quinta-feira, 8 de outubro de 2020

VSP entrevista: Dalmo Pessoa

 

Foi numa sexta-feira de dezembro de 2015. Neste dia eu entrevistei o jornalista Dalmo Pessoa (1942-2020) para um projeto que estou fazendo sobre a Sociedade Esportiva Palmeiras há muitos anos. Sentamos ás 11 da manhã e ficamos assim até ás 17 horas quando eu falei para pararmos para eu poder comer algo. Estava quase caindo de esfomeado. O veterano continuava falando com sua memória e vocabulário irretocável. Não queria parar de falar. “Eu preciso ir no meu escritório depois”. Dalmo mantinha um escritório no centro perto do Teatro Municipal. Era ali onde uma moça digitava os textos que ele fazia na máquina de escrever. Mandava os textos pro site Futebol Interior. “Essa coisa de computador é um saco”. Lembro que Dalmo me deu uma carona e me deixou no Largo do Paissandu onde fui almoçar no restaurante Ita. Antes de ir embora perguntei o que ele faria no Natal. Lembro que ele citou que tinha um único neto que estudava na PUC e ele estava muito orgulhoso do herdeiro. Foi a última vez que nos falamos.

Nosso papo começou num hospital próximo avenida Paulista onde Dalmo tinha uma espécie de cargo. Naquela manhã ele somente foi consultado por uma secretária que fez ele assinar alguns papéis. Ela tirou a foto de nós dois juntos que não encontro de jeito nenhum. Dalmo estava impecável com seu terno cortado, cabelo pintado acaju e falando seu vocabulário de advogado das antigas. Parecia que só tinha se produzido para receber aquele menino que ficava ligando pra ele. “Nós perdemos conteúdo rapaz. Fale lá pros seus professores de jornalismo ou pra sei lá quem que eles não sabem nada”, dizia rindo.

Conversamos sobre imprensa esportiva, jornalismo, a cidade de São Paulo, política e futebol. Futebol, futebol e mais futebol. O veterano criticava muito o jornalismo realizado naquele momento. “Muito factoide, ninguém discute mais. Eu não sou contra a evolução. Vão dizer que eu tenho dor de cotovelo porque eu estou fora. Eu tenho cinquenta anos de profissão porra, o meu registro é 7.353 no Ministério da Providência Social”.

Dalmo também achava um exagero o salário dado aos jogadores da atualidade. “Pô, o Palmeiras quando contratou o Chineisinho era um milhão e duzentos o dinheiro da época. Isso antes do Ademir da Guia, muito antes. Porra, o Márcio Frugeri que botou a grana e o Nicola Galucci”, lembrando cifras antigas. “Quando o Corinthians trouxe o Buião e o Paulo Borges, eu estava lá. Quem deu o dinheiro? Seu Nesi Khouri e seu Francisco Nietri Martin que era um empresário riquíssimo. Tudo para acabar com o maldito Tabu contra o Santos. Eu estou escrevendo um artigo sobresse tal estádio, um absurdo”, lembrou ele sempre gostando de temas polêmicos.

A memória estava impecável. Dos anos 1960 e 1970 ele sabia tudo de futebol: posicionamento, treinadores, características de jogadores. Ele falava dos fatos esportivos como se tivesse acontecido na véspera. Apesar do bom humor, percebi que Dalmo estava magoado. Ele sentia que tinha sido de certa forma traído. O Morcegão do NP contou que tinha incomodado um certo cartola de um time grande de São Paulo. Isso causo mal estar na última emissora que ele tinha estado.

Dalmo de Almeida Pessoa fez muita coisa em sua longa vida e uma intensa carreira jornalística. Parece que em tudo ele era intenso. Filho de um ferroviário da antiga Estrada Noroeste, ele nasceu numa pequena vila ferroviária chamada Guaricanga. Atualmente, a localidade é distrito do município de Presidente Alves, interior de São Paulo. Bastante próxima de Bauru para onde ele mudou-se com sete anos. Foi ali que ele começou a acompanhar futebol. “Eu ouvia muito em Bauru a Rádio Clube que era a emissora mais forte lá e tinha um locutor chamado Zé Fernando Amaral que tinha um vozeirão e tal. Então, eu passei a acompanhar através do rádio. Nunca trabalhei em jornalismo lá porque eu vim para São Paulo em 1959”.

A ideia inicial era Dalmo trabalhar na farmácia de um tio que ficava no bairro do Paraíso, zona sul da Capital. Mas as paixões pelo futebol e jornalismo falaram mais alto. Seu início foi no jornal Mundo Esportivo do polêmico jornalista Geraldo Bretas (1914-1981). Corintiano fanático, Bretas fazia um tipo de jornalismo que não existe mais hoje. Gostava de polêmicas e de manchetes impactantes mantendo sempre um mal humor constante. O estilo de Bretas influenciaria Dalmo no jornalismo impresso, no rádio e na televisão. Quando perguntado se Bretas o tinha influenciado Dalmo desconversava. “Ele era exigente, contundente, entendeu? E, e aprendi com ele, entendeu? Porque ele era dogmático”. Bretas era tão famoso que no filme O Corintiano tem uma cena em que Mazzaropi quebra um rádio no qual Bretas destila seus comentários ao time do Parque São Jorge.

Não é exagero considerar Dalmo um dos dez maiores nomes do jornalismo esportivo paulista. Ele atuou no impresso passando por veículos como Mundo Esportivo, Notícias Populares e A Gazeta Esportiva. No rádio ele passou por quase todas as emissoras paulistanas como Record, Gazeta, Capital, Tupi e principalmente Bandeirantes. Nessa última ficou muitos anos fazendo dupla com o narrador Fiori Gigliotti (1928-2006). De quem teve certas discordâncias políticas. “Olha, pra ser sincero eu nunca fui amigo pessoal dele. O pessoal (diretores da Bandeirantes) achavam que nunca ia dar certo porque éramos diferentes e eu sempre me relacionei muito bem com ele. Ele tinha as ideias dele...Mas eu sempre respeitei, sabe? A gente era companheiro de quarto, então, porque eu vou discutir com ele”.

Na televisão Dalmo celebrizou-se pelo trabalho no Mesa Redonda da TV Gazeta. “O Milton Peruzzi (1913-2008, jornalista e comentarista .Palmeirense fanático) era o apresentador e o dono do programa. Ele comercializava, trazia recurso como era na rádio. A rádio parava São Paulo e daí veio a ideia de ir pra televisão”. Perguntei se Peruzzi era importante no Palmeiras. Dalmo me respondeu: “Você é muito novo mesmo. Peruzzi mandava no Palmeiras”, respondeu enfático.

Dalmo também teve uma intensa carreira política. Filiado ao PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) elegeu-se vereador por São Paulo duas vezes: a primeira em 1985 quando Jânio Quadros elegeu-se prefeito. Tentou eleger Fernando Henrique prefeito de São Paulo. “A gente ia com ele nos bairros mais humildes...Não dava”, dizia rindo. Foi um dos líderes de oposição a Jânio e permaneceu no PMDB após a fundação do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) em 1988. Tentou ser deputado estadual e a vereança outras vezes sem sucesso. A segunda vez que foi eleito foi em 1992 quando foi do bloco de oposição na Câmara de Vereadores do então prefeito Paulo Maluf. Sempre foi um franco atirador contra o polêmico líder político. Dalmo foi próximo ao ex-governador Orestes Quércia (1938-2010), conhecido por inúmeras denúncias de corrupção. Perguntei sobre isso e Dalmo me disse: “Olha, ele nunca pegou nada meu. E seu? Você viu ele pegando algo?”. O estilo franco permaneceu até os últimos dias de vida. Reproduzo aqui três pequenos trechos do papo: as origens de Dalmo, sua passagem pelo Mundo Esportivo de Geraldo Bretas e sua aventura no Notícias Populares. Isso fica numa espécie de homenagem a esse grande nome do jornalismo esportivo. Ele merecia muito mais. Cheguei a pensar em Dalmo escrever a orelha ou a apresentação desse livro que não termino nunca. Vai ficar pra uma outra vez. Fica com Deus Morcegão.

 

Parte I- Origens e vida em Bauru

 

VSP- O senhor nasceu em Bauru ou em Avaí?

 

Dalmo Pessoa- Eu nasci em Guaricanga que é uma região...Guaricanga é uma palmeira, palmeira, é uma árvore. Guaricanga pertencia a Jacutinga que depois virou Avaí (cidade do interior de São Paulo próxima a Bauru), entendeu?

 

VSP- O senhor nasceu em um distrito de Avaí?

 

DP- É...Em Guaricanga, em Guaricanga que era distrito de Avaí. Não, não é município. É distrito e hoje nós pertencemos a Presidente Alves (cidade do interior de São Paulo). E eu com sete anos eu fui pra Bauru que meu pai foi ferroviário, meu pai foi carroceiro, ferroviário.


VSP- E o senhor foi criado em Bauru?

 

DP- É...Fui criado em Bauru com sete anos.

 

VSP- Noroeste com o senhor começando a se interessar por futebol em Bauru?

 

DP- Sim, eu acompanhava rádio e eu acompanhava muito a Bauru Rádio Clube que era a rádio mais forte lá e o locutor era o Zé Fernando do Amaral, um cara que tinha um vozeirão e tal, tal, entendeu? Então, passei a acompanhar através do rádio. Nunca trabalhei lá porque eu vim pra São Paulo em 1959.

 

VSP- O senhor gostava do Noroeste? Acompanhava?

 

DP- Sim. Acompanhava porque como o meu pai era ferroviário, então, todos os funcionários da ferrovia a Noroeste do Brasil eram obrigados a ser sócios. Era, era porque o seguinte: para colaborar. Tanto é que quando o Noroeste subiu quem fez a ampliação do estádio de madeira foram os funcionários da estrada. O estádio que depois queimou, né? Que era no alto da cidade. Então, aí apareceu lá o Daniel Pacífico, que era um senhor que andava de terno azul ou terno preto com um calor de quarenta graus em Bauru. E andava de guarda-chuva ainda. Daniel Pacífico. Ele doou o terreno pra faculdade de Bauru e doou o terreno para fazer o estádio do Noroeste. Estádio Ubaldo Medeiros que era Alfredo Castilho, o antigo. Depois eu já estava em São Paulo quando pegou fogo e tal. Aí queimou tudo...

 

VSP- Era de madeira esse?


DP- Ah, antigamente todos esses estádios eram de madeira.


VSP- E o senhor lá em Bauru chegou a conhecer o Toninho Guerreiro? Teve alguma proximidade com ele?

 

DP- Não, eu não cheguei a conhecer. Depois que eu fui fazer amizade porque ele era, a família dele era de ferroviários também. Tanto é que ele tinha um irmão, acho que era Ubi e eles...Porque a ferrovia, as ferrovias no Brasil elas tinham uma integração ferrovia e funcionário muito grande. Tanto é que eu morei em Curuça que era uma vila de ferroviários da Noroeste e tinha o pessoal da linha. Eles chamavam de pessoal da Soca. O que era a Soca? Eram os que conservavam a linha do trem. Porque o trem é o seguinte: você tem o leito, aí você tem os dormentes, entendeu? E aquilo é calçado com pedra. O pessoal da soca é que ia lá porque aquilo, aquilo na terra afundava, né? O cara. E a família do...Do Toninho parece que morava numa dessas vilas. Eram três, quatro casas não mais que isso, entendeu? E parece que o irmão dele teve o braço cortado numa linha de trem, parece. Não tenho certeza. Consta que, né? E aí o Toninho veio pro São Paulo e aí a gente acabou fazendo amizade.

 

O atacante Toninho Guerreiro (1942-1990), fez sucesso no Santos e São Paulo. Mas foi revelado pelo Noroeste de Bauru.

Parte II- O início no jornalismo esportivo no “Mundo Esportivo” do Geraldo Bretas

 

VSP- Como o senhor começou na área esportiva? Você veio pra São Paulo e já queria trabalhar na área?

                    

DP- Não. Eu vim pra São Paulo trabalhar numa farmácia chamada Santa Inês, Santa Inês que era aqui na praça Oswaldo Cruz (localizada no bairro do Paraíso, zona sul de São Paulo). Ela está, até hoje tem lá: Santa Inês que era uma farmácia de um grupo de egípcios e franceses. Meu tio Khaleb trabalhava lá, entendeu? Aí me trouxe: “Pô, vamos lá pra São Paulo, tal”. Aí fui morar numa pensão na praça Oswaldo Cruz de uns italianos, entende? E eu tinha um tio que trabalhava na Gazeta Mercantil. Gazeta Mercantil que era na (rua) 25 de março: a redação e a oficina. Só publicava balanço e a primeira página fazia o famoso recorte. Tinha lá dois ou três caras que faziam o dia-dia mas o resto era tudo recorte. Eu comecei na verdade como revisor da Gazeta Mercantil, entendeu? Aí depois com a minha tendência por futebol fui trabalhar no Mundo Esportivo.


Edição do jornal "Mundo Esportivo" onde Dalmo Pessoa inicia sua carreira profissional


VSP- Do Bretas.


DP- Exatamente. Geraldo Bretas, eu tive muita influência do Bretas. O Bretas era fogo, era fogo...

 

VSP- Fala alguma história dele. Ele influenciou muito o senhor no estilo?


DP- Foi um estilo assim...ele era exigente, contundente, entendeu? E, e aprendi com ele, entendeu? Porque ele era dogmático.

 

VSP- Mas aquelas coisas ele fazia para aparecer ou ele era...

 

DP- Era convicção dele, dele mesmo. Era convicção e ele mantinha o jornal duas vezes por semana porra. Era bi semanário, aí entrei lá como foca, tal e depois acabei virando secretário do jornal. Então, e eu ia no jogo, ele mandava você ir pra Campinas fazer Guarani e Corinthians, sei lá que time, entendeu? Ele dava o dinheiro contadinho da passagem, você ia de ônibus e o dinheiro pra comer. Tinha que trazer a nota, a fila e como naquele tempo repórter entrava em campo, né?  E ele gostava que você entrasse em campo. Porque você ficava ouvindo e dava, ás vezes dava a matéria e ele falava. Aí ele ficava na televisão vendo. Então, se ele não tivesse: “Você não foi porque você não apareceu na televisão”. Então, você tinha que dar uma de Zé Macaco aparecer atrás pra...

 

O polêmico Geraldo Bretas (1914-1981) raspou o cabelo ao vivo no "Mesa Redonda" da TV Gazeta


VSP- Aparecer e ele ter certeza.


DP- Ter certeza. Senão, ele pedia devolução do dinheiro, era muito gozado, entendeu? E ele foi um nome assim, entendeu? Tem aquela porra louquice, o cara contundente, coisa que não tem mais, né? Hoje é tudo, tudo vaselina. Tem uns porra locas aí.

 


VSP- O Bretas uma vez muito famosa que ele apostou de cortar o cabelo se o Mirandinha fizesse um gol no Palmeiras. Não foi isso?


DP- Na TV. É, exatamente. É, mas o Bretas era demais.


VSP- Diz que ás vezes ele apanhava na rua, ele brigava com as pessoas.

 

DP- Não, não, nunca soube. Discussão tem, né? Pô, eu, eu naquele famoso jogo Corinthians e São Paulo que o Corinthians ganhou o primeiro turno e foi fazer a final com o São Paulo, o Laudo Natel (1920-2020, político e presidente do SPFC) era governador, ele era da ARENA (Aliança Renovadora Nacional, partido político da Ditadura Militar), tal. Então, na verdade os caras queriam que o Corinthians ganhasse para ajudar a ARENA. ARENA era um partido filha da mãe de ruim, dos milicos, entendeu? Então, eu naquele dia não estava escalado já estava na rádio Gazeta. Porque eu saí, eu saí da Gazeta Mercantil e fui fazer O Mundo Esportivo, fiz equipe, fiz Jornal de Bairro, fiz Tribuna Paulista do Vasconcelos. Eu fiz um jornal chamado Correio Comercial do Bom Retiro que era Conrado Charmatti, um judeu forte na colônia, entendeu? Fiz muito jornal de bairro. Aí trabalhei na rádio Piratininga que era da família Leus, eles tinham 25 emissoras de rádio, a Mayrink Veiga do Rio era deles. Aí veio o ópio, aí a Ditadura e tomaram, calçaram concessão deles. Aí trabalhei no Mundo Esportivo, Litoral Esportivo. Eu participava da equipe esportiva.


O banqueiro, dirigente e político Laudo Natel (1920-2020) foi governador do estado de São Paulo por duas oportunidades durante a Ditadura Militar (1964-85)


VSP- Essa coisa o senhor lembro desse estilo polêmico, bastidores. O senhor pegou isso do Bretas talvez?

 

DP- É...Não. Uma parte sim porque eu acho que a gente precisa falar quase tudo. Você não fala tudo porque você sabe que tem os interesses econômicos, financeiros, entendeu? Então, quando você tem chance de falar você fala. Eu pensei sempre assim: agora você sabe, né? Você sabe que fora, só pra você ter uma ideia: sagui gosta muito de manga coquinho. Então, ele sobe na mangueira e pega a manga. Aí ele olha, põe lá atrás para ver se sai, você entendeu? Macaco sabe a manga que chupa, entendeu? Isso aí.


VSP- O Mundo Esportivo, tinha O Esporte e A Gazeta Esportiva na época, né?

 

DP- É. Tinha O Esporte...Mas A Gazeta Esportiva era o mais forte. Domingo fazia fila porque eles rodavam o jornal depois do jogo. Eu comprava no Anhangabaú pô, pilhas de jornal e fazia fila o pessoal para comprar. O Esporte também, O Esporte também vendia bem. Eu trabalhei no O Esporte também.

 

VSP- Com o Léo Piccinini (jornalista, pai do Décio Piccinini, jurado do apresentador Sílvio Santos)?

 

DP- Não, não. Já era bem depois, eu peguei o Petros, Walter Lacerda que foi secretário. Porque O Mundo Esportivo mas O Esporte foi comprado pelo jornal A Nação que era do grupo Simonsen, da Comal, depois comprou a TV Excelsior. Aí depois eles quebraram, o governo cassou um monte de coisas deles e tal, entendeu?

 

Parte III- A aventura do Notícias Populares

 

VSP- Quando o senhor trabalhou no NP, o senhor trabalhou na criação do NP.

 

DP- Não. Eu, eu acompanhava o NP. Eu entrei no NP já depois. Porque a redação do NP era ali na, na rua do Gasómetro (bairro do Brás, São Paulo) entendeu? E foi um jornal que o Herbert Levy (1911-2002, banqueiro, empresário, jornalista e político) criou porque ele queria ser governador de São Paulo. Tanto é que a tabelinha da rádio Piratininga do Campeonato Paulista tinha a propaganda dele, entendeu? Aí eu fui pra, pro Notícias Populares como foca, repórter iniciante. Eu cobria Corinthians, cobria São Paulo e ainda cobria o Juventus. E tinha notícia até do Juventus no jornal, entendeu? E tinha gente boa pra caramba lá era o Fran Neto, João Ricardo Navajas que hoje é cônsul do Brasil. Acho que ele já aposentou.

 

VSP- O Vital Battaglia o senhor chegou a pegar lá?

 

DP- Vital Battaglia…Eu peguei Vital Battaglia. Peguei Sérgio Baklanos, você entendeu? O Severino (Pereira Júnior) que era um contínuo virou um repórter e ele foi fera. O Severino com....Ele foi fera, ele dava furo pra caramba. Sabia tudo. Claro que ele exagerava nas coisas mas ele tinha muita, muito talento.

 

VSP- Eu conheci o Severino.

 

DP- Ah, é?

 

VSP- E ele era bom repórter?

 

DP- É, foi. Do Corinthians ele sabia tudo, filho da mãe. Foi setorista lá durante anos. Tinha trâmite direto com os dirigentes todos do Parque São Jorge: Wadih Helu, Vicente Matheus.


O jornalista Adriano Neiva da Motta e Silva, o De Vaney (1907-1990)


VSP- Fala um pouco do De Vaney, o senhor conviveu um pouco com ele no NP?

 

DP- É...O De Vaney era o setorista nosso em Santos. Ele era anti-Pelé, ele era anti-pelezista, então ele passava. E eu fazia matéria do Santos, eu ligava pra ele, conversava e tal. Ele me passava as matérias, passava histórias boas, entendeu?

 

VSP- E o De Vaney era uma pessoa tipo o PVC, ele tinha muita estatística, fazia levantamentos.

 

DP- É, é. Ele...porque o seguinte: negócio de estatística eu já sou meio...como dizia Mário Henrique Simonsen: “Estatística é como biquíni. Mostra tudo mas esconde o essencial”. Você entendeu? Quer dizer: o dado é importante, é importante. É como se a gente for falar aqui depois de futebol, eu tinha amizade com o Filpo (Nuñez, técnico uruguaio que trabalhou no futebol brasileiro) e conversava muito com ele. Então, nas conversas ele falava: “O que você acha importante no futebol?”. “Pô, uma porrada de coisa”. “O mais importante é ter a bola”. Entendeu? Aí hoje virou um mote: “Teve 90% de posse de bola”. O que adianta? Se você não sabe o que fazer com a bola. Tem que ter a bola e saber o que fazer com ela. Então, hoje, hoje a mensuração de um resultado de futebol de um time: “Porque teve 90, 70% de posse de bola, não sei o quê”. Grande coisa isso...tem que ter a posse de bola e saber o que fazer com a bola, você entendeu? Hoje, você entendeu? Hoje tem cara que apanha da bola, aliás me lembra muito a história do Edmundinho. Porque eu morei em Curuça lá na vila e o engenheiro da Noroeste morava lá e ele tinha um filho. Ele já era velho, casou com uma moça nova e o menino, o Edmundo era o dono do time do campinho nosso. Então, o seguinte: ele era ruim, era grosso, então, você dava um drible nele, ele ficava bravo. Ele pegava a bola, botava debaixo do braço e ia embora, entendeu? Do que adianta você ter a bola, você precisa saber o que fazer com a bola. A bola se você não saber o que fazer com ela não adianta nada. Pô: teve 90% da posse de bola mas você perdeu o jogo e daí? Alguma coisa aconteceu pô. Entendeu?

 

O deputado federal Herbert Levy (1911-2002) e o jornalista romeno Jean Mellé (1910-1972)

VSP- Você conheceu muito o Jean Mellé (1910-1971, jornalista romeno que ficou radicado no Brasil)? Como foi o teu relacionamento com ele?

 

DP- Foi, foi bom. O Mellé, ele...O Jean Mellé veio, ele era romeno, né? Era judeu romeno e o Herbert Levy adotou ele. Quer dizer: deu força pra ele, montou um jornal. Agora, ele era fogo, ele fazia um jornal que vendia 100 mil exemplares, você entendeu? E, e gozado que ele falava arrastado né? E ás vezes porque o forte do jornal era o quê? Era polícia que o Romão Gomes Portão que se suicidou coitado, era o Cícero Leonel, o Valdemar, Valdemar de Paula.

 

VSP- Renato Lombardi.

 

DP- Renato Lombardi, belíssimo repórter, da equipe. Tinha a equipe de geral, o Laudo Paroni também era um cara muito competente, você entendeu?  E o Moacyr Jorge que falava do Bebê Diabo, ele vendeu aquela história de Bebê Diabo e vendia pra cacete (risos). E o esporte, e a equipe era boa pô: Vital Battaglia, Fran Neto, escrevia bem pra cacete que era o primeiro editor, João Zicardi na várzea que era advogado e depois fez concurso no Instituto Rio Branco e virou cônsul do Brasil. Inclusive quando o, o Roma contratou o Falcão foi num furo que eu dei. Eu já estava na rádio Bandeirantes e eu dei o furo porque eu estava com o Zicardi. O Brasil jogou, como que chama aquela cidade ali? Na Suíça, como que chama?

 

VSP- Berna.

 

DP- Não, não. Aqui embaixo já. Em...Basel, Basel. Foi um jogo de merda: 0 a 0, tal e o Saldanha estava lá. O Saldanha era um puta de um papo e o Zicardi tinha muita amizade com o Saldanha. Aí terminou o jogo, nós fomos pro hotel, tomamos banho: “Porra vamos jantar”. Aí fomos jantar: eu, Zicardi, o Zicardi tinha vindo de Milão, ele era cônsul do Brasil em Milão. E não tinha hotel porra nenhuma, aí: “Vamos jantar”, e tal, o Saldanha. Porra, aí pô jantamos, bebemos feito uns gambás. Aí voltamos feito pra um hotel e quando nós chegamos no hotel nosso estava o filho do, do presidente do Roma. “Pô, fechamos com o Falcão”. Porra, tal, aí subimos, aí liguei pra Bandeirantes, eu dei o furo, botei o Zicardi para falar também, tal e tal. E aí? “Pô, Zicardi e agora? Como vamos fazer? Você não tem hotel? Pô, dorme na minha cama que eu durmo no chão. Tudo bem, você é meu amigo”. Você entendeu? Tanta história do Saldanha, o Saldanha fazia coluna no Jornal do Brasil e escreveu. Falou meu nome e que eu era vereador em São Paulo. Ele contou a história da militância dele no Partido Comunista que ele era das, ele...A célula dele acho que era Mooca e Água Rasa parece. Ele contando as coisas dele, ele lembrou do Tenorinho que era vereador comigo: “Pô, Tenorinho era bom, era bom nas greves, tal. Eu ia junto com ele quando eu ia em São Paulo”.

 

VSP- Do Saldanha dizem que ele aumentava um pouco as histórias..

 

DP- É, não. Ele, ele mentia pra caramba. Tudo bem, sabe? Entendeu?

 

VSP- Tinha muita rivalidade vocês da área em São Paulo com o Rio?

 

DP- Tinha. Mas tinham os lúcidos do Rio respeitavam a gente. O Saldanha era um desses. Aquele repórter da...Que fazia Seleção, como era o nome dele que depois aposentou?


VSP- Israel Gimpel?

 

DP- Não, não. O Israel Gimpel também mas esse escrevia no Jornal do Brasil.

 

VSP- O Calazans?

 

DP- Não, não. Um cara eu não lembro o nome dele, pode pesquisar que você vai achar. Ele tinha as...Ele era amigo do Zagallo e dava furo pra caramba. Por isso até que você tinha que ter uma relação boa com ele, né?

 

VSP- O Mellé dizem que ele não tinha dentes, ele só tomava sopa?

 

DP- É, é, ele teve câncer ósseo, né? Um câncer bravo. Ele, ele morreu numa situação triste, virava na cama quebrava o osso, puta que o pariu, né? Terrível, entendeu? Aí depois veio o Armando Gomide, foi mudando. Depois veio o Ebrahim Ramadan, entendeu?

 

VSP- Mas o Jean Mellé como jornalista, o senhor acredita que ele era um grande jornalista? Ele entendia muito?

 

DP- Ele sabia, ele entendia de jornal. Claro que ele tinha dificuldade para escrever, entendeu? Mas ele tinha o, a verve, entendeu? Ele sabia o que ele vendia, você entendeu?  E ele sabia aproveitar, ele valorizava as matérias para aquele público do jornal. Pô, o jornal oito horas estava da noite estava na rua, entendeu? E ele fazia uma segunda edição e quem fazia a segunda edição ás vezes era o Nicolau Chauí, pai da Marilena e a mãe a dona Ruth que fazia a seção lá sentimental. Depois foi a Nirce Gerbara que era de Bauru, entendeu?

 

VSP- E fala um pouco do Ebrahim? O Ebrahim já era diferente? O Turco?

 

DP- Já era um cara mais tranquilão e tal, tudo bem. Aí aconteceu um negócio engraçado também. Porque a minha coluna vendia pra caramba. Inclusive tinha pesquisa disso. É...eu ás vezes fazia uma página da coluna, entendeu? E aí quem mandava no jornal era o Carlos Caldeira Filho. A paixão do Caldeira, a paixão do Caldeira tinha três ou quatro paixões: a filha dele, a Cristina, o carro dele um Lincoln Continental branco, entendeu? E ele andava só de roupas brancas, o Notícias Populares e o Cidade de Santos que foi o jornal que ele criou em Santos, entendeu? Ele acho que foi prefeito do Santos.

 

VSP- Ele era conselheiro do Santos senão me engano.


DP- Não, ele mandava no Santos (Futebol Clube). Mandava, entendeu? E tinha uma coisa maravilhosa: ele chegava, chegava no final do mês ele chamava: “Ebrahim, vem aqui. Eu já tenho o levantamento do jornal, do faturamento, da venda, tal e tal. Na sua opinião, quem é que você acha que ajudou a vender mais o jornal esse mês?”. “Ah fulano, fulano, fulano”. “Tá bom”. “Um aqui eu vou botar que é a minha avaliação, eu sou o dono e tenho direito”. Ele botava o meu nome na coluna. Então, quase todo mês eu recebia um comprovante de depósito além do salário da minha conta que era o bônus que o Caldeira colocava pra gente, entendeu?

 

VSP- Como se fosse um bicho mais ou menos.

 

DP- Exatamente. Então, ele sabia: “Olha, o Manda Brasa”. Ele me chamava de Manda Brasa: “O Manda Brasa é por minha conta”. Então, eu recebia sempre um prêmio, entendeu? E uma vez também foi gozado, o Ripoli apareceu na redação.

O engenheiro agrônomo Romeu Ítalo Ripoli (1916-1983) foi o mais folclórico dirigente do XV de Piracicaba. Foi na sua gestão que o clube foi vice-campeão paulista em 1976 perdendo a decisão para o Palmeiras.

VSP- O Ripoli do XV (Romeu Ítalo Ripoli, 1916-1983, engenheiro agrônomo, político e presidente folclórico do XV de Piracicaba. Foi duas vezes vereador e uma presidente da Câmara Municipal de Piracicaba).

 

DP- É. E eu dava cobertura pra ele pelas porra-louquices dele, né? Mas ele tinha umas coisas que estavam no contexto. Ele falou: “Pô, vim aqui agradecer ao Caldeira o apoio que ele dá ao XV, o jornal dá ao XV, não sei o quê. Eu marquei com ele, vamos subir lá”, tal. Eu falei: “Porra, mas eu não estou convidado e ele convidou você, marcou você e ele”. “Não, mas vamos juntos, tal. Eu não conheço o Caldeira”. Aí, cheguei lá e entrei: “Pô, está aqui o Dalmo tal, tal, tal”. Ele falou: “O senhor não precisa me apresentar o Dalmo que eu conheço o Dalmo melhor que você” (rindo). Quer dizer, então, você vê a cabeça do cara.

 

VSP- Como você ganhou o apelido de Morcego Dalmo?

 

DP- Porque lá na...Eu tenho uma, uma, onde eu nasci em Guaricanga, eu tenho uma propriedade minha. Acabei comprando, né? E não tem lava-jato e nem petrolão. Nem petrolão...Eu comprei e eu não tinha uma casa, casa minha era de madeira. E eu, eu gostava de dormir na rede fora, entende? Armava, puxava uma lona lá e dormia fora. O pessoal dormia na...Aí porra e tinha muito morcego naquele tempo. Aliás, tem até hoje até porque a casa agora é diferente. E porra, o morcego mordeu a ponta, chupou o meu sangue a ponta do meu dedão, acordei e vi pô aquele sangue coagulado, sangue no chão. Falei: “Caralho, é morcego”. Aí tive que vir pra cá no (Instituto) Pasteur e tomei dezesseis injeções na barriga e depois eu tive, eu tive um stress aí. Porra, foi um distúrbio metabólico, né?...Dezesseis injeções e aí me chamaram de Morcegão por causa disso.

 

VSP- O Severino tinha falado uma outra história pra você ter recebido esse apelido...


DP- Qual é?

 

VSP- Uma história mais maliciosa...

 

DP- Não, não. Eu estava com a minha família.

 

VSP- Então foi coisa do Severino...

 

DP- Severino, Severino. Ele gosta de inventar as coisas.

 

VSP- Mas enfim, Dalmo você teve um desentendimento com o Ebrahim quando você saiu do NP?

 

DP- Não, não, não. Aí que era o seguinte: se você fala em liberdade de imprensa, eu tinha liberdade e escrevia o que eu queria na coluna. E respondia pelos meus atos. Tanto é que eu sofri condenação, o caramba, entendeu? E uma vez...E eu sempre inventava personagens na coluna. Eu tinha um amigo Ulisses Gouvêa que era um gozador, era um empresário riquíssimo que lia a coluna. Me ligava e ele circulava no meio do futebol e era também uma fonte de informação pra mim. Eu sempre, sempre tive bons informantes e criei os personagens da coluna era o Tigrão. O Tigrão era o pessoal da arbitragem. Então, sabia quem apitava: “Oh, a escala é essa tal, tal”. E mandava bala. Tinha o Tigrão que era da arbitragem, tinha o Sombra que era um informante do Palmeiras. Tinha o Sete Sete que era do Corinthians, entendeu? E tinha também, como que era? Doutor Morumbi, quer dizer, o personagem que vivia entre os engomadinhos do Morumbi porque o São Paulo é fresco, acha que não, não, todo engomadinho. Então, eu tinha o doutor Morumbi. Tinha o Sombra, tinha o Sete Sete, porque Sete Sete? Porque o endereço do Corinthians, do Corinthians não é Elizabeth Rubian é rua São Jorge 77. É o endereço do Corinthians porque o terreno ia até o rio, você entendeu? Então, eu tinha os personagens e eu mandava bala, entendeu? Você perguntou o que mesmo?

 

VSP- O NP pro grupo Folha era o título mais patinho feio? Eles cuidavam mal?

 

DP- Não, não. O jornal era do Caldeira, a paixão era do Caldeira. Tinha, tinha o Última Hora também, entendeu? Tinha a Folha da Tarde que foi o pessoal, o pessoal mais a esquerda que tomou conta do jornal: Frei Betto tinha influência lá, tal. Mas isso é outro assunto.


Jornal popular, o "Notícias Populares" apostava na sua primeira fase num noticiário sobre crimes, futebol, manchetes sensacionalistas e mulheres em trajes minúsculos provocando os leitores nas bancas


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