A moral da
pornochanchada
A Ilha do Desejo.
Direção de Jean Silva. Produção: David Cardoso. Com David Cardoso, Márcia Real,
Fátima Antunes, Sonia Garcia, Helena Ramos.
Por Maria Lúcia Kahl
Meia dúzia de moças de
São Paulo sobrevivem à custa de ilícitas atividades noturnas. Até que um
mocinho bonito, no exercício de sua profissão ainda mais ilícita, convida as
moças para um fim de semana numa ilha tropical. É uma armadilha: lá, a dona da
ilha as mantém como escravas branca- afinal também ela precisa sobreviver.
Acontece q ue há um assassinato na
ilha. A partir desse momento, o filme “A Ilha dos Desejos” passa a ser “sexo” e
suspense até o caso ser desvendado pelo mocinho e pela polícia de Santos.
A estória, enfim, não
interessa. Mas quem imaginar que o filme é inofensivo estará enganado: se as
cenas de sexo fossem um pouco mais discretas (não que sejam ousadas), “A Ilha
dos Desejos”, como a maioria das pornochanchadas nacionais, poderá ter sido
financiada pela TFP. Como elemento de preservação da sagrada moral da classe
média brasileira. As mocinhas são todas prostitutas, isto é verdade. Mas como
são lindas e gostosas, seus sentimentos também puros e virginais. Todas aspiram
casar-se, ter uma família, o conforto de um homem só e a paz de um lar. O
mocinho também é engraçadinho, loiro, um boneco. Logo arrepende-se de sua vida
de aliciador e apaixona-se pela mais casta das prostitutas (aquela que, chegando
na ilha recusa o par que a escolhe e fica chocada diante do que vê)
prometendo-lhe casamento (como garantia, a única válida, de seu amor) e
começando imediatamente a agir para descobrir o assassino e libertar as
meninas.
Os capangas da dona da
ilha é que não poderiam ser lindos e loiros. Um é um mulato (violentamente
repudiado ao tentar passar a cantada mais inocente do mundo numa das meninas). O
outro é um chinês enorme, com cara de lutador de “telecatch”. E o assassino?
Nem a madame, nem seu filho débil mental (elemento de expiação da culpa da
madame, que assim, também sofre na vida) nem os capagandas. É a cozinheira da
ilha, uma velha beata que vive horrorizada diante do pecado. E por isso vai
matando as moças, uma a uma. É a figura da bruxa – velha, feia, pobre e má –
que paga por todos os males. E já que todo o Mal contido no filme é depositado
em sua figura, nada mais “justo” do que ela terminar morrendo queimada, em
gritos e gargalhadas diabólicas, exorcizando o grupo todo – quem vai sentir
pena dela?
Fora da ilha, o mundo
volta a ser bom, girando no seu ritmo normal. As mocinhas, pudorosamente vestidas,
vão depor numa delegacia. O mocinho casa-se com sua predileta. Tudo foi um
lamentável engano. A ordem foi restabelecida, durmam bem senhoras (mas sonhem
com o glorioso futuro, com o dia em que o mundo mudar e todos forem moças e
moças lindos e gostosos, de biquíni o dia todo, queimados de sol).
Publicado originalmente
no jornal Movimento, São Paulo, 11 de agosto de 1975.
2 comentários:
O artigo deve ser da Dahl e não kahl.Atriz do ramo.
''Os capangas da dona da ilha é que não poderiam ser lindos e loiros,um é mulato e o outro,um enorme chinês'',hoje ninguém escreveria uma frase assim,rs.
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