Das comédias ingênuas de Mazzaropi aos
filmes adultos de Sady Baby, José Adalto Cardoso possui uma
carreira curiosa dentro do cinema paulista. Antes de dirigir suas películas,
Cardoso foi assistente de inúmeros realizadores e colaborador da extinta
revista Cinema em Close Up. Também atuou como roteirista, montador,
assistente de produção e produtor. "O melhor filme [em] que eu trabalhei
foi O Quarto da Viúva, do Sebastião de Souza. Nessa produção, minha
função era servir café. Assim, eu assistia de camarote a todos os conflitos dos
atores e da equipe técnica. Todo mundo batendo cabeça."
Aos 69 anos, o diretor irá lançar sua
biografia, Uma Vida em Fotogramas, pela Editora Laços. A obra foi
escrita pelo pesquisador Alexandre Aldo Neves e traz a trajetória de um diretor
que trabalhou em mais de 25 longas-metragens nacionais dos mais variados
gêneros. A VICE conversou com Adalto em Batatais, interior de São Paulo, onde
ele mora há anos.
VICE: É verdade que
você começou no cinema querendo ser ator?
José Adalto Cardoso: Sim. Eu curtia os seriados que passavam no Cine São Joaquim [antigo cinema de Batatais]. Aos domingos, tinha as sessões de seriados, filmes de faroeste, aventura. Eu sempre queria ser mocinho e achava que eu ia dar certo como ator. Mas ainda não entendia de cinema nem tinha noção nenhuma [de] que um dia poderia dirigir algo.
José Adalto Cardoso: Sim. Eu curtia os seriados que passavam no Cine São Joaquim [antigo cinema de Batatais]. Aos domingos, tinha as sessões de seriados, filmes de faroeste, aventura. Eu sempre queria ser mocinho e achava que eu ia dar certo como ator. Mas ainda não entendia de cinema nem tinha noção nenhuma [de] que um dia poderia dirigir algo.
E como você começou a
trabalhar com o Mojica?
Mudei para São Paulo quando eu tinha 21
anos. Eu fui morar numa pensão no Brás que era vizinha da sinagoga que servia
de estúdio dele. Ele estava na moda em 1967 com o personagem do Zé do Caixão. Tinha um curso de atores
dentro da sinagoga, e comecei a frequentar aquele ambiente. Eram as escolas com
cursos de atores chamadas de arapucas. Os alunos eram recrutados para atuarem
nas próximas produções do Mojica, e o professor era o [ator e produtor] Mário
Lima.
Mas eu percebi que eu não agradava como
ator e que não tinha nascido para aquilo. Ao mesmo tempo, eu conheci o
[Giorgio] Attili [diretor de fotografia], que era meio quietão. Conversávamos
sobre lentes, câmeras, equipamentos. Fizemos amizade, e comecei e me interessar
por esse outro lado do cinema. Vi que eu podia ser técnico. Fiz alguns dias
como assistente de um filme que estava sendo dirigido pelo Mojica [O Fracasso
de Um Homem nas Duas Noites de Núpcias]. Essa foi uma filmagem bem
complicada, tudo improvisado. Mas ter trabalhado com o Mojica foi bem
divertido. Eu comecei no lado mais rústico do cinema, né? Mas foi agradável – e
aprendi muito.
Sua carreira na Boca do Lixo ganha força quando
você estabelece uma parceria com o diretor Fauzi Mansur. Como começou isso?
Eu estava esperando uma resposta do [cineasta] Ody [Fraga] para ser assistente dele. Nisso, eu fiquei uma tarde esperando num bar que ficava no cruzamento da Rua do Triunfo com a [Rua] Aurora. Mas nada dele aparecer. Nisso, aparece o Fauzi para tomar um café, e começamos a conversar. Aí ele olhou pra mim e me perguntou: "Escuta, qual é o teu signo?". Achei estranho, mas respondi: "Touro". Ele respondeu: "Você quer filmar comigo? Nós vamos começar uma produção". Então, foi uma coisa que surgiu em menos de um minuto de papo. Depois, ele me disse que gostava e estudava esse negócio de astrologia.
Eu estava esperando uma resposta do [cineasta] Ody [Fraga] para ser assistente dele. Nisso, eu fiquei uma tarde esperando num bar que ficava no cruzamento da Rua do Triunfo com a [Rua] Aurora. Mas nada dele aparecer. Nisso, aparece o Fauzi para tomar um café, e começamos a conversar. Aí ele olhou pra mim e me perguntou: "Escuta, qual é o teu signo?". Achei estranho, mas respondi: "Touro". Ele respondeu: "Você quer filmar comigo? Nós vamos começar uma produção". Então, foi uma coisa que surgiu em menos de um minuto de papo. Depois, ele me disse que gostava e estudava esse negócio de astrologia.
Aí comecei a trabalhar no Sedução,
que foi meu primeiro longa-metragem com o Fauzi. Esse filme passava-se na
década de 1930; então, eu fiquei quase três meses dentro da [biblioteca] Mário
de Andrade pesquisando e preparando a parte da reconstituição. O levantamento
foi feito, a produção ficou ótima e acho que o Fauzi começou a gostar do meu
trabalho.
E depois vocês
trabalharam várias vezes juntos.
O Fauzi confiava muito em mim, sabe? Eu
era uma espécie de braço-direito dele. Participei como assistente também do Belas
e Corrompidas e do Guarani. Nesse último, dirigi a
produção também. Eu não fiquei para fazer O Mulherengo, mas dirigi
a dublagem. Esse filme é um musical. Por isso, o Fauzi me chamou realizar as
compras dos direitos autorais das músicas. Então, eu tive que ir ao Rio de
Janeiro e procurar todos os escritórios que representavam os compositores das
músicas do filme. O Fauzi é um diretor talentoso e versátil. Isso você pode ver
pela variedade de gêneros que ele trabalhou na filmografia dele.
Você trabalhou em
dois filmes com o Mazzaropi. Como foi isso?
Trabalhei num roteiro para o Pio Zamuner [cineasta e diretor de fotografia dos filmes do Mazzaropi]. Nisso, criamos uma proximidade e ele acabou me chamando para eu trabalhar de assistente de direção do Cláudio Cunha no Clube das Infiéis. Depois desse filme, o Pio foi fazer O Jeca Macumbeiro, do Mazza, com outro assistente de direção. Mas, depois de uma semana de filmagem, esse assistente desistiu e acabaram me chamando. Então, eu devo muito ao Pio por ter tido essas chances. Eu sempre tive uma admiração muito grande pelo Pio. Depois, acabei trabalhando também no Jeca Contra o Capeta.
Trabalhei num roteiro para o Pio Zamuner [cineasta e diretor de fotografia dos filmes do Mazzaropi]. Nisso, criamos uma proximidade e ele acabou me chamando para eu trabalhar de assistente de direção do Cláudio Cunha no Clube das Infiéis. Depois desse filme, o Pio foi fazer O Jeca Macumbeiro, do Mazza, com outro assistente de direção. Mas, depois de uma semana de filmagem, esse assistente desistiu e acabaram me chamando. Então, eu devo muito ao Pio por ter tido essas chances. Eu sempre tive uma admiração muito grande pelo Pio. Depois, acabei trabalhando também no Jeca Contra o Capeta.
O Mazza era muito sério com os negócios
dele. Se você combinasse uma coisa com ele, nem precisava assinar porque ele
sempre cumpria a parte dele. E sempre respeitava os profissionais que
trabalhavam com ele.
Como você começou a
colaborar na Cinema em Close Up?
Eu conheci o Minami [Keizi, editor da
revista] pelo Jean Garrett [cineasta]. Não sei o motivo, mas o Jean me levou
numa tarde na casa do Minami, que ficava na região do Butantã [zona oeste de
São Paulo]. Na época, ele estava com um projeto de uma revista sobre cinema
brasileiro. Existiam diversas publicações sobre cinema estrangeiro, mas nenhuma
sobre a produção nacional. Criei uma boa empatia com o Minami e ele pediu para
eu escrever alguns livros baseados em roteiros da Boca. Fiz também alguns
livros de ficção que ele vendia por reembolso postal. Tive vários pseudônimos.
Um dos mais famosos foi Thais de Alencar.
Depois, nasceu a Cinema em
Close Up, e eu acompanhei toda vida da publicação. O Minami inclusive abriu
um escritório da editora dele na Boca.
Uma das coisas mais
legais da Close Up foram dois anuários do cinema brasileiro
que a revista fez.
A ideia foi minha desses anuários. Fiz
tudo aquilo sozinho, acredite se quiser. Eu cheguei no Minami e falei:
"Vamos fazer um anuário?". Ele me perguntou: "Mas como?".
Então, eu fui à Embrafilme, comecei a pegar todas as publicações que existiam
sobre cinema brasileiro, indicações de atores, técnicos. Aí eu consegui fazer a
primeira edição em 1974 e passei a atualizar ano a ano. As universidades de
cinema usam esses anuários como referência até hoje.
Foram dois anuários, e não existe
nenhuma referência à minha pessoa. Na época, eu não me preocupava com isso.
Coisa [de] que me arrependo hoje. Foi um trabalho desgraçado, fiz uma
garimpagem legal. Tem algumas falhas, mas é um trabalho [de] que eu tenho certo
orgulho de ter feito.
A Cinema em
Close Up pagava bem ou mal?
Muito mal. Ele pagava por lauda, né? E
pagava muito mal. Mas eu nunca me preocupei com dinheiro. Eu queria fazer. Esse
foi um dos grandes erros na minha trajetória. Sou realizado profissionalmente,
mas muita gente ganhou dinheiro em cima de mim. Porque, na época, eu trabalhava
por qualquer preço – e tudo bem. Eu queria fazer. Mas, na época, fiquei feliz e
foi bom. Não tenho de reclamar de nada. Eu aceitei as regras do jogo.
Dos seus filmes, de
quais você mais gosta?
Não gosto dos primeiros. Por exemplo, E...a
Vaca foi pro Brejo ficou longo e com partes truncadas. Já o meu
terceiro filme como diretor (O Motorista do Fuscão Preto) ficou melhor,
mais bem acabado. Massagem For Men era um filme livre, mas
tivemos de colocar cenas de sexo explícito para ser lançado. Foi inclusive essa
a única vez [em] que trabalhei com o Antônio Ciambra [diretor de fotografia].
Considero-o o melhor fotógrafo com quem trabalhei. O Motorista e
o Massagem, acho que ficaram os melhores.
No seu livro, você
não fala muito sobre seus filmes explícitos. Por quê?
Eu acredito que esses filmes não acrescentam nada na minha carreira. Foi algo que eu fiz porque não tinha opção. Mas eu não renego. Tanto que assinei todos os meus filmes sem pseudônimo. Muita gente boa acabou fazendo explícito porque não tinha opção. A gente queria continuar na área. Por exemplo: o Alfredinho [Sternheim, cineasta]) é um gênio. Eu o respeito muito. Ele mesmo teve de fazer esse tipo de trabalho pra ficar ativo. Teve um filme meu dessa época que rodamos numa chácara em oito dias [refere-se ao filme As Taras de Um Puro Sangue], aí não é mais cinema. É outra coisa.
Eu acredito que esses filmes não acrescentam nada na minha carreira. Foi algo que eu fiz porque não tinha opção. Mas eu não renego. Tanto que assinei todos os meus filmes sem pseudônimo. Muita gente boa acabou fazendo explícito porque não tinha opção. A gente queria continuar na área. Por exemplo: o Alfredinho [Sternheim, cineasta]) é um gênio. Eu o respeito muito. Ele mesmo teve de fazer esse tipo de trabalho pra ficar ativo. Teve um filme meu dessa época que rodamos numa chácara em oito dias [refere-se ao filme As Taras de Um Puro Sangue], aí não é mais cinema. É outra coisa.
O lançamento de Uma Vida Em
Fotogramas acontece em São Paulo, na próxima segunda-feira (dia 10), ás
19h, no Centro Universitário Belas Artes, que fica na Rua Doutor Álvaro Alvim,
90, Vila Mariana.
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