segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A chanchada no cinema brasileiro I de V: Introdução

Capítulo I de V: Introdução

 

Por Afrânio M. Catani e José Inácio de Melo Souza

Seleção e transcrição: Matheus Trunk

 


Para se pensar a chanchada escolhe-se, de preferência, um cinema de bairro: o falecido Cine Brasil, por exemplo. Ou o Cine Caxingui, o falecido Cine Caxingui. Mas, pode-se pensara chanchada sendo exibida no Cine São Luiz do Rio de Janeiro – ou ainda, passando por outros cinemas de outras cidades, de outros bairros, por estes brasis afora.

 

No nosso caso, pensamos no Cine Brasil, São Paulo, capital. Era um cinema enorme, de construção quadrada e fachada enxuta, mais de mil lugares, cadeiras de madeira sem estofo. Foi inaugurado no início da década de 40 e qualificado como exibidor de 2ª linha, dos filmes já lançados na Cinelândia paulista. Para se apreciar a chanchada não servia qualquer sessão. as supimpas eram as dominicais, primeira sessão às 14 horas: momento em que nos acotovelávamos na fila de ingresso, nas corridas pelo saguão até a plateia em busca da melhor localização, abaixando na passagem os assentos das fileiras de cadeiras com estardalhaço e nos sentando, ao achar o lugar ideal, com estardalhaço duplicado. Os esforços do lanterninha em conter a massa juvenil resolviam-se no raio mínimo do seu basta! Do seu psiuuu! Ou do olhar fúnebre que, ao apagar das luzes, concentrava-se no olho diáfano de seu instrumento de repressão. Era um trabalho insano junto a uma geração que tinha temos pela palavra ríspida.

 

Antes do escurecimento da sala ouvia-se partir da tela sem cortinas (as cortinas, um luxo, só vieram depois, nos cinemas do centro) as habituais três gongadas, símbolo do fim da farra e instante de súbito silêncio antecessor do princípio da função. Siderados, esperávamos a ação, antes e depois mil vezes repetidas diante dos olhos, da irrupção do clarão iluminador de sala e corações. Feita a penumbra, durante alguns segundos girava na tela uma corrente circunscrevendo as letras maiúsculas U, C e B. De um ponto no infinito chispavam raios que ultrapassavam a corrente e as letras. Lembrava um pouco, mais tarde notamos, a chama da deusa da Columbia Pictures, com o desconsolo de nunca ter alcançado o seu Color by De Luxe.

 

Algumas voltas da corrente bastavam para que houvesse um corte para a fonte. A fonte era focalizada de cima para baixo e a fotografia esmaecida. Como toda fonte, erigia-se em construção circular, chafariz e repuxo ao centro, alto, soberano. Tudo adquiria vida, repentinamente, quando um carro saía da esquerda e contornava a fonte. Ao mesmo tempo o repuxo entrava em ação e a titulação de “Atualidades Atlântida” entrava, sobrepondo-se à miniatura. Depois do cine-jornal e dos trailers vinha o filme, a chanchada propriamente dita. Era a explosão.

 

A Atlântida sempre foi considerada um dos bastiões da chanchada, alfa e ômega da “grossura” chanchadesca. Atlântida e a chanchada são consideradas aparentadas: ao se falar de uma a outra vem à baila, pois estão indissoluvelmente ligadas na memória do povo e nas esquecidas geração que lhes sobreviveram.

 

A chanchada é um desses assuntos polêmicos do cinema brasileiro, que sugere mais interrogações do que explicações, mais dúvidas do que certezas: basta ler os trabalhos ou os artigos sobre o tema para constatar, facilmente, que a unanimidade entre os vários estudiosos está longe de ocorrer.

 


Nesse emaranhado de opiniões divergentes é que iremos expor a nossa, numa tentativa de recuperar alguns aspectos centrais e comuns que aparecem aqui e ali.


Através dos textos utilizados verifica-se que a data limite daquilo se convencionou chamar chanchada localiza-se por volta de 1960, quando a televisão começa a se impor e o Cinema Novo lança suas bases. Então, referir-se à chanchada é debruçar-se sobre a história do cinema brasileira até épocas recentes.

 

Tudo indica que Jean-Claude Bernardet não se engana ao afirmar que as origens da chanchada estão na base do cinema brasileiro, e aí, em alguns filmes cômicos. O ano de 1929 (quando é realizado Acabaram-se os Otários, direção de Luiz de Barros) define uma segunda fase, com as seguintes características: experimenta-se o filme sonoro de ficção; utiliza-se um cômico popular, o caipira Genésio Arruda; as músicas ficam a cargo de Paraguassu, e o filme faz enorme sucesso, permanecendo 76 dias em exibição nos cinemas da capital carioca.

 

A terceira etapa tem início por volta de 1944-45, quando a chanchada, o filme carnavalesco, consolida-se definitivamente graças a Tristezas Não Pagam Dívidas (1944) e Não Adianta Chorar (1945). Nessa fase observa-se: a fundação da Atlântida Empresa Cinematográfica do Brasil S/A; a instituição dos meses de dezembro a março como espaço privilegiado do filme brasileiro; o crescimento do mercado exibidor – que teria seu auge nos anos 50 – e a imposição do carnavalesco ao público.

 

A quarta etapa começaria em 1949, quando surge a possibilidade de crítica da chanchada pelo “espírito” burguês, exemplificado nos filmes da Vera Cruz. Essa empresa cinematográfica produz até 1954, ano em que a chanchada atinge seu ápice. Depois, houve uma queda gradativa, até o esgotamento do gênero, no início dos anos 60.

 

Aqui começamos a expor nossa opinião, a quatro irmãos, sobre a chanchada. Só que é bom esclarecer uma coisa: também senti e curti todo esse clima narrado pelo Zé Inácio no começo da Introdução. Mas, como sou menino do interior, tinha uma série de vantagens adicionais, pois a sessão começava às 13h30, a gente podia trocar ou vender revistinhas, assistia ao seriado depois da chanchada e ainda dava tempo de chegar ao estádio depois das 16h para ver meu XV de Piracicaba jogar.


Publicado originalmente em CATANI, Afrânio Mendes; SOUZA, José Inácio Melo. A chanchada no cinema brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1983. (Col. Tudo é História, número 76).

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