Por Jece Valadão
O CAFAJESTE NA ITÁLIA
Quando eu fui com Os Cafajestes para Berlim, em 1961, para
participar do festival, resolvi parar em Roma; ficar uns dias lá para mostrar o
filme para o Carlo Ponti.
Nessa época, o futebol
brasileiro estava no auge, com a vitória da Copa de 58, na Suécia. Os italianos
adoravam Pelé, Garrincha, esse negócio todo. O Brasil estava com tudo na
Itália e em toda a Europa.
Chegando em Roma, fui
no estúdio do Carlo Ponti e mostrei o filme para ele. Ele adorou. Conversamos
sobre Pelé, Garrincha, futebol. E por conta disso, eu acabei ficando em Roma
uns quinze dias.
(...)
OS CAFAJESTES NO
FESTIVAL DE BERLIM
A
chegada em Berlim
Saltei no aeroporto de
Berlim sem um tostão no bolso e sem falar uma palavra de alemão. A primeira
coisa que eu vi foi uma banquinha no aeroporto com uma placa: “Festival”, que é
igual em todos os idiomas.
Apresentei-me para um
dos recepcionistas, que falava espanhol. Ele me botou dentro de um carro e
mandou seguir para o hotel.
Chegando lá, mostrei um
carnê que eu recebi noa eroporto e me levaram para o apartamento. O cara que
carregou a mala até meu quarto olhou feio. Eu não tinha um tostão para dar para
ele.
Sentei na casa e pensei: “E agora? Puta que o pariu. O que eu vou fazer? Sem dinheiro nem para comprar cigarro”. Na época, eu fumava três maços por dia.
A única coisa que eu
tinha era um tíquete refeição que a organização do Festival tinha me dado.
Atrás dos tíquetes
tinha uma relação com os nomes dos restaurantes em que eu podia comer de graça.
E isso era tudo o que eu tinha. Café de manhã servido no hotel e um talão de
tíquete refeição.
Na hora do almoço,
peguei um tíquete refeição e vi que tinha um restaurante indicado que era em
frente ao hotel. Foi um alívio. Eu não podia nem me locomover na cidade por
falta de dinheiro.
Peguei o cardápio, em
alemão, é claro, e apontei qualquer coisa para o garçom. Era uma sopa doce.
Fiquei mais puto ainda, mas tive que comer aquela merda assim mesmo.
No jantar, fui no mesmo
restaurante, sentei na mesma mesa e apontei o cardápio para o mesmo garçom.
Depois de três duas sem
falar com ninguém, sem fumar, sem um tostão no bolso e comendo “por
eliminação”, tive uma surpresa.
Na Alemanha existe um
costume de pessoas desconhecidas sentarem na mesma mesa, sem nem pedir licença.
E estava eu no restaurante de sempre, sentado sozinho na mesma mesa em que
ficava todos os dias, servido pelo mesmo garçom, quando chega uma família de alemães
e senta do lado.
Quando o garçom
respondeu alguma coisa para eles, percebi que a família sorriu. Pensei na hora:
“Esse garçom não é alemão, porra nenhuma”. Fiquei observando. Ele ia e voltava.
Numa dessas vezes, falei alto: “Puta que o pariu, eu não acerto uma comida
nessa merda desta terra”.
Aí o garçom: “Ah, tu és
português?”, “Não, meu irmão, não sou português, mas sou brasileiro. Mas vem
cá, meu irmão, me dá um abraço, pelo amor de Deus. Eu estou nessa e nessa
situação”.
Na hora, fiquei amigo
dele. O cara era um estudante português; só que o desgraçado tinha cara de
alemão. Bom, minha vida mudou: ele me recomendou vários pratos, me deu
cigarro...Fumei com um prazer desgraçado. Foi um alívio. Agora, dinheiro que é
bom, continuei sem.
Dois dias depois a
Norma Bengell chegou. Contei a história toda da italiana e ela morreu de rir:
“Levou um suadoro, o malando. Malandro de terceiro mundo”. Ainda me gozou paca.
Mas me empresotu cem dólares..Foi aí que eu fui comprar cigarro, tomar um
chope; estava louco para tomar aquele chope alemão.
Saída
triunfal
Terminada a
apresentação dos Cafajestes no
Festival, eu e a Norma ficamos ali, dentro do cinema, sentados, totalmente
abobalhados, com a receptividade do público em relação ao filme.
Quando resolvemos ir
embora, tivemos mais uma surpresa.
Saindo na rua vimos uma
fila de alemães: umas vinte pessoas, formando um corredor polonês. Olhei para
aquilo e não entendi nada. Minha primeira reação foi de medo, achando que ia
levar porrada se passasse no meio daqueles alemães.
Só que não tinha jeito;
era a única saída. Peguei a Norma pela cintura e fomos em frente.
Para nossa total
surpresa, ao pisar no passeio público, fomos aplaudidos. Ali, naquela avenida
de Berlim: eu, cidadão cachoeirense, sendo aplaudido por alemães enormes, que
eu nunca tinha visto na minha vida.
Comecei a chorar. Foi a
maior emoção que eu senti até hoje.
OS CAFAJESTES E JOHN
WAYNE
O John Wayne, que
estava participando do Festival, no dia seguinte à essa apresentação dos Cafajestes, pediu para os organizadores
respresentarem o filme.
Ele tinha lido sobre a repercussão no Brasil, sobre a apresentação no Festival (ele tinha perdido a estreia) e ficou curioso em assistir o tal filme que estava causando polêmica...
Ele assistiu e adorou.
Inclusive, obrigou o Festival de São Francisco a incluir o filme na
programação.
Esse episódio também
foi determinante no sucesso dos Cafajestes.
Por causa da reprise solicitada pelo John Wayne, assinei um contrato com a UFA,
que distribuiu o filme no mundo inteiro.
Representantes da UFA e
críticaos de todo o mundo, sabendo do pedido do John Wayne para que reprisassem
o filme, lotaram o cinema.
O curioso é que, se não
fosse o John Wayne, talvez o filme passasse despercebido no Festival.
OS CAFAJESTES NO RESTO
DO MUNDO
No dia seguinte à
partida da Norma Bengell, que voltou a Itália, e à exibição do filme solicitada
pelo John Wayne, apareceu um comprador para o filme: a UFA, uma empresa alemã,
que na época era famosíssima.
E foi também só aí que
eu tive contato com a embaixada brasileira, que até então não tinha dado sinal
de vida. Quando o representante da UFA me procurou no hotel, já veio com um
representante da embaixada brasileira.
O contrato que a UFA me
propôs era de distribuir Os Cafajestes em todo o mundo, com exceção da América
Latina. Para isso me dariam um adiantamento de quatorze mil dólares; e, depois
eu teria um contrato de participação e mensalmente me mandariam um relatório.
Aceitei na hora, com
uma única condição: que me pagassem imediatamente em dinheiro vivo.
Não acreditei. Depois
de toda a dureza em Berlim, recebi catorze mil dólares em verdinhas.
Tempos depois tive a
oportunidade de ver o filme falado em alemão e depois em japonês.
Por causa desse
contrato com a UFA, o filme foi visto no mundo inteiro.
A
vingança do cafajeste
Peguei esses catorze
mil dólares e me vinguei. Minha primeira atitude foi pedir para o cara da
embaixada arrumar uma moça bem bonita para me acompanhar; e que falasse pelo
menos espanhol.
Ele arrumou uma menina
linda, bem novinha, com vinte e poucos anos. Pelo acordo que fiz, ela tinha que
dormir comigo, dar para mim, me dar
banho, ser minha secretária, minha acompanhante...Tinha que fazer tudo que eu
quisesse.
Com essa menina, vi
coisas totalmente desconhecidas para mim.
Quando, por exemplo, a
gente pedia um café e vinham aqueles tabletes de açúcar, ela pegava as sobras e
guardava dentro da bolsa. Aquilo foi me invocando, até que ela me explicou que,
por causa da guerra, ela não sabia como ia ser o amanhã, se ia faltar açúcar, o
que iria acontecer. Então, tinha que se resguardar.
Ela era uma vítima de
guerra.
A moça era maravilhosa, muito bem-vestida, falava muito bem espanhol e no fim acabou até aprendendo português. Já que eu aprendi nada de alemão, é claro.
Foram cinco dias em
Berlim com essa menina, gastando e distribuindo dinheiro. Comecei a dar
gorjetas para todos os funcionários do hotel; gorjetas de cem dólares. Os caras
ficaram tontos, sem entender nada.
Em cinco dias estourei
os catorze mil dílares, sem comprar uma camisa para mim.
OS CAFAJESTES EM SÃO
FRANCISCO
Depois de Berlim, fui
direto para São Francisco participar do Festival que o John Wayne tinha
indicado.
Chegando em Los
Angeles, liguei para Leonora Amar, atriz brasileira que tinah abandonado a
carreira ao se casar com Aleman, ex-presidente do México, e sugeri a ela que
fizesse um coquetel em homeagem à participação dos Cafajestes no Festival de São Francisco.
Além de mim, estavam
participando do Festival o Anselmo Duarte com O Pagador de Promessas e o Sérgio Ricardo, com um curta-metragem.
Falei à Leonora que se
ela desse um coquetel, o John Wayne iria. Ela morreu de rir, duvidando do que
eu tinha falado.
Resumindo, ela deu o
coquetel; e conforme eu falei, o John Wayne foi.
Isso deve marcar a vida
de Leonora até hoje.
Depois disso voltei com
o filme para o Brasil e nunca mais me encontrei com o John Wayne.
BALANÇO FINAL
Os Cafajestes passou e
ainda passa no mundo inteiro, rendendo até hoje.
Depois que foi aclamado
pela crítica internacional, no Brasil o filme passou de maldito para um marco
no cinema nacional.
Por causa de toda essa
peripécia, de passar no mundo e só depois de ser reconhecido no Brasil, eu
cheguei à conclusão: ou o filme era muito avançado para a época, 1960- se bem
que eu não achava nada de mais naquele nu frontal e nem no baseado- ou as
coisas evoluíram: porque hoje o filme passa em horário nobre na TV Cultura na
íntegra.
Talvez eu estivesse
avançado no tempo, como sempre aconteceu na minha vida.
Originalmente
publicado em: VALADÃO, Jece. Memórias de Um Cafajeste. São Paulo:
Geração Editorial, 1996.
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