quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Antônio Leão da Silva Neto (1957-2020)








Quando eu tinha 14 anos o cinema brasileiro me salvou. Ou me amaldiçoou. Ou me enfeitiçou. Ou todas essas coisas. Eu matava aula com um livro de capa preta debaixo de braço. Minha escola era toda alternativa. Tinha uma espécie de fumódromo. Eu nunca fumei. Mas eu levava esse livro preto dentro da mochila e ficava lá do lado decorando filmes, diretores, técnicos. Esse livro preto que eu levava chamava-se “Dicionário de Filmes Brasileiros” escrito por Antônio Leão da Silva Neto. Conheci o Leão na época da Coleção Aplauso. Acredito que a primeira vez que nos vimos juntos foi na exibição do “Corrida em Busca do Amor” do Reichenbach em 2004. Era numa época que existia uma rede de locadoras chamada 2001. Eles tinham um verdadeiro império. Não tinha YouTube, Netflix, nada disso. Devo ter conhecido pessoalmente o Leão pelo Alfredinho Sternheim ou por outra pessoa. Depois na época da Zingu tivemos uma espécie de desentendimento e ficamos sem nos falar por anos. Ele lançou vários livros na Coleção Aplauso. Sua paixão pelo seriado "Vigilante Rodoviário" era vibrante. Ele fez a biografia oficial do Ary Fernandes, criador da série. Além disso, ele sempre que podia falava da série do Lobo e do inspetor Carlos. Dava entrevistas sobre o assunto toda hora. Devia ser o maior conhecedor da série.


Quando fui lançar “O Coringa do Cinema” em Ouro Preto nos encontramos e ficamos razoavelmente próximos. Resolvi esquecer as rusgas. O Leão sempre respeitou o meu trabalho. E eu o dele. Afinal, eu continuo sendo aquele menino de catorze anos. Quando nos encontramos em Tiradentes em 2018 foi uma festa. Comprei o livro dele e tínhamos mil planos. Também estive ano passado no lançamento da “Enciclopédia Mazzaropi” na Cinemateca Brasileira que ele escreveu e colocou o meu nome nos agradecimentos. De maneira muito gentil. Porque o Leão era um cara generoso. Era uma pessoa que amava o cinema brasileiro. Isso tem que ficar aqui. Acho que ele nunca ganhou dinheiro com seus inúmeros livros. Escreveu de maneira independente porque amava tudo isso, estava no seu sangue. Ele trabalhava em outra área, nunca teve empregos com cinema. Sei que era apaixonadíssimo pelos filmes do Mazzaropi. Desde jovem ele tinha a ideia de fazer uma grande biografia sobre o comediante. Daí resultou essa enciclopédia que comentei. Leão teve três filhos e em Tiradentes lembro de conhecer a filha dele que também ia pro lado do cinema. Tinha herdado a paixão do pai.

No início do ano antes desta maldita Pandemia ele me chamou na casa dele pra me dar um monte de revistas e documentos pessoais sobre cinema brasileiro. Fui lá em São Bernardo do Campo atrás disso. Conversamos nesse dia e ele me disse que tinha um câncer na cabeça pela terceira vez, algo do gênero. Ele já tinha operado a cabeça umas duas vezes. Fiquei assustadíssimo. Perguntei como ele conseguia fazer tudo isso e continuar tendo forças. Ele abriu um sorriso e me disse: “É o amor à vida”. Que eu e vocês amigos tenhamos um pouco de amor à vida da mesma maneira que o Leão tinha. É o que posso dizer por hoje. Fica aqui meus mais sinceros sentimentos a sua esposa, filhos, família e amigos. Porque o Leão deve ter uns mil amigos. Era querido por meio mundo. Que ano....

Um comentário:

Renato disse...

Linda homenagem! "É o amor à vida"