terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Memórias do setorista da Boca XIII: Luiz Gonzaga dos Santos




Ele parecia o Dom Quixote. Baixo, tagarela, cabelos brancos ao vento. Quando fazia frio colocava uma boina. Tinha o vocabulário enxuto e gostava de posar de intelectual. Sempre foi de esquerda e polêmico. Se o Gaúcho gostasse do amarelo ele gostava do vermelho. Mas sempre discutiam. Eram velhos amigos e tudo era muito engraçado. Quando ele aparecia no escritório do Montana era genial. Gonzaga dizia que Montana era “rústico”. Montana dizia que Gonzaga era “doido”. Luiz Gonzaga dos Santos era um daqueles intelectuais de periferia. Dizia que seu “bunker” era em Artur Alvim, zona leste de São Paulo. Quando conheci o Gonzaga foi uma espécie de amor a primeira vista. Ficamos muito próximos, nos adotamos. Ele foi meu avô e eu seu neto. Quando andávamos juntos, era muito engraçado: “Ele é seu avô?”. “Não”. “Ele é seu pai?”. “Não”. “Ele é o que seu?”. “Amigo”. Eu sempre ia na casa dele. Ou inventava alguma pauta ou assunto para ir. Todo mês dava uma passada. Gonzaga tinha um daqueles celulares vagabundos mas ele não chamava aquilo de celular. Ele chamava de “livre”. “Você ligou no meu livre e não atendi”. Ele me chamava de jovem Matheus, meu jovem.


Gonzaga dirigiu dois filmes. O primeiro era baseado num conto do Marcos Rey chamado “Mustang Cor de Sangue”. Os produtores preferiram outro título: “Patty, a Mulher Proibida”. Tudo para chamar público. Gonzaga odiava os produtores. Trinta anos depois Gonzaga continuava chamando o filme de “Mustang”. Já “Anúncio de Jornal” era um filme mais pessoal e produzido por ele mesmo. Mas foi um fracasso porque foi lançado na época do explícito. Gonzaga odiava o explícito, achava que isso não era cinema, que ofendia as crianças, umas coisas dele. Depois trabalhou com vendas de uns produtos estranhos ou sei lá o quê. Mas sempre tentando voltar ao cinema. Lógico que nunca conseguiu. Projetos não faltavam. Tinha vários e fazia uns discursos que nunca acabavam. Parecia o Fidel Castro discursando.


Gonzaga vinha tendo uns problemas de memória até ser internado num asilo de velhos. Estou tomando coragem para visita-lo ou nunca irei. Lembro que uma vez ele foi num supermercado fazer uma espécie de cartão fidelidade. Perguntaram a profissão. Ele disse: “Cineasta”. Deram risada da cara dele. Saudade Luiz. 

Um comentário:

Unknown disse...
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