Renato Aragão, o mais bem
sucedido e popular cômico da televisão brasileira conversou com a nossa
repórter Anne Raquel, no Rio. Mostramos à vocês nesta entrevista, como ele saiu
de Fortaleza, no Ceará, para ser o ídolo das crianças e dono de um sucesso que
já começa a ultrapassar nossas fronteiras.
Texto: Anne Raquel
Fotos: Mário Barata
Fiesta: Renato, como você
começou sua carreira?
Renato: Comecei em
Fortaleza. Era advogado do Banco do Brasil, mas já estou recuperado. Na
verdade, sempre quis trabalhar em TV, conhecer televisão e quando a TV Ceará
foi inaugurada, tive a oportunidade. Escondido dos colegas do Banco, comecei a
trabalhar como redator e produtor, e deu certo. Talvez, porque a maioria das
pessoas que trabalham em TV, na época, era gente de rádio, com os vícios do
rádio. Como nunca me interessei pelo rádio, tinha, então, essa vantagem. Via a
televisão como imagem, sentia a importância primordial do visual na TV. Agora,
foi uma barra, em 1960, em Fortaleza, a pessoa que era artista ou era marginal
ou era bicha.
Fiesta: Que tipo de
trabalho você fazia?
Renato: Eu dirigia,
escrevia e era ator de uma comédia, que tinha uma hora de duração. Nós não
tínhamos recurso técnico algum e nosso trabalho era feito com alguma
dificuldade. Eu mudava de roupa de cinco em cinco minutos e voltava correndo.
Hoje, as coisas são diferentes. O vídeo-taipe, a técnica mudou tudo, embora as
coisas antes fossem melhores em termos de calor humano, e de calor regional.
Antes, cada capital produzia os seus programas, tinha os seus artistas, e o
vídeo-taipe veio acabar com tudo isso.
Fiesta: De maneira como
você fala, parece que você é contra o vídeo-taipe?
Renato: É verdade. O
vídeo-taipe acabou, destruiu com os valores regionais, que não têm mais
oportunidade de aparecer. Não sei, de certa forma o vídeo-taipe unifica os
valores reais, o que não é muito bom. Mas, o certo é que o último comediante
que surgiu foi eu e isso não significa que não houvesse gente boa em outras
emissoras, apenas eles não tiveram oportunidade de aparecer.
Fiesta: Você sofreu
influência de alguém?
Renato: Desde pequeno
assistia e gostava muito de Chaplin e Oscarito. Eles influenciaram muito o meu
trabalho.
Fiesta: Quando você veio
para o Rio?
Renato: Fiquei dois anos
e meio na TV Ceará, depois vim para a Tupi do Rio. Cheguei naquela de pesquisar
e descansar. Mas, o meu trabalho não foi feito, logo. A minha adaptação na Tupi
foi muito difícil, porque as pessoas, ainda, influenciadas pelo rádio, não
entendiam o meu trabalho. Por causa disso fiquei marginalizado uns três meses.
Até que resolve fingir aceitar o que eles queriam e parti prá outra. Fui para a
Excelsior e fiz OS ADORÁVEIS TRAPALHÕES.
Fiesta: Os Adoráveis
Trapalhões foi a primeira série brasileira, não?
Renato: Não, já na TV
Ceará eu fazia uma série. A tal comédia de uma hora.
Fiesta: Tá, na Excelsior
você fez Os Trapalhões e aí?
Renato: Da Excelsior fui
para a Record e fiz o mesmo programa com o título de OS INSOCIÁVEIS. De lá,
voltei para a Tupi outra vez, já com o Dedé e Mussum. Na Record foi quando
voltei a escrever, produzir e ao mesmo tempo, ser ator. Foram dois anos e meio,
onde aprendi muito. Foi importante, até porque descobri que, saindo de uma
emissora para outra, você se renova. De volta à Tupi, fazia quadros
humorísticos variados e já estava para sair de lá outra vez, quando resolvemos
inovar completamente o programa introduzindo quadros musicados e entrevistas.
Aí, a Globo nos contratou. Isso faz três anos e o ano que vem faz 10 anos que o
público aguenta OS TRAPALHÕES. Engraçado, antigamente, era pecado assistir aos
Trapalhões. As pessoas de um certo nível não tinham coragem de admitir que
assistiam ao programa, e quando o fazia, diziam que tinham assistido um
pedacinho do quarto da empregada. Foi quando a Tupi resolveu colocar o programa
no domingo. Fiquei revoltado e fui pro Ceará P... da vida. Fiquei lá e elevei um susto, quando
soube que nós tínhamos ganho do Fantástico no IBOPE. No segundo programa
perdemos, mas, logo depois, ganhávamos de cabo a rabo.
Fiesta: Qual o seu tipo
de público?
Renato: Criança, Zé Povão
e estrangeiro. Agora, Os Trapalhões é dirigido à criança. Mas, como o adulto á
está assistindo, estamos fazendo uns uadros para ele.
Fiesta: No momento, só
você faz humor para criança, não é?
Renato: É verdade. Tanto
que estamos pensando em exportar o nosso trabalho. Não existem mais OS TRÊS
PATETAS, Jerry Lewis, Chaplin e o próprio Disney, depois de morto, vem perdendo
muito de suas características. Não é só no Brasil que quase ninguém se preocupa
com a criança, é no mundo todo. Por isso, a idéia de exportar os filmes que
fazemos.
Fiesta: Quantos filmes
você já fez?
Renato: Quinze. Comecei
com Jarbas Barbosa, Herbert Richers, Tanko e agora eu mesmo produzo os meus
filmes. O último, O REI E OS TRAPALHÕES foi rodado em Marrocos, daí você pode
ver a seriedade do nosso trabalho. Tivemos dificuldades incríveis, para rodar o
filme. A ordem era dada em três línguas: português, francês e árabe. Mas, tudo
bem. Já estou pensando em fazer outro: Os Cinco Samurais, baseado na história
dos 7 samurais. Agora, é um investimento muito grande. Em O REI E OS TRAPALHÕES
gastamos 10 milhões de cruzeiros e esse dinheiro tem de ser arrecadado aqui no
Brasil.
Fiesta: É você mesmo quem
faz o roteiro de seus filmes?
Renato: Eu colaborei em
todos os roteiros dos filmes que fiz. Agora, os três últimos, que foram
produzidos por mim, escrevi a história e os outros colaboraram, foi ao
contrário.
Fiesta: E os filmes fazem
muito sucesso?
Renato: Todo ano a
bilheteria tem aumentado, e como o único termômetro que temos é o da
arrecadação, acredito que o nosso sucesso também tem aumentado.
Fiesta: E os filmes do
Mazzaropi fazem mais sucesso que os seus?
Renato: Não, quer dizer,
não em termos de bilheteria. Desde SIMBAH, O MARUJO TRAPALHÃO os nossos filmes
têm eito mais sucesso.
Fiesta: A abertura
política influiu de alguma forma em seu trabalho?
Renato: Não, antes nós
não tínhamos problemas com a censura, e continuamos a não ter. Embora, nós
estejamos, na verdade, vivendo um período de fechadura, pois trabalhamos para a
criança e isso nos responsabiliza muito mais. Pra você ter uma idéia, fazendo
uma sátira do Super-Homem, eu coloquei prego na boca e nem dei conta do que
estava fazendo. O programa foi ao ar e houve o maior rebú, recebi cartas e mais
cartas de pais reclamando, dizendo que eu estava dizendo para as crianças
comerem prego, entende? A gente tem de ter uma responsabilidade enorme e uma
censura também, porque tudo o que dizemos e fazemos vai atingir diretamente a
criança.
Fiesta: Você já fez
teatro?
Renato: Já fui convidado,
mas acho que o público adulto não me aceitaria. Ele está acostumado a me ver
fazendo humor para a criança, o que é diferente. A criança não quer ouvir, quer
ver, por isso há mais misce-scène, movimento.
Fiesta: OS TRAPALHÕES vai
ser exibido também em Portugal, é verdade?
Renato: É verdade. A TV
Globo continua a fazer sucesso em Portugal e eles pediram um piloto do meu
programa. Fiquei entusiasmado e quis fazer uma montagem, mas disseram que não
precisava porque lá eles riam de tudo. Olha, se você quer saber, daqui a pouco,
os portugueses vão perder o sotaque e começar a imitar a gente.
Fiesta: Você recebe
muitas cartas de crianças? O que elas dizem?
Renato: A maioria pede
para eu repetir esse ou aquele quadro, dão sugestões, dizem do que gostaram
mais ou não.
Fiesta: Você tem filhos?
Renato: Quatro. Um de colo, um de berço e um que manda em mim. Uma menina de 2 anos, Juliana: um de onze, Renato: um de 17, Ricardo e outro de 19, o Paulo.
Fiesta: Todos da mesma
mulher?
Renato: Todos da mesma
mulher e primeira namorada. E sou muito família e me preocupo muito com eles.
Casei com 24 anos, mas namorava minha mulher desde os 17.
Fiesta: Qual é o segredo?
Renato: É você exigir,
mas ceder um pouco também. Todo homem, é claro, precisa de um momento de
liberdade, isso é importante. Mesmo porque, com os filhos você já fica mais
preso.
Fiesta: A Revista Os
Trapalhões é também sua?
Renato: Não, é da Bloch. Nós
só recebemos royaltes, o nosso forte mesmo, em termos de rendimento, é cinema,
TV, shows.
Fiesta: Quanto rende mais
ou menos um filme seu?
Renato: O último que já
foi exibido no país todo OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS já rendeu 90
milhões de cruzeiros brutos, mas, é claro, que você desconta o gasto, 10
milhões, e mais os 50 por cento do exibidor. Agora, a minha esperança é
conquistar o mercado exterior. Aí, a produção dos filmes poderá ser melhor
elaborada, pois não precisaremos economizar aqui e ali. Não se encontra mais
comediante para a criança e acredito que, se formos lançados lá fora, faremos
sucesso.
Fiesta: E o cinema
brasileiro, como ele está?
Renato: O cinema
brasileiro está saindo de uma fase chata, que era uma cama, um quarto e um casal.
Agora, ele saiu vitorioso dessa fase, não está mais destinado aquela turma de
masturbadores. Hoje, o nosso cinema está mais profissional, temos UMA DONA
FLOR, de Bruno Barreto, e vários outros exemplos disso.
Fiesta: Qual é a sua
religião?
Renato: Sou católico, mas
ascendo as minhas velinhas.
Fiesta: Prá alguém em
especial?
Renato: É.
Publicado originalmente
na revista Fiesta, ano IV, número 44, dezembro de 1979
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