segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Entrevista com Afonso Brazza publicada em 2002


Afonso Brazza
José Afonso Filho
(São João do Piauí, PI, 17/04/1955-  29/07/2003, Gama, DF)
Gringo não perdoa, mata, 1994
No eixo da morte, 1995

Por Caio Plessman de Castro

Nasci em São João do Piauí e vim para Brasília garotinho. Meu pai ajudou a construir esta cidade. Foi candango. Somos o sangue de Brasília. Tenho um respeito muito grande por essa capital. Eu a vi crescer.

O início da minha carreira foi sofrido. Arrumei minha malinha em 1970 e fui-me embora para São Paulo, onde conheci muitos artistas, Zé do Caixão (José Mojica Marins), David Cardoso, Tarcísio Meira, Tony Vieira, Alex Prado e Ozualdo Candeias. Nesse período, entre 1970 e 1980, aprendi muita coisa sobre cinema, trabalhei como ator, figurante e técnico, fazia cenário, montagem. Tudo que aprendi em São Paulo trouxe para Brasília, e é isso que estou fazendo até hoje.

O que me fez sair de Brasília e ir a São Paulo foi um filme que vi em 1969, chamado Gringo, o último matador, com Tony Vieira, Claudete Joubert e outros, um faroeste muito bom. Assisti a esse filme mais de 20 vezes. Esse faroeste me impressionou tanto, que me fez arrumar as malas e ir embora para São Paulo. Fiquei também atraído pela atriz do filme, Claudete Joubert, atualmente minha esposa. Em São Paulo, a minha escola de arte dramática foi José Mojica Marins. Devo um grande favor a ele, foi a primeira pessoa que me recebeu e me deu oportunidade de conhecer outros artistas.

Meu começo foi muito bom, o cinema me trouxe muita alegria. Essa dor de cabeça que hoje a gente tem com cinema, antigamente não existia. Eu fazia de tudo, e naquela época cinema gerava emprego. Foi muito importante. Comecei minha carreira cinematográfica aqui em Brasília em 1980, ano que prestei concurso para o Corpo de Bombeiros.

Já realizei oito longas-metragens. Nasci com vontade de fazer cinema, tenho essa vocação. Pena que a gente more num país pobre, onde ninguém apoia a cultura. Hoje eu vejo o cinema brasileiro totalmente derrotado. As pessoas não têm a garra de antigamente.

Meus personagens são maldosos. Mas o herói é aquele que faz tudo para combater o mal. Meu cinema é totalmente diferente do cinema brasileiro mais famoso, mas, com certeza, Brasília está começando a me aceitar como diretor de cinema, cineasta e como bombeiro. O meu prestígio vem também da minha corporação. A comunidade admira o Corpo de Bombeiros. Estou aqui pronto para salvar as pessoas. Acho que isto tem me ajudado muito.

Foi depois que entrei no Corpo de Bombeiros que comecei a fazer cinema, a comprar equipamentos, uma série de coisas. Entre 1982 e 1990, fiz três filmes, Procurador Jeferson: matador de escravos, Os Navarros e Sancho Nunca Morre. Em 1993, fiz uma superprodução chamada Inferno no Gama. Daí produzi um por ano: Gringo não perdoa, mata (1994) e No eixo da morte (1995). O filme que estou fazendo atualmente é uma superprodução, vai custar mais ou menos R$ 850 mil, enquanto minha produção normal varia entre R$ 50 mil e R$ 144 mil. Tem um elenco brilhante, um guarda-roupa caríssimo. Carros, cenários bonitos. Se eu tivesse dinheiro, dentro de 30 ou 40 dias meu filme estaria pronto, mas não tenho esse capital.

O meu público é estudantil, justamente porque são filmes trash, de que os estudantes gostam. Este último também vai ser aceito. Tem um elenco grande, com participação de estudantes, e isto influí na universidade, eles me ajudam a divulgar o meu trabalho. Montei um grupo para trabalhar, para que no dia de estreia lotássemos o cinema com um retorno imediato. O meu lucro não é com o lançamento do filme, mas com a venda das fitas de vídeo. Vendo fita para o Brasil inteiro. Isso me dá retorno, porque o cinema em si não dá dinheiro para cineasta nenhum. Não é a bilheteria que traz lucro.

Quanto a Inferno no Gama, fiz o lançamento dele lá no Gama, na universidade, e foi muito bem aceito. Em seguida, estreei no Cine Brasília também como boa aceitação e foi daí para frente que Afonso Brazza passou a ser conhecido. Não tenho contatos para a distribuição.

GRINGO NÃO PERDOA, MATA E NO EIXO DA MORTE

As portas começaram a se abrir mesmo no último filme, No eixo da morte, feito em 1995, mas lançado entre 1997 e 1998; consegui ser lançado num cinema bom. Com apoio da rede Karin, o filme fez 8 mil e poucos espectadores. E passou duas vezes. Ficou 23 dias em cartaz, depois retornou para o Festival Afonso Brazza. Foi uma beleza.

Foi nesse momento que as portas se abriram totalmente, porque as vendas das fitas dispararam, puxando também meus outros filmes. Como só faço uma cópia de cada filme, só posso lança-lo em um cinema; se eu lançasse três, quatro cinemas teria um retorno imediato. Eu fico dez dias em um cinema, e quando passo para outro, a mídia já acabou. Agora não, neste último, tenho casas para isso. Aqui em Brasília, tenho três cinemas para o lançamento. Todos do grupo Karim. E em vídeo, vendi cerca de 2,5 mil cópias de No eixo da morte. Inferno no Gama, 4,8 mil, e o Gringo não perdoa, mata, 3,5 mil cópias. Isso é um recorde para mim, porque eu faço de tudo, de produção e direção á venda.

A LEI DO AUDIOVISUAL

Olha, essa lei...Eu queria descobrir – falo de peito aberto -, queria descobrir qual foi o cineasta, qual foi o crítico de cinema, sei lá, qual foi...de qualquer coisa que aprovou esta lei. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. O empresário não tem interesse num negócio desses. Nenhum deles. Eles não são obrigados. Pois, para o empresário é o seguinte: digamos que você pague R$ 100 mil de imposto, desses R$ 100 mil, você vai passar para mim R$ 2,5 mil. Dá 4%. Dá para eu perder o meu tempo com você por esse valor? Se o cara pagasse R$ 100 mil e desse R$ 50 mil na tua mão, ainda era vantagem. Aí dá para dizer que está patrocinando cultura. Mas com 4% só? Desse jeito é para uma minoria!

FILMES DIRIGIDOS POR AFONSO BRAZZA

1982- Procurador Jeferson, o matador de escravos, 16 mm, longa-metragem
1985- Os Navarros, em trevas de pistoleiros entre sexo e violência, 16 mm, longa-metragem
1990- Sancho nunca morre, 16 mm, longa-metragem
1993- Inferno no Gama, 35 mm, longa-metragem
1994- Gringo não perdoa, mata, 35 mm, longa-metragem
1995- No eixo da morte, 35 mm, longa-metragem
2001- Tortura selvagem, a “grade”, 35 mm, longa-metragem
2002- Fuga sem destino, 35 mm, longa-metragem


Publicado originalmente em NAGIB, Lúcia. O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. Lúcia Nagib; prefácio de Ismail Xavier- São Paulo: editora 34, 2002.

Nenhum comentário: