de cenário. Ele não tinha verba. Pegava o resto de cenário no lixão e ia fazer pra não gastar dinheiro. Mas, no final deu tão certo, que ele acabou comprando a emissora.

Olha só.

Tem coisas que funcionam assim, né?

O senhor estava falando do Nuas no Asfalto. Foi um filme com um elenco feminino grande: a Dalma Ribas, Vosmarline, Vânia Bonier.

Tinha. Eram as principais. Foi legal cara, foi legal. Tinham umas cenas...Porque ele ficou louco. O motorista que eu fazia acabava se matando. Mas, era um cara rico pra caramba, tinha um plano pra filha, pra irmã. Ele gostava das coisas muito certinhas. Aí chegava em casa e via a irmã transando de noiva, vestida de noiva. Ele mata os dois e começa a enlouquecer ali. No começo aparece ele andando num trilho, chegando numa determinada cidade. Depois, ele pega o emprego de motorista de caminhão, e saí viajando. Dentro desse caminhão ele pegava as meninas e na hora do sexo ele acabava matando elas. Porque lembrava da irmã.

O senhor fazia esse personagem?

Sim. Principal.

Foi muito difícil? Quando é pra ser o principal é mais difícil? É um desafio?

A única coisa difícil que eu senti nesse filme...As cenas de violência, e dirigir foram normais. Mas, teve uma cena que eu estava lembrando, que foi feita parado e eu venho dirigindo, né? O choro foi natural. Foi indo na raiva, sabe? Até que eu comecei a chorar mesmo. Aí eu dei o sinal e os caras começaram a filmar. Eles falaram: “Cara, só essa cena todo mundo vai embora jantar. Valeu”. Eu começo a lembrar as coisas, de eu dirigindo esse caminhão, e eu começo a chorar cara (emocionado). Quando ele vai pra cima, pra matar uma garota, ele derruba até um posto de gasolina com o caminhão. A mulher entra pra se esconder, dentro de uma cabine telefônica e ele passa com tudo em cima. Mata ela de porrada dentro do caminhão, jogando o veículo pra cima e pra baixo. Tudo isso foi feito sem dublê cara. Fui eu que fiz todas as cenas.

E o senhor dirigiu o caminhão também?

Sim. Dirigi um 11-13 baú.

Não é fácil cinema no Brasil, né?

Eu tive sorte, porque no exército eu também dirigia. Meu pai mexia com caminhão. Então, desde moleque eu tinha facilidade.

Porque não é fácil imagino...

Não, não. Ainda mais um bauzão trucado cara. Tem três eixos. É um fucinho chato que eles chamam? Um mercedão com três eixos, baú, cabo de alumínio.

Teve alguma parceria com essa prefeitura de Arceburgo? 

Chegavam lá e faziam parceria assim: pediam apoio pra usar um espaço. Ás vezes ajuda com alimentação, hospedagem. E a cidade deu um puta apoio.

E o título já era esse: Nuas no Asfalto? Quando foi rodado?

Era. Porque ele matava as mulheres no asfalto, dentro do caminhão.

 O Ubiratan chegou a trabalhar em televisão, certo? 

Trabalhou. Ele fez aquele Meninão, um personagem de humor na antiga TV Excelsior. Fez sucesso, e depois ele se afastou, ficando no cinema. Aí,  perdemos aquela referência do público dele. Perdeu.

Mas ele entendia de humor? De TV pelo que o senhor viu? Porque é uma pessoa muito pouca lembrada.

Sim. Ele morreu do coração. Entendia de cinema, entendia. É que quando você não agrada um, você vai ter que desagradar outros. E entre eles lá,  acredito que tinham os problemas deles. Mas a minha relação com ele sempre foi legal. Nunca tive problema nenhum.

Esse filme Nuas no Asfalto é uma produção da Plateia Filmes do Chico. O senhor chegou a acompanhar o relacionamento dele com o Ubiratan?

Sim. Eles faziam parceria. Na minha frente, sempre foi legal entre eles. Eu em particular nunca presenciei. Se houve, foi entre eles ou com outro ator. Ou foi reservado ou alguém aprontava. Mas, isso foi muito raro e nem me lembro de alguma situação assim. Se falar também vou falar bobagem.

Mas esse filme o senhor disse que vocês ficaram um mês. O Padre Pedro foram quantos dias?

Olha, cara em Arceburgo nós ficamos 36 dias e em Atibaia 34. Eu fiquei e fui um dos últimos. Tinha que rodar rápido: “Acabou, acabou”.

Não podia desperdiçar filme? Não tinha segunda vez?

Não, não. Não tinha não. A gente procurava as locações: filmava de dia, de tarde, de noite. Quando tinha só cenas noturnas eles saíam pra pegar alguma imagem, pra fazer inserção, essas coisas todas.

O senhor fez um filme com o Wilson Rodrigues chamado Masculino...Até Certo Ponto. O senhor lembra desse trabalho?

Aí que tá. Eu não lembro cara. Eu sei que eu participei. O Wilson fez também O Gato de Botas Extraterrestre mas foi uma participação especial. Os principais foram esses: SequestradoresNuas no AsfaltoPadre Pedro e a Revolta das Crianças e A Tara do Touro. A maioria dos outros, saia com um nome e eles lançavam com outro.

Do Masculino o senhor não lembra?

Não lembro. Deve ter sido um policial que eu fiz. Agora também tem um que eu trabalhei com uma atriz...Qual o nome dela meu Deus do céu? Ela era da Tupi.

E o relacionamento com o Wilson foi legal?

O Wilson era um problema. E a gente se estranhou um pouco, dele comprar as coisas e não pagar. Na época ele não deu, mas eu também deixei pra lá. Sabe? Eu não queria arrumar encrenca pra depois.

Esse já é um filme no explícito o Masculino. Não sei se nesse filme o senhor chegou a fazer cena.

Tem um que o cara chega de tio, e ele come uma menina na mesa da cozinha. Não sei se é esse. Mas, eles mudam o nome cara. Entendeu? Mudam.

Tem um filme que está o nome do senhor no elenco na fase do explícito. Essa produção chama-se Como Fazer um Filme Erótico em 10 Lições do Carlos Nascimento. O senhor lembra desse filme?

Puta...Acho que deve ter sido alguma coisa. Agora tem um detalhe: ás vezes os caras começavam a fazer e não tinham grana pra terminar. Aí vinha outro e comprava. Depois concluía, entendeu? Eu sei que eu fiz uma porrada: fiz um policial, fiz um cara que sequestra uma menina, entendeu? Que era dentro de uma boate. Fiz esse do Gato de Botas, com o Wilson Rodrigues.

Um filme infantil.

Eu lembro mesmo do Heitor Gaiotti, com aquela roupa que foi feita em Los Angeles (risos). Ele ainda é vivo o Heitor Gaiotti?

Não. Ele já é falecido. 

O Grandini também?

O Grandini a bem mais tempo.

Eu fiquei sabendo que o Grandini morreu numa situação ruim.

Não sei. Quem me falou que ele morreu foi o Fabrício (Cavalcanti).

Ele era um cara do caralho. Muito inteligente.

E o Gaiotti? Bom ator também?

Bom, bom. Ele era engraçado pra caramba, o Heitor Gaiotti.

E nunca foi fazer TV...

Porque, era de cinema. Como o Marthus Mathias: saiu do rádio direto pro cinema. “Eu sou um ícone”, ele dizia. “Mas ninguém te conhece”. “Mas eu fiz o Fred Flinstone”. “E daí caralho?”. Sabe com quem eu dublei cinema, cara? Com Roberto Barreiros. Ele dublava pra caralho. Quanta voz de desenho esse cara fez.

Mas esse filme do Carlos Nascimento o senhor não lembra? Nem da pessoa dele?

Assim agora, só se eu ver alguma coisa. Porque, era tanta coisa que a gente fazia. Ás vezes você estava fazendo um negócio os caras te chamavam: “Meu vem cá, vem cá”. Ás vezes você não sabia qual filme estava rodando. Você ia apenas fazer uma cena. Mudava o título...

Como o senhor conheceu o Walter Wanny? Foi lá na Plateia?

Foi lá no esquema. Na Boca.

O que o senhor lembra do Waltinho, quando o senhor conheceu ele? O que o senhor achou?

Olha, eu não consigo esquecer o Walter (Wanny). Porque eu vejo ele...Apesar dele ser um cara do cinema, ele tem um puta coração. E na época coitado, ele estava numa situação difícil. Não sei se ele comentou isso com você. Ele estava plantando batata, estava com a mão toda estourada e dizendo: “Nós vamos fazer um filme agora”. “Então vamos fazer o filme”. E aí surgiu A Tara do Touro (rindo). Surgiu A Tara do Touro. Pô, que gostoso.

Quando ele te chamou? O senhor lembra como foi? Chegou e falou: “Levoto tem um filme”.

Não, assim em detalhes eu não sei assim. Mas foi naquele meio da Boca.

Ele já te falou que era um filme de sexo explícito? O senhor sabia desde o começo?

Já. Mas, era tudo sexo como se diz assim...Como que eu posso te explicar. Não era aquele filme de putaria. Era um cara, que quando ele transava, ele usava um chapéu. Então, a turma ficava vendo por causa daquela brincadeira. E tinha aquelas cenas, entendeu? Poxa, mas ele trouxe umas meninas interessantes (risos).

Sei, sei. 

Nem sei. Tem uma, que eu esqueço o nome dela, que era uma morena, acho que era paranaense. Não sei onde ela está, nunca mais vi. Eles arrumaram ela pra fazer o filme.

Felipe Levoto (ao centro) em A Tara do Touro de Walter Wanny.
O senhor gostou de fazer o filme?

Porra, se eu gostei. Tinha que ter mais tara ainda. Não sei se era de touro.

Mas era muito bizarro. Ele achou esse chapéu não sei onde.

Ele que montou, ele que montou aquilo cara. Era uma cabeça de touro, ele montou e colocou chifre, porque o cara tinha essa tara, que quando ele transava, achava que era um touro. Porque, quando ele era moleque na fazenda, ele via o touro transando, entendeu? Aquilo ficou na cabeça do moleque.

Não sei se no apartamento que filmou tinha um pôster do Che Guevara.

Não necessariamente.

Porque é muito engraçado porque tem o senhor na cena: “Olê, olê touro” e o Che Guevara de fundo.

Surreal. Só no Brasil mesmo (risos).

Foi no Guarujá que vocês filmaram?

Foi no Guarujá.

Quanto tempo demorou?

Olha, ele tinha duas semanas pra fazer o filme. Nós fizemos em nove dias.

Nove dias? Poxa...

Pra ir, pra filmar e voltar. Pouco tempo.

E é difícil cara estar sempre ativo assim?

Não é fácil não. Pra mim eu não fazia toda hora, porque eu nunca tomei nada. Era na raça. Então, eu tinha que esperar, dar um tempo, descansar aí, tomar uma aguinha. Até hoje eu nunca tomei nada cara. Porque, se você toma na idade que eu estou, você vai achar fantástico. Daí você vai querer fazer a mesma coisa sempre, e você vai se frustrar. Então, deixa morrer de uma vez, aí você sabe que só se levanta na hora sábia. Entendeu como que é?

E o senhor também era muito novo na época do filme. Podia fazer mal pro coração.

Sim. Eu não sou muito chegado em remédio não.

Teve alguma dificuldade A Tara do Touro que o senhor lembre? Algum problema? Alguma treta?

Não. Foi pá, pum, tudo rápido. E a gente ainda ficava num apartamento tudo junto lá no Guarujá.

Tinha roteiro esse filme?

Tinha.

E o Waltinho tecnicamente ele entendia de cinema?

Sim. Porque, na verdade ele é montador, né? Então, pra ele era muito fácil, porque ele já sabia onde ele fazia o corte.

Esse filme foi fotografado pelo Henrique Borges. O senhor tem alguma lembrança do Henrique? Como ele era no set?

Olha, não sei, pra mim todos eram legais. O Salvador era muito legal, o Henrique era muito bacana. Só que o Henrique era o seguinte: se ele falasse um negócio e você não prestava atenção ele já ficava emputecido. “Presta atenção”. Também era aquele cara, que puxava pra fazer da melhor maneira possível.

O senhor gostou de fazer A Tara do Touro?

Gostei, gostei. Foi uma experiência inclusive. Porque eu fiz esse filme? Na época eles diziam que quem fazia sexo explícito, a televisão não aceitava. Mas, eu fiz, porque era uma experiência, que eu queria passar e pelo fato de eu ser o principal. Entendeu? Então, valeria a pena. Agora, entrar de graça só pra aparecer.

E financeiramente esse filme foi legal?

Olha, nenhum deles foi. Não, não, nenhum. Porque nós não tínhamos verba pra isso. Porque, a verba mesmo que era da coisa só ia pra Globo. O pessoal era fechado lá e só eles que existiam. Uma coisa que no Brasil é uma pena e até hoje a gente chora foi perder os estúdios da Vera Cruz. Foi uma pena.

Sim. Em qualquer país seria um museu.

Nossa. Se virasse museu no Brasil pegaria fogo. Mas, antes de pegar fogo eles venderam.

O senhor gostou do resultado final da Tara do Touro? O senhor lembra de ir na estreia?

Fui, fui. Inclusive no filme Os Sequestradores eu fui na estreia.

Eram legais as estreias dos filmes da Boca?

Era, era. Era a nossa linguagem cara, não tinha...Era a nossa vida, entendeu? Era a nossa vida isso.

Você lembra se o filme da Tara foi bem de bilheteria?

Olha, nenhum deles eu sei te dizer. Eu sei, que esse filme da Tara foi comprado pelo Wilson. Eu sei, que ele fez uma sacanagem: comprou, não pagou quem tinha que pagar e fez um DVD. E começou a vender em DVD, na lojinha dele lá no centro da cidade. E a gente não recebeu nada. Mas, não quero saber. Deixa isso pra ele lá. Eu só joguei uma praga pra ele: espero que ele fique careca (risos). Ele tinha todo cabelo enroladinho assim, ele era cabeça redonda assim, ele era mineiro, né? E meio moreno. Aí eu falava: “Tomara que você fique careca”. Porque, ele tinha um xodó do cabelo dele enroladinho. Mas brincadeira. Mas a parte financeira foi o que menos me preocupou, porque a gente já vivia naquela...Já sabia o qual que era. Mas o tesão por trabalhar, o amor por você fazer era muito mais forte do que qualquer dificuldade. Lógico, que a gente precisava de uma grana, vivia disso, né? Mas não era assim nada demais.

Se fosse só pela grana vocês não faziam, né?

Não. A grana era consequência. O negócio era fazer. O grande lance era você estar lá com o pessoal fazendo.

O senhor fez um filme chamado O Preço da Fama. O senhor lembra desse filme? Uma produção do Chico assinada pelo Henrique Borges. O senhor lembra desse filme?

Lembro. Esse que eu fiquei falando...O Preço da Fama. Foi inclusive o meu personagem sequestra a atriz.

Sim. O senhor faz dois irmãos gêmeos.

Sim. No cinema eu fazia bandido ou policial safado. Eles não me punham pra fazer mocinho. Ou era bandido ou policial safado, não tinha outro tipo de personagem.

E o Henrique como diretor?

Todos eles. Eu não tenho nada pra falar de nada deles. Nenhum aborrecimento.

Esse O Preço da Fama tinha roteiro também?

Todos, todos. O que todos não tinham mesmo era grana.

Esse filme se ele foi exibido, foi muito pouco, porque ele já foi feito na fase do explícito.

O último que eu fiz mesmo na pesada foi A Tara do Touro em 86, 87. O Preço da Fama foi nessa época.



Felpe Levoto interpretou dois irmãos gêmeos em O Preço de Fama de Henrique Borges
Nesse filme o senhor faz dois personagens. Isso te deu alguma dificuldade a mais? 

Nada. Graças a Deus. Inclusive numa novela eu fiz dois, dois irmãos: o Antônio Caveira e o Mão Negra. Eram dois irmãos: um era pistoleiro e outro era psicopata. Mas, um completamente diferente do outro. Um resolvia tudo na bala e o outro era estrategista.

Dos filmes que o senhor trabalhou quais foram os preferidos?

Olha, não é que eu mais gostei. Mas, os que teve mais ação foi o Nuas no Asfalto. Porque tinham cenas que só dependiam de mim. Os outros eu trabalhava em conjunto, né? Todos esses estão no mesmo nível, entendeu? E a experiência ímpar, da Tara do Touro que não era dirigir aí era só sapecar iaiá (risos).

Dos diretores o senhor tem uma imagem boa de todos?

Eu me relacionei bem com os caras, entendeu? Nenhum deles me tratou mal, nunca tive um problema. Se não me falha a memória uma vez eu fui até na casa do Chico, que morava lá na Vila Carrão (zona leste de São Paulo). Sabe? A gente era família cara. Sabe: eu nunca me relacionei assim com interesse de tirar proveito, de criar, magoar.

E o senhor por ter uma rodagem de TV imagino que nunca se achou melhor que o pessoal da Boca. E imagino que também não recebeu preconceito do povo da Boca.

Nada. Tomava conhaque com todos eles (risos).

O senhor deve saber que o meio artístico tem certo preconceito contra o pessoal da Boca.

Tem, tem. Eu nunca tive. Imagina, o meu orgulho de você ser moleque de seis, sete, oito anos...Você vê a sua mãe ter ídolos, e depois você ir trabalhar com o ídolo da sua mãe. Marthus Mathias, que era o Urbano Reis,  que fazia novela na rádio São Paulo, que eu ouvia de moleque, depois vir a trabalhar com o cara. Coisa que esses novos não vão ter: tesão de trabalhar com verdadeiros profissionais. Hoje, nós temos redator de computador. Não existe mais autor roteirista.

Sério?

Sim. Hoje os caras puxam piada no Google. Eu posso dizer pra você, que eu sou um autor roteirista, porque eu sou um analfabeto digital. Eu tenho que criar, eu não sei entrar no computador. Escrevo a mão. Se eu não escrevo a mão, eu não crio. Depois eu vou passando a limpo,  datilografando. Aí eu mando a minha filha ou outra pessoa, eu mando digitar. Eu não fico pesquisando, sabe? “Não deu pra criar nada, porque a Internet caiu”. Não. Se não for na mão pra mim fica difícil.

O senhor se orgulha de ter participado da Boca?

Me orgulho. Eu só não sinto orgulho de ter acabado. Porque assassinaram a Boca, né? Acabaram com a Boca.

O senhor acha que foi moldado? Foram os americanos?

Não, não. Eu não sei realmente, qual foi o motivo. Mas o pessoal ali batalhava tanto, batalhava tanto, sabe? E ninguém dava um incentivo naquilo. Nunca apareceu ninguém que falou: “Vamos investir nos caras”. Ou: “Vamos fazer uma parceria de co-produções cada um com a sua agência, a sua produtora”. Sabe? Os caras faziam na raça. Ás vezes, no final da tarde, eles ficavam trocando ideia, tomando uma e com uns salgadinhos escrevia a porra do roteiro, ali. De repente vinha um: “Eu entro com a parte técnica. Eu entro com a minha parte, tenho tanto”. Outro: “Entro com a minha máquina, com a Arriflex”. Sabe? E ia embora. E assim foi feito muito cinema ali. Por isso, que eu estou te dizendo que o pessoal ali não fazia por dinheiro, fazia por amor. Porque, dinheiro a gente sabia que não tinha. E o dinheiro...Tudo que entrava, a gente usava mais pra pagar a equipe técnica e o copião.

Pra fazer o projeto seguinte. Os atores sofriam mais nessa parte.

Nós éramos a ponta do Iceberg, né? Mas, apanhava do mesmo jeito. Mas valeu cara, valeu. Se tivesse que começar tudo de novo, no mesmo esquema. Eu tenho um puta orgulho de dizer, que eu fiz parte da Boca. Como cinema eu tenho. Eu tenho esse orgulho.

E o senhor gostaria de voltar a trabalhar em cinema hoje? Com diretores mais novos?

Claro. Se tiver uma oportunidade de ser chamado, com certeza.

Inclusive curta-metragem?

O que rolar. Eu sou um profissional. Não existe pequeno papel. Existe pequenos atores, entendeu? Se o cara chegar e falar: “Eu quero uma participação sua no meu filme. Você vai entrar: falar, dar uma tragada num cigarro, jogar e cair fora”. Eu vou fazer a melhor tragada e a melhor jogada que eu puder cara. E estou saindo. O importante é estar no time, participar. É trabalho. Eu não posso ficar: “Eu só trabalho se for assim”. Não existe, entendeu? Não existe isso.

O senhor está na Praça É Nossa desde 1987?

Desde 1987. Na Praça, eu já completei mais de trinta anos. Daquela época tem quatro: Carlos Alberto de Nóbrega, Marcelo de Nóbrega, eu e o Marcelo Santos que é o figurante de prata da casa. Ele é desde...Agora que ele começou a ter umas falinhas, mas ele está desde o começo. Dos antigos só ficaram nós.

Como esse humor da Praça resiste a tanto tempo? Sempre um dos programas mais vistos do SBT.

Pela qualidade. É uma fórmula. Nunca foi apelativo e nunca foi de ficar mudando de tempos em tempos. O que muda algumas vezes são os personagens. Mas a Praça é a mesma.

Sim. Porque hoje tem novos humoristas, mas continua popular e tendo anunciantes. 

E hoje em dia você não tem outra. Não tem mais, acabou. A Globo tem 43 redatores pra fazer o Zorra Total. O SBT tem dois: o Magalhães e o Varlezim.

A gente estava pouco tempo atrás falando dos anos 1970. Tinha o programa do Chico Anysio, tinha o programa do Agildo Ribeiro. O Agildo teve até na Manchete. Tinham vários programas.

Balança, Mas Não CaíPlaneta dos Macacos.

O Jô Soares tinha vários. O que aconteceu que acabou?

Acabou, acabou. Quem vai fazer?

Brasileiro não quer ver mais humor?

O brasileiro quer ver humor. Mas falta humorista, faltam profissionais. Daquela época, você nunca mais vai ver profissionais daquele naipe. Porque hoje é tudo fabricado. Na época era tudo improvisado. Na Família Trapo, muitas vezes os caras escreviam um improviso antes de entrar atrás dos bastidores. Profissionais iguais a esse, não têm. Eu conheci gente que trabalhava assim. “Vamos fazer juntos?”. “Vamos”. “Como que é?”. “Eu entro de cá e você entra de lá”. “E o texto?”. “Mas que texto. Entra de lá chutando que eu saio pulando”. E assim que era, entende? Essa classe de hoje é toda tecnológica.

Tudo artificial?

Artificial e apelativo. Tem uns hoje que se consideram...Se for falar nome rapaz. Tem uns aí, que eu me reservo a ficar na hora, qualquer hora vai tomar uma invertida. Porque está muito apelativo.

E essa coisa do politicamente correto prejudica vocês?

Não, porque a gente sempre acompanhou o ritmo do Manoel e do Carlos Alberto (de Nóbrega). Tem certas coisas que ele não aceita como piada com negro, piada com português que ofenda a moral dos outros. Isso ele não aceita.

Como a gente estava falando do Costinha. Ele imitava gay, essas coisas. Hoje não seria bem-vindo. O senhor acha que isso prejudica o humorismo?

Isso são paradigmas, que vão se quebrando ao longo do tempo. Porque é uma novidade. Todo mundo sabia que existiam os homossexuais. Hoje o cara se dizer que é, existe um preconceito de ignorante. Porque, o grande segredo da tolerância pra mim, não está tanto no aceitar, mas no saber respeitar as diferenças. Entendeu? Agora, o que eles não podem achar, é que você está passando na rua se está olhando pra esquina. Se, o cara vier achar que você está olhando pra ele, vai te acusar de homofobia. Precisa acabar porque isso vai virar prazer. Mas eu respeito. Cada um é cada um.

Imagino o senhor conviveu com o Jorge Lafond todos esses anos.

Eu fiz a Vera Verão. Eu nunca tive esse problema, sabe? De preconceito fazer uma coisa e depois ser outra coisa. Não. Porra, não tinha o quadro que fez lá na Praça, do menino que imitava o Ricky Martin. Não sei se você chegou a ver. O cara imitando o Ricky Martin e eu fazia uma imitação de homossexual. Cada quadro vinha de um jeito, com um personagem. Até que os caras falaram: “Acaba com o quadro, porque o escada está fazendo mais sucesso que o principal”. Acabou. Porque eu sou um ator escada. Eu não posso extrapolar. Não posso fazer mais graça, que o cabeça de quadro. Mas, eu tenho que preparar pra ele fazer a graça.

Mais ou menos o que o Dedé Santana fazia nos Trapalhões?

Exatamente. Trabalho e solto. Porque tem o escada e o cabeça de quadro. O cabeça é quem manda no quadro. O quadro é dele. O escada prepara pra ele fazer a graça. Então, quando o escada está bem o sucesso vai pro outro. Mas ninguém valoriza o escada.

Mas o legal é o escada não aparecer. Se ele aparece.

É como goleiro. Quando o goleiro aparece muito o time é uma merda (risos). Quando reparam em detalhe de roupa. Ás vezes, a piada é tão rápida, que se os caras forem ver o detalhe, a piada não valeu a pena. Porque deu tempo do cara ver detalhe.

O senhor está na carreira artística há muito tempo. Eu lembro que o Cláudio Cunha teve duas passagens por lá...

Sim. De Gaúcho lá...

E também do Benzão. Não fui amigo mas fui próximo ao Cláudio uma época. O Cláudio me disse que no SBT não havia preconceito contra o pessoal da Boca. O Miziara me disse a mesma coisa. Mas parece que a Globo tem. É isso mesmo? Existe preconceito? Por quê a Globo tem e o SBT não?

Porque a Globo é só ela. Só ela serve, só existe valor naquilo que ela fabrica. Quando, ela contrata muitas vezes é pra limar. Por isso, que eu não fui quando ela quis me contratar. Você entendeu? Eu vou te contar uma historinha e você vai entender. Chegou numa época de primavera e começou a escurecer, e o vagalume começou a sair. De repente, ele percebeu que tinha uma cobra atrás dele. Mas ele não ligou: imagina tem uma cobra. Mas ele percebeu onde ele ia a cobra ia atrás. Até que uma hora ele chegou e falou com a cobra: “Você está me seguindo?”. Aí a cobra falou: “Estou”. “Mas por quê? Eu não faço parte da sua cadeia alimentar”. Ele falou: “Eu sei”. “Mas então por quê você está me perseguindo?”. “Porque eu vou te destruir”. “Mas por quê?”. “Porque o teu brilho me incomoda”. Então, a Globo lança certos artifícios: se você não aprovou ou alguém fez melhor ela vai e destrói. A Globo está no ponto final. Porque o que ela deve, entendeu? Eles abafaram, o Lula abafou. Mas até a assinatura da compra da TV Paulista foi falsificada.

Seu Levoto: o que a Boca significou na sua vida? Na sua carreira?

Muito, muito. Foi uma página que se virou abrindo uma nova perspectiva e daí surgiu outras coisas. Eu consegui, sabe? Fazer algo que me deu prazer. Não fiz mais por força de circunstâncias, tal. Mas só saudades...Até hoje eu sinto falta. Até hoje eu sinto falta: vejo eu saindo ali pela (avenida) Cásper Líbero, subindo em frente tinha os barzinhos. Na rua de trás morava o David Cardoso. Até hoje somos amigos,  inclusive o Davizinho trabalha lá na Praça. Somos muito amigos. Agora, em particular de todos esses processos de trabalho que eu passei não consegui guardar mágoa de ninguém. Só saudades. Porque o cara quando coloca o assunto financeiro acima de qualquer questão você deixa um pouco de ter razão. Porque, nisso você só vê o seu lado. O que eu valorizei foi o ambiente, a oportunidade, o aprendizado, as coisas que ficaram, o que marcou, as experiências, as dificuldades e a abertura da mente. Porque foi a partir desse trabalho, que hoje eu me sinto muito bem,  obrigado. Nunca tive problemas nesse sentido.

Qual legado o senhor acha que a Boca deixa pro cinema brasileiro? Na sua opinião pelo menos.

Você sabe que é difícil...Porque eu vejo a Boca, ela não se extinguiu por si só. Ela foi assassinada em prós: “Vamos destruir pra construir”. E outra: aquelas pessoas que viviam a Boca, aquele sangue que fazia ferver na veia da Boca, com as próprias dificuldades, com o tempo ele foi se extinguindo. Os cinemas foram fechados pra abrir igreja. Depois fecharam pra virar bingo irmão, caça-níquel, aí acabou. Por quê? Por causa da tecnologia, do digital, entendeu? A Volkswagen fez isso no Brasil. O melhor carro do Brasil chamava-se DKW. Eles compraram pra matar, pra fechar. É o que a Globo faz. E porque só eles fazem. É melhor você já ir se acostumando cara, porque as coisas foram esquentando. Eu não discuto política, mas certos grupos foram nocivos pra nós. Pra arte nossa. Menos pro Chico Buarque, pra Maria Bethânia que levaram milhões pra cantar aquelas coisas dela. Acho ridículo só eles: só o clube do Bolinha, entende? Agora o brasileiro cara se ele tivesse oportunidade, se tivesse investimento, criação. Como eu: estou a tantos anos na televisão, sempre desejei fazer algo dentro da televisão e nunca consegui. Um sonho meu, era ter um departamento de construção de produtos, laboratório, você entende? Mas não fazem isso. Ficam comprando qualquer bobagem do Exterior.

Sim. Mas podiam dar emprego para atores brasileiros...

Criação de trabalhos, sabe? No Brasil até um bêbado, até um pedinte se você prestar atenção ele tem talento. O brasileiro tem talento pra comunicação, falar com todo mundo. Como um curativo: é a nossa cultura inculta cultuada por mentes dementes, entendeu? Aqui pra chamar a atenção aqui eu tenho que ser bandido. Eu tenho que ser bêbado, entendeu? Tenho que trair a minha mulher porque é cultura. Sabe: tenho que dar um tiro no outro, porque chamou meu time de bosta. Sabe essas coisas? Eu não estou nem aí, cada um torce pro time que quiser. Eu também não sou perfeito. Ninguém que entende de futebol é perfeito. Mas hoje eu não sou fanático, entendeu? Quando garoto sim, a gente vai na barca dos mais velhos. Mas, depois eu percebi que não tinha lógica. Não tinha sentido porra. Então, mas o grande segredo pra mim da tolerância,  não está em você aceitar, mas em saber respeitar as diferenças. Eu sinto sabe...Eu gostaria que a Boca estivesse viva até hoje. Mesmo se fossem os herdeiros, né? Os herdeiros dando continuidade. Eu acho interessante. Mesmo porque aqueles trabalhos que foram feitos as pessoas podem falar: “Aqueles trabalhos não eram bem feitos”. Não era bem-feito, porque a gente tinha na época, né? A tapadeira nossa era folha de alumínio com isopor pra pegar rebatedor do som. A gente torcia pra fazer uma externa com tempo nublado que era o melhor filtro. Sabe aquelas coisas todas? Sabe, eu vou morrer, a minha filha falou pra mim: “Pai quando você ficar igual ao seu pai vai ser uma merda”.  “Por quê?”. “Porque você só vai falar de televisão, de cinema, do que você fez”. Por isso ninguém conversa comigo em casa. Porque vou ficar velho enchendo o saco. Eu vou falar do quê? Do que me tocou, do que me tocou. Então, eu sinto das coisas que nós tínhamos como ícones que se perderam. Por exemplo: coisas que eu gostaria que ainda existissem: Mappin, Mesbla, sabe? Sei lá, coisa boba vai fita-cassete. Então, nós precisamos entender, que vai havendo superação. Mas, aí podia continuar, podia continuar ou com melhor visão, sabe? O brasileiro queima os museus dele. Esse incêndio que aconteceu no Museu Nacional no Rio, foi criminoso.

Um negócio terrível. 

O brasileiro tem uma mente demente.

O senhor que trabalhou tanto em humor chegou a trabalhar alguma vez com o Kléber Afonso? Porque ele trabalhava com humor, Teatro de Revista.

Conheci. Mas não tive intimidade.

O senhor chegou a trabalhar com Teatro de Revista?

Não, teatrão não. Eu cheguei a fazer uma época, durante quase nove anos, a dupla Jilinho e Jiló. Só que o Jiló morreu do coração e acabou a dupla. Eu fazia teatro infantil, indo nas escolas, apresentando peças. Nós apresentamos mais de dez peças. Me pergunta se eu tenho texto de alguma: nunca tive, nunca tive.

Mas você decorava tudo?

Sim. O Márcio, cunhado do Carlos Alberto, estava fazendo uma peça: Uma Noiva Pra Dois. E tinha um rapaz que fazia o pivô da peça. Um dia na gravação, nós estávamos gravando numa terça-feira. Ele disse: “Estou desesperado”. Eu falei: “Por quê?”. Ele falou: “Vendi um show pra sexta-feira e pra sábado. Mas o pivô ficou doente”. “Mas e daí?”. Ele me falou: “Meu, você quebra o meu galho?”. Eu falei: “O que ele faz?”. “Só uma coisinha”. “Me arruma o texto”. “Te arrumo”. Não mandou na quarta, não mandou na quinta. Na sexta-feira quando eu encontrei com ele falei: “Meu, a peça é hoje. Cadê o texto?”. Ele falou: “Felipão”. Hoje ele conta...Nós fomos passando no carro as 38 páginas.

Poxa, mas isso é um suicídio quase.

Suicídio é ouvir ele falar pra todo mundo que ele encontra, ele fala pra todo mundo quando me encontram: “Eu aprontei com o Felipe. Ele me deixou com a cara no chão. Ele foi, pegou a peça de 38 páginas numa viagem e o cara arrebentou”. Ele conta pra todo mundo e bate palma. O Márcio me deixa envergonhado. A última vez que eu gravei a duas semanas atrás quando encontrei com ele me falou: “Não acredito no que você fez. Além de você tirar o mínimo que eu posso falar é o quanto você fez por mim”. Falei: “Não. Estamos aí”. Mas hoje eu estou tranquilo. Hoje cuido do meu sítio, não tem porra nenhuma, mas tem os meus canteiros, coisa natural.

O senhor já é avô?

Tenho quatro netos.

Quatro netos.

Tenho quatro netos, entendeu? Olha que eu fico fazendo em casa (mostrando alguns desenhos que faz). Faço com giz seco, entendeu? Então, eu fico brincando. Tudo com medida, construção, esboço. Não é chute não, como os caras fazem cópia e depois pinta. Não, entendeu? Então, eu fico brincando com essas coisas, fazendo os meus textos. Eu não estou nem aí. Não esquento mais a cabeça, sabe? Mas, sempre aberto pra convites, algum trabalho que vier. Como segunda-feira, me chamaram pro programa da Eliana, se eu podia fazer o papel do Madruga, num quadro especial lá. Eu falei: “Sinto muito, mas eu não posso ir”. Não podia ir, porque eu tinha que cuidar da minha sogra. Como eu ia cara? Levar uma pessoa de 94 anos e ainda eu estava sem carro.

O senhor vai sempre de carro pro SBT daqui?

Vou.

E é rápido? Quanto tempo demora?

Eu pego aqui...Vou pela Dutra, Marginal, Anhanguera. Quando não tem trânsito é uma hora, uma hora e dez minutos.

Quando o senhor começou era na Vila Guilherme?

Vila Guilherme. Lá no Cine Sol. Olha, nós mudamos de lá foi em 1998, 99. É isso que eu fico fazendo: meus desenhos, cuidando do sítio, meus textos.

Seu Levoto. Acho que era isso. Desculpa deixar o senhor esperando. 

O que é isso rapaz, para com isso.

Fico...Sou meio ruim com horários.

Não.   
 
   

3 comentários:

Unknown disse...

Tive o prazer de conviver com ele e seus irmãos e sua irmã Sonia, estudamos juntos na Vila Carioca, boas histórias , dias felizes da nossa juventude. Fique na paz e espero te ver por muitos anos mais na Praça. abraços.

Leonardo Santiago levoto Tavares disse...

Tenho muito orgulho do meu grande avô felipe levoto um dos maiores atores humorísticos que o Brasil já viu
Neu avô um homem muito amoroso com o proximo faz de tudo pela familia principalmente pelos netos. Somos em 4 eu sou o primogênito dos netos

Leonardo Santiago levoto Tavares disse...

Me desculpe *meu avô