Por Jece Valadão
Quando a Embrafilme foi
fundada, eu fui um dos primeiros produtores a ser chamado para participar como
sócio, comprando cotas.
Era uma época de
ditadura. Como eu não era comunista, fui logo chamado.
Nunca fui de direita,
mas não era comunista.
Figueiredo
O fato de eu ter amigos
como o ex-presidente Figueiredo também colaborou para a discriminação do
pessoal do Cinema Novo em relação a mim.
Aconteceu que eu conheci o Figueiredo antes de ele ser presidente.
Nunca vi motivos para deixar de ser amigo dele.
Ameaça
americana
Por causa das minhas
idas à Brasília para defender o cinema nacional, tive a oportunidade de falar
com quatro presidentes.
Sempre acontecia a
mesma coisa. O presidente se assustava com o que a gente falava – como, por
exemplo, que o negativo pagava mais imposto do que o filme pronto que vinha de
fora – mas quando ele estava se preparando para tomar alguma atitude, chegava o
representante do cinema americano e ameaçava com o corte de importação do café
ou de outro produto que o Brasil estivesse exportando para os Estados Unidos.
Reivindicações
O objetivo das nossas
conversas com os presidentes era sempre o mesmo: uma lei que permitisse a
formação de uma indústria de cinema nacional
Resultados
Depois de muita luta,
conseguimos uma reserva de mercado. A lei existe até hoje, mas ninguém cumpre
mais.
Cabide
de empregos
A finalidade da
Embrafilme, quando foi criada, era incentivar e prestigiar a indústria de
cinema nacional, com recursos advindos das taxas cobradas sobre os filmes
americanos exibidos aqui no Brasil.
Na razão direta em que
a produção brasileira fosse crescendo, automaticamente iria diminuindo também a
arrecadação sob o filme estrangeiro.
A ideia era que com o
tempo, ao fortalecer a produção nacional, a Embrafilme acabasse.
Só que não foi isso que
aconteceu. Pelo contrário, a Embrafilme acabou virando um cabide de empregos
deixando de lado, inclusive, o interesse em desestimular a entrada do filme
americano no Brasil.
PROTECIONISMO
NORTE-AMERICANO
O cinema americano é
protegido pela mídia e por interesses muito poderosos. É no bojo do cinema que
vem a música americana, o costume americano, o carro, o chiclete...
Por causa disso, a
postura do cinema americano sempre foi de domínio.
Postura
de domínio
Para manter o mercado
funcionando, o Brasil consumia quatrocentos filmes por ano.
Na época, nós
produzíamos cerca de cem filmes por ano, portanto o mais justo seria o governo
permitir a importação de no máximo trezentos filmes estrangeiros.
Mas o que acontecia era
bem diferente. Importávamos seissentos, setessentos filmes por ano, sobrando
produto. O melhor, a oferta era maior do que a procura.
Pressão
O resultado disso era
que o exibidor, que é um comerciante, obviamente preferia programar filmes
americanos, que já vinham com um grande apoio da mídia.
A imprensa brasileira
era a primeira a divulgar o cinema americano, pressionada pelas empresas
americanas que ameaçavam parar de anunciar nos jornais, revistas e TVs.
Quer dizer, todos eles
estavam unidos no sentido de exibir o cinema americano no Brasil e acabar com o
cinema nacional.
Isso porque o cinema
brasileiro já estava começando a fazer frente ao filme americano no nosso
mercado.
Lucro
fácil
Além de todo o apoio da
mídia, o filme americano também já chegava aqui pago e com lucro.
Como o que ganhasse
aqui já seria lucro extra, o distribuidor americano oferecia o filme
praticamente de graça para o exibidor.
Foi dessa situação
absurda que teve início a nossa luta pela reserva de mercado.
Representante americano
Qualquer reivindicação
dos cineastas brasileiros repercurtia imediatamente nos Estados Unidos.
Eles não eram bobos,
não. A Associação dos Produtores Americanos pagava um sujeito, o Harry Stone, para
representar os interesses deles aqui no Brasil.
O interesse era tão
grande que ele, que não era muito chegado ao sexo feminino, chegou até a se
casar com uma brasileira.
CINEMA
BRASILEIRO HOJE
A saída do cinema
brasileiro hoje são as grandes produções.
Não acredito mais na
produção em ritmo industrial; o fime brasileiro tem que ser pensado para
atingir o mercado exterior. Como está acontecendo com filmes como O Cangaceiro, Tieta do Agreste, O Quatrilho...
Em vez de muitas
produções, vamos fazer uma média de apenas dez filmes por ano. Mas filmes que
tenham condições de despertar interesse no mundo todo.
Divulgação
O cinema nacional é
discriminado sem culpa.
O Brasil sempre foi um
importador de filmes; de repente nas décadas de 60 e 70 começou a ser produtor.
Só que o país não se
preparou para ser um produtor de cinema. Todas as leis eram direcionados ao
filme que vinha pronto.
Trailer
Existia uma lei, por
exemplo, que proibia você de exibir um trailer antes de o filme estar pronto. A
censura só dava o certificado para o trailer se a cópia estivesse junto. E isso
ficou valendo também para o filme nacional.
Consequentemente, você não podia promover seu filme no cinema onde ele seria exibido.
Já o filme americano,
que vinha pronto, podia ser divulgado à vontade.
Qualidade do som
Além disso tinha o
problema da qualidade dos equipamentos das salas de exibição. O som era
péssimo, mas como as fitas americanas tinham legenda, ninguém notava.
Quando as pessoas
tiveram que prestar atenção nos diálogos dos filmes nacionais, se assustaram.
As salas tinham os
piores equipamentos do mundo.
A
EXPERIÊNCIA DO FILME AMERICANO
O hábito de assistir
filmes americanos com legenda também prejudicou muito o crescimento do cinema
nacional.
Como o brasileiro não
fala nem português, quanto mais inglês, quando ele via um filme com legendas
era como se estivesse assistindo uma história de quadrinhos. O cara lia a
legenda e quando ia ver a cena, já tinha outra legenda. E ficava nesse
vai-e-vem a projeção inteira.
De acordo com o estado
de espírito do cara, ele julgava aquele filme.
Ele via um filme dois
filmes, dez filmes americanos.
Aí, de repente, ele é
apanhado de surpresa por um filme brasileiro. Apagam-se as luzes e não tem
legenda. De cara, ele já leva um susto.
Sem o empecilho da legenda, o cara liberta todos os seus sentidos: auditivo, visual, tudo.
Em consequencia, ele
começa a ver o filme de uma forma totalmente diferente: em toda a sua
plenitude.
Aí ele percebe que o
som é ruim.
Por quê? Porque não tem
acústica, porque o alto-falante está rachado.
Ele começa a ver a
fotografia esmaecida.
Por quê Porque a
projeção é ruim, a lente está suja, a tela está imunda.
E, ainda, não tendo que
ler a legenda, pela primeira vez ele se depara com um filme na sua totalidade.
Enfim, ele vê todos os
defeitos que não vê no filme americano; porque se ele se libertasse também no
filme americano, veria defeitos também.
É verdade que menos
defeitos, porque o cinema americano era e é melhor que o nosso. Mas também tem
defeitos.
Julgamento
Outra coisa muito comum
era o julgamento que o cara fazia do filme.
Ele via um filme americanizado; se não gostasse, dizia que aquele filme era ruim.
Já quando não gostava
de um filme brasileiro, o cara culpava de cara todo o cinema nacional.
Saía alardeando contra
toda a produção brasileira.
O
público brasileiro
Graças a Deus essa
dominação americana está acabando.
O brasileiro está
começando a ter auto-estima; está aprendendo a exigir os seus direitos.
Cinema
na TV
Você não consegue
vender filme brasileiro para a Globo. A Globo acha melhor importar qualquer
porcaria americana.
Originalmente
publicado em: VALADÃO, Jece. Memórias de Um Cafajeste. São Paulo:
Geração Editorial, 1996.
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