Biografia desvenda as
verdades e mentiras sobre Nelson Gonçalves
Vida do cantor é narrada
por Marco Aurélio Barroso, que fez pesquisas durante quatro anos e bancou a
edição do livro em que passa a limpo todas as histórias que criaram um mito
Por Ubiratan Brasil
Desconsolado pelo acúmulo
de problemas pessoais, o professor universitário Marco Aurélio Barroso, fã
ardoroso de biografias, distraia-se folheando os livros e revistas da
Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Um dia, uma notícia publicada na
Revista do Rádio chamou sua atenção: a cantora Betty White ateara fogo às
vestes e se suicidara por causa do amor não correspondido do cantor Nelson
Gonçalves. Chocado com o fato, Barroso intensificou sua pesquisa até decidir em
escrever um livro sobre a fascinante vida do artista. Em 2001, quatro anos
depois, ele concluiu o trabalho, que recebeu o título A Revolta do Boêmio – A
Vida de Nelson Gonçalves, em que mais retifica que ratifica as informações que
circularam a respeito do cantor até sua morte, em 1998, aos 78 anos.
“Criou-se um mito em torno
do Nelson”, conta o escritor. “O problema é que ele mais ajudou alimentar que
destruir as falsas histórias, por ser uma pessoa muito insegura”. Assim, a
leitura permite derrubar uma série de lendas, como a de que ele teria feito
mais de 2 mil gravações, o que lhe garantiu viajar até Nova York, onde teria
sido cumprimentado por Frank Sinatra. Ou de que teria se trancado em sua casa
durante vários dias, na década de 60, para se livrar do vício da cocaína, sendo
alimentado com comida passada por debaixo da porta. “Ele gravou muito, mas não
chegou nem a mil músicas (foram 869), e o processo para se livrar da droga foi
o tradicional, em que as doses vão diminuindo com o tempo”.
Á medida que progredia na
pesquisa (leu toda as publicações arquivadas na Biblioteca Nacional, fez mais
de 500 entrevistas com amigos e familiares do cantor que hoje moram não apenas
no Rio, mas também em Taubaté, São José dos Campos e no bairro do Brás, onde
Nelson também residiu), Barroso percebia que o trabalho aumentava, pois a quantidade
de inverdades não diminuía. “São tantos fatos desconexos que a própria família
não impediu a publicação de nenhuma história, pois eles mesmos não tinham
certeza sobre alguns eles”, explica.
Gaúcho, Nelson Gonçalves
foi criado em São Paulo e tinha o nome de batismo de Antônio Gonçalves. Sua
primeira gravação ocorreu em 1941, quando cantou um samba de Ataulfo Alves e,
durante toda aquela década, suas apresentações buscavam imitar o timbre de
Orlando Silva. “Foi em 1952, quando começou a gravar as músicas de Adelino
Moreira que Nelson se firmou como o maior cantor do Brasil, fama intocável até
57, quando começou a utilizar drogas”.
A consagração tornou-o um
homem instável, colecionando mulheres e filhos que eram simplesmente
abandonados. “A família de Nelson em uma década não é a mesma nos dez anos
seguintes”, conta Barroso, que relatou a violência com que tratava suas
mulheres e a desatenção com os filhos, para os quais não pagava pensão. “Ele
não fazia isso por maldade, mas por completo desconhecimento em como enfrentar
a vida em família”.
Histórias saborosas,
porém não faltam – viciado em cavalos, Nelson manteve oito animais no Jóquei
Clube carioca que entre 1959 e 64, disputaram 138 provas. E só venceram seis.
Adorava também jogo de dados viciados, que eram levados por ele. Foi preso em
1966 por portar cocaína, vício que foi maldosamente explorado pelo jornalista
David Nasser, da revista Cruzeiro. Mas a eternidade está garantia em
interpretações A Volta do Boêmio, Doidivana e Meu Vício É Você.
Com o trabalho, Marco
Aurélio Barroso foi premiado pela Biblioteca Nacional, que reconheceu sua
persistência: como não encontrou editor, ele mesmo bancou a publicação. Assim,
o livro não está ainda nas livrarias, mas pode ser encontrado pelo email arevoltadoboemio@bol.com.br, por
R$ 37. Em tempo: a cantora Betty White realmente não se suicidou por amor a
Nelson, mas morreu em um acidente doméstico com álcool.
Publicado originalmente
em O Estado de São Paulo em 23 de
fevereiro de 2002.
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