Por Jece Valadão
“No
Rio nunca fez quarenta graus”
O filme é lindo,
maravilhoso. E foi feito sem recurso nenhum. Recurso zero.
Só que mesmo pronto, nossos problemas não acabaram. Veio a censura e proibiu a estreia. Foi aquela luta para liberar o filme.
Uma das alegações do
chefe de polícia para proibir o filme é que ele era uma mentira do começo ao
fim, porque nunca tinha feito quarenta graus no Rio de Janeiro. Só que ele teve
o maior azar. No dia seguinte a essa declaração, os termômetros da cidade
indicavam claramente: estava fazendo quarenta graus.
Para liberar o filme
fizemos um trato com o Juscelino Kubischeck, que na época era candidato a
presidente da República. Procuramos o diretor de campanha e ele propôs que a
gente colaborasse na campanha em troca da liberação do filme.
O Nelson, comunista,
apoiando o Juscelino...o Modeste de Souza, um antor antigo, também comunista,
apoiando o Juscelino...Sobrou para mim. Armamos uma banquinha – aquelas de
distribuir santinho – na Cinelândia e a minha função era entrar no bonde
superlotado, na hora do pique mesmo, e fazer um discurso relâmpago: “Meus
amigos, estou aqui em nome da democracia para dizer que o presidente da
República sem maioria no Congresso, não pode fazer nada, porque quem manda é o
Legislativo. Por isso, o nosso homem é o Juscelino Kubnischeck”. O bonde
chegava no ponto, eu saltava, pegava outro e assim ia...Quatro horas fazendo a
mesma coisa; e, ainda, sendo vigiado pelo diretor de campanha.
Graças a tudo isso, o
filme foi liberado e fez o maior sucesso.
Trilogia
Logo em seguida,
começamos a fazer Rio Zona Norte. A
ideia era fazer uma trilogia: Rio 40
Graus, Rio Zona Norte e Rio Zona Sul.
O último deles, Rio Zona Sul, o Nelson acabou não
fazendo.
CURSO
STALIN
Na época do Rio 40
Graus, tive uma participação comunista ativíssima, só que de pouca duração.
Toda a equipe tinha
ligação com o partido comunista, menos eu. Sempre fui capitalista, e eles não
se conformavam: “Você tem que aderir”.
Presionaram-me de tal
maneira que eu acabei cedendo. Marcaram uma noite para eu estar numa esquina
do centro do Rio, ás nove horas.
Chega um carro, encosta; um cara salta do carro, abre a porta de trás, me empurra para dentro, me bota uma venda nos olhos e sai a mil por hora. Do meu lado, no banco de trás, tinha uma pessoa com uma venda, também; na frente, o motorista e um outro cara vigiando a gente.
O carro rodou, rodou,
mais de uma hora e meia; até que parou. Levaram-me para dentro de uma casa e só
aí tiraram minha venda. Não tinha a menor ideia de onde eu estava.
Ganhei um nome de
guerra: Rogério.
Dentro da casa tinha
várias pessoas; todas desconhecidas. Cada uma tinha um nome de guerra e uma
função diferente: “Você, você e você cuidam da parte da limpeza; vocês lavam a
louça...”. Distribuíram serviço para todo mundo.
De manhã, de tard e de
noite: tome política. Vinha um professor, reunia todo mundo e começava a aula.
Fiquei vários dias sem
ver a luz do sol. A casa só tinha uma porta – por onde entrava e saía o
professor -, que era vigiadíssimo dia e noite.
Foi quase um mês lavando louça e aprendendo sobre Stalin. O chamado curso Stalin.
Quando saí de lá queria
pegar uma metralhadora e matar tudo que era capitalista, tal a lavagem cerebral
que me fizeram.
Só que a minha história
comunista, depois que eu saí de lá, não durou três dias.
No primeiro dia de
comuna, depois que terminei o curso, fui distribuir prospecto dentro da Câmara
de Vereadores do Rio de Janeiro.
Fui preso na hora.
Chegando na delegacia, os sacanas falaram para mim: “Você, esquece, está queimado”. Deixeram-me lá. O cara era preso, estava queimado no partido.
Fiquei puto: “O quê? Vocês vão para puta que os pariu”. Cheguei para o delegado e falei que era um inocente-útil e contei tudo o que tinha acontecido. Só não dei o endereço porque não sabia.
Os sacanas não mandaram
um advogado para me defender, nada; me deixaram sozinho lá.
Depois que consegui
sair da prisão, nunca mais quis saber de ser comunista.
A FAMA
Fiquei conhecido no
país, como ator, quando ganhei o prêmio de melhor interpretação, por causa do Rio 40 Graus.
Antes eu fazia
rádio-novelas, e é muito difícil ficar conhecido só por causa da voz.
RiO
ZONA NORTE
Rio
Zona Norte também era sobre o malandro, mas outro estilo de
malandragem.
O malandro do Rio 40 Graus era mais autêntico, do
morro. Já o do Rio Zona Norte era o
malandro de rádio.
Malandro
asqueroso
O Grande Otelo fazia o
papel de um compositor de morro e eu fazia um locutor de rádio, ligado às
cantoras. O personagem do Grande Otelo compunha os sambas e levava para o meu
personagem apresentar para uma cantora, que gravava essas músicas.
Tipo a Ângela Maria,
que fazia muito sucesso na época.
Aí, meu personagem,
como um bom malandro, lia a letra do samba e mudava alguns detalhes, trocando
por exemplo “também não” por “não também”. Alegava co-autoria e assinava a
letra. Quando o disco era gravado, só saía o nome do meu personagem. O nome do
autor de verdade não aparecia.
Isso existe até hoje.
Um tipo de malandro bem asqueroso.
Originalmente
publicado em: VALADÃO, Jece. Memórias de Um Cafajeste. São Paulo:
Geração Editorial, 1996.
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