“O segredo do meu sucesso foi falar a língua do meu povo”. Mazzaropi
Capítulo
8. A PAM FILMES E SUA TRAJETÓRIA
O sucesso do filme
“Chico Fumaça” fez com que Mazzaropi, empolgado, numa tarde de janeiro de 1957,
comentasse com Dona Clara Mazzaropi, sua mãe, que Massaini ganhou muito
dinheiro, reformou sua casa no Jockey Club, reestruturo a Cia. Cinedistri, com
o sucesso dos filmes em que participou. Pediu seu apoio em um investimento que
ele iria fazer. Ele queria fazer um filme. Mas, pra fazer este filme teve que
dispor de todos seus bens, lançar mão das economias bancárias. Então vendeu
seus dois carros Chevrolet Americano e quase tudo que possuía e investiu alto.
Inclusive, perguntou ao seu filho adotivo, Péricles Moreira, se ele não se
importaria em deixar o colégio particular para concluir os estudos em colégio
estadual, se fosse necessário. Porque também Mazzaropi via os cinemas cheios de
gente e seu bolso vazio. Conhecia um pouco de cinema e resolveu fazer suas
próprias fitas, e o que queria montar, era uma empresa que seria a única que
teria o artista principal trabalhando de graça.
Começou aí outra
caminhada. Esta agora com maior sabor e raça. Montar seu próprio filme. Porque
os diretores dos filmes em que trabalhou queriam transformar seu personagem num
caipira sueco, sofisticado, diferente na linguagem, nas roupas e no
comportamento do brasileiro.
Com toda dificuldade
que enfrentou, MAZZAROPI sabia que o sucesso alcançado no picadeiro, teatro,
rádio, televisão e no cinema não iria abandona-lo agora.
Não foi fácil. Alugou
inicialmente os estúdios da Cia. Cinematográfica Vera Cruz, para filmagens
internas do seu primeiro filme. Produção, direção, distribuição e atuação
principal de Mazzaropi, na Produções Amácio Mazzaropi – Pam Filmes, de sua
propriedade. Isto se deu em 1958 – com o “CHOFER DE PRAÇA”, cuja trama estava
calcada na aventura de um pai para formar o filho médico, que depois se
envergonha dele. Esta fita valeu os sacrifícios, muita garra, coragem e astúcia
para leva-lo ao público. As cenas externas foram executadas nas ruas da Grande
São Paulo.
Quando terminaram as filmagens, não havia dinheiro para pagar as cópias no
Laboratório. Munido de um Rural Willys, saiu rumo ao interior de São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, fazendo Shows em circos para cobrir
tal compromisso, e poder proceder o lançamento do seu primeiro filme no dia 9
de abril de 1958, (coincidentemente no seu aniversário) no Cine Art-Palácio em
SP, com casa cheia. Fizeram parte do elenco: Carmen Morales, Celso Faria,
Marlene Rocha, Roberto Duval, Maria Helena e, Lana Bittencourt e Agnaldo Rayol
na participação musical.
“Chofer de Praça”
pagou-se e deu bom lucro. Foi aí que Mazzaropi conheceu sua própria força como
produtor.
Nessa época, Beto
Carrero atuava numa Rádio de São José do Rio Preto, no interior paulista,
quando conheceu Mazzaropi, e foi convidado para atuar no filme “Chofer de
Praça” e fez aqui seu depoimento: “Tive o prazer de conhecer Mazzaropi em 1958,
no meu programa Beto Carrero, quando eu trabalhava em uma rádio em São José do
Rio Preto. Na época, montamos 20 Shows em 20 cidades, fazendo 2 Shows por dia,
uma loucura. O sucesso de Mazzaropi já era absoluto em todos eles, a casa
ficava lotada, com uma multidão imensa do lado de fora, todos eles querendo ver
o Show. A gente se dava muito bem, tanto que Mazzaropi chegou a me convidar
para participar do seu primeiro filme “O Chofer de Praça”, no qual
infelizmente, não entrei porque ainda estava estudando. Tenho uma admiração
muito grande por Mazzaropi, que era uma pessoa muito humana, de uma simplicidade
incrível com os amigos...Era muito bonito ver o carinho que ele dedicava à sua
mãe, que esteve sempre junto dele até na hora de sua morte. Mazzaropi tinha
também um tino comercial fantástico. Na época em que o conheci, ele estava
deixando de ser contratado para se tornar empresário, servindo de escola para
os novos empresários independentes que surgiram depois, na trilha do imenso
sucesso que ele fez. Como artista eu acho que Mazzaropi, ao lado de Oscarito e
Renato Aragão, foi o responsável por alguns dos melhores momentos do humor
brasileiro, chego mesmo a compará-lo a Charles Chaplin, porque, para mim,
Mazzaropi foi Chaplin do Sertão.
Mazzaropi deixou sua
marca no Rádio, na televisão e no cinema, influenciando até hoje novas gerações
de humoristas. É importante frisar bem, foi o primeiro artista a se tornar
produtor independente de sucesso, fazia um filme por ano, e sempre enchia os
cinemas de todo o Brasil com seus milhares de fãs. Beto Carrero – 18/11/85-
SP”.
Seu segundo filme,
“Jeca Tatu”, filmado em 1959, também na Cia. Cinematográfica Vera Cruz e na
cidade de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, na Fazendo do Dr. Cícero
Prado. Com esse filme, Mazzaropi consolidou seu espaço no cinema nacional e
estabilizou sua produtora, a Pam Filmes. Estava com ele um grande elenco: Geny
Prado, Roberto Duval, Nicolau Guzzardi, Marlene França, Nena Viana, Francisco
de Souza, Mirian Roy. Participação especial: Agnaldo Rayol, Lana Bittencourt,
Tony Campelo, Celly Campelo. Félix Aidar foi o primeiro diretor de produção
contratado por Mazzaropi.
José Bonifácio de
Oliveira (Boni), diretor da TV Excelsior de São Paulo, convidou o humorista
para apresentar um programa naquela emissora em 1959. E ficou lá até 1962.
“As Aventuras de Pedro
Malazartes” e “Zé do Piriquito” foi composto por: Geny Prado, Amélia
Bittencourt, Roberto Duval, Nena Viana, Carlos Garcia, Augusto César, Eugênio
Kusnet, Maria Helena. Na música, estiveram Hebe Camargo, Agnaldo Rayol, Celly
Campelo, Tony Campelo, George Freedman, Paulo Moulim e Carlão.
Todos os lançamentos
eram feitos no Cine Art-Palácio, e a Avenida São João, em São Paulo, era
interditada para os eventos de grande público.
Outros filmes
apareceram em seguida, e Mazzaropi, já com sua companhia toda estruturada na
Fazenda da Santa, em Taubaté-SP, com 184 alqueires no Vale do Paraíba. Em 1961
produziu os filmes “Tristeza do Jeca” e “Vendedor de Linguiças”, todos com
sucessos marcantes nas bilheterias dos cinemas de todo País.
Não tendo, no País,
laboratórios para revelação em EASTMANCOLOR, Mazzaropi mandou fazer os serviços
de Laboratórios e Trucagem do “Tristeza do Jeca” na Cidade do México,
inaugurando seu primeiro filme colorido. Por causa de “Tristeza do Jeca”,
Mazzaropi foi levado à Justiça pelo autor do clássico homônimo da música
sertaneja paulista. Angelino de Oliveira (que teve a música na trilha sonora da
comédia). Por conta de “Jeca Tatu” (1959) e “Tristeza do Jeca” (1961), o
comediante foi relacionado a Monteiro Lobato e pelo Presidente da Academia
Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde. Mazzaropi nunca estudou Monteiro
Lobato. Pela própria vida, conhecia a figura do caipira tão bem como ele.
Um dia de grande emoção
para Mazzaropi foi o do lançamento de “Tristeza do Jeca”, em Curitiba. Seu tio,
Domingos Mazzaropi (que se encontrava em uma cadeira de rodas), ao terminar o
Show que antecedia o filme, pediu para ser conduzido até o palco, enquanto a
plateia vibrava com entusiasmo. Com um lenço branco acenava para Mazzaropi,
ambos permaneceram por algum tempo emocionados.
Seu “Jeca” virou
domínio público nacional, num femômeno bem anterior ao vivido hoje por Renato
Aragão e seus Trapalhões. E, quando alguém lhe perguntava se seus filmes faziam
sucesso no interior, ele ria para responder: “Meus filmes vendem bem mesmo é em
São Paulo e no Rio. Eu atinjo todas as classes”.
Participaram das filmagens de “Tristeza do Jeca”: Geny Prado, Roberto Duval, Nicolau Guzzardi, Eugênio Kusnet, Augusto César, Genésio Arruda, Moracy Melo, Carlos Garcia, Francisco de Souza, Anita Sorrento. Participação musical: Agnaldo Rayol e Mário Zan. No filme “Vendedor de Linguiças” estiveram Geny Prado, Roberto Duval, Ilena de Castro, Amilton Fernandes, Maximira Figueiredo, Carlos Garcia, Maria Helena Rossignori, Augusto Machado de Campos, Anita Sorrento, Reynaldo Martini, David Neto. Participação musical com Pery Ribeiro, Elza Soares e Miltinho.
Em fins de 1962 e em
1963, Mazzaropi atuou como convidado no programa BIBI FERREIRA na TV Excelsior
no programa “Brasil 63”.
Em 1962, completava seu
estúdio na Fazenda da Santa, em Taubaté-SP, arrematando em leilão a metade dos
equipamentos da Cia. Vera Cruz. Tinha uma razão especial para adquirir tais
equipamentos, e, afirmava: “Foi na Cia. Vera Cruz que tive minha primeira
chance no cinema, e meu primeiro sucesso no cinema nacional”.
Nesse mesmo ano,
estouraram as bilheterias de todo País, com o lançamento de “CASINHA
PEQUENINA”, sobre a escravidão no Brasil. De seu elenco, fizeram parte grandes
nomes da Televisão e do cinema brasileiro: Tarcísio Meira, Luiz Gustavo, Geny
Prado, Guy Loup, Marina Freire, Marly Marley, Ingrid Thomas, Roberto Duval,
Astrogildo Filho, Abílio Marques, João Franco, Edgar Franco, João Batista de
Souza. Na atuação musical, estavam Edson Lopes. Como o filme também era
colorido, os trabalhos de montagem e trucagem e revelação foram feitos em
Buenos Aires.
Mudando seu estilo para
sátira ao cangaço, Mazzaropi contou a vida de Lampião no Nordeste brasileiro de
forma irreverente e divertida, um jeito ainda não explorado sobre o assunto no cinema
nacional. Chamou-se: “O LAMPARINA”. O título chamava a atenção pela história
curiosa e diferente de Lampião – O herói do Sertão e as características de
bandoleiro em Mazzaropi. Este foi o primeiro filme produzido em 1963,
totalmente da Fazenda da Santa, em Taubaté-SP, onde estava instalada sua
companhia, a Pam Filmes. Este filme foi visto por 250 mil pessoas em 23
cinemas, em São Paulo na semana do lançamento. Participaram do elenco desse
filme: Geny Prado, Manoel Vieira, Zilda Cardoso, Astrogildo Filho, Carlos
Garcia, Emiliano Queiroz, Carla Diniz, Rafael Galhardo Terra, Agostinho Toledo
e João Batista de Souza.
Com a ajuda de um
grande amigo e também cineasta, Agostinho Martins Pereira, conseguiu importar
de Hollywood, os mais avançados equipamentos cinematográficos acoplados de som
direto.
Os atores e atrizes das
produções de Mazzaropi eram os que recebiam os maiores “cachês” do cinema
nacional. Walter Wanni, falando sobre Mazzaropi, disse: “Se o Brasil tivesse
dez Mazzaropi, o destino do cinema nacional, tranquilamente seria outro. Hoje,
a Boca do cinema aqui em São Paulo já não existe mais”.
Os técnicos e artistas
que atuaram com Mazzaropi, tinham seu espaço e notoriedade na imprensa falada e
escrita. Realizaram-se profissionalmente e financeiramente. Mazzaropi, fazia
seleção rigorosa na escolha de seus elencos.
O estúdio da PAM Filmes
oferecia alojamento em apartamentos confortáveis, com restaurantes, piscina e
toda infra-estrutura para que o artista não precisasse sair da Fazenda em
Taubaté, durante as filmagens.
Homenageando a colônia
nipônica brasileira, presença marcante na capital paulista e nos estados do Sul
do País, Mazzaropi lançou “MEU JAPÃO BRASILEIRO”. O filme foi produzido em
1964, rigorosamente com costumes orientais e contendo um elenco com atores
conceituados da televisão e do grupo folclórico nipônico de São Paulo.
Participaram das filmagens Geny Prado, Célia Watanabe, Francisco Gomes, Carlos
Garcia, Reynaldo Martins, Judity Barbosa, Zilda Cardoso, Adriano Stuart, Elk
Alves, Bob Júnior e João Batista de Souza. Nesta produção exibiu uma luta pela
organização de uma cooperativa de produtores rurais.
Prosseguindo, fez em
1965 um filme que homenageou uma das ruas mais badaladas de São Paulo. “O
Puritano da Rua Augusta”, lançado em 25/01/1966, aniversário da capital
paulista. Mazzaropi estreava seus filmes pontualmente nesse dia de Janeiro no
Cine Art-Palácio, em São Paulo, no Largo do Paissandu. E justificava a escolha
das estreias sempre no circuito da Companhia Serrador de Cinemas, pela lealdade
e carinho que dedicava ao amigo e empresário Florentino Lorenti, da referida
Companhia.
Seus filmes eram de
singela captação das desventuras do caipira que vinham para a cidade e tinha
que aprender novos conceitos, às vezes, só no campo, outras, só nos grandes
centros. Mas sempre envolvendo o caipira e retratava parcialmente o dia a dia
do povo brasileiro.
Daí o seu legado para o
cinema nacional. Fizeram parte do elenco de “O Puritano da Rua Augusta”, Marly
Marley, Marina Freire, Elizabeth Hartman, Júlia Kovacs, Darla, Marlene Rocha,
Gladys, Carlos Garcia, Edgar Franco, Zé Luis Pinho, Henricão, João Batista de
Souza. Participação musical de Elza Soares e Cláudio Guimarães.
“O CORINTIANO”,
produzido em 1966, foi a homenagem do artista aos torcedores do seu time
paulista de futebol. Atuou nesse filme a torcedora número 01 do Corinthians,
Elisa, que agitou a galera com muita expressividade e originalidade.
Estiveram com ele, além
de Elisa, Elizabeth Marinho, Lúcia Lambertini, Nicolau Guzzardi, Carlos Garcia,
Roberto Pirilo, Leonor de Campos, Xandó Batista, Francisco Gomes, Gláucia
Maria, Karé, Ziara Freire, Geraldo Bretas e Pedro Luiz.
Em 25 de janeiro de
1967, a Avenida São João foi novamente interditada, e lá estava uma banda
musical, a imprensa, com presença da grande torcida Corintiana: “Os Gaviões da
Fiel”.
Possuidor de uma
capacidade de improvisação e notória criatividade, jamais decorou um “script”.
Sempre alterava o roteiro de seus filmes, rodados com cenários simples, quase
todos produzidos em sua Fazenda-Estúdio em Taubaté, cidade que lhe deu o título
de cidadão benemérito, concedido pela Câmara Municipal. Ali ele produzia suas
fitas, fazendo argumento, roteiro, direção e interpretação. Havia quem o
acusava de tirania durante a realização dos filmes, por não aceitar palpites ou
sugestões de modificações. Irreverente, Mazzaropi era a própria encarnação do
caipira, segundo sua própria concepção do que era um sujeito do interior:
“Caipira é um homem comum, inteligente, sem preparo. Alguém muito vivo,
malicioso, bom chefe de família, mas que não teve escola, daí aquele seu jeito
de falar”.
Seus filmes até 1967
foram rodados com duração de 85, 90 e 95 minutos. A partir desse ano, os filmes
foram montados com duração de 100 minutos, e o primeiro deles foi “A Jeca e a
Freira”. A partir dessa época, suas produções cinematográficas foram totalmente
produzidas em EASTMANCOLOR, revelados e montados no Brasil, não mais havendo
necessidade de enviá-las aos laboratórios do exterior. Integraram o elenco
deste filme: Geny Prado, Elizabeth Hartmann, Paulette Borelli, Isaura Bruno,
Elizabeth Marinho, Denise Barrerto, Mafalda Moura, Maurício do Valle, Carlos
Garcia, Roberto Pirilo, Ewerton de Castro, Henricão, Toni Cardi, Telcy Perez,
Nello Pinheiros, Cláudio R. Mechi, Wilson Júnior, João Batista de Souza e
Marita Luisi, na participação musical.
Mazzaropi não fazia
filmes com final infeliz. Isto porque seus espetáculos eram pra divertir a
família brasileira. Seu objetivo era a alegria de todos.
Com o mesmo sucesso,
surgiu em 1968, “NO PARAÍSO DAS SOLTEIRONAS”. Estiveram neste filme Domingos
Terra, Carlos Garcia, Átila Iório, Renato Master, Zequinha e Quinzinho, Yves
Hublet, Toni Cardi, Cláudio Mechi, Ademir Monezzi, Paschoal Guida, Nilo Márcio,
Cícero Liendo, Geny Prado, Iracema Beloube, Wanda Marchetti, Elizabeth Hartman,
Linda Fernandes, Nena Viana, Adélia Iório, Guia Rinaldi, Elizabeth Barbosa,
Judith Barbosa, Yoratan Lauletta, Elza Cleonice.
O filme foi lançado em
24 de janeiro de 1969, no cine Art-Palácio, em São Paulo. Do dia da estreia até
19 de fevereiro de 1970, o filme rendeu 2 bilhões e 650 milhões de cruzeiros.
Além de ator, Mazzaropi
foi também, possivelmente, o mais sucedido produtor do cinema nacional nos
últimos anos. Seus filmes anuais sempre bateram recordes de bilheterias e sua
produtora – a PAM Filmes – mantinha seus estúdios em sua antiga Fazenda da
Santa, em Taubaté e posteriormente, no Hotel Fazenda – PAM Filmes, também em
Taubaté.
Mazzaropi, na PAM
Filmes, dirigia tudo com raciocínio rápido e tino comercial apurado.
Orgulhava-se de nunca ter precisado pedir dinheiro ao governo para realizar
seus filmes.
Com muita vaidade,
falava a respeito de um quadro que estava exposto sobre a lareira, em sua casa,
onde o Presidente da Academia Brasileira de Letras, no dia 17 de janeiro de
1968 escrevei um bilhete dirigido ao comediante: “Austragésilo de Athayde
considera que, com Jeca Tatu e a Freira, Mazzaropi alcançou, no cinema, o mais
alto nível de sua arte. É hoje, sem nenhum favor, um artista de categoria
mundial”. (Veja 28/01/70).
No dia 26 de janeiro de
1970, estava sendo lançado no Cine Art-Palácio, em São Paulo, como de costume,
para depois percorrer o Brasil, “Uma Pistola para Djeca”. O ator Amácio seria
capaz de jurar que Djeca não vinha de Django, o pistoleiro italiano. Djeca era
um herói caboclo do Brasil no século 19. Trabalharam com o ator, neste filme:
Patrícia Mayo, Yaratan Laureta, Zaíra Cavalcanti, Wanda Marchetti, Elizabeth
Hartman, Nena Viana, Linda Fernandes, Paulete Bonelli, Rogério Câmara, Paulo
Bonelli, Tony Vieira, Nello Pinheiro, Rildo Gonçalves, Francisco Gomes,
Durvalino de Souza, Luiz Homero, Carlos Garcia, Cláudio Roberto Mechi, Araken
Saldanha, Antenor Pimenta, Toni Cardi, Domingos Terra, Iragildo Mariano, Milton
A. Pereira, dirigido pelo cineasta Ary Fernandes. Música de Hector Lagna Fieta
e Fotografia de Pio Zamuner.
“Uma Pistola Para
Djeca” foi um dos filmes mais caros e mais bem cuidados que produziu. Colorido
Especial, guarda-roupa exclusivamente feito para o filme. Falando sobre o
filme, Mazzaropi enfatizava que sempre procurava melhorar a qualidade técnica
dos filmes que produziu. O filme lhe custou 600 mil cruzeiros.
Quando este filme foi
exibido em Mogi Mirim, São Paulo, formaram-se grandes filmas de longa espera,
provocando pânico e tumultos, a ponto de um vereador apresentar um projeto de
lei obrigando os cinemas a darem três sessões diárias, em vez de duas, quando
passassem filmes de Mazzaropi.
O Cine Art-Palácio, com
2.600 lugares, e, por tradição e economia, o balcão e a galeria ficava fechados
o ano todo. Só abriam para os filmes de Mazzaropi mesmo assim, tudo aberto,
Djeca ficou seis semanas em cartaz ali e em outros 21 cinemas em São Paulo em
uma semana, 160 mil pessoas já haviam assistido ao filme na capital paulista.
Em três meses, só na
capital paulista, Djeca rendeu 1 bilhão e meio de cruzeiros velhos.
Para o filme, Mazzaropi
usou seu próprio parque elétrico (só de cabo grosso para gerador tinha quase 1
km), sua própria frota (sete carros, um caminhão, um trator para rebocar
geradores), estúdios e alojamentos próprios.
Este filme alcançou a
maior bilheteria do cinema brasileiro no primeiro semestre de 1970. Com isso,
Mazzaropi recebeu no dia 18/10/1971 do INC (Instituto Nacional de Cinema) o prêmio
de Cr$ 186.168,43, correspondentes a 10 por cento da renda do filme.
O lançamento de “Uma
Pistola Para Djeca” marcou o jubileu de Prata, no Cinema, para Mazzaropi. Foi o
seu 25º filme.
Mazzaropi, ás vezes,
não recebia bem a imprensa. Desconfiava de tudo. Não gostava de certas críticas
ou comentários interesseiros sobre sua vida privada ou sobre seu patrimônio.
Por isso, respondeu bruscamente, quando perguntado pela Revista “Veja” em 28/01/1970, sobre o que achava dos intelectuais (críticos, comentaristas e cineastas, etc.): “É fácil fulano sentar-se à maquina e escrever: Hoje estreia mais um filme de Mazzaropi. Não precisam ir ver, é mais uma bela porcaria. Mas não explica porquê. Talvez ficam com raiva, porque acreditam que só faço as fitas para ganhar dinheiro. Mas não é verdade, porque o maior de todos os juízes fugiria do cinema se isso fosse verdade – o público”.
Sua maior preocupação
era oferecer ao seu público uma apresentação em forma de otimismo. Representava
os personagens da vida real. Não importava se estava representando um motorista
de praça, um torcedor de futebol ou um padre.
Era retratação do
dia-a-dia da sua plateia. Documentava uma realidade do que construía.
E ainda sobre os
críticos dizia: “Quando eu falo tanto na parte comercial, não quero dizer que
só com isso que eu me preocupo. Se um crítico viesse a mim fazer uma crítica
construtiva, mostrar uma forma melhor de eu ajudar o público – eu aceitaria e o
receberia de braços abertos. Mas em momento nenhum aceitaria que ele tentasse
mudar minha forma de fazer as fitas. Eles continuariam as mesmas, pois é assim
que o público gosta e é assim que eu ganho dinheiro para amanhã ou depois
aplicar mais na indústria brasileira de cinema. E, se os críticos se
preocupassem menos com que ganho e mais com as salas vazias do Cinema Novo,
entenderiam que cinema sem dinheiro não adiante. Que não adianta começar pondo
o carro na frente dos bois”.
Apaixonado pelo circo,
Mazzaropi realizou um dos seus grandes sonhos, um filme sob as tendas
circenses. Foi “Betão Ronca Ferro”, rodado em 1970.
Um filme que
identificou o artista com os sonhos do picadeiro.
Amácio, ás vezes, era
acusado pela imprensa, de excessiva preocupação com o dinheiro. Seus filmes
rendiam milhões, e ele sempre dizia que não ia aplicar em outra coisa que não
em suas próprias produções, porque não acreditava no destino que as empresas
oficiais dariam às suas economias. Sempre reinvestiu em cada filme novo que
fazia. Ele sabia o que o povo queria. “O povo quer ir ao cinema para rir, chorar
ou ver um grande espetáculo”, dizia ele.
O povo queria aquele
sujeito de fala arrastada e cheia de sotaque, camisa xadrez abotoada até o
pescoço, botas de cano curto e elástico, paletó apertado, caças curtas e
geralmente, remendadas. Estiveram com ele em “Betão Ronca Ferro”: Geny Prado,
Dina Lisboa, Dilma Lóes, Yoratan Lauleta, Gilmara Sanches, Judith Barbosa,
Roberto Pirilo, Araken Saldanha, Carlos Garcia, Carlos R. Mechi, Tony Vieira,
Rogério Câmara e Henricão.
O personagem que
Mazzaropi interpretava nesse filme se identificava com suas atuações no
Pavilhão quando iniciou sua carreira artística, indo de cidade em cidade,
levando seu espetáculo andante. Sempre que podia, seus espetáculos e Shows eram
realizados no circo, devido à melhor acústica, dizia ele.
Era tão grande sua
paixão pelo circo que chegou a montar um circo para seu amigo Vitrolinha, o
grande palhaço brasileiro. Foi no “Gran Circus Windsor”, que Mazzaropi fez
muitos shows.
No circo continuou
sempre fazendo Shows em diferentes cidades do País, tendo, inclusive,
participado das apresentações do palhaço XUXU, Circo Garcia, Continental e
muitos outros.
Já muito doente, em
1980, tinha intenção de seguir viagem excursionando com o circo de seu grande
amigo Orlando Orfei, sendo impedido, devido ao agravamento de sua enfermidade.
O circo era parte
integrante de sua vida. Se lhe pedissem para opinar entre um Show seu em um
circo mambembe ou no luxuoso Teatro da Broadway, certamente iria preferir o
primeiro.
Muitas vezes, ao se
apresentar em espetáculos circenses, deixava a renda da apresentação para que o
circo pudesse mudar de cidade. Ao se apresentar sob as lonas, esquecia se
aquela apresentação era conveniente financeiramente ou não.
“Não faço Televisão
porque não quero. Convites não me faltam. Todas as estações vivem me oferecendo
salários fabulosos. Mas o que eu quero é distância delas”, falou Mazzaropi em
entrevista a Waldemar Tavares de Lima em 1970 para a Revista Intervalo.
Não queria mais fazer
televisão, dizendo que já era muito velho para ter patrão, pois teria que se
submeter às ordens de um diretor, ou de um garoto que, provavelmente, não iria
dar certo. Continuou expressando que há vinte anos vinha fazendo o caipira e se
sentia tremendamente bem. Dizia ele: “Cinema para mim é isso, uma historinha
fácil e bonita que todo mundo entenda e fique feliz com o que vê. Esses
negócios de mensagem é para meia dúzia de pseudo-intelectuais que só se
divertem vendo os próprios filmes”.
Suas produções eram
para divertir o público. Para ele, a crítica intelectual, só aplaudia um cinema
cheio de símbolos. Enrolado, complicado, pretencioso, mas sem público. Fazia um
filme por ano, e levava em média 5 meses de preparação dos cenários. Dois meses
para filmar, sem se falar da distribuição dos mesmos.
Apesar de toda
segurança profissional e financeira, Amácio Mazzaropi, por várias vezes,
confessava que nos últimos anos de sua vida eram um homem triste e só. No
palacete no Itaim, bairro da zona sul de São Paulo, raramente era aberto para
festas ou para receber amigos. Quando não estava nas filmagens, estava sempre
ao lado de sua mãe. E desabafou: “Antigamente, eu era feliz. Agora tenho muito
dinheiro, mas não tenho um amor. E isso me faz muita falta”.
Falando com o Repórter,
Armando Salem, da Revista Veja de 28/01/1970, Mazzaropi informava que depois do
primeiro filme produzido pela sua Companhia, começou a ter condições
financeiras suficientes para reinvestir em outros filmes. Para ele o cinema era
uma indústria como outra qualquer. Pretendia fazer cinema-indústria. Indústria
brasileira, queria ele, e não exportadora. Uma indústria que fosse capaz de
suprir o mercado interno consumidor para seus filmes. “Não podemos pensar em
conquistar o mercado externo, se não temos nem lâmpadas aqui. Tudo que temos vem
de lá. Mas, se pudermos ter uma indústria produzindo fitas nacionais, se nossas
salas ficassem ocupadas por fitas nacionais, quanto dinheiro nós estaríamos
evitando de mandar para fora”, dizia ele.
Dentro da mesma linha
de filmagem e mantendo o mesmo tipo desengonçado do caipira, lançou em 1971: “O
Grande Xerife”.
Mazzaropi sabia muito
bem o que fazia. Defendia-se de qualquer acusação de repetição, e argumentava
de maneira simples: “Uma única fita não dá lucro o que dá lucro é uma série
delas, que se socorrem mutualmente nas bilheterias, especialmente para uma
empresa que deseja melhorar cada vez mais a qualidade de suas fitas, até
alcançar as de alta qualidade”. Ele era, na tela, como na vida real, um
perfeito caipira. Intuía como poucos o caráter industrial do cinema e as
expectativas de seu público. Assim, sabia que era uma estrela, perto de quem
não importava mesmo que um ator famoso devia se reduzido à categoria de
discreto coadjuvante. Cuidava de suas produções para que, em hipótese alguma,
se sofisticassem, enveredando por uma linguagem mais complexa.
Ao mesmo tempo,
cercava-se de certos cuidados técnicos que o cinema brasileiro não podia
certamente bancar. Suas câmeras, por exemplo, marca MITCHELL, cuja precisão de
imagem era imbatível, ele adquiriu-as nos Estados Unidos, sendo usadas até o
último filme.
No elenco deste filme
atuaram: Patrícia Mayo, Paulo Bonelli, Toni Cardi, Araken Saldanha, Paulett
Bonelli, Ester de Oliveira, Rogério Câmara, Cláudio Roberto Mechi, João Batista
de Souza, Wanda Marchetti, Carlos Garcia, José Matheus Índio Lopes, Argeu
Ferrari, Judith Barbosa, Cagavnoli Neto, Nena Viana, Gentil Rodrigues, José
Veloni, Linda Fernandes.
“O Estado de São Paulo”
publicou em 19/10/1971, foto e reportagem veiculando o encontro de Mazzaropi
com o Presidente Emílio Garrastazu Médici no Palácio do Planalto. Médici ficou
entusiasmado com o desempenho do cômico no filme “Casinha Pequenina”, exibido
no Palácio. Mazzaropi procurou o Presidente, não como artista, mas como
produtor de cinema nacional. O artista pediu prorrogação da isenção do imposto
sobre a importação, incidente sobre equipamentos de filmagens e filmes para
produção do cinema nacional. Médici garantiu apoio ao cinema nacional para
transformá-lo em indústria.
A intervenção do Presidente
junto ao Ministério da Fazenda, possibilitou que Mazzaropi importasse vários
equipamentos de filmagens e filmes com expressiva diminuição de tributos que
incidiram sobre o comércio exterior. O comediante encontrou-se também com o
Ministro Jarbas Passarinho, a quem expôs os problemas do nosso cinema.
Revendo os filmes
produzidos, Mazzaropi sentiu que era hora de fazer estilos diferentes dos
tradicionais roteiros já apresentados. Com a preocupação de fazer sua primeira
super produção no exterior, exibindo novos cenários, dentro de uma tecnologia
mais incrementada, rodou na Argentina “Um Caipira em Bariloche”, incomparável
para o gênero, segundo a crítica paulista, em janeiro de 1972, quando lançava-o
em São Paulo. Estava com ele nessa filmagem Beatriz Bonetti (miss Argentina),
Geny Prado, Yvan Mesquita, Edgar Franco, Analú Graci, Fausto Rocha, Cláudio
Roberto Mechi, Carlos Garcia, Judith Barbosa. Participação musical: Elza Soares
e Paulo Sérgio.
Depois de assistir ao
referido filme, um dos mais importantes críticos de cinema no Brasil, o
professor Paulo Emílio Salles Gomes, escreveu que até se encabulava de procurar
Mazzaropi, por não ter sabido entende-lo muito bem. E assim expôs: “ele atinge
o fundo arcaico da sociedade brasileira e de cada um de nós”. E reconheceu: “O
bom de seus filmes é ele mesmo”.
Outro professor
universitário, o comunicólogo José Marques de Melo, escreveu: “identifico nele
um ator-empresário com sensibilidade para produzir mensagens cinematográficas
que se aproximam do universo cultural da população de origem rural”. Lembrou
também, que a maioria das populações que enche hoje os centros urbanos
brasileiros é de origem, basicamente, rural.
Tendo adquirido
experiência inovadora com técnicos argentinos, fez com que, no ano seguinte,
Mazzaropi iniciasse as filmagens em Portugal, a bordo do Transatlântico Eugênio
C, com cenas externas em Fátima, Lisboa, Rio de Janeiro e São Paulo. O filme,
como costumeiramente, foi lançado no Cine Art-Palácio em janeiro de 1974, com
surpreendente sucesso e receptividade da crítica. No elenco estiveram Gilda
Valença, Pepita Rodrigues, Dina Lisboa, Fausto Rocha, Ana Luiza Lancaster,
Elizabeth Hartman, David Netto, atores nacionais, Adelaide João, Júlio César,
Marília Gama, atores portugueses no filme “PORTUGAL...MINHA SAUDADE”. A
participação musical foi de Angela Maria. Este filme foi produzido com um
orçamento de um milhão de cruzeiros. Nesta produção, um vendedor de frutas,
internado num asilo, acabou aportando em Portugal. E aí começa a confusão geral.
Aproveitando a viagem a
Portugal, foi até Paris e Londres onde se encontrou com diversos diretores,
técnicos e produtores do cinema internacional.
Férias nunca
experimentava. Terminava um filme e começava a planejar outro, imediatamente.
Sempre que podia, viajava muito. Procurava viajar por meios de transportes
marítimos ou terrestres. Medo de avião? Certamente sim: “Meu único medo é de
andar de avião”, isso porque não via segurança nenhuma desabafou para “Última
Hora” em 29/07/1973.
Ele não aguentava ficar
parado muito tempo no mesmo lugar. Do exterior, porém, só conheceu a Argentina
quando lá esteve para filmar “Um Caipira em Bariloche” e alguns países da
Europa por ocasião das filmagens de “Portugal...Minha Saudade”, e
posteriormente, os Estados Unidos.
Em seus equipamentos,
caminhões e uniformes de sua equipe estavam sempre presentes identificações de
sua companhia, seguidos por legenda Verde-Amarela evocando “PAM Filmes - Cinema
Nacional”, demonstrando sua fidelidade às coisas da terra.
Retornando ao Brasil,
depois da viagem à Europa, fez “Jeca Macumbeiro”, que lhe valeu o Prêmio
Campeão de Bilheteria/1974, em São Paulo, e que o fez ser capa da Revista
“Embrafilme”. Foram 2 milhões 530 mil e 206 os espectadores. (Diário Popular,
21/06/81), tendo como renda Cr$ 10.573.277,84.
Em 1975, quando
Mazzaropi lançava “Jeca Macumbeiro”, faziam sucesso nas telas nacionais os
filmes: “Inferno na Torre”, “Aeroporto 75” e “Terremoto”, ultrapassando rendas
de 10 milhões de cruzeiros.
O crítico Alfredo
Sternheim da “Folha de São Paulo” reportou sobre o anuário de 1975, publicado
pela Embrafilme, com informações sobre a indústria cinematográfica brasileira.
Comentou sobre o espaço
possibilitado para a exibição de filmes estrangeiros e o pouco destaque ou
insuficiência de produções nacionais. Observou o jornalista que enquanto em
1974 foram lançadas 74 películas de longa-metragem, em 1975 o número aumentou
para apenas 79, sendo portanto uma baixa evolução. Os filmes estrangeiros
adentravam facilmente ao País, devido o baixo custo de importação e conseguiam
e ainda conseguem rendas impressionantes.
Radicalmente contra a
intromissão de cinema alienígena, desabafou a Caco Barcelos – Movimento
05/05/1976: “Viram o Tubarão? Me dá vontade de dar um soco nos beiços do bonecão
quando ele aparece com aqueles dentão na tela. Por que nós não fizemos, para o
dinheiro ficar aqui mesmo?”.
Em “Jeca Macumbeiro”
estiveram Jofre Soares, Gilda Valença, Selma Egrei, José Mauro Ferreira, Luiz
Carlos Schoreder de Oliveira, Maria do Rocio, Jair Talarico, Felipe Levy, José
Veloni, Araken Saldanha, Pirolito, Netinho.
Após as filmagens desse
filme, Mazzaropi se desfez do estúdio da Fazenda da Santa e iniciou a
construção do estúdio em sua nova propriedade também em Taubaté, na estrada dos
Remédios, distante 3 quilômetros da cidade, com uma área de 200 mil metros
quadrados.
Construiu, além de
vasto e confortável estúdio, 38 apartamentos de luxo, alojamento para artistas,
composto por um hotel- nível 4 estrelas, restaurantes, boate, piscinas, campo
de futebol, salão de festas e convenções. Uma avenida cortou o centro do
terreno, com jardim gramado e florido, envolto por um grande lago. Na parte
alta, construiu uma belíssima e confortável casa, com vista para as demais
dependências da Fazenda, denominada Hotel Stúdio PAM Filmes.
Em 1975, filmou “Jeca
Contra o Capeta”. Do elenco, fizeram parte: Geny Prado, Néa Simões, Rose
Garcia, Leonor Navarro, Aparecida de Castro, Roberto Pirilo, Jair Talarico,
Jorge Pires, José Veloni, Luiz Carlos Schroder de Oliveira, Carlos Garcia,
Cavagnole Neto, Macedo Neto.
O “Jeca Contra o
Capeta” atingiu também grande recorde em bilheteria, que surpreendeu o próprio
Mazzaropi quando falou da renda “Jeca Macumbeiro” e do prêmio recebido, achava
que nunca mais atingiria rendas tão altas como as outras. Para ele foi uma
surpresa agradável, após a quinta semana de exibição do filme no circuito
Serrador em São Paulo, um milhão de pessoas já haviam visto a fita.
Neste filme, Mazzaropi
contou a estória do caipira, o qual interpretava, envolvido na trama maldosa de
uma fazendeira, numa cidadezinha do interior, tipicamente brasileira. O filho
do caipira era acusado de homicídio na Comarca, mas, no final, tudo ficava
esclarecido: era chantagem da fazendeira. Foi ela que matou e fez a denúncia à
polícia porque, apaixonada por Mazzaropi, tentava força-lo a se casar com ela.
E, no desenrolar do filme, a fazendeira se transformou em capeta. Tiveram cenas
de padres lutando com forasteiros, uma enquete popular sobre o divórcio, e até Jesus
Cristo apareceu conversando com o caipira. O mesmo Cristo que no fim se
despediu da cidadezinha como um carroceiro num carro de hippies.
Enquanto Jeca brigava
com o diabo nas telas dos cinemas paulistas, Charles Bronson e outras fitas
estrangeiras tiveram que esperar a vez, com muita humildade, dizia Mazzaropi,
sorridente e às vezes, debochado, porque nem mesmo ele esperava tanto sucesso
do filme.
A razão desse sucesso?
Isso, Mazzaropiu explicou neste depoimento: “Ninguém pode obrigar a alguém
ouvir Beethoven se ele gosta de Tonico e Tinoco. Não adianta pagar caro um fino
bailarino estrangeiro, bem marica no palco, que o povo larga pedrada em cima
dele. O povo quer ir ao cinema para rir e chorar. Para ele tanto faz o drama ou
comédia. Falo a linguagem do povo porque sou caipira igual. O público gosta de
bastante sinceridade na representação. Você vê alguém na rua e olha na cara
dele. Cê entende o olhar. Quem é bom não precisa de esforço. Você fala
“abóbora” e o público entende sacanagem. E todos vão rir. Eu convivi muito com
o povo. Sou caipira. E São Paulo é uma grande cidade de caipiras. Tem dois
tipos: o estilo Jeca Tatu e o homem que fala como todo o paulista, que tem aos
montões por aí. Tem gente que vai à França e depois passa a vida inteira falando
da torre, na “Torre do Enfia”, eles dizem. Esse cara também é um caipira, um
caipira do dinheiro. Tem outro caipira. O home
que veio do interior para ver o prédio do Banco do Estado e fica
dizendo: Aí meu Deus do céu, essa geringonça vai desabar na minha cabeça. É o
caipirão. Tem também outra faixa de caipira, que é a faixa dos metidos, dos
sofisticados, dos metidos a bom, daqueles que querem impor o que pensam. Para
esses, eu digo que o gênero humano é todo igual, que não adianta querer
imposições e que eu estou cansado de ver muito advogado esnobe andando com o
Tio Patinhas no bolso e depois querendo meter bronca”. “Jornal Movimento”,
edição de 05/04/1976.
Sempre se preocupou com
o caboclo, o caipira, e foi mudando seu temperamento, à medida em que a
sociedade se desenvolvia. Antigamente, quando contava uma história ingênua,
todos gostavam. Dizia-se que queria casar com uma namorada, mas o pai dela não
queria, fazia sensação. Depois falava que ia dar um tiro no seu ouvido e outro
no dela, para juntinhos se unirem no céu, era o maior sucesso. Com isso, filmes
e roteiros tinham que ser atualizados.
Em 1977, veio o sucesso
do “JECÃO, UM FOFOQUEIRO NO CÉU”, revelando a estória de um ganhador da Loteria
Esportiva. Teve a participação de Geny Prado, Edgar Franco, Eizabeth Hartman,
Gilda Valença, Augusto César Ribeiro, Denise Del Vechi, Rose Garcia, Dante Tuy,
João Paulo Ramalho, Paulo Castelli, Leonor Navarro, Luiz Carlos Schroder de
Oliveira, André Luiz Toledo, José Veloni, Pirolito.
No lançamento do filme,
o trânsito foi interditado numa faixa da Avenida São João, e o Largo do
Paissandu estava agitado. Havia escolas de samba, banda do interior,
policiamento, emissoras de televisão, holofotes e fotógrafos em frente ao cine
Art-Palácio. Houve atraso no lançamento que ocorreu em junho, quando geralmente
eram feitos no início do ano. O público estava impaciente.
No filme, o comediante
fez o papel de um bobalhão que ganha na Loteria Esportiva, perde o sossego,
guardando dia e noite o dinheiro numa mala trancada. Ele é morto por uns
capangas de um fazendeiro ganancioso e vai parar no céu. Lá encontra-se com
Santo Antônio, pai Jacó, Tarzan, São Gabriel, entre outras figuras.
Alcançando os sucessos
esperados em sua fatia do mercado do cinema nacional, dizia-se: “Tenho uma
situação excepcional dentro do cinema brasileiro. Vejo isso pelo volume de
fitas. A PAM Filmes, companhia distribuidora que é minha, tem filial no Rio de
Janeiro, tem sede própria em Belo Horizonte, em Curitiba, Recife, Porto Alegre
e a matriz aqui em São Paulo onde trabalham 80 pessoas. Estou inclusive
adiantado em relação ao governo brasileiro, que pretende fazer um estúdio entre
São Paulo e Rio. Muita gente faz cinema no Brasil para consumo próprio, e não
percebe que não faz sucesso porque vive divorciada do povo. Fala uma linguagem
intelectual e o povo não gosta de pensar”.
E quando falou sobre o
Cinema Novo à Revista Veja em 28/01/1970, mencionou que não era contra ele, só
achava que o produtor teria que decidir: ou fazia fita para agradar intelectuais
(uma minoria que não lotava a primeira fileira de poltronas do cinema) segundo
ele, ou fazia para o público que vai ao cinema em busca de emoções diferentes.
O público simples queria rir, chorar, viver minutos de suspense.
Depois do lançamento do
filme “Jecão...Um Fofoqueiro no Céu”, no Cine Art-Palácio em São Paulo, em
janeiro de 1977, o crítico Orlando Lopes Fassoni, da Folha de São Paulo,
escreveu que Mazzaropi não teve nenhum filme que pudesse ser inserido entre o
que houve de bom no cinema nacional. Mas, que sempre vendeu seu peixe com
sucesso, metido nas roupas do jecão e pregando uma falsa apologia de bondade.
Para ele, Mazzaropi não passava de uma caricatura de si mesmo: um caipira que
perdeu o único elemento que possuía para construir seu tipo, ou seja, a
naturalidade.
E o cinema de
Mazzaropi, continuou atraindo multidões. Multidões que se identificavam com os
problemas colocados na tela: o trabalhador oprimido, as relações marido-mulher,
pais e filhos, religião, entre outros. “JECA E SEU FILHO PRETO”, filme rodado
em 1977, lançado em janeiro de 1978, abordou o problema do racismo e o aliava
às diferenças sociais e culturais, que impediram um casório.
Pelo enredo, um
fazendeiro rico tem um filho com uma mulher de cor e, para esconder, engana o
jeca, atribuindo a ele o recém-nascido.
A mulher do caipira
também estava grávida. Ao dar à luz a criança, a parteira colocou o garoto
negro no mesmo berço. Vinte e dois anos depois o casal notou que o “filho” se
apaixonou pela filha do fazendeiro, pai legítimo de ambos.
O fazendeiro queria impedir o casamento entre sua filha e o filho negro do jeca. Muitos diálogos ligaram as dificuldades do negro na sociedade, à pobreza, à falta de acesso à cultura. No final, ocorre uma revelação, quando se sabe que a moça branca, professora da fazenda e o rapaz negro, namorados, são de fato semi-irmãos, resultado de uma infidelidade conjugal do fazendeiro. O fazendeiro queria impedir o casamento, não por racismo, mas devido a uma situação de consanguinidade dos noivos. Com isso, queria Mazzaropi mostrar que o brasileiro aceitava o casamento de negros com brancos desde que fosse com a filha do outro.
O crítico Jean-Claude
Bernardet do “Estado de São Paulo”, descreveu que o cinema de Mazzaropi era
reacionário e conservador. Baseava seus filmes em problemas reais e vividos
pelo público. Segundo ele, “as importantes discussões que se desenvolvem
atualmente sobre o que seja cinema popular, não podem ignorar os filmes de
Mazza. Não porque sejam produtos comerciais de grande audiência, nem porque se
pensaria em imitar a linguagem desses filmes e enxertar nela mensagens não
conservadoras, o que seria uma tolice. Mas, porque esses filmes só têm um
efeito alienante, à medida em que se comunicam com o público, a partir de seus
problemas, canalizando sua tensão, dentro de uma sociedade de classe. Há muitas
outras maneiras de abordar o cinema de Mazzaropi, mas desde já fica essa
afirmação: O cinema de Mazzaropi é um cinema político atuante”.
Em “Jeca e seu Filho
Preto” atuaram com Mazzaropi, Geny Prado, Yara Lins, Joares Dandaro, David
Neto, Carmen Monegal, Elizabeth Hartman, Everaldo Bispo, André Luiz Toledo,
Leonor Navarro, Rose Garcia, Denise Assunção, Augusto César Ribeiro, Ianes
Lins, Gilda Valença, Jair Talarico, Luiz Carlos Schroder de Oliveira, Henricão,
José Veloni, João Paulo Ramalho, Walter Luiz Mendonça, entre outros,
totalizando 30 atores, com uma equipe de 12 cinegrafistas sob a direção de
Benito Faccio.
Nesse filme, o
comediante fez uma tentativa de mudança no seu estilo mais tradicional. Trocou
o gênero “Chanchada” por um roteiro mais sério. Mostrou honestamente que havia
preconceito do brasileiro em relação ao negro.
Com todos os outros,
teve excelente bilheteria, mas não impediu que na fita seguinte, ele tivesse
pela primeira vez, de recorrer a um título apelativo “A BANDA DAS VELHAS
VIRGENS”, rodado em 1979, sendo lançado em Porto Alegre, em 1980. No filme, Jeca
foi para a cadeia por causa de umas joias encontradas no lixo.
Ao longo desses anos de
sucessos, Mazzaropi foi tema de um samba-enredo (Mazzaropi, sua arte e sua
glória) de sambistas do Tatuapé, bairro popular da zona leste de São Paulo.
O veterano comediante recusava a assumir posições políticas. Dizia que preferia ser um bom palhaço a um político fracassado. Mas quando não estava transvestido em seus personagens (sempre caipiras desengonçados, com um toco de cigarro na boca, um andar bamboleante e um jeito entre o simplório e o malicioso), mas vestido elegantemente em sua casa, no bairro residencial do Itaim Bibi, na Zona Sul de São Paulo, não se hesitava para definir: “O povo está preparadíssimo para votar. Vota sempre no melhor. Se esse candidato depois falha, a culpa é dele não do povo”. Esse povo, ele se orgulhava de conhecer bem: “Sou como o Corinthians. Quando joga, o povo vai lá”.
“Na Banda das Velhas
Virgens”, estiveram com Mazzaropi, Geny Prado, Renato Restier, André Luiz
Toledo, Cristina Neves, Marcos Wainberg, Heloísa Raso, Gilda Valença, Denise
Assunção, Aparecida Baxter, Felipe Levy, Paulo Pinheiro, Will Damas, Augusto
César Ribeiro, Roberval de Paula, Crisógenes Faria, José Minelli Filho.
“O Mazza era uma grande
alma voltada para o trabalho. Foi o maior ator de nosso País em todos os
tempos. O mundo artístico deve muito ao Mazza. Aprendi com ele que tudo deve
ser feito com amor e respeito ao público. Ele jamais será esquecido pelo seu
público”. Este foi o depoimento de José Valoni, em dezembro de 1985. Veloni
atuou com o comediante em vários filmes.
Paulo Pinheiro, um dos
atores que participou desse filme, falou sobre sua convivência com Mazzaropi:
“Eu tinha terminado de gravar a novela A Sucessora, quando fui convidado a
participar do Mazzaropi, ele me disse com aquele jeitão: ‘Olha, você vai me
desculpar, mas eu não gosto muito de televisão não, pois ela matou o cinema’.
Não estranhei porque sabia, como todos os brasileiros, o grande amor que o
Mazza tinha pelo cinema brasileiro. Fiz mais um filme com o Mazzaropi, “Jeca e
a Égua Milagrosa”, precisamente o último e histórico filme. Trabalharia em
outros mais, se houvesse tempo e oportunidade, porque pra mim foi uma honra e
um privilégio ter trabalho, convivido e conhecido uma figura tão dedicada e
única em seu gênero que o nosso cinema teve. Ele vai fazer parte das nossas
saudades eternas. – Paulo Pinheiro – Rio, 30/11/1985.
Alguns críticos do
cinema diziam que ele era o representante do clássico provincialismo paulista.
Alguns meses antes de
falecer, o comediante já estava com o roteiro de seu novo filme, que não chegou
a iniciar. Era “O Jeca e a Maria Tromba Homem”, onde iria contracenar com a
atriz Tônia Carrero. Deixou o projeto pela metade, na certeza de que Péricles,
seu filho, o concluiria, embora este reconhecesse o que disse o professor Paulo
Emílio Salles Gomes: “O melhor filme de Mazzaropi é simplesmente ele próprio”.
No leilão para
arrematação do montante de bens móveis e imóveis deixados por Mazzaropi, havia
um cenário, um grande “Saloon”, construído em novembro de 1980 para o referido
filme, que não chegou a ser utilizado.
Com glórias, sucessos e
bem posicionado financeiramente, Mazzaropi não gostava de informar à imprensa
sobre o que fazia ou deixava de fazer com os lucros registrados nos sucessos de
seus filmes. Quando perguntado por Armando Salem, da Revista Veja em 28/01/1970,
sobre cifras e dinheiro, respondeu enfaticamente: “Acho que dinheiro não traz
felicidade na vida. Tá certo que ajuda, mas em compensação, quem tem, além de
viver intranquilo, passa a ter desconfiança em vários setores da vida. Quem tem
dinheiro sempre duvida de quem se aproxima, não se sabe se é amigo ou se vem
dar uma mordida”. E continuava, de maneira irreverente: “Mas, por que vocês se
preocupam tanto com o que eu ganho? Vão perguntar pro Pelé, que marcou mil
gols. Ele é muito mais rico que eu. Tudo que tenho em meu nome é a casa onde
moro. O resto está em nome da PAM Filmes”. Concluindo, expôs: “E depois vêm
esses críticos de cinema metidos a intelectuais, dizendo que estou cheio de
dinheiro. Não são capazes de entender que faço cinema como indústria”.
Amado pelo povo,
esnobado por alguns, esquecido por poucos, criticado por outros, ele se
incorporou, seja qual for a opinião a respeito, ao universo da cultura popular
brasileira.
Ao falar ao jornalista
José Wolf – da “Folha de São Paulo”, em 1978, o comediante respondeu, quando
perguntado sobre a possibilidade de se candidatar como político: “Eu não teria
capacidade para dirigir parte dessa árvore que é o País. Acho que para
dirigi-lo é preciso muita capacidade. Existem homens preparados. Eu não estou.
Então, o que vou fazer na política? O próprio povo iria dizer que eu sou
engraçado na tela, o que vou fazer no Senado ou na Câmara Federal?”.
Mazzaropi, em suas
quase três décadas de cinema, fez 32 filmes, a maioria produzida por ele mesmo.
Praticamente não permitia a exibição de nenhuma de suas obras pela televisão para não desgastar sua imagem diante do público fiel, estimado em quatro milhões de pessoas para cada um de seus filmes.
Como todo caipira, era
precavido. Acumulou riquezas. Seu temperamento concentrador impediu que legasse
a alguém tudo o que construíra. Mazzaropi era tão concentrador, que mesmo
depois da fama e da riqueza, quando começou a contratar os melhores
profissionais para a realização de seus filmes, continuava discutindo tudo, desde
os cenários até as tomadas de câmera. Enfim, iniciava as filmagens pela manhã e
participava até o fim da noite, quando os técnicos discutiam o que fariam nos
dias seguintes. Com esse temperamento, não ensinou ninguém os seus segredos.
Fazia tudo: autor da
história, roteirista, ator principal, diretor, produtor, distribuidor e até
chefe de fiscais. Ás vezes, ia pessoalmente fiscalizar o número de assistentes
nos cinemas. Examinava semanalmente o placar dos cinemas que levava seus
filmes. Decidia pessoalmente as grandes coisas e as pequenas.
E, em verdade, conhecia
o público de cada cinema importante do Brasil. Se uma casa sempre lhe deu boas
rendas apresentava um borderô baixo, ia procurar a razão. Podia ter chovido
aquele dia, mas podia ter sido um borderô frio.
Se ficasse sabendo que
no meio do filme vaiavam alguma coisa, ele ia escondido assistir à sessão para
ver o que havia. Se fosse trecho de música mal colocado, ou uma pequena falha,
mal recebida, ele recolhia o filme, mandava cortar pedaço.
Publicado originalmente em OLIVEIRA, Luiz Carlos Schroder. Mazzaropi- A Saudade de Um Povo. Londrina: CEDM Editora, 1985.
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