Nelson Gonçalves
regressa à boemia simultaneamente em cinema e DVD
Docudrama narra a trajetória artística e pessoal do
ídolo da Era do Rádio
Por Jaime Biaggio
Só a objetividade do
documentário talvez acabasse amortecendo as possibilidades dramáticas da
história. Só as licenças poéticas da ficção talvez fizessem soar inverossímil
uma meia dúzia de lances que parecem inventados (até porque alguns realmente
foram, e pelo próprio protagonista). Fato é que o docudrama, um misto de
depoimentos e imagens de arquivo com cenas ficcionalizadas, foi o formato
escolhido para “Nelson Gonçalves”. Dirigido por Elizeu Ewald e produzido pelo
mesmo Diler Trindade dos produtos cinematográficos da Xuxa, o filme, em cartaz
exclusivamente no Odeon BR e prestes a sair em DVD, é auto-explicado pelo
título.
Auto-explicado, mas
jamais auto-resumido. A vida do consagrado ícone da Música Popular Boêmia,
morto em 18 de abril de 1998, aos 78 anos, de parada cardíaca, não se resume em
duas palavras. Antes de vir para o Rio tentar a sorte como cantor de rádio, o
gaúcho Nelson, esquentado desde sempre, tentara ganhar a vida sopapeando os
outros como boxeador (jurava ele ter disputado 33 lutas, só perdendo a primeira
e a última). Já consagrado, chegou a ganhar um extra como cafetão, a ser preso
como traficante, a afundar no vício da cocaína. Todas essas histórias são
relembradas na tela em depoimentos de pessoas que conviveram com ele, como
Sérgio Cabral, Cauby Peixoto e Arthur Moreira Lima, e na parte ficcional por
Alexandre Borges.
- O docudrama foi o
formato pretendido desde o início – afirma o diretor. – É um exercício de
linguagem fantástico e uma tendência cada vez maior.
Se o formato narrativo do filme é aquele pretendido desde o início, a ideia de levar a história para o cinema é mais recente. “Nelson Gonçalves”, nasceu como série em três capítulos para a TV, tanto que foi todo rodado em vídeo (não o badalado vídeo digital: analógico mesmo). A possibilidade da tela grande nasceu, num típico lance de Nelson Gonçalves, de um contratempo. No caso, a dificuldade de fechar um contrato de exibição com alguma emissora em 1999 (o esqueleto do filme está pronto desde então, o que se percebe nos depoimentos, da cabeça raspada de Lobão, atualmente já coberta novamente por uma cabeleira, à presença do jornalista Albino Pinheiro, falecido exatamente em 1999).
Diretor teve liberdade
de tocar em temas delicados
- O projeto teve início
no primeiro semestre de 1998- lembra Ewald. – Assinamos o contrato com Nelson
duas ou três semanas antes dele morrer. A produção teve início em 1999, com
dois meses de pesquisa de imagens de arquivo levou quase seis meses.
O processo,
supervisionado por Margareth Gonçalves, filha do cantor, que consta dos
créditos como produtora associada, se pautou pela absoluta transparência, algo
bastante raro em biografias autorizadas. Como Nelson jamais escondeu os
detalhes mais escabrosos de sua vida, como o período de três meses trancado num
quarto sofrendo crises de abstinência para se livrar do vício da cocaína, não
houve quaisquer saias-justas na apuração dos fatos.
- Sempre deixei claro
para o Nelson que era a versão dele, mas que eu teria um papel de autor no
filme, decidindo o que entraria e o que seria cortado – diz Ewald, que preferiu
centrar o foco na carreira artística. – Mas ele nos deu a liberdade de tocar
mesmo em assuntos que não gostaria de lembrar, como no caso da Beth White, a
mulher que se matou por ciúme dele.
O suicídio de Beth
White é um dos vários episódios da vida de Nelson reproduzidos ficcionalmente
pelo diretor. Outras passagens dramatizadas foram a invasão do escritório da
RCA, que acabou lhe valendo um contrato de assombrosos 58 anos com a gravadora,
e a dura da polícia por estar sem documentos, contornada com a melhor
identificação possível para Nelson: a voz.
Publicado originalmente
no jornal O Globo em 28 de julho de 2001
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