Amor e machismo na
carreira e na vida de Nelson Gonçalves
Com o relançamento,
amanhã, de 50 elepês, o cantor brasileiro estabelece um recorde que nem Sinatra
nem Elvis atingiram
Por Isa Cambará
RIO- Trata-se de um
recorde internacional: a partir de amanhã, com o relançamento de 50 de seus
discos, Nelson Gonçalves passa a ter 83 discos no catálogo de sua gravadora, a
RCA. Entre eles, 15 estavam fora de catálogo há muito tempo. Nem mesmo Frank
Sinatra nem Elvis Presley atingiram esse número, que parece natural ao cantor.
Ele garante que o “pacotão” alcançará a casa de um milhão em vendagem. Sabe que
seus fãs são fiéis – afinal, na sua agenda há apresentações marcadas até o fim
do ano – e não pensa muito em justificar essa preferência: “Ou eu sou muito bom
ou o povo é burro. Como conheço a sabedoria popular, prefiro acreditar na
primeira hipótese”.
Além de segura de si,
Nelson Gonçalves é precavido. Todos os meses, religiosamente, entra nos
estúdios da RCA e grava três ou quatro músicas, com o acompanhamento apenas de
um instrumento. Pode ser violão, contrabaixo ou piano. As fitas são guardadas
em sua casa numa estufa especial, com temperatura a 23 graus. Segundo as
previsões de Nelson, vão ser transformadas em discos, quando ele não puder mais
cantar.
“Veja bem, tenho dez
filhos, casa com piscina, muito conforto. A aposentadoria vai me garantir tudo
isso? Claro que não. Então, quando eu parar – ou pararem comigo – a gravadora
terá material para muitos discos, que garantirão minha sobrevivência da melhor
maneira possível”.
Como a formiga da lenda,
Nelson armazenou bastante e suas fitas dariam para lançar discos novos até o
século 21. A época de cigarra faz parte de um passado que ele prefere deixar
para trás. A realidade de hoje é a da “formiga”, que viaja praticamente todos
os fins de semana para fazer “shows” pelo Brasil. São apresentações sempre
muito concorridas, com casas lotadas e o público pedindo velhos sucessos. E o
pior é que Nelson nem sempre lembra das letras.
“E como poderia? Gravei
em discos exatamente 2.040 músicas, fora as que eu gravo para armazenar. Minha
memória não é das melhores. Então, chega um dia em que eu esqueço determinadas
letras. O jeito é transformar o público em ponto. Sempre tem alguém que fica
“assoprando” para mim. É a maior curtição, a gente se diverte”.
O público de Nelson
Gonçalves, em sua maioria, anda por volta dos 40, 50 anos. De uns tempos para
cá, os jovens o descobriram por causa da novela Cabocla, cujo tema-título foi
gravado por ele. Mas o sucesso maior é entre as mulheres “maduras” que, a seu
ver, gostam da sua imagem de macho. As feministas que o perdoem, mas Nelson é
machão mesmo, assumido. Com o maior prazer.
“Meu êxito está,
evidentemente, ligado à fama de macho. As mulheres, até hoje, dão em cima
mesmo. Parece que há falta de hormônio masculino na praça e eu nunca escondi
que gosto de ser machão. Na minha opinião, toda mulher gosta de ser domada, ser
segura pela orelha pelo amado. Elas querem que o homem seja seu patrão, seu
amo. Nenhuma mulher gosta de se sentir solta. Eu domino a minha. Não gosto de
roupa muito justa, grandes decotes. Esse negócio de peito de fora na praia é
bom para a mulher dos outros”.
Os homens também gostam
das atitudes machistas cantadas nas músicas de Nelson Gonçalves. Nos “shows”,
sempre são pedidas. Ele acha que não adiante dizer louvores ao “Planeta Água”
porque o povão não vai entender, “e os Guinle e Matarazzo da vida não compram
música popular brasileira”. Segundo sua experiência de 45 anos como cantor, o
público gosta, mesmo, é de ouvir histórias do tipo “amo aquela desgraçada que
me abandonou”.
“O segredo é cantar o
amor de forma mais simples. O povo não entende letras complicadas e o
compositor só pode ser considerado sucesso se atinge a massa. O Adelino
Moreira, por exemplo, já é imortal. Ele diz o que as pessoas querem ouvir. Os
intelectuais acham que ele é cafona, mas ele diz as mesmas coisas que Roberto
Carlos em suas músicas. O “rei” não está cantando quero ser seu sabonete? Isso
é Adelino Moreira puro”.
Adelino,
parceiro ideal e amigo
De Adelino Moreira são os
maiores sucessos de Nelson Gonçalves, como “A Volta do Boêmio”, “Meu Vício é
Você”, “Escultura”. Os dois são amigos e compadres, o que levou Nelson a
contratar o compositor como seu empresário.
“Por que eu iria dar esse
dinheiro para outra pessoa? – diz Nelson. Adelino é meu amigo, devo muito a
ele. Então, resolvi convidá-lo para ser meu empresário. Assim, nós dois saímos
ganhando, a parte do leão fica entre amigos”.
Os dois já estiveram
afastados por sete anos, por causa de uma discussão “boba” na época em que
Nelson andava envolvido com tóxicos. Depois da recuperação – um tempo sofrido,
que ele prefere esquecer – Nelson optou por outros compositores “modernos”, tentando
recuperar rapidamente o sucesso. Não deu certo, pois o público queria o Nelson
de sempre. Cantor e compositor acabaram se reaproximando.
O primeiro disco – que
será gravado ainda este mês – terá uma só música de Adelino, “O Canto do
Cisne”. Mas as outras são de compositores que o público dificilmente associaria
a Nelson Gonçalves: Chico Buarque, Rita Lee, Martinho da Vila, Gonzaguinha,
Ivan Lins, João Nogueira, entre outros compuseram músicas especialmente para o
disco. Nelson adorou a música de Rita Lee (“tem um clima de cama”) e a de
Martinho da Vila. O LP deverá ser gravado num único dia, o que é comum para
Nelson Gonçalves:
“Gravo um disco inteiro
em quatro horas, mais ou menos. Não preciso repetir nada: acerto de primeira.
Acho que isso se deve ao fato de eu ter conseguido dominar a maneira de cantar.
Hoje, sei usar todos os truques de colocação de voz, de respiração, de divisão.
Sei gravar, sei mixar um disco. E, principalmente, sei música porque estudei
com Moacir Silva. Aprendi muito com ele e graças a isso posso acompanhar o
desempenho da orquestra, posso adiantar ou atrasar um compasso, posso cantar a
mesma música em dois ou três tons. Para mim, foi imprescindível estudar
música”.
Aos 63 anos, Nelson
descobriu que sua voz, ao invés de baixar com a idade – como costuma acontecer –
subiu um tom. Ele acha que isso se deve aos cuidados que tem com a saúde. Dorme
bastante (“a única coisa que recompõe a voz é o sono”), toma ginseng, guaraná
em pó, vitamina E, germe de trigo e essência de geleia real. Faz 100 abdominais
por dia e três “rounds” de corda para não se esquecer que já foi “boxeur”. E
até parou de fumar.
“Estou em plena forma. Em
todas as áreas. Sabe quantos anos tem minha filha caçula? Nove. Continuo em
atividade. Quando à minha carreira, está na melhor fase, pois atingi a
maturidade como ser humano e o pleno conhecimento do ofício de cantar. Sou bom,
embora não me considere melhor do que ninguém. Jorge Goulart, por exemplo, tem
uma voz extraordinária, mas não lhe dão oportunidade de gravar”.
Nelson acha que no
panorama musical brasileiro, atualmente, só há dois cantores “de voz”, além
dele, Cauby Peixoto e Agnaldo Timóteo. Por isso, trata de se valorizar junto a
gravadora. Agora mesmo, sugeriu a renovação do seu contrato por dez anos, nas
seguintes bases: 15 milhões de cruzeiros e um Mercedez do ano, como luvas, e
15% sobre as vendas dos discos ao invés dos 10% que recebe, atualmente. E não
acha muito suas pretensões.
“Tenho 42 anos na mesma
gravadora, pois quando comecei a gravar já tinha três anos de carreira. Durante
todo esse tempo, sempre consegui o que quis pelo simples fato de ser um bom
investimento. Sei que vendo discos à bessa, do Norte a Sul. Então, tenho
condições de exigir. Brigo, discuto, mas acabo chegando onde quero. Afinal, sou
Nelson Gonçalves e já me chamaram até de Frank Sinatra brasileiro. Não me julgo
melhor, mas sei que não sou pior que ele”.
Nelson prefere cantar “o
que o público quer ouvir”. Lembra que foram os fãs e não a crítica que o
fizeram um homem rico. Riqueza, aliás, atestada nas joias que usa na profissão.
Apesar da violência da cidade, Nelson nem pensa em assaltos:
“Só ando com joias, seja
em Copacabana ou na Baixada Fluminense. O povo respeita porque sabe que eu já
passei fome, já fui toxicômano, já sofri o diabo. Mas, sabem, principalmente
que eu sou o seu cantor. Eu até me emociono quando imagino quantas ilusões eu
causei, quantos porres provoquei com esta voz que é a minha maior riqueza”.
Publicado na Folha de São Paulo em 14 de março de
1982
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