segunda-feira, 29 de julho de 2019

Mazzaropi: A Saudade de Um Povo, parte III



O segredo do meu sucesso foi falar a língua do meu povo”. Mazzaropi

Capítulo 8. A PAM FILMES E SUA TRAJETÓRIA

O sucesso do filme “Chico Fumaça” fez com que Mazzaropi, empolgado, numa tarde de janeiro de 1957, comentasse com Dona Clara Mazzaropi, sua mãe, que Massaini ganhou muito dinheiro, reformou sua casa no Jockey Club, reestruturo a Cia. Cinedistri, com o sucesso dos filmes em que participou. Pediu seu apoio em um investimento que ele iria fazer. Ele queria fazer um filme. Mas, pra fazer este filme teve que dispor de todos seus bens, lançar mão das economias bancárias. Então vendeu seus dois carros Chevrolet Americano e quase tudo que possuía e investiu alto. Inclusive, perguntou ao seu filho adotivo, Péricles Moreira, se ele não se importaria em deixar o colégio particular para concluir os estudos em colégio estadual, se fosse necessário. Porque também Mazzaropi via os cinemas cheios de gente e seu bolso vazio. Conhecia um pouco de cinema e resolveu fazer suas próprias fitas, e o que queria montar, era uma empresa que seria a única que teria o artista principal trabalhando de graça.

Começou aí outra caminhada. Esta agora com maior sabor e raça. Montar seu próprio filme. Porque os diretores dos filmes em que trabalhou queriam transformar seu personagem num caipira sueco, sofisticado, diferente na linguagem, nas roupas e no comportamento do brasileiro.

Com toda dificuldade que enfrentou, MAZZAROPI sabia que o sucesso alcançado no picadeiro, teatro, rádio, televisão e no cinema não iria abandona-lo agora.

Não foi fácil. Alugou inicialmente os estúdios da Cia. Cinematográfica Vera Cruz, para filmagens internas do seu primeiro filme. Produção, direção, distribuição e atuação principal de Mazzaropi, na Produções Amácio Mazzaropi – Pam Filmes, de sua propriedade. Isto se deu em 1958 – com o “CHOFER DE PRAÇA”, cuja trama estava calcada na aventura de um pai para formar o filho médico, que depois se envergonha dele. Esta fita valeu os sacrifícios, muita garra, coragem e astúcia para leva-lo ao público. As cenas externas foram executadas nas ruas da Grande São Paulo.


Quando terminaram as filmagens, não havia dinheiro para pagar as cópias no Laboratório. Munido de um Rural Willys, saiu rumo ao interior de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, fazendo Shows em circos para cobrir tal compromisso, e poder proceder o lançamento do seu primeiro filme no dia 9 de abril de 1958, (coincidentemente no seu aniversário) no Cine Art-Palácio em SP, com casa cheia. Fizeram parte do elenco: Carmen Morales, Celso Faria, Marlene Rocha, Roberto Duval, Maria Helena e, Lana Bittencourt e Agnaldo Rayol na participação musical.

“Chofer de Praça” pagou-se e deu bom lucro. Foi aí que Mazzaropi conheceu sua própria força como produtor.

Nessa época, Beto Carrero atuava numa Rádio de São José do Rio Preto, no interior paulista, quando conheceu Mazzaropi, e foi convidado para atuar no filme “Chofer de Praça” e fez aqui seu depoimento: “Tive o prazer de conhecer Mazzaropi em 1958, no meu programa Beto Carrero, quando eu trabalhava em uma rádio em São José do Rio Preto. Na época, montamos 20 Shows em 20 cidades, fazendo 2 Shows por dia, uma loucura. O sucesso de Mazzaropi já era absoluto em todos eles, a casa ficava lotada, com uma multidão imensa do lado de fora, todos eles querendo ver o Show. A gente se dava muito bem, tanto que Mazzaropi chegou a me convidar para participar do seu primeiro filme “O Chofer de Praça”, no qual infelizmente, não entrei porque ainda estava estudando. Tenho uma admiração muito grande por Mazzaropi, que era uma pessoa muito humana, de uma simplicidade incrível com os amigos...Era muito bonito ver o carinho que ele dedicava à sua mãe, que esteve sempre junto dele até na hora de sua morte. Mazzaropi tinha também um tino comercial fantástico. Na época em que o conheci, ele estava deixando de ser contratado para se tornar empresário, servindo de escola para os novos empresários independentes que surgiram depois, na trilha do imenso sucesso que ele fez. Como artista eu acho que Mazzaropi, ao lado de Oscarito e Renato Aragão, foi o responsável por alguns dos melhores momentos do humor brasileiro, chego mesmo a compará-lo a Charles Chaplin, porque, para mim, Mazzaropi foi Chaplin do Sertão.

Mazzaropi deixou sua marca no Rádio, na televisão e no cinema, influenciando até hoje novas gerações de humoristas. É importante frisar bem, foi o primeiro artista a se tornar produtor independente de sucesso, fazia um filme por ano, e sempre enchia os cinemas de todo o Brasil com seus milhares de fãs. Beto Carrero – 18/11/85- SP”.

Seu segundo filme, “Jeca Tatu”, filmado em 1959, também na Cia. Cinematográfica Vera Cruz e na cidade de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, na Fazendo do Dr. Cícero Prado. Com esse filme, Mazzaropi consolidou seu espaço no cinema nacional e estabilizou sua produtora, a Pam Filmes. Estava com ele um grande elenco: Geny Prado, Roberto Duval, Nicolau Guzzardi, Marlene França, Nena Viana, Francisco de Souza, Mirian Roy. Participação especial: Agnaldo Rayol, Lana Bittencourt, Tony Campelo, Celly Campelo. Félix Aidar foi o primeiro diretor de produção contratado por Mazzaropi.

José Bonifácio de Oliveira (Boni), diretor da TV Excelsior de São Paulo, convidou o humorista para apresentar um programa naquela emissora em 1959. E ficou lá até 1962.

“As Aventuras de Pedro Malazartes” e “Zé do Piriquito” foi composto por: Geny Prado, Amélia Bittencourt, Roberto Duval, Nena Viana, Carlos Garcia, Augusto César, Eugênio Kusnet, Maria Helena. Na música, estiveram Hebe Camargo, Agnaldo Rayol, Celly Campelo, Tony Campelo, George Freedman, Paulo Moulim e Carlão.

Todos os lançamentos eram feitos no Cine Art-Palácio, e a Avenida São João, em São Paulo, era interditada para os eventos de grande público.

Outros filmes apareceram em seguida, e Mazzaropi, já com sua companhia toda estruturada na Fazenda da Santa, em Taubaté-SP, com 184 alqueires no Vale do Paraíba. Em 1961 produziu os filmes “Tristeza do Jeca” e “Vendedor de Linguiças”, todos com sucessos marcantes nas bilheterias dos cinemas de todo País.

Não tendo, no País, laboratórios para revelação em EASTMANCOLOR, Mazzaropi mandou fazer os serviços de Laboratórios e Trucagem do “Tristeza do Jeca” na Cidade do México, inaugurando seu primeiro filme colorido. Por causa de “Tristeza do Jeca”, Mazzaropi foi levado à Justiça pelo autor do clássico homônimo da música sertaneja paulista. Angelino de Oliveira (que teve a música na trilha sonora da comédia). Por conta de “Jeca Tatu” (1959) e “Tristeza do Jeca” (1961), o comediante foi relacionado a Monteiro Lobato e pelo Presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde. Mazzaropi nunca estudou Monteiro Lobato. Pela própria vida, conhecia a figura do caipira tão bem como ele.

Um dia de grande emoção para Mazzaropi foi o do lançamento de “Tristeza do Jeca”, em Curitiba. Seu tio, Domingos Mazzaropi (que se encontrava em uma cadeira de rodas), ao terminar o Show que antecedia o filme, pediu para ser conduzido até o palco, enquanto a plateia vibrava com entusiasmo. Com um lenço branco acenava para Mazzaropi, ambos permaneceram por algum tempo emocionados.

Seu “Jeca” virou domínio público nacional, num femômeno bem anterior ao vivido hoje por Renato Aragão e seus Trapalhões. E, quando alguém lhe perguntava se seus filmes faziam sucesso no interior, ele ria para responder: “Meus filmes vendem bem mesmo é em São Paulo e no Rio. Eu atinjo todas as classes”.

Participaram das filmagens de “Tristeza do Jeca”: Geny Prado, Roberto Duval, Nicolau Guzzardi, Eugênio Kusnet, Augusto César, Genésio Arruda, Moracy Melo, Carlos Garcia, Francisco de Souza, Anita Sorrento. Participação musical: Agnaldo Rayol e Mário Zan. No filme “Vendedor de Linguiças” estiveram Geny Prado, Roberto Duval, Ilena de Castro, Amilton Fernandes, Maximira Figueiredo, Carlos Garcia, Maria Helena Rossignori, Augusto Machado de Campos, Anita Sorrento, Reynaldo Martini, David Neto. Participação musical com Pery Ribeiro, Elza Soares e Miltinho.

Em fins de 1962 e em 1963, Mazzaropi atuou como convidado no programa BIBI FERREIRA na TV Excelsior no programa “Brasil 63”.

Em 1962, completava seu estúdio na Fazenda da Santa, em Taubaté-SP, arrematando em leilão a metade dos equipamentos da Cia. Vera Cruz. Tinha uma razão especial para adquirir tais equipamentos, e, afirmava: “Foi na Cia. Vera Cruz que tive minha primeira chance no cinema, e meu primeiro sucesso no cinema nacional”.

Nesse mesmo ano, estouraram as bilheterias de todo País, com o lançamento de “CASINHA PEQUENINA”, sobre a escravidão no Brasil. De seu elenco, fizeram parte grandes nomes da Televisão e do cinema brasileiro: Tarcísio Meira, Luiz Gustavo, Geny Prado, Guy Loup, Marina Freire, Marly Marley, Ingrid Thomas, Roberto Duval, Astrogildo Filho, Abílio Marques, João Franco, Edgar Franco, João Batista de Souza. Na atuação musical, estavam Edson Lopes. Como o filme também era colorido, os trabalhos de montagem e trucagem e revelação foram feitos em Buenos Aires.

Mudando seu estilo para sátira ao cangaço, Mazzaropi contou a vida de Lampião no Nordeste brasileiro de forma irreverente e divertida, um jeito ainda não explorado sobre o assunto no cinema nacional. Chamou-se: “O LAMPARINA”. O título chamava a atenção pela história curiosa e diferente de Lampião – O herói do Sertão e as características de bandoleiro em Mazzaropi. Este foi o primeiro filme produzido em 1963, totalmente da Fazenda da Santa, em Taubaté-SP, onde estava instalada sua companhia, a Pam Filmes. Este filme foi visto por 250 mil pessoas em 23 cinemas, em São Paulo na semana do lançamento. Participaram do elenco desse filme: Geny Prado, Manoel Vieira, Zilda Cardoso, Astrogildo Filho, Carlos Garcia, Emiliano Queiroz, Carla Diniz, Rafael Galhardo Terra, Agostinho Toledo e João Batista de Souza.

Com a ajuda de um grande amigo e também cineasta, Agostinho Martins Pereira, conseguiu importar de Hollywood, os mais avançados equipamentos cinematográficos acoplados de som direto.

Os atores e atrizes das produções de Mazzaropi eram os que recebiam os maiores “cachês” do cinema nacional. Walter Wanni, falando sobre Mazzaropi, disse: “Se o Brasil tivesse dez Mazzaropi, o destino do cinema nacional, tranquilamente seria outro. Hoje, a Boca do cinema aqui em São Paulo já não existe mais”.

Os técnicos e artistas que atuaram com Mazzaropi, tinham seu espaço e notoriedade na imprensa falada e escrita. Realizaram-se profissionalmente e financeiramente. Mazzaropi, fazia seleção rigorosa na escolha de seus elencos.

O estúdio da PAM Filmes oferecia alojamento em apartamentos confortáveis, com restaurantes, piscina e toda infra-estrutura para que o artista não precisasse sair da Fazenda em Taubaté, durante as filmagens.

Homenageando a colônia nipônica brasileira, presença marcante na capital paulista e nos estados do Sul do País, Mazzaropi lançou “MEU JAPÃO BRASILEIRO”. O filme foi produzido em 1964, rigorosamente com costumes orientais e contendo um elenco com atores conceituados da televisão e do grupo folclórico nipônico de São Paulo. Participaram das filmagens Geny Prado, Célia Watanabe, Francisco Gomes, Carlos Garcia, Reynaldo Martins, Judity Barbosa, Zilda Cardoso, Adriano Stuart, Elk Alves, Bob Júnior e João Batista de Souza. Nesta produção exibiu uma luta pela organização de uma cooperativa de produtores rurais.

Prosseguindo, fez em 1965 um filme que homenageou uma das ruas mais badaladas de São Paulo. “O Puritano da Rua Augusta”, lançado em 25/01/1966, aniversário da capital paulista. Mazzaropi estreava seus filmes pontualmente nesse dia de Janeiro no Cine Art-Palácio, em São Paulo, no Largo do Paissandu. E justificava a escolha das estreias sempre no circuito da Companhia Serrador de Cinemas, pela lealdade e carinho que dedicava ao amigo e empresário Florentino Lorenti, da referida Companhia.

Seus filmes eram de singela captação das desventuras do caipira que vinham para a cidade e tinha que aprender novos conceitos, às vezes, só no campo, outras, só nos grandes centros. Mas sempre envolvendo o caipira e retratava parcialmente o dia a dia do povo brasileiro.

Daí o seu legado para o cinema nacional. Fizeram parte do elenco de “O Puritano da Rua Augusta”, Marly Marley, Marina Freire, Elizabeth Hartman, Júlia Kovacs, Darla, Marlene Rocha, Gladys, Carlos Garcia, Edgar Franco, Zé Luis Pinho, Henricão, João Batista de Souza. Participação musical de Elza Soares e Cláudio Guimarães.


“O CORINTIANO”, produzido em 1966, foi a homenagem do artista aos torcedores do seu time paulista de futebol. Atuou nesse filme a torcedora número 01 do Corinthians, Elisa, que agitou a galera com muita expressividade e originalidade.

Estiveram com ele, além de Elisa, Elizabeth Marinho, Lúcia Lambertini, Nicolau Guzzardi, Carlos Garcia, Roberto Pirilo, Leonor de Campos, Xandó Batista, Francisco Gomes, Gláucia Maria, Karé, Ziara Freire, Geraldo Bretas e Pedro Luiz.

Em 25 de janeiro de 1967, a Avenida São João foi novamente interditada, e lá estava uma banda musical, a imprensa, com presença da grande torcida Corintiana: “Os Gaviões da Fiel”.

Possuidor de uma capacidade de improvisação e notória criatividade, jamais decorou um “script”. Sempre alterava o roteiro de seus filmes, rodados com cenários simples, quase todos produzidos em sua Fazenda-Estúdio em Taubaté, cidade que lhe deu o título de cidadão benemérito, concedido pela Câmara Municipal. Ali ele produzia suas fitas, fazendo argumento, roteiro, direção e interpretação. Havia quem o acusava de tirania durante a realização dos filmes, por não aceitar palpites ou sugestões de modificações. Irreverente, Mazzaropi era a própria encarnação do caipira, segundo sua própria concepção do que era um sujeito do interior: “Caipira é um homem comum, inteligente, sem preparo. Alguém muito vivo, malicioso, bom chefe de família, mas que não teve escola, daí aquele seu jeito de falar”.

Seus filmes até 1967 foram rodados com duração de 85, 90 e 95 minutos. A partir desse ano, os filmes foram montados com duração de 100 minutos, e o primeiro deles foi “A Jeca e a Freira”. A partir dessa época, suas produções cinematográficas foram totalmente produzidas em EASTMANCOLOR, revelados e montados no Brasil, não mais havendo necessidade de enviá-las aos laboratórios do exterior. Integraram o elenco deste filme: Geny Prado, Elizabeth Hartmann, Paulette Borelli, Isaura Bruno, Elizabeth Marinho, Denise Barrerto, Mafalda Moura, Maurício do Valle, Carlos Garcia, Roberto Pirilo, Ewerton de Castro, Henricão, Toni Cardi, Telcy Perez, Nello Pinheiros, Cláudio R. Mechi, Wilson Júnior, João Batista de Souza e Marita Luisi, na participação musical.

Mazzaropi não fazia filmes com final infeliz. Isto porque seus espetáculos eram pra divertir a família brasileira. Seu objetivo era a alegria de todos.

Com o mesmo sucesso, surgiu em 1968, “NO PARAÍSO DAS SOLTEIRONAS”. Estiveram neste filme Domingos Terra, Carlos Garcia, Átila Iório, Renato Master, Zequinha e Quinzinho, Yves Hublet, Toni Cardi, Cláudio Mechi, Ademir Monezzi, Paschoal Guida, Nilo Márcio, Cícero Liendo, Geny Prado, Iracema Beloube, Wanda Marchetti, Elizabeth Hartman, Linda Fernandes, Nena Viana, Adélia Iório, Guia Rinaldi, Elizabeth Barbosa, Judith Barbosa, Yoratan Lauletta, Elza Cleonice.

O filme foi lançado em 24 de janeiro de 1969, no cine Art-Palácio, em São Paulo. Do dia da estreia até 19 de fevereiro de 1970, o filme rendeu 2 bilhões e 650 milhões de cruzeiros.

Além de ator, Mazzaropi foi também, possivelmente, o mais sucedido produtor do cinema nacional nos últimos anos. Seus filmes anuais sempre bateram recordes de bilheterias e sua produtora – a PAM Filmes – mantinha seus estúdios em sua antiga Fazenda da Santa, em Taubaté e posteriormente, no Hotel Fazenda – PAM Filmes, também em Taubaté.

Mazzaropi, na PAM Filmes, dirigia tudo com raciocínio rápido e tino comercial apurado. Orgulhava-se de nunca ter precisado pedir dinheiro ao governo para realizar seus filmes.

Com muita vaidade, falava a respeito de um quadro que estava exposto sobre a lareira, em sua casa, onde o Presidente da Academia Brasileira de Letras, no dia 17 de janeiro de 1968 escrevei um bilhete dirigido ao comediante: “Austragésilo de Athayde considera que, com Jeca Tatu e a Freira, Mazzaropi alcançou, no cinema, o mais alto nível de sua arte. É hoje, sem nenhum favor, um artista de categoria mundial”. (Veja 28/01/70).

No dia 26 de janeiro de 1970, estava sendo lançado no Cine Art-Palácio, em São Paulo, como de costume, para depois percorrer o Brasil, “Uma Pistola para Djeca”. O ator Amácio seria capaz de jurar que Djeca não vinha de Django, o pistoleiro italiano. Djeca era um herói caboclo do Brasil no século 19. Trabalharam com o ator, neste filme: Patrícia Mayo, Yaratan Laureta, Zaíra Cavalcanti, Wanda Marchetti, Elizabeth Hartman, Nena Viana, Linda Fernandes, Paulete Bonelli, Rogério Câmara, Paulo Bonelli, Tony Vieira, Nello Pinheiro, Rildo Gonçalves, Francisco Gomes, Durvalino de Souza, Luiz Homero, Carlos Garcia, Cláudio Roberto Mechi, Araken Saldanha, Antenor Pimenta, Toni Cardi, Domingos Terra, Iragildo Mariano, Milton A. Pereira, dirigido pelo cineasta Ary Fernandes. Música de Hector Lagna Fieta e Fotografia de Pio Zamuner.

“Uma Pistola Para Djeca” foi um dos filmes mais caros e mais bem cuidados que produziu. Colorido Especial, guarda-roupa exclusivamente feito para o filme. Falando sobre o filme, Mazzaropi enfatizava que sempre procurava melhorar a qualidade técnica dos filmes que produziu. O filme lhe custou 600 mil cruzeiros.

Quando este filme foi exibido em Mogi Mirim, São Paulo, formaram-se grandes filmas de longa espera, provocando pânico e tumultos, a ponto de um vereador apresentar um projeto de lei obrigando os cinemas a darem três sessões diárias, em vez de duas, quando passassem filmes de Mazzaropi.

O Cine Art-Palácio, com 2.600 lugares, e, por tradição e economia, o balcão e a galeria ficava fechados o ano todo. Só abriam para os filmes de Mazzaropi mesmo assim, tudo aberto, Djeca ficou seis semanas em cartaz ali e em outros 21 cinemas em São Paulo em uma semana, 160 mil pessoas já haviam assistido ao filme na capital paulista.

Em três meses, só na capital paulista, Djeca rendeu 1 bilhão e meio de cruzeiros velhos.

Para o filme, Mazzaropi usou seu próprio parque elétrico (só de cabo grosso para gerador tinha quase 1 km), sua própria frota (sete carros, um caminhão, um trator para rebocar geradores), estúdios e alojamentos próprios.

Este filme alcançou a maior bilheteria do cinema brasileiro no primeiro semestre de 1970. Com isso, Mazzaropi recebeu no dia 18/10/1971 do INC (Instituto Nacional de Cinema) o prêmio de Cr$ 186.168,43, correspondentes a 10 por cento da renda do filme.

O lançamento de “Uma Pistola Para Djeca” marcou o jubileu de Prata, no Cinema, para Mazzaropi. Foi o seu 25º filme.

Mazzaropi, ás vezes, não recebia bem a imprensa. Desconfiava de tudo. Não gostava de certas críticas ou comentários interesseiros sobre sua vida privada ou sobre seu patrimônio.

Por isso, respondeu bruscamente, quando perguntado pela Revista “Veja” em 28/01/1970, sobre o que achava dos intelectuais (críticos, comentaristas e cineastas, etc.): “É fácil fulano sentar-se à maquina e escrever: Hoje estreia mais um filme de Mazzaropi. Não precisam ir ver, é mais uma bela porcaria. Mas não explica porquê. Talvez ficam com raiva, porque acreditam que só faço as fitas para ganhar dinheiro. Mas não é verdade, porque o maior de todos os juízes fugiria do cinema se isso fosse verdade – o público”.

Sua maior preocupação era oferecer ao seu público uma apresentação em forma de otimismo. Representava os personagens da vida real. Não importava se estava representando um motorista de praça, um torcedor de futebol ou um padre.

Era retratação do dia-a-dia da sua plateia. Documentava uma realidade do que construía.

E ainda sobre os críticos dizia: “Quando eu falo tanto na parte comercial, não quero dizer que só com isso que eu me preocupo. Se um crítico viesse a mim fazer uma crítica construtiva, mostrar uma forma melhor de eu ajudar o público – eu aceitaria e o receberia de braços abertos. Mas em momento nenhum aceitaria que ele tentasse mudar minha forma de fazer as fitas. Eles continuariam as mesmas, pois é assim que o público gosta e é assim que eu ganho dinheiro para amanhã ou depois aplicar mais na indústria brasileira de cinema. E, se os críticos se preocupassem menos com que ganho e mais com as salas vazias do Cinema Novo, entenderiam que cinema sem dinheiro não adiante. Que não adianta começar pondo o carro na frente dos bois”.

Apaixonado pelo circo, Mazzaropi realizou um dos seus grandes sonhos, um filme sob as tendas circenses. Foi “Betão Ronca Ferro”, rodado em 1970.

Um filme que identificou o artista com os sonhos do picadeiro.

Amácio, ás vezes, era acusado pela imprensa, de excessiva preocupação com o dinheiro. Seus filmes rendiam milhões, e ele sempre dizia que não ia aplicar em outra coisa que não em suas próprias produções, porque não acreditava no destino que as empresas oficiais dariam às suas economias. Sempre reinvestiu em cada filme novo que fazia. Ele sabia o que o povo queria. “O povo quer ir ao cinema para rir, chorar ou ver um grande espetáculo”, dizia ele.

O povo queria aquele sujeito de fala arrastada e cheia de sotaque, camisa xadrez abotoada até o pescoço, botas de cano curto e elástico, paletó apertado, caças curtas e geralmente, remendadas. Estiveram com ele em “Betão Ronca Ferro”: Geny Prado, Dina Lisboa, Dilma Lóes, Yoratan Lauleta, Gilmara Sanches, Judith Barbosa, Roberto Pirilo, Araken Saldanha, Carlos Garcia, Carlos R. Mechi, Tony Vieira, Rogério Câmara e Henricão.

O personagem que Mazzaropi interpretava nesse filme se identificava com suas atuações no Pavilhão quando iniciou sua carreira artística, indo de cidade em cidade, levando seu espetáculo andante. Sempre que podia, seus espetáculos e Shows eram realizados no circo, devido à melhor acústica, dizia ele.

Era tão grande sua paixão pelo circo que chegou a montar um circo para seu amigo Vitrolinha, o grande palhaço brasileiro. Foi no “Gran Circus Windsor”, que Mazzaropi fez muitos shows.

No circo continuou sempre fazendo Shows em diferentes cidades do País, tendo, inclusive, participado das apresentações do palhaço XUXU, Circo Garcia, Continental e muitos outros.

Já muito doente, em 1980, tinha intenção de seguir viagem excursionando com o circo de seu grande amigo Orlando Orfei, sendo impedido, devido ao agravamento de sua enfermidade.

O circo era parte integrante de sua vida. Se lhe pedissem para opinar entre um Show seu em um circo mambembe ou no luxuoso Teatro da Broadway, certamente iria preferir o primeiro.

Muitas vezes, ao se apresentar em espetáculos circenses, deixava a renda da apresentação para que o circo pudesse mudar de cidade. Ao se apresentar sob as lonas, esquecia se aquela apresentação era conveniente financeiramente ou não.

“Não faço Televisão porque não quero. Convites não me faltam. Todas as estações vivem me oferecendo salários fabulosos. Mas o que eu quero é distância delas”, falou Mazzaropi em entrevista a Waldemar Tavares de Lima em 1970 para a Revista Intervalo.


Não queria mais fazer televisão, dizendo que já era muito velho para ter patrão, pois teria que se submeter às ordens de um diretor, ou de um garoto que, provavelmente, não iria dar certo. Continuou expressando que há vinte anos vinha fazendo o caipira e se sentia tremendamente bem. Dizia ele: “Cinema para mim é isso, uma historinha fácil e bonita que todo mundo entenda e fique feliz com o que vê. Esses negócios de mensagem é para meia dúzia de pseudo-intelectuais que só se divertem vendo os próprios filmes”.

Suas produções eram para divertir o público. Para ele, a crítica intelectual, só aplaudia um cinema cheio de símbolos. Enrolado, complicado, pretencioso, mas sem público. Fazia um filme por ano, e levava em média 5 meses de preparação dos cenários. Dois meses para filmar, sem se falar da distribuição dos mesmos.

Apesar de toda segurança profissional e financeira, Amácio Mazzaropi, por várias vezes, confessava que nos últimos anos de sua vida eram um homem triste e só. No palacete no Itaim, bairro da zona sul de São Paulo, raramente era aberto para festas ou para receber amigos. Quando não estava nas filmagens, estava sempre ao lado de sua mãe. E desabafou: “Antigamente, eu era feliz. Agora tenho muito dinheiro, mas não tenho um amor. E isso me faz muita falta”.

Falando com o Repórter, Armando Salem, da Revista Veja de 28/01/1970, Mazzaropi informava que depois do primeiro filme produzido pela sua Companhia, começou a ter condições financeiras suficientes para reinvestir em outros filmes. Para ele o cinema era uma indústria como outra qualquer. Pretendia fazer cinema-indústria. Indústria brasileira, queria ele, e não exportadora. Uma indústria que fosse capaz de suprir o mercado interno consumidor para seus filmes. “Não podemos pensar em conquistar o mercado externo, se não temos nem lâmpadas aqui. Tudo que temos vem de lá. Mas, se pudermos ter uma indústria produzindo fitas nacionais, se nossas salas ficassem ocupadas por fitas nacionais, quanto dinheiro nós estaríamos evitando de mandar para fora”, dizia ele.

Dentro da mesma linha de filmagem e mantendo o mesmo tipo desengonçado do caipira, lançou em 1971: “O Grande Xerife”.

Mazzaropi sabia muito bem o que fazia. Defendia-se de qualquer acusação de repetição, e argumentava de maneira simples: “Uma única fita não dá lucro o que dá lucro é uma série delas, que se socorrem mutualmente nas bilheterias, especialmente para uma empresa que deseja melhorar cada vez mais a qualidade de suas fitas, até alcançar as de alta qualidade”. Ele era, na tela, como na vida real, um perfeito caipira. Intuía como poucos o caráter industrial do cinema e as expectativas de seu público. Assim, sabia que era uma estrela, perto de quem não importava mesmo que um ator famoso devia se reduzido à categoria de discreto coadjuvante. Cuidava de suas produções para que, em hipótese alguma, se sofisticassem, enveredando por uma linguagem mais complexa.

Ao mesmo tempo, cercava-se de certos cuidados técnicos que o cinema brasileiro não podia certamente bancar. Suas câmeras, por exemplo, marca MITCHELL, cuja precisão de imagem era imbatível, ele adquiriu-as nos Estados Unidos, sendo usadas até o último filme.

No elenco deste filme atuaram: Patrícia Mayo, Paulo Bonelli, Toni Cardi, Araken Saldanha, Paulett Bonelli, Ester de Oliveira, Rogério Câmara, Cláudio Roberto Mechi, João Batista de Souza, Wanda Marchetti, Carlos Garcia, José Matheus Índio Lopes, Argeu Ferrari, Judith Barbosa, Cagavnoli Neto, Nena Viana, Gentil Rodrigues, José Veloni, Linda Fernandes.

“O Estado de São Paulo” publicou em 19/10/1971, foto e reportagem veiculando o encontro de Mazzaropi com o Presidente Emílio Garrastazu Médici no Palácio do Planalto. Médici ficou entusiasmado com o desempenho do cômico no filme “Casinha Pequenina”, exibido no Palácio. Mazzaropi procurou o Presidente, não como artista, mas como produtor de cinema nacional. O artista pediu prorrogação da isenção do imposto sobre a importação, incidente sobre equipamentos de filmagens e filmes para produção do cinema nacional. Médici garantiu apoio ao cinema nacional para transformá-lo em indústria.

A intervenção do Presidente junto ao Ministério da Fazenda, possibilitou que Mazzaropi importasse vários equipamentos de filmagens e filmes com expressiva diminuição de tributos que incidiram sobre o comércio exterior. O comediante encontrou-se também com o Ministro Jarbas Passarinho, a quem expôs os problemas do nosso cinema.

Revendo os filmes produzidos, Mazzaropi sentiu que era hora de fazer estilos diferentes dos tradicionais roteiros já apresentados. Com a preocupação de fazer sua primeira super produção no exterior, exibindo novos cenários, dentro de uma tecnologia mais incrementada, rodou na Argentina “Um Caipira em Bariloche”, incomparável para o gênero, segundo a crítica paulista, em janeiro de 1972, quando lançava-o em São Paulo. Estava com ele nessa filmagem Beatriz Bonetti (miss Argentina), Geny Prado, Yvan Mesquita, Edgar Franco, Analú Graci, Fausto Rocha, Cláudio Roberto Mechi, Carlos Garcia, Judith Barbosa. Participação musical: Elza Soares e Paulo Sérgio.

Depois de assistir ao referido filme, um dos mais importantes críticos de cinema no Brasil, o professor Paulo Emílio Salles Gomes, escreveu que até se encabulava de procurar Mazzaropi, por não ter sabido entende-lo muito bem. E assim expôs: “ele atinge o fundo arcaico da sociedade brasileira e de cada um de nós”. E reconheceu: “O bom de seus filmes é ele mesmo”.

Outro professor universitário, o comunicólogo José Marques de Melo, escreveu: “identifico nele um ator-empresário com sensibilidade para produzir mensagens cinematográficas que se aproximam do universo cultural da população de origem rural”. Lembrou também, que a maioria das populações que enche hoje os centros urbanos brasileiros é de origem, basicamente, rural.

Tendo adquirido experiência inovadora com técnicos argentinos, fez com que, no ano seguinte, Mazzaropi iniciasse as filmagens em Portugal, a bordo do Transatlântico Eugênio C, com cenas externas em Fátima, Lisboa, Rio de Janeiro e São Paulo. O filme, como costumeiramente, foi lançado no Cine Art-Palácio em janeiro de 1974, com surpreendente sucesso e receptividade da crítica. No elenco estiveram Gilda Valença, Pepita Rodrigues, Dina Lisboa, Fausto Rocha, Ana Luiza Lancaster, Elizabeth Hartman, David Netto, atores nacionais, Adelaide João, Júlio César, Marília Gama, atores portugueses no filme “PORTUGAL...MINHA SAUDADE”. A participação musical foi de Angela Maria. Este filme foi produzido com um orçamento de um milhão de cruzeiros. Nesta produção, um vendedor de frutas, internado num asilo, acabou aportando em Portugal. E aí começa a confusão geral.

Aproveitando a viagem a Portugal, foi até Paris e Londres onde se encontrou com diversos diretores, técnicos e produtores do cinema internacional.

Férias nunca experimentava. Terminava um filme e começava a planejar outro, imediatamente. Sempre que podia, viajava muito. Procurava viajar por meios de transportes marítimos ou terrestres. Medo de avião? Certamente sim: “Meu único medo é de andar de avião”, isso porque não via segurança nenhuma desabafou para “Última Hora” em 29/07/1973.

Ele não aguentava ficar parado muito tempo no mesmo lugar. Do exterior, porém, só conheceu a Argentina quando lá esteve para filmar “Um Caipira em Bariloche” e alguns países da Europa por ocasião das filmagens de “Portugal...Minha Saudade”, e posteriormente, os Estados Unidos.

Em seus equipamentos, caminhões e uniformes de sua equipe estavam sempre presentes identificações de sua companhia, seguidos por legenda Verde-Amarela evocando “PAM Filmes - Cinema Nacional”, demonstrando sua fidelidade às coisas da terra.

Retornando ao Brasil, depois da viagem à Europa, fez “Jeca Macumbeiro”, que lhe valeu o Prêmio Campeão de Bilheteria/1974, em São Paulo, e que o fez ser capa da Revista “Embrafilme”. Foram 2 milhões 530 mil e 206 os espectadores. (Diário Popular, 21/06/81), tendo como renda Cr$ 10.573.277,84.

Em 1975, quando Mazzaropi lançava “Jeca Macumbeiro”, faziam sucesso nas telas nacionais os filmes: “Inferno na Torre”, “Aeroporto 75” e “Terremoto”, ultrapassando rendas de 10 milhões de cruzeiros.


O crítico Alfredo Sternheim da “Folha de São Paulo” reportou sobre o anuário de 1975, publicado pela Embrafilme, com informações sobre a indústria cinematográfica brasileira.

Comentou sobre o espaço possibilitado para a exibição de filmes estrangeiros e o pouco destaque ou insuficiência de produções nacionais. Observou o jornalista que enquanto em 1974 foram lançadas 74 películas de longa-metragem, em 1975 o número aumentou para apenas 79, sendo portanto uma baixa evolução. Os filmes estrangeiros adentravam facilmente ao País, devido o baixo custo de importação e conseguiam e ainda conseguem rendas impressionantes.

Radicalmente contra a intromissão de cinema alienígena, desabafou a Caco Barcelos – Movimento 05/05/1976: “Viram o Tubarão? Me dá vontade de dar um soco nos beiços do bonecão quando ele aparece com aqueles dentão na tela. Por que nós não fizemos, para o dinheiro ficar aqui mesmo?”.

Em “Jeca Macumbeiro” estiveram Jofre Soares, Gilda Valença, Selma Egrei, José Mauro Ferreira, Luiz Carlos Schoreder de Oliveira, Maria do Rocio, Jair Talarico, Felipe Levy, José Veloni, Araken Saldanha, Pirolito, Netinho.

Após as filmagens desse filme, Mazzaropi se desfez do estúdio da Fazenda da Santa e iniciou a construção do estúdio em sua nova propriedade também em Taubaté, na estrada dos Remédios, distante 3 quilômetros da cidade, com uma área de 200 mil metros quadrados.

Construiu, além de vasto e confortável estúdio, 38 apartamentos de luxo, alojamento para artistas, composto por um hotel- nível 4 estrelas, restaurantes, boate, piscinas, campo de futebol, salão de festas e convenções. Uma avenida cortou o centro do terreno, com jardim gramado e florido, envolto por um grande lago. Na parte alta, construiu uma belíssima e confortável casa, com vista para as demais dependências da Fazenda, denominada Hotel Stúdio PAM Filmes.

Em 1975, filmou “Jeca Contra o Capeta”. Do elenco, fizeram parte: Geny Prado, Néa Simões, Rose Garcia, Leonor Navarro, Aparecida de Castro, Roberto Pirilo, Jair Talarico, Jorge Pires, José Veloni, Luiz Carlos Schroder de Oliveira, Carlos Garcia, Cavagnole Neto, Macedo Neto.

O “Jeca Contra o Capeta” atingiu também grande recorde em bilheteria, que surpreendeu o próprio Mazzaropi quando falou da renda “Jeca Macumbeiro” e do prêmio recebido, achava que nunca mais atingiria rendas tão altas como as outras. Para ele foi uma surpresa agradável, após a quinta semana de exibição do filme no circuito Serrador em São Paulo, um milhão de pessoas já haviam visto a fita.

Neste filme, Mazzaropi contou a estória do caipira, o qual interpretava, envolvido na trama maldosa de uma fazendeira, numa cidadezinha do interior, tipicamente brasileira. O filho do caipira era acusado de homicídio na Comarca, mas, no final, tudo ficava esclarecido: era chantagem da fazendeira. Foi ela que matou e fez a denúncia à polícia porque, apaixonada por Mazzaropi, tentava força-lo a se casar com ela. E, no desenrolar do filme, a fazendeira se transformou em capeta. Tiveram cenas de padres lutando com forasteiros, uma enquete popular sobre o divórcio, e até Jesus Cristo apareceu conversando com o caipira. O mesmo Cristo que no fim se despediu da cidadezinha como um carroceiro num carro de hippies.

Enquanto Jeca brigava com o diabo nas telas dos cinemas paulistas, Charles Bronson e outras fitas estrangeiras tiveram que esperar a vez, com muita humildade, dizia Mazzaropi, sorridente e às vezes, debochado, porque nem mesmo ele esperava tanto sucesso do filme.

A razão desse sucesso? Isso, Mazzaropiu explicou neste depoimento: “Ninguém pode obrigar a alguém ouvir Beethoven se ele gosta de Tonico e Tinoco. Não adianta pagar caro um fino bailarino estrangeiro, bem marica no palco, que o povo larga pedrada em cima dele. O povo quer ir ao cinema para rir e chorar. Para ele tanto faz o drama ou comédia. Falo a linguagem do povo porque sou caipira igual. O público gosta de bastante sinceridade na representação. Você vê alguém na rua e olha na cara dele. Cê entende o olhar. Quem é bom não precisa de esforço. Você fala “abóbora” e o público entende sacanagem. E todos vão rir. Eu convivi muito com o povo. Sou caipira. E São Paulo é uma grande cidade de caipiras. Tem dois tipos: o estilo Jeca Tatu e o homem que fala como todo o paulista, que tem aos montões por aí. Tem gente que vai à França e depois passa a vida inteira falando da torre, na “Torre do Enfia”, eles dizem. Esse cara também é um caipira, um caipira do dinheiro. Tem outro caipira. O home  que veio do interior para ver o prédio do Banco do Estado e fica dizendo: Aí meu Deus do céu, essa geringonça vai desabar na minha cabeça. É o caipirão. Tem também outra faixa de caipira, que é a faixa dos metidos, dos sofisticados, dos metidos a bom, daqueles que querem impor o que pensam. Para esses, eu digo que o gênero humano é todo igual, que não adianta querer imposições e que eu estou cansado de ver muito advogado esnobe andando com o Tio Patinhas no bolso e depois querendo meter bronca”. “Jornal Movimento”, edição de 05/04/1976.

Sempre se preocupou com o caboclo, o caipira, e foi mudando seu temperamento, à medida em que a sociedade se desenvolvia. Antigamente, quando contava uma história ingênua, todos gostavam. Dizia-se que queria casar com uma namorada, mas o pai dela não queria, fazia sensação. Depois falava que ia dar um tiro no seu ouvido e outro no dela, para juntinhos se unirem no céu, era o maior sucesso. Com isso, filmes e roteiros tinham que ser atualizados.


Em 1977, veio o sucesso do “JECÃO, UM FOFOQUEIRO NO CÉU”, revelando a estória de um ganhador da Loteria Esportiva. Teve a participação de Geny Prado, Edgar Franco, Eizabeth Hartman, Gilda Valença, Augusto César Ribeiro, Denise Del Vechi, Rose Garcia, Dante Tuy, João Paulo Ramalho, Paulo Castelli, Leonor Navarro, Luiz Carlos Schroder de Oliveira, André Luiz Toledo, José Veloni, Pirolito.

No lançamento do filme, o trânsito foi interditado numa faixa da Avenida São João, e o Largo do Paissandu estava agitado. Havia escolas de samba, banda do interior, policiamento, emissoras de televisão, holofotes e fotógrafos em frente ao cine Art-Palácio. Houve atraso no lançamento que ocorreu em junho, quando geralmente eram feitos no início do ano. O público estava impaciente.

No filme, o comediante fez o papel de um bobalhão que ganha na Loteria Esportiva, perde o sossego, guardando dia e noite o dinheiro numa mala trancada. Ele é morto por uns capangas de um fazendeiro ganancioso e vai parar no céu. Lá encontra-se com Santo Antônio, pai Jacó, Tarzan, São Gabriel, entre outras figuras.

Alcançando os sucessos esperados em sua fatia do mercado do cinema nacional, dizia-se: “Tenho uma situação excepcional dentro do cinema brasileiro. Vejo isso pelo volume de fitas. A PAM Filmes, companhia distribuidora que é minha, tem filial no Rio de Janeiro, tem sede própria em Belo Horizonte, em Curitiba, Recife, Porto Alegre e a matriz aqui em São Paulo onde trabalham 80 pessoas. Estou inclusive adiantado em relação ao governo brasileiro, que pretende fazer um estúdio entre São Paulo e Rio. Muita gente faz cinema no Brasil para consumo próprio, e não percebe que não faz sucesso porque vive divorciada do povo. Fala uma linguagem intelectual e o povo não gosta de pensar”.

E quando falou sobre o Cinema Novo à Revista Veja em 28/01/1970, mencionou que não era contra ele, só achava que o produtor teria que decidir: ou fazia fita para agradar intelectuais (uma minoria que não lotava a primeira fileira de poltronas do cinema) segundo ele, ou fazia para o público que vai ao cinema em busca de emoções diferentes. O público simples queria rir, chorar, viver minutos de suspense.

Depois do lançamento do filme “Jecão...Um Fofoqueiro no Céu”, no Cine Art-Palácio em São Paulo, em janeiro de 1977, o crítico Orlando Lopes Fassoni, da Folha de São Paulo, escreveu que Mazzaropi não teve nenhum filme que pudesse ser inserido entre o que houve de bom no cinema nacional. Mas, que sempre vendeu seu peixe com sucesso, metido nas roupas do jecão e pregando uma falsa apologia de bondade. Para ele, Mazzaropi não passava de uma caricatura de si mesmo: um caipira que perdeu o único elemento que possuía para construir seu tipo, ou seja, a naturalidade.

E o cinema de Mazzaropi, continuou atraindo multidões. Multidões que se identificavam com os problemas colocados na tela: o trabalhador oprimido, as relações marido-mulher, pais e filhos, religião, entre outros. “JECA E SEU FILHO PRETO”, filme rodado em 1977, lançado em janeiro de 1978, abordou o problema do racismo e o aliava às diferenças sociais e culturais, que impediram um casório.

Pelo enredo, um fazendeiro rico tem um filho com uma mulher de cor e, para esconder, engana o jeca, atribuindo a ele o recém-nascido.

A mulher do caipira também estava grávida. Ao dar à luz a criança, a parteira colocou o garoto negro no mesmo berço. Vinte e dois anos depois o casal notou que o “filho” se apaixonou pela filha do fazendeiro, pai legítimo de ambos.

O fazendeiro queria impedir o casamento entre sua filha e o filho negro do jeca. Muitos diálogos ligaram as dificuldades do negro na sociedade, à pobreza, à falta de acesso à cultura.  No final, ocorre uma revelação, quando se sabe que a moça branca, professora da fazenda e o rapaz negro, namorados, são de fato semi-irmãos, resultado de uma infidelidade conjugal do fazendeiro. O fazendeiro queria impedir o casamento, não por racismo, mas devido a uma situação de consanguinidade dos noivos. Com isso, queria Mazzaropi mostrar que o brasileiro aceitava o casamento de negros com brancos desde que fosse com a filha do outro.

O crítico Jean-Claude Bernardet do “Estado de São Paulo”, descreveu que o cinema de Mazzaropi era reacionário e conservador. Baseava seus filmes em problemas reais e vividos pelo público. Segundo ele, “as importantes discussões que se desenvolvem atualmente sobre o que seja cinema popular, não podem ignorar os filmes de Mazza. Não porque sejam produtos comerciais de grande audiência, nem porque se pensaria em imitar a linguagem desses filmes e enxertar nela mensagens não conservadoras, o que seria uma tolice. Mas, porque esses filmes só têm um efeito alienante, à medida em que se comunicam com o público, a partir de seus problemas, canalizando sua tensão, dentro de uma sociedade de classe. Há muitas outras maneiras de abordar o cinema de Mazzaropi, mas desde já fica essa afirmação: O cinema de Mazzaropi é um cinema político atuante”.

Em “Jeca e seu Filho Preto” atuaram com Mazzaropi, Geny Prado, Yara Lins, Joares Dandaro, David Neto, Carmen Monegal, Elizabeth Hartman, Everaldo Bispo, André Luiz Toledo, Leonor Navarro, Rose Garcia, Denise Assunção, Augusto César Ribeiro, Ianes Lins, Gilda Valença, Jair Talarico, Luiz Carlos Schroder de Oliveira, Henricão, José Veloni, João Paulo Ramalho, Walter Luiz Mendonça, entre outros, totalizando 30 atores, com uma equipe de 12 cinegrafistas sob a direção de Benito Faccio.

Nesse filme, o comediante fez uma tentativa de mudança no seu estilo mais tradicional. Trocou o gênero “Chanchada” por um roteiro mais sério. Mostrou honestamente que havia preconceito do brasileiro em relação ao negro.

Com todos os outros, teve excelente bilheteria, mas não impediu que na fita seguinte, ele tivesse pela primeira vez, de recorrer a um título apelativo “A BANDA DAS VELHAS VIRGENS”, rodado em 1979, sendo lançado em Porto Alegre, em 1980. No filme, Jeca foi para a cadeia por causa de umas joias encontradas no lixo.

Ao longo desses anos de sucessos, Mazzaropi foi tema de um samba-enredo (Mazzaropi, sua arte e sua glória) de sambistas do Tatuapé, bairro popular da zona leste de São Paulo.

O veterano comediante recusava a assumir posições políticas. Dizia que preferia ser um bom palhaço a um político fracassado. Mas quando não estava transvestido em seus personagens (sempre caipiras desengonçados, com um toco de cigarro na boca, um andar bamboleante e um jeito entre o simplório e o malicioso), mas vestido elegantemente em sua casa, no bairro residencial do Itaim Bibi, na Zona Sul de São Paulo, não se hesitava para definir: “O povo está preparadíssimo para votar. Vota sempre no melhor. Se esse candidato depois falha, a culpa é dele não do povo”. Esse povo, ele se orgulhava de conhecer bem: “Sou como o Corinthians. Quando joga, o povo vai lá”.

“Na Banda das Velhas Virgens”, estiveram com Mazzaropi, Geny Prado, Renato Restier, André Luiz Toledo, Cristina Neves, Marcos Wainberg, Heloísa Raso, Gilda Valença, Denise Assunção, Aparecida Baxter, Felipe Levy, Paulo Pinheiro, Will Damas, Augusto César Ribeiro, Roberval de Paula, Crisógenes Faria, José Minelli Filho.

“O Mazza era uma grande alma voltada para o trabalho. Foi o maior ator de nosso País em todos os tempos. O mundo artístico deve muito ao Mazza. Aprendi com ele que tudo deve ser feito com amor e respeito ao público. Ele jamais será esquecido pelo seu público”. Este foi o depoimento de José Valoni, em dezembro de 1985. Veloni atuou com o comediante em vários filmes.

Paulo Pinheiro, um dos atores que participou desse filme, falou sobre sua convivência com Mazzaropi: “Eu tinha terminado de gravar a novela A Sucessora, quando fui convidado a participar do Mazzaropi, ele me disse com aquele jeitão: ‘Olha, você vai me desculpar, mas eu não gosto muito de televisão não, pois ela matou o cinema’. Não estranhei porque sabia, como todos os brasileiros, o grande amor que o Mazza tinha pelo cinema brasileiro. Fiz mais um filme com o Mazzaropi, “Jeca e a Égua Milagrosa”, precisamente o último e histórico filme. Trabalharia em outros mais, se houvesse tempo e oportunidade, porque pra mim foi uma honra e um privilégio ter trabalho, convivido e conhecido uma figura tão dedicada e única em seu gênero que o nosso cinema teve. Ele vai fazer parte das nossas saudades eternas. – Paulo Pinheiro – Rio, 30/11/1985.

Alguns críticos do cinema diziam que ele era o representante do clássico provincialismo paulista.

Alguns meses antes de falecer, o comediante já estava com o roteiro de seu novo filme, que não chegou a iniciar. Era “O Jeca e a Maria Tromba Homem”, onde iria contracenar com a atriz Tônia Carrero. Deixou o projeto pela metade, na certeza de que Péricles, seu filho, o concluiria, embora este reconhecesse o que disse o professor Paulo Emílio Salles Gomes: “O melhor filme de Mazzaropi é simplesmente ele próprio”.

No leilão para arrematação do montante de bens móveis e imóveis deixados por Mazzaropi, havia um cenário, um grande “Saloon”, construído em novembro de 1980 para o referido filme, que não chegou a ser utilizado.

Com glórias, sucessos e bem posicionado financeiramente, Mazzaropi não gostava de informar à imprensa sobre o que fazia ou deixava de fazer com os lucros registrados nos sucessos de seus filmes. Quando perguntado por Armando Salem, da Revista Veja em 28/01/1970, sobre cifras e dinheiro, respondeu enfaticamente: “Acho que dinheiro não traz felicidade na vida. Tá certo que ajuda, mas em compensação, quem tem, além de viver intranquilo, passa a ter desconfiança em vários setores da vida. Quem tem dinheiro sempre duvida de quem se aproxima, não se sabe se é amigo ou se vem dar uma mordida”. E continuava, de maneira irreverente: “Mas, por que vocês se preocupam tanto com o que eu ganho? Vão perguntar pro Pelé, que marcou mil gols. Ele é muito mais rico que eu. Tudo que tenho em meu nome é a casa onde moro. O resto está em nome da PAM Filmes”. Concluindo, expôs: “E depois vêm esses críticos de cinema metidos a intelectuais, dizendo que estou cheio de dinheiro. Não são capazes de entender que faço cinema como indústria”.

Amado pelo povo, esnobado por alguns, esquecido por poucos, criticado por outros, ele se incorporou, seja qual for a opinião a respeito, ao universo da cultura popular brasileira.

Ao falar ao jornalista José Wolf – da “Folha de São Paulo”, em 1978, o comediante respondeu, quando perguntado sobre a possibilidade de se candidatar como político: “Eu não teria capacidade para dirigir parte dessa árvore que é o País. Acho que para dirigi-lo é preciso muita capacidade. Existem homens preparados. Eu não estou. Então, o que vou fazer na política? O próprio povo iria dizer que eu sou engraçado na tela, o que vou fazer no Senado ou na Câmara Federal?”.

Mazzaropi, em suas quase três décadas de cinema, fez 32 filmes, a maioria produzida por ele mesmo.

Praticamente não permitia a exibição de nenhuma de suas obras pela televisão para não desgastar sua imagem diante do público fiel, estimado em quatro milhões de pessoas para cada um de seus filmes.

Como todo caipira, era precavido. Acumulou riquezas. Seu temperamento concentrador impediu que legasse a alguém tudo o que construíra. Mazzaropi era tão concentrador, que mesmo depois da fama e da riqueza, quando começou a contratar os melhores profissionais para a realização de seus filmes, continuava discutindo tudo, desde os cenários até as tomadas de câmera. Enfim, iniciava as filmagens pela manhã e participava até o fim da noite, quando os técnicos discutiam o que fariam nos dias seguintes. Com esse temperamento, não ensinou ninguém os seus segredos.

Fazia tudo: autor da história, roteirista, ator principal, diretor, produtor, distribuidor e até chefe de fiscais. Ás vezes, ia pessoalmente fiscalizar o número de assistentes nos cinemas. Examinava semanalmente o placar dos cinemas que levava seus filmes. Decidia pessoalmente as grandes coisas e as pequenas.

E, em verdade, conhecia o público de cada cinema importante do Brasil. Se uma casa sempre lhe deu boas rendas apresentava um borderô baixo, ia procurar a razão. Podia ter chovido aquele dia, mas podia ter sido um borderô frio.

Se ficasse sabendo que no meio do filme vaiavam alguma coisa, ele ia escondido assistir à sessão para ver o que havia. Se fosse trecho de música mal colocado, ou uma pequena falha, mal recebida, ele recolhia o filme, mandava cortar pedaço.

Publicado originalmente em OLIVEIRA, Luiz Carlos Schroder. Mazzaropi- A Saudade de Um Povo. Londrina: CEDM Editora, 1985.

Nenhum comentário: