Eu e Braz Chediak em janeiro de 2017 |
Lagartixa é um dos moradores mais
conhecidos da sua cidade natal. É um senhor negro de barba que usa roupas
envelhecidas. Usa boné e vive cantando sucessos do rock numa guitarra
imaginária. Ele vive perambulando pelas ruas de Três Corações, cidade
localizada no Sul de Minas Gerais. Durante os dois dias em que estive na cidade
encontrei Largartixa diversas vezes: na rodoviária logo que cheguei, no
restaurante que fui almoçar e até mesmo quando voltava para o hotel em que
fiquei hospedado. Nos vimos mais uma vez quando fui embora. Ele é o mendigo mais
conhecido do local. Uma personalidade, um mito tricordiano.
Mas Lagartixa não é o filho mais célebre
de Três Corações. A cidade de 78.000 habitantes é conhecida mundialmente por
ser a terra natal de Édson Arantes do Nascimento, o Pelé. O rei do futebol recebeu
inúmeras homenagens em seu torrão. Logo na entrada do município está uma bonita
estátua do ex-jogador. Próxima a Igreja Matriz na principal praça está um
monumento do atleta erguendo a taça no tricampeonato mundial. Três Corações
também abriga o Ginásio Poliesportivo Rei Pelé e o Parque Dondinho (tributo ao
pai do atacante). A láurea mais recente da cidade para o jogador é a Casa Pelé,
museu que reúne objetos do rei do futebol, inaugurado em 2012. A instituição
fica localizada na rua Édson Arantes do Nascimento.
Mas a pequena Três Corações não fica
restrita a personalidades públicas ao esporte bretão. A cidade é a terra natal
de um dos mais atuantes realizadores brasileiros dos anos 1970 e 1980: Braz
Chediak. Aos 75 anos, o mineiro de ascendência libanesa e portuguesa é um senhor educado de
barba branca, fala calma e excelente memória. Ele é testemunha ocular de uma
época do cinema brasileiro. Um período em que a produção concentrava-se em São
Paulo e no Rio de Janeiro. Neste segundo Chediak foi voz ativa. Ele conheceu a
capital carioca em seu período de esplendor. Perambulou na Cinelândia, viu
nascer o Cinema Novo, frequentou o mitológico restaurante Fiorentina. Trabalhou
durante muitos anos para produtores como Herbert Richers, Jarbas Barbosa e Jece
Valadão. “Durante certo tempo eu praticamente morava nos estúdios da Magnus
Filmes (produtora de Jece)”, lembra.
Braz Chediak possui uma trajetória única
dentro do cinema brasileiro. Foi ator e assistente de inúmeros diretores.
Dirigiu treze longas-metragens tendo sucesso com duas adaptações do dramaturgo
Plínio Marcos (1935-1999): Navalha na
Carne (1969) e Dois Perdidos Numa
Noite Suja (1971). Os dois rodados no período de maior repressão da
Ditadura Militar. “Recebi inúmeras ameaças por telefone”. Dirigiu filmes por
encomenda e comédias populares que receberam o nome pejorativo de
pornochanchada. “Eram comédias. Usavam esse termo para denegrir o cinema
brasileiro”.
O diretor também teve uma grande
proximidade ao escritor, jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980).
Chediak dirigiu três adaptações do amigo:
Bonitinha, mas Ordinária (1980) com Lucélia Santos, Álbum de
Família (1981) e Perdoa-me por me
Traíres (1983) com Vera Fischer. “Considero o Nelson o Shakespeare
brasileiro”, vive repetindo.
Voltando da 20º Mostra de Cinema de
Tiradentes pensei em passar em Três Corações e conhecer Braz Chediak
pessoalmente. Quando terminou o festival peguei o primeiro ônibus até a
rodoviária de São João del Rey. Não existe condução direta dali até Três
Corações. Da terra de Tancredo Neves peguei um ônibus pinga-pinga até Lavras.
Dali peguei um novo pinga-pinga até Três Corações. Passei por inúmeras
cidadezinhas de Minas Gerais. Não é a toa que este é o estado do Brasil com o
maior número de municípios: 853.
Durante os dois dias em que estive em
Três Corações gravei quatro horas de conversa com Braz Chediak. Nesta primeira
parte estão histórias que o protagonista viveu com os diretores com qual
trabalhou como assistente: Aurélio Teixeira, Mário Latini, Victor Lima, Jece
Valadão e Luiz de Barros. Também fala da proximidade de figuras únicas da vida
cultural brasileira como Glauber Rocha, Nelson Rodrigues, Adhemar Gonzaga e
Carlos Machado.
Fala
um pouco como você ganhou a confiança do Aurélio...
O Aurélio
Teixeira não escrevia a máquina. Tinha uma noção muito boa de estrutura
dramática, aristotélica. Então, discutíamos a cena, ou o todo, eu escrevia,
dava pra ele ler. Às vezes ele até me xingava (rindo): “Tira essa cena. Corta.
Está demais”. Eu aprendi muito com ele, e com o passar do tempo, de tanto
trabalharmos juntos, naturalmente assumi a direção de atores.
Meu Pé de Laranja Lima foi filmado no
Rio ou em Minas?
Vassouras (cidade do estado do Rio de Janeiro). Foi uma filmagem difícil, Aurélio já estava muito doente, era muito sacrificante para ele. Em geral, quando ia pro hotel descansar, eu chamava o Hélio Silva e a equipe pra armar o equipamento.
Então, você meio que dirigiu?
É...Mas
orientado por ele que sempre dava a palavra final. Porque tinha uma
excelente noção de câmera já filmava editando na cabeça. Sabia o que queria,
era um ótimo diretor. Só dirigi mesmo os atores.
Os atores infantis?
Todos.
Inclusive porque ele também entrava em cena. Era um excelente ator o Aurélio.
Fazia o Portuga. E os outros atores... Uma atriz era minha mulher, a outra era
minha cunhada, a outra atriz era a garota que morava em frente a minha casa.
Outro ator era o Catulo de Paula, nosso amigo. Além dos meninos, foi um negócio
meio que em família. O Herbert (Richers, produtor) e o Aurélio queriam
caras novas, não queriam atores profissionais. Eu me adaptei à maneira de
dirigir pessoas sem experiência. Explico pro ator. Se ele não conseguir, vou e
faço. Este método para dirigir criança é ótimo.
Stanislavisky?
Estudei muito Stanislavsky. Mas ali ele
não cabia. Mas eu pensava, sempre, nos ensinamentos dele, a cada take, a cada cena. Isto foi muito útil,
tempos depois fui fazer um filme com Norma Bengell. Certo dia fiz a marcação e
a Norma falou: “Poxa Chediak eu não estou sentindo essa cena”. Aí eu falei com
ela: “Então, fica aqui no lugar da câmera que eu vou fazer pra você ver”. Fiz
de maneira mecânica. Norminha era maravilhosa. Ela abaixou a cabeça e falou:
“Você já dirigiu criança?”. “Já”. Norma respondeu: “É como eu estou me sentindo
agora: uma criança. Eu vou fazer”. E fez. Naquela época diziam que a Norma
criava problemas na filmagem, etc. Comigo ela nunca criou problema algum. Ela
era uma atriz maravilhosa.
Sim,
sim. No livro do Anselmo ele fala que a Norma era uma atriz difícil...
Não li o livro dele. Mas comigo ela não
criou nenhum problema. A única vez foi essa em que ela disse: “Não estou
sentindo”. Depois da filmagem nós fomos tomar um café e eu falei, brincando:
“Norma vou te citar uma frase do Marlon Brando: ‘O ator interpreta quem sente é
esquizofrênico’”. Ela riu muito. Nós
tivemos uma relação boa, não tivemos atrito nenhum. Mas vou te contar um fato,
já que você citou o Anselmo. Ele dirigiu vários longas-metragens. Por exemplo, Quelé do Pajéu, um bom filme. Ele era um
bom diretor, mas deixava alguns atores intimidados porque era brabo demais. Eu,
que sou tranquilo, já tinha tido um atrito com ele quando fui assistente de
direção em Juventude e Ternura. No Quelé
do Pajéu o Jece Valadão foi à minha casa e pediu pra que eu o dirigisse.
Falei: “Jece como é que vou te dirigir, cara?”. Ele falou: “Você vai pra Itu comigo”. O filme
estava sendo rodado em Itu (interior de São Paulo), a cidade do Anselmo
inclusive.
Sim.
Ele era de Salto (cidade do interior de São Paulo localizada ao lado de Itu).
Certo. Aí eu falei: “Mas vai ficar
ruim”. “Não fica ruim, não. Você vai se
hospedar no mesmo quarto que eu e de noite você ensaia comigo.”. “Jece, o
Anselmo vai descobrir e ele vai ficar bravo... Nós vamos brigar. Eu já tive um
atrito com ele, não vai ficar bem”. Jece
insistiu e acabei indo pra Itu, fiquei lá todo o tempo que o Jece ficou. Eu
orientava ele à noite, sem que ninguém percebesse. Jece foi um dos atores mais
disciplinados que conheci. Por que ele fez isso? Foi uma maneira diplomática
que teve de não ser chamado a atenção pelo Anselmo, de criar atrito.
O
Aurélio e o Anselmo eram amigos. Isso o Anselmo também conta na biografia dele.
Eles moraram juntos, fizeram muitos
filmes juntos...
O
senhor acredita que o melhor filme... ou pelo menos que deu mais reconhecimento
pra o Aurélio foi Os Três Cabras de
Lampião?
Esse é
o mais intelectualizado. A crítica da
época era tendenciosa e como ele não gostava de política, não tinha
preconceitos, não seguia uma linha, não teve prestígio em seu tempo. Deveriam
fazer uma revisão da obra dele. Era um grande diretor, muito influenciado pelo
John Ford. Três Cabras de Lampião foi um filme mais reflexivo, mais lento, não
vou dizer que foi o melhor filme. Foi um bom filme dele. Hoje, ninguém sabe
onde está este filme. Não existe uma cópia...O Ministério da Cultura deveria
sair à caça, ver onde estão realizações importantes de nossa arte. Como eu
disse: foi um bom filme dele, mais intelectualizado.
Mais
Cinema Novo?
Mais Cinema Novo. O roteiro era dele e do Miguel Torres. O Miguel era ligado ao Cinema Novo. Trabalhava muito com o Cinema Novo. Aí fizeram um filme que não foi bem de bilheteria. Não foi bem e o Aurélio ficou um pouco desesperado. A produção era do irmão dele, que fez dívidas para realizar o filme. A distribuição foi a primeira feita pelo Jarbas Barbosa, irmão do Chacrinha, que também não tinha tanta experiência. Mas o Jarbas era um homem de muito caráter, era um homem limpo.
Ele produziu muitos filmes do Cinema Novo.
Sim. E era um bom amigo. Apesar do
fracasso de Três Cabras, chamou o
Aurélio e falou: “Vou te dar um outro longa-metragem para dirigir. Mas faz um filme mais de ação”. E foi feito Entre o Amor e o Cangaço. Um sucesso de bilheteria, uma fita meio
fordiana, e o Jarbas, então, convidou um garoto lá do Nordeste. Não sei se era
de Pernambuco ou do Ceará pra fazer uma comédia. Esse garoto era o Renato
Aragão.
Na Onda do Iê-Iê-Iê. O título inicial era Mandando Brasa, uma gíria da época. Esse filme eles escreveram... não sei nem quem fez o roteiro. E foi um caso único no cinema nacional: foi censurado antes de ser rodado. Caíram na bobagem de levar o roteiro pra Polícia Militar porque tinha cenas rodadas dentro da corporação. Aí a Polícia pediu a censura antes do começo das filmagens.
Mas
é um filme livre, de canção. Não tem nada de política.
Não, não. O que foi exibido é outro
roteiro. Foi com esse filme que entrei no cinema no Brasil, atrás das câmeras.
Antes eu tinha feito um pequeno papel, uma ponta, em O Homem Que Roubou a Copa do Mundo, do Vitor Lima, como ator. Mas, voltando ao assunto: eu fui datilografar
o roteiro do filme do Aurélio. Me lembro direitinho. Ficava fazendo meu
trabalho e numa outra mesa o (Arnaldo) Jabor sem camisa fazendo outro roteiro. Eu
fui só datilografar, mesmo, sendo pago por página. Aí o Aurélio (Teixeira) viu
que eu trabalhava muito. Como eu ganhava por página, tinha que escrever muitas
páginas, para sobreviver. Essa é uma coisa lógica. O Aurélio ficava abismado: “Por
hoje chega, vamos parar”. “Não, não vou terminar aqui”. No final, ele me convidou
pra fazer assistência de direção. Fiquei muito feliz. Mas, como disse, o
roteiro foi proibido. Aí tem uma história interessante. Quando proibiram, eu me
lembro bem fui na casa do Aurélio. A casa dele era como um ponto de encontro,
todo mundo ia. De noite ia a Nara Leão, Glauber Rocha, Glauce, Leila Diniz,
vedetes do Teatro de Revista Enfim...Gente de tudo quanto é profissão.
O
senhor falou que até o Glauber ia...
Muito. O Glauber...O Geraldo del Rey
(ator) morava lá...Aliás, esta é uma história interessante: Geraldo morava na
casa do Aurélio. Dormia no sofá da sala. O Aurélio estava casado com a Gracinda
(Freire), o apartamento tinha um quarto só e Geraldo dormia no sofá da sala.
Então, quando o Glauber foi fazer Deus e
o Diabo na Terra do Sol a Gracinda falou com ele: “Você e o Geraldo são
baianos...”. O Glauber queria um nome mais famoso, mas levou o Geraldo. A
Gracinda, então, vendeu imediatamente o sofá e colocou no lugar duas cadeiras.
Assim ninguém iria dormir lá, incomodar o casal que estava, praticamente, em
lua de mel. Eu achava o Geraldo, além de boa praça, muito engraçado. Ele se
vestia como os personagens. Andava na rua vestido como os personagens. Como
ensaiava uma peça A Ratoeira, com
texto da Agatha Christie (rindo) vestia um capote inglês para frio, isso no
calorão do Rio.
Mas, saí do assunto. Fui à casa do
Aurélio e, chegando lá, vi todo mundo triste: “O que está acontecendo? O que
houve?”, perguntei. Falaram: “Acabou o filme”. “Como acabou?”. “Foi proibido”. Aí,
eu inexperiente, mineiro, sem dimensão do problema, falei: “Escreve outro”.O
Aurélio fechou a cara pra me dar uma bronca: “Você pensa que é fácil garoto?”.
Ele tinha uma mania de arrancar a sobrancelha quando estava nervoso (risos).
Começou a arrancar a sobrancelha...A Gracinda, mulher dele, falou: “Lelo”. Ela
chamava ele de Lelo, outra hora de Zé, era uma bagunça: “O menino disse que é
fácil. Quem sabe ele escreve?”. Ele, ainda irritado: “Você é capaz de
escrever?”. “Sou”. E pedi papel e caneta. Sentei no chão escrevi uma sinopse de uma
página inteirinha e entreguei a ele. Ele leu e passou a sinopse pro Jarbas
(Barbosa) O produtor começou a ler:
“Pô”. Ele tinha mania de usar uma expressão “gota”, uma expressão para quando
alguma coisa dava certo, ele era nordestino: “Isso é da gota. Aqui eu coloco o
Simonal cantando, aqui coloco Os Vips...”.
O
senhor criou o argumento assim do nada?
Do nada...Na realidade era o mesmo
roteiro, mas ninguém percebeu. Tirei o coronel da polícia e coloquei o mesmo
personagem como dono de uma gravadora. O sujeito que era para ser recruta
transformei em cantor. Então, eu mudei o
ambiente, saímos do quartel e fomos para o ambiente TV, dos palcos, etc., que
todos nós conhecíamos bem. Era a mesma estrutura com roupas novas.
Aquelas
coisas. Imagino que era inspirado nos musicais dos Beatles, né? Do Help?
Mais ou menos assim, só que a estrutura
era mais tradicional. Eles ficaram entusiasmados. O Jarbas e o Aurélio falaram:
“Você escreve esse roteiro? Tem que ter tantas páginas. Quanto tempo você
leva?”. “Uma semana”, eu disse. Eles ficaram assustados, naquela época tinha
roteirista que pra escrever um roteiro levava um ano. “Uma semana?”. “Claro não
tem mistério”. “Claro, não tem mistério”.
Lógico.
Era um roteiro pra um filme comercial, era um trabalho artesanal.
“Então escreve”, disseram. Comecei. O
Renato Aragão fazia as piadas. Eu punha um X no roteiro que era a piada dele,
entendeu? E o sucesso foi gigantesco. Óbvio que a crítica esculhambou. O
sucesso foi tanto que eles partiam os ingressos em dois e vendiam metade porque
acabaram os impressos. Quase todos os artistas da Jovem Guarda estavam no
filme. Era certo que teria uma resposta satisfatória de público.
Isso
em que ano seu Chediak?
Isso em 1966.
Já
tinha o programa então...
Sim.
É
mais ou menos como se você fizesse um filme com o Luan Santana e todos os
cantores do mesmo estilo dele.
Sim. Mas essa produção não tinha cantores da Jovem Guarda somente, mas do samba também. Tinha Wilson Simonal; Sílvio César, um cantor romântico, um galã; Ed Lincoln que era o maior conjunto de baile do país, etc. Aliás, toco o contrabaixo no conjunto do Lincoln, durante a cena.
Mas
por exemplo: você falou no Glauber. Esse pessoal do Cinema Novo era mais
engajado, do cinema mais militante. E o
Aurélio era um cara mais artesão, fazia filme comercial. Não existiam esses
embates? Não tinha quebra pau?
Não. Pelo contrário. O Aurélio...Todo
mundo gostava dele. Primeiro porque ele era um cara muito autêntico. Me lembro
do Glauber quando chegou com o roteiro do Deus
e o Diabo que o título inicial quase ninguém fala. Pelo menos não vejo na
história do cinema brasileiro falar que o título inicial era Deus e o Diabo na Terra do Arame Farpado.
O roteiro era um catatau gigantesco e o Glauber foi pra casa do Aurélio. Aquilo
era mimeografado e o mimeógrafo era aquele de álcool, não era nem aquele a
óleo, era de álcool. Eu li o roteiro, o Glauber queria saber tudo, perguntava,
ouvia. Fazia isto com todo mundo. Era de uma inteligência fantástica, tá? Um
cara incrível: pedia opiniões, ouvia, anotava. Se você tinha razão ele te
falava. O Glauber não tinha essa coisa que os outros tinham... essa empáfia. O
Cinema Novo é muito do Colégio Santo Inácio, o pessoal do Santo Inácio. O
Glauber era um baiano e era um cara genial, uma inteligência fora do comum.
Aliás, uma coisa que eu vejo... eu conheci Fellini, também, lá na Itália,
convivi com Nelson Rodrigues... Eu vejo que os caras que são gênios são
imensamente bons de coração. O Glauber era de uma ternura tão grande que,
quando a gente se encontrava na praia, ele me segurando o braço e a gente
caminhava com ele segurando meu braço (rindo). A minha mulher falava: “Vocês
estão parecendo duas crianças” (risos).
Ele era assim com todo mundo. Gostava do
toque, entende? Ele era muito afetivo. O Glauber nunca passava por mim, nunca,
sem me parar pra bater um papo e preocupado sempre: “Chediak: o que você vai
fazer? O cinema está acabando”. Se
preocupava com todo mundo. Que ser maravilhoso era o Glauber. E como faz falta.
E
isso mesmo quando você fez filmes comerciais, fazendo outro tipo de cinema.
Nunca ligou pra isso. Foi ele quem deu o
título ao filme da Wanderléa (Juventude e
Ternura, dirigido por Aurélio Teixeira). Tratava todo mundo igual. O
Glauber era de uma afetividade muito grande assim como o Aurélio. Depois eu vim
a encontrar a mesma coisa com o Nelson Rodrigues que era de uma inteligência
indescritível. O Nelson era de uma ternura, de uma assim... me lembro um dia
nós saímos e fomos ao centro. Fomos a um edifício que pertencia à Embrafilme.
Eu nunca peguei financiamento, eu nunca tive nada com órgão governamental. Eu
achava incoerente a esquerda brasileira pegar o dinheiro da Ditadura. Combater
a Ditadura, mas estar pegando a grana. Achava aquilo de uma incoerência
absurda. Mas o Nelson dizia pra mim e pro Nelsinho: “Nós temos que ser vistos
como uma pessoa só” (risos).
Fomos ao tal edifício, estávamos lá no
alto, lá no décimo andar. Ele e eu tínhamos pavor de altura. Então, a gente não
chegava nem perto da janela esperando elevador. Estávamos na fila quando chegou
um crítico, o crítico mais famoso do cinema brasileiro, e cumprimentou o Nelson
e não me cumprimentou. O Nelson notou e falou alto: “Chediak quem é a figura?”.
Eu falei: “É o fulano Nelson”. Ele respondeu: “Cuidado. Todo fracassado é
perigoso”. O tal crítico desceu pela escada. Eu nunca esqueci essa frase do
Nelson.
Qual
crítico seu Chediak? Pode falar?
Não, não. Inclusive porque ele já
morreu. Mas isto não tem importância. Importante é o fato, que demonstra como
Nelson era fiel aos amigos. Então, o Cinema Novo ele tinha ali algumas... por
exemplo, Leon Hirszman quando fez A
Falecida. Me lembro bem dele quando chegou lá no bar da Líder. A Líder era
o laboratório que revelava.
Sim,
sim. Na (rua) Álvaro Ramos?
Isso, Álvaro Ramos. E tinha um bar ao
lado. Eu morei em frente da Líder numa vila de portugueses. Todo pessoal de
cinema ia naquele bar. Muitas vezes eu ficava ali sentado com o Jece (Valadão).
Nesse episódio que estou contando inclusive. Lembro que o Leon (Hirzman,
cineasta) chegou e falou: “Jece: você tem razão. Tem que fazer filme que agrada
o povo. Eu vou filmar Nelson Rodrigues, eu vou fazer A Falecida”. E fez. A
Falecida não foi bem de bilheteria. No mesmo bar o Leon chegou e falou: “O
povo não compreende. Eu não faço filme para o povo. Eu faço filme...” (risos).
O Leon era uma pessoa doce, ele estava meio nervoso porque o Nelson Rodrigues
brigou com ele.
Anos 1970: Braz Chediak, sua esposa Leilany e seu filho Yassir hoje cantor e compositor |
O
Nelson não gostou da Falecida?
Não. Ele ficou inimigo do Leon pelo
resto da existência. Os dois morreram sem se falar. Na realidade, o Nelson
mandou convidar o Glauber pra dirigir... o Glauber falou com o Joffre
(Rodrigues, filho do Nelson) na praça General Osório lá no Rio de Janeiro. Eles
se encontraram na praça, o Joffre falou: “Olha Glauber quero te convidar. O
papai pediu que convidasse você pra dirigir A
Falecida”. E o Glauber falou com o Joffre: “Joffre, sou fã do seu pai. Acho
ele maravilhoso. Mas eu sou autor e ele é autor. Eu só dirijo filme que eu
escrevo mas tem outros diretores..”. Ele passou alguns nomes entre eles o do
Leon (Hirszman) que tinha feito Cinco
Vezes Favela. Aí escolheram o Leon. O Joffre foi fazer o filme, estava muito
contente, o Nelson Cavaquinho fez a música. Muito bonita a música, Luz Negra.
Antes
do senhor dirigir cinema inclusive...
Muito antes. Eu sou amigo do Joffre
antes de entrar pro cinema, pra você ter uma ideia como é antigo isso. Aí o
Joffre estava feliz com aquela coisa toda, o Nelson entusiasmado mas... o filme
não fez sucesso de público. O Nelson Xavier me contou, bem depois, que o Nelson
Rodrigues foi assistir a uma filmagem de A
Falecida. Ele viu uma coisa...O Nelson Xavier fazia o Timbira, creio que
agente funerário. O Xavier fez um personagem muito contido. O Nelson Rodrigues
falou: “Você está parecendo um lorde inglês”. O Nelson Xavier não ouviu e
continuou na mesma linha de interpretação. Muito tempo depois ele me falou:
“Poxa Chediak. Eu não ouvi o Nelson Rodrigues e ele tinha toda a razão”. Hoje
eu falo com muito orgulho que Nelson Rodrigues não permitia que ninguém mexesse
nos diálogos dele.
Em Bonitinha,
mas Ordinária o (José) Wilker quis mudar um diálogo. Ele conversou
comigo... o Wilker era um ator muito disciplinado. Aliás, todos os atores tem
que ser disciplinado, não existe essa coisa...
Alguns
põe cacos, né?
Mas não pode. O caco você pode por no
teatro se o outro ator esquece a fala. No cinema você tem o corte. Não tem
necessidade de caco. Então, o Wilker
chegou e me pediu: “Chediak esse diálogo eu não estou conseguindo falar. Eu
posso mudar aqui, fazer assim, assim?”. Eu falei: “Olha Wilker, isso é Nelson.
Mudar Nelson ou Shakespeare é um pouco temerário, mas vamos fazer o seguinte.
Vamos perguntar a ele. Simples”. Nelson não permitiu e daí em diante não o
chamava mais pelo nome. Ele não perguntava: “Como está o Wilker?”. Ele
perguntava: “Como está o meu concorrente?” (risos). Isto, é claro, como
brincadeira. Ele gostava do Wilker como ator...
Nelson se preocupava com tudo, era
participante, ligava pra Lucélia (Santos, atriz), pra Vera (Fischer), acordando
todo mundo às duas da manhã. Eu tirava o
telefone do gancho porque a minha mulher ficava braba comigo: quando o telefone
acordava as crianças (risos). Um cara maravilhoso, né? Maravilhoso. Comigo, eu
tive essa honra: o Nelson permitia que eu alterasse uma frase ou outra – desde
que mostrasse pra ele.
Mas
o senhor levava ele no set?
Ah ele foi lá...
Mas
não perturbou? Não te atrapalhou?
Nunca.
Porque o Neville (de Almeida) teve uma relação bacana com ele, né?
É...
O
(Arnaldo) Jabor também...
Também. Mesmo com o Leon (Hirzman). Ele
ficou chateado com o Leon porque ele deu um tratamento brechtiano em A Falecida. Mas o Nelson não era de
brigar. Ele brigava por escrito, mas no trato ele era um homem de uma
humanidade fora do comum. Um Dostoiévski, um gigante. Eu gostava muito... Pra
você ter ideia quando tinha um tempo eu ia pra casa dele. Gostava de conversar
com ele. Ele gostava de conversar comigo. Enfim, eu gostava da família inteira.
Mas
o senhor falava até de futebol? De outros assuntos com ele?
Não. Futebol, não. Falávamos de
Dostoiévski, de O’Neal, que ele gostava muito. E do Rio, das ruas, do povo...
Porque
ele gostava muito de futebol, né?
Sim. Adorava.
É
verdade essa história que ele era meio cego? Ou ele via os jogos?
Não, não. Isso é folclore. Tem uma
entrevista do Geneton (Moraes Neto, jornalista) que ele fala sobre o Nelson
(Rodrigues). Se você puder leia na Internet. Acho que era uma Copa do Mundo e o
Geneton chegou lá jovem sem saber que era horário do jogo. E o Nelson estava
comendo... Ele punha um guardanapo, enfiava no colarinho (risos). Ele comia
assim igual criança do interior: pegava o pão, enfiava na xicara de café,
molhava e comia. Eu me lembrava da minha infância... Ele limpava com a boca com
o guardanapo pendurado. Aí o Geneton chegou e falou: “Caramba. Copa do Mundo”.
Pediu desculpas pro Nelson, fez menção de sair. “Não, senta meu filho, senta”.
“Mas o jogo seu Nelson, a Copa do Mundo?”. Ele viu cinco minutos de jogo e teve
um gol. Diz o Geneton no texto que ele nem estava olhando pra televisão. Ele
ficava comendo, aí gritou pra mulher dele: “Elza tira essa máquina daqui”. A
máquina era a televisão (risos). E dona Elza puxou o carrinho e levou a
televisão. Ele, então, conversou com Geneton, deu a entrevista inteira. No dia
seguinte, o Geneton abre o jornal e vê a crônica inteira do Nelson sobre o
jogo. Naquela época não tinha videoteipe. Foi uma das crônicas mais geniais que
li: ele escreveu um texto inteirinho sem ter visto porque ele usou a emoção, e
o ser humano é igual nas emoções. Nelson pegou isso. É genial, um cara
fantástico.
O
senhor falou do Aurélio e de alguns trabalhos com ele. Qual filme dele o senhor
acha melhor? O senhor acha que ele tem um grande filme?
Eu gosto dos filmes do Aurélio porque
são todos populares, sem ser popularescos. Por exemplo: eu acho chato um
longa-metragem de difícil compreensão. Ainda que eu seja uma pessoa que estuda
muito, lê muito. Estudo pelo menos uma hora de filosofia e literatura por dia. Mas
sou povo, venho do povo e procuro compreender tudo, analisar os momentos...O
filme popular eu acho que tem muitos legais.
Claro que...Eu gosto muito do Fellini,
assisto diversas vezes, eu gosto muito de rever e reler, sabe? Então, ás vezes
eu revejo filmes que eu gosto por causa do ator, tipo Um Bonde Chamado Desejo do Elia Kazan. Você ver a uma interpretação
do Marlon Brando e da Vivien Leigh é tomar uma aula. A direção do Elia Kazan, não importa o
posicionamento político dele. Isso é outra coisa. Como diretor ele foi muito
bom. Tennesse Williams, por exemplo, sem ter encontrado Kazan não seria o mesmo,
assim como o Nelson Rodrigues não seria o mesmo se ele não tivesse encontrado o
Ziembinski. Então, eu revejo filmes por
causa do ator, da atriz, por causa do diretor.
Ás vezes...Por exemplo, um dia desses
eu revi O Som e a Fúria adaptado da
obra do Faulkner. O filme é péssimo, é muito ruim, mas eu estava lendo
Faulkner. Pensei: “Vou rever o filme” e continuei achando péssimo. Assim como Os Irmãos Karamazov que pra mim é o
melhor romance já escrito. De repente, fizeram um filme...Hollywood tem isso,
eles fazem. Fizeram o filme com um elenco fantástico: Yul Brinner, aquela Maria
Schell. Que mulher bonita cara, bonita pra caramba. O cara que faz o pai, Lee
J. Cobb, faz o velho Karamazov bêbado, ator genial, atores geniais. O filme é
ruim porque como você vai pegar Os Irmãos
Karamazov que são duas mil páginas e condensar num filme hollywoodiano de
uma hora e quarenta? É difícil. Mesmo o seriado russo que segue o romance a
risca não é bom, entende? Porque a literatura te dá a liberdade de você
imaginar o rosto do personagem, a reação...
E
uma obra grande fazer em duas horas, uma hora e meia não tem como. Você tem que
cortar várias coisas...
Mesmo os filmes autorais: tem um livro
chamado Companheiros de Viagem, escrito por Deocélia Vianna, mãe do Vianinha, o
Vianinha é filho do Oduvaldo Vianna. Foi publicado pela editora Brasiliense em
1984. É um pouco cruel, mas infelizmente é verdade, está no livro e quem quiser
pode procurar nos sebos. Então...Ela conta que quando o Vianinha fez O Desafio,
que é um cult do Cinema Novo, o Vianinha disse pra ela: “Não vai ver não mãe. É
ruim”. Aí ela disse: “Não, mas eu quero ver você meu filho”. “Mãe, a senhora
não vai aguentar dez minutos. Eu não aguentei”.
Qual
o nome do livro?
Chama-se Companheiros de Viagem da mulher do Oduvaldo Vianna e mãe do
Vianinha, Deocélia Vianna. Foi publicado pela Brasiliense, em 1984.
O
senhor trabalhou com o Victor Lima também?
Trabalhei como ator.
Mas
o senhor não foi assistente dele?
Não.
Mas
ele sabia de cinema?
O Victor sabia e muito. Só que ele não
caprichava, entendeu? O Victor sabia de cinema artesanalmente, era bom artesão.
Mas ele queria fazer depressa. Se ele estava filmando aqui e o cenário é um
deserto, por exemplo, mas passou um carro no fundo ele não repetia. Falava: “Se
o nosso público olhar para o detalhe é que não está gostando do filme”. Mas o
público olha pra detalhe, entendeu? Não pode ser assim. Ele filmava muito
depressa. Tudo. Fazia tudo num jogo de plano e contra plano, que na época era
comum. O produtor estabelecia que o diretor tinha que filmar trinta planos por
dia e tinha que fazer trinta planos. Senão, a produção estourava porque não
tinha dinheiro. Ele se preocupava muito em cumprir com os trinta planos e, se
pudesse, mais alguns.
O Aurélio (Teixeira), por exemplo...A
gente teve uma aliança de muita cumplicidade.
Então, a gente sabia que o Jarbas (Barbosa, produtor) ia exigir trinta
planos. Na hora de roteirizar eu punha trinta planos: “Plano 1: close na fulana”. “Plano 2: fulano responde”.
Ficava num pingue-pongue desgraçado (rindo) e dava trinta rapidinho. Na hora de
filmar o Aurélio queria terminar logo, não queria demorar nas filmagens também,
queria ir embora pra beber a caipirinha dele, curtir os animais dele, gostava
muito de cachorro. Ele falava: “Chediak como é a cena?”. Eu falava: “Tem isso,
tal”. Ele respondia: “Vamos fazer tudo num plano só.” E falava com a equipe:
“Coloca o travelling”. Era ele que
determinava o lugar do travelling ou
da câmera... não admitia o fotógrafo colocar a câmera em outro lugar. O Aurélio
ficava bravo quando alguém interferia nessa parte do filme dele. Ele tinha uma
noção muito boa de enquadramento, punha o travelling,
mostrava, andava, dava a marcação pros atores com giz no chão. Mesmo quando era
uma cena exterior no meio do mato falava: “Você vem aqui e para. Olha pra lá,
fala assim e assim”. Ensaiava umas duas vezes e aí ele fazia tudo num plano só.
Os
trinta planos ele fazia num só?
Fazia num só. E ficava ótimo.
Mas
aí ficava mais barato? Ele não ligava pra essas marcações suas então?
Não, não. Era combinado com ele. Eu
exagerava na marcação para que o produtor pensasse que demoraria. Eu fazia
isso. Aprendi com o Dashiel Hammett e o Raymond Chandler no black mask, aqueles romances pulp fiction. No Pulp
Fiction os editores americanos pagavam por linha e aí os autores se
viravam. Mas todos da época sem exceção usavam esse artifício: o Marlowe,
personagem do Chandler em todos os romances ou o Falcão Maltês...como é o nome?
É Spade, Sam Spade.
Sam Spade. Então, ele punha: “Sam Spade
diz: Bom dia!”. Aí na outra linha a secretária respondia: Bom dia!”. Depois
pergunta: “Alguém telefonou?”. Na outra linha ela responde: ‘Não!’. E só nesse
pingue pongue enchia a página. Porque pagavam por página, e eles sempre
precisavam de dinheiro, eram pobres.
O pulp.
É...Então, o cara enchia uma página em
três minutos. Aí o editor percebeu e falou: “Não, agora vamos parar com isso.
Vamos pagar por conto”. Entendeu? Eu já conhecia essa história, então eu falei:
“Vamos fazer isso no roteiro que dá mais margem pra gente não correr”. Porque o
cinema era filmado na rua, como no Neo-Realismo italiano. Não tinha estúdio.
Então,
o Victor (Lima) era bom diretor, sabia de cinema, mas era meio preguiçoso?
Sim.
Como
ele era fisicamente? Não tem fotos dele quase...
O Victor Lima? Ele era um cara muito
estranho assim... um pouco baixo, usava chapeuzinho do Nat King Cole bem
amarrotado. E ele tinha alguma ligação com os Estados Unidos que eu nunca soube
qual, ele ia muito a América. Parece até que ele tinha uma aposentadoria por um
trabalho que ele teve lá. Ou talvez porque ele ajudou o Herbert (Richers,
produtor) a montar o estúdio e o Herbert, no início, me parece que tinha um
americano como sócio. O Victor era um
cara muito gozador, um bom vivant.
Ele falava pro ator: “Você vem dali. Quando você der três passos você olha
assim e continua”. Se o ator esquecesse não tinha problema. Daí pra frente...Até as cenas, ás vezes era uma cena grande, tipo três minutos. O sujeito errava
no primeiro minuto: “Não, não para. Vai”. Entendeu? O que é normal porque o
diretor acompanhar a montagem.
O Nelsinho Rodrigues numa palestra dele
comentou isso de uma cena que nós fizemos com Vera Fisher, em Perdoa-me Por Me Traíres. Eu marquei mas,
na hora da filmagem, Verinha errou. Eu mandei copiar a cena. O Sindoval e o
Nelsinho eram meus assistentes e Nelsinho veio me dizer: “A cena está ruim”.
“Copia”, eu disse. Na hora da montagem ele viu que peguei o começo de uma cena
que estava ótima aí cortei com pedaço que a Vera estava ótima e completei com
outra, entendeu? Ele falou: “Caramba. Ficou perfeita no conjunto”. Porque eu
notei que naquele instante a atriz estava maravilhosa na interpretação: “Esse
instante eu quero. Depois, a gente vê o que faz”. Isso é comum: os diretores
usam desse artifício. Pra isso existe a montagem. Antigamente chamava-se
montagem e hoje é edição. Aliás os amadores daquela época diziam que o filme era
feito na sala de montagem. Não, não era.
O filme é feito na hora em que você filma. Sala de montagem pode dar uma
melhorada, mas não salva filme nenhum. A gente sabe na hora apenas o que pode
ser usado. Com experiência eu sei a hora em que eu vou cortar, entendeu? Está
na minha cabeça, já montada a cena. A sala de montagem é mágica, criadora, mas
não podemos montar o que não existe. Você não vai cortar na hora que o ator
pisca, não é? Então avançamos alguns fotogramas e tiramos a piscada. É isto o
que a montagem corrige.
O
senhor trabalhou com esse diretor também que falam muito pouco dele: Mário
Latini. Num filme chamado Na Mira do
Assassino.
É...Eu trabalhei pouco. Comecei a fazer
um filme com ele chamado Na Mira do
Assassino tinha até um bom elenco: Glauce Rocha, Agildo Ribeiro, Milton
Gonçalves.
Acho
que o Wilson Grey está nesse filme...
O Wilson Grey está em todos (os
filmes), não é? Enfim, mas eu não terminei esse trabalho.
Mas
está o seu nome nos créditos?
Está o meu nome? (surpreso). Não sei, eu
nunca o vi, na realidade. Eu não terminei de fazer... achei que estava tendo
um...Houve um caos no set. O produtor começou a namorar a
continuísta e aí ele chegava lá a continuísta saia com ele...Não tinha quem
fizesse a continuidade. O Latini coitado, passou um aperto...É o único trabalho
dele?
Não
sei, não sei.
Acho que ele tem Sinfonia Amazônica que é desenho animado. Fez com o irmão, o
Anélio..
Sim.
Acho que ele fez o primeiro desenho animado brasileiro.
Com o irmão dele, o Anélio. Mas o Latini
já morreu há muitos anos...
Quando
ele trabalhou com o senhor ele já tinha uma idade avançada?
Não. Não era jovem, mas não era um
velho.
Sim.
Mas ele já era um senhor quando trabalhou com você?
Era. Eu tinha a idade da filha dele, que por sinal era belíssima.
O
Latini era um cara legal?
Um cara legal, ele era um camarada
intelectualmente esculhambado, um anarquista admirável. Ele era inteligente,
era da turma do (Alberto) Cavalcanti. O Cavalcanti trouxe aquela turma toda com
ele, e o Latini era bem próximo a ele. O Latini era de uma loucura alegre,
gostava muito dele...
Mas
ele tentava fazer um cinema clássico?
Não. Era uma esculhambação que, hoje me
indago, proposital? Ele não se preocupava com a posição da câmara, com a lente,
com nada.
Então,
ele ficava meio perdido?
Não sei. Eu era um menino não sabia
muito...Sabia de estudo mas nunca tinha
entrado num set. De repente eu tinha que chamar a atenção dele: “Latini não é
assim”. Os atores...Até o Agildo (Ribeiro, ator) me procurava muito: “Chediak
olha lá: o Latini está pulando o campo...”. Eu não vi o filme, muitos anos
depois encontrei o Latini muito alegre, feliz da vida em Copacabana. Ele me
chamou: “Chediak meu filme está passando em São Paulo e é um sucesso. Só que o
pessoal acha que é comédia e morre de rir. Não entenderam que é um drama”
(risos). Eu falava: “Mas que maravilha Latini, beleza, parabéns”.
Era
um filme policial?
Policial. Mas o pessoal ria. Ele achou
genial o pessoal rindo.
Entendi.
Como ele era fisicamente o Latini?
Magro, bem magrinho. Muito magrinho,
alto, da minha altura...Era advogado, ele vivia da advocacia das pequenas
causas. O cara que roubou uma camisa do vizinho. Um vagabundo que foi bater
carteira...Pequenas causas. O sujeito dava um adiantamento pra ele: cem reais
que seja. Ele pegava a causa, era muito generoso. A mulher dele tinha sido...
Ângela. A segunda esposa dele tinha sido uma das...Como é que chama aquelas da
inauguração de Brasília veio um grupo de mulheres que dançaram frevo? Ela fazia
parte desse grupo que tinha uma música... Não me lembro mais: “Nós somos as
brabuletas de Brasília/ Viemo pra nova capital/ Vuemo tanto meu bem/ Vuemo
tanto que as nossas asas estão cansadas de avoar/ avoar, avoar”. Ela tinha sido
dessas... como posso chamar...uma pioneira, vamos dizer assim.
Entendo.
Mas o Aurélio sabia muito mais de cinema que o Latini?
O Aurélio era um diretor que conhecia
tudo, era muito bom. Vou te contar um fato que é raro de ver no cinema
brasileiro: um dia nós estávamos filmando uma cena. Aí a atriz chegou...O
Aurélio olhou pra ela e falou: “Vem cá. Você está usando âmbar número três”.
Isso
é um perfume?
Não, maquiagem que se usava antigamente.
“Essa luz é pra maquiagem âmbar número dois, não é pra número 3. Fale com a
maquiadora. Se ela não souber me pergunte”. Entendeu? Foi o primeiro susto que
eu levei: “Caramba”. Nós estávamos filmando num barraco em Mangueira e o
fotógrafo era o Ruy Santos. O Ruy Santos era muito premiado. Ele era do Partido
Comunista e tinha vencido muitos festivais nos países socialistas.
O Ruy era interessante, muito meu amigo, ele tinha um tique que atrasava a filmagem. Ele não tirava o cigarro da boca. Ficava com o cigarro na boca. Aí ele tirava o fotômetro e falava: “Diafragma dois oito”, colocava o fotômetro na bolsa, fechava o zíper...E o Aurélio ficava inquieto, nervoso com aquilo. De repente, o Aurélio, só de olhar a iluminação, começou a dizer o diafragma ao câmera, antes do Ruy. Ele se sentia ofendido e me chamava: “Assim não dá pô, o Aurélio pô”. Eu falei: “Faz o filme Ruy. Deixa ele lá.”
Jece Valadão e Glauce Rocha em cena de Navalha na Carne de Braz Chediak (1969) |
Isso
no Mineirinho Vivo Ou Morto?
Foi Mineirinho.
O
senhor falou muito do Aurélio. O que ele achava do Cinema Novo? Ele achava
legal?
Ele não ia a cinema. Nunca. Pra ele
assistir Os Companheiros do Mário
Monicelli foi preciso eu inventar uma história como se fosse lá na terra dele,
entendeu? Porque eu via ele contando do pai dele que era italiano, era
descendente de Gianini. Aí ele foi ver o filme por causa disso.
Não
ia mesmo?
Não.
Curioso.
Mas ele era tão querido e mesmo assim ele não via os filmes dos colegas? Dos
contemporâneos, do Cinema Novo?
Não, nada. Detestava sair de casa.
Detestava festa, quando ia à Fiorentina era só com a Gracinda, eu, o Jece,
Leila (Diniz) e alguns outros pouquíssimos amigos.
Ele
era ranzinza?
Nada. Gostava de ficar sentado no
lugarzinho dele fumando pra caramba e tomando a caipirinha. Adorava piadas,
causos brasileiros...O Aurélio tinha a casa dele, os cachorros, só uma vez por
semana saia com a Gracinda. Fizeram uma peça juntos dirigida pelo Grizolli: Onde Canta o Sabiá do Gastão Trojero.
Nesse trabalho ele atuava como ator completamente chateado (rindo). Ele
detestava sair de casa. O Roberto Farias quando foi fazer o Selva Trágica chamou o Aurélio para
fazer um papel, porque ele estava sem dinheiro, precisando trabalhar. E quando
eu falo duro em cinema significa-se que ele estava a zero, não é duro entre
aspas não. O Aurélio estava nessa situação, então o Roberto falou: “Eu tenho um
papel...”. O Aurélio olhou e falou assim: “Roberto, faz o seguinte: deixa eu
ficar com o gerador” (risos). O Roberto falou: “Não, não, no gerador já tem o
cara da elétrica, você vai de ator. O papel é bom”. Ele, então, fez a seguinte
proposta: “Eu trabalho de ator, mas também fico no gerador”. Isto porque o
gerador ficava no meio do mato e ele, que gostava de mato, ribeirão, etc.,
ficava ali tomando uma caipirinha, ouvindo os passarinhos...
Resumindo: ele fez o papel dele e o
filme foi pra Cannes. E ele foi junto. Foi pro festival ele, o Reginaldo
(Farias), o Roberto (Farias), aquela turma toda. E eu me lembro que perguntei
pra ele: “Que que você achou de
Cannes?”. “O uísque é bom”. “Mas e a cidade?”. “Não sei. Eu desci do
aeroporto, fui pro hotel, fiquei bebendo uísque. Um dia bateram na porta, me
puseram num carro para o aeroporto e voltei pro Rio”. Era um gozador, mas
acredito que foi isso o que ele viu em Cannes. Detalhe: o filme passou e nas
cenas em que o Aurélio aparecia ele era aplaudido de pé.
Olha
só...
A crítica botou ele lá em cima.
E ele...
Não estava nem aí. Não ligava. Você vê
as comédias que ele fazia na época das chanchadas, ele fazia muito bandido,
tinha uma cara de bandido nessas comédias. De vez em quando vejo ele
contracenando com o Jô Soares. O Jô Soares é bom ator. Nas chanchadas, fazia
também bandido eram bem definidos os caras que tinham cara de bandido.
Sim.
Eram definidos: os cômicos, os galãs...
E o Aurélio era excelente, foi criado
dentro da Vera Cruz. Por isso ele sabia tudo: foi eletricista, tudo, tudo que
você imaginar ele passou. E a maneira...Todo ator que trabalhou com o Aurélio
jurava nunca mais trabalhar com ele. Todo ator depois que passava o filme ia na
casa dele: “Aurélio, vamos fazer outro trabalho juntos?”. Porque enquanto
estava filmando o ator estava possesso da vida achando que estava fazendo um
trabalho ruim. Quando via o resultado final dizia: “Caramba. O cara é genial”.
Entendeu? Ele sabia captar o momento exato, sabia dirigir.
Não
tinha teoria nenhuma?
Não.
Era
um operário mesmo do cinema no sentido do autodidata, né?
Operário e talentoso. E um cara que na
realidade sabia tudo. Você veja a segurança que ele tinha: primeiro, o ator
para discutir com ele era muito difícil porque ele era um ator maravilhoso. O
técnico...Ele sabia tudo: fotografia, campo, maquiagem. Até de elétrica...
Elétrica?
Tudo, tudo. Maquiagem, luz, refletor.
Durante uma filmagem, quando ele parava pensativo e prestava atenção...Logo,
logo ele chamava o responsável pelo setor e dizia: “O refletor está errado.
Nessa cena não é o mil, é o quinhentos”. E era. Entende? Muito técnico, acho
ele um cara injustiçado.
Sim.
Sempre pouco citado na história do cinema...
Sim. Acho injustiçado porque ele fez
bons trabalhos. Foi muito importante. Você vê que a casa dele era frequentada
pelo Cinema Novo. Ele recebia todo mundo, trocava ideias. Ele era muito amado
pelo pessoal de cinema, sabe?
Ele morreu com quantos anos mais ou menos?
Não lembro. Mas jovem...
Não
tinha 50 anos?
53 anos.
E
ele é de Santana de Parnaíba (cidade do interior de São Paulo)?
Santana de Parnaíba. Tem um sobrinho
dele que mora lá, o Piá que é diretor de novela. O Luiz Antônio Piá que até fez
assistência...O Piá chegou a assinar uma direção em conjunto com ele no Soninha Toda Pura.
Com
a Adriana Prieto, não é isso?
Adriana Prieto. Produzido pelo Jarbas com o Carlo Mossy.
E
o Aurélio gostava do Jece? Se deram bem pelo que o senhor sabe?
O Jece? O Jece e o Aurélio fizeram
juntos dois filmes. Nós fizemos...O Mineirinho.
Sim.
O Mineirinho e depois ele fez outro
filme pro Jece: Os Raptores?
Os
Raptores.
E o Jece ficou nessa época...Ele era sócio do Herbert (Richers, produtor) em
alguns filmes. Ele produzia também junto com os estúdios usando o nome dele que
tinha bilheteria e ele era bom ator. E o Jece montou a Magnus Filmes. Foi
quando ele foi fazer o primeiro longa-metragem dele, eu fui convidado para ser
assistente. Não aceitei, disse: “Jece não vou aceitar porque eu estou no
Herbert e logo vamos começar um novo filme daqui dentro de alguns dias”. Aí ele
me fez uma...Proposta. (rindo). Ele falou: “Você ganha quanto?”. Naquela época
a gente ganhava por semana. Em cinema era por semana. Falei: “Eu ganho X”,
vamos dizer assim para hoje, vamos por...Aproximado hoje dois mil reais por
semana. “Dois mil Jece”. Naquela época era cruzeiro, estou citando como
exemplo: “Dois mil dólares”, pronto. Aí ele falou: “Faz o seguinte: eu vou te
pagar oito mil dólares por semana”. Eu falei: “Pô, é uma grana!”. Eu gastava
muito, era boêmio. Para você ter ideia na época não tinha carro, pegava táxi.
Então, eu gastava demais, não cozinhava, não tinha empregada, empregada só
limpava a casa e ia embora. Eu comia em restaurante: Fiorentina, Luca’s, entre
outros. Então, o meu gasto era muito alto. Aliás, o de todos nós daquela turma
de cinema. Em seguida eu fui trabalhar com o Jece. Nisso eu conversei com o
Aurélio: “O Jece está montando a Magnus e está sozinho. Eu vou fazer com ele
alguns trabalhos. Você podia ir”. “Vamos passar, então, pra Magnus”. Passamos
pra Magnus, levamos o Hélio Silva e começamos a trabalhar com o Jece. E o
relacionamento era ótimo com todo mundo. O Jece era uma pessoa... muito
interessante. Porque ele era o cafajeste, o cara que brigava, mas era tudo
mentira. Ele não brigava, isso era conversa. O Jece não andava sozinho,
entendeu? Pra ele atravessar a rua não era sozinho. Ele tinha uma mania, ficava
puxando um chaveiro. Então, se ele fosse tomar um café na esquina tinha que
alguém acompanhá-lo.
Ele
não gostava de ficar sozinho?
Não. Uma noite o pai dele, seu Copertino,
adoeceu. O velho morava em Cachoeiro (do Itapemirim, Espírito Santo). Eu me
lembro que o Jece chegou na minha casa de madrugada quatro horas da manhã,
muito preocupado.“Chediak, meu pai está ruim. Tenho que ir lá. Vem comigo”.
“Jece eu não posso”. “Não, Chediak. Vem comigo. Sozinho não dá...”. Eu falei:
“Tá bom”. Levantei, tomei um banho rápido, me vesti, entramos no carro...E assim fui várias vezes para Cachoeiro
naquele ano, porque ele não ia sozinho.
Mas
é longe...Isso é quantas horas do Rio? Seis horas?
Por aí. No fundo, Jece era um
solitário...Tinha uma boate, Le Bateau, que estava na moda. E eu me lembro de
que o Jece queria ir lá, ele estava paquerando uma moça e ficou me enrolando.
Na Magnus. Não fechava o estúdio e quando eu fazia menção de sair ele puxava um
assunto. Então, falei: “Jece: o que está acontecendo?”. “É que eu marquei com uma menina no Bateau e
você vai comigo”. “Eu vou contigo? Você vai encontrar uma mulher e eu vou ficar
na mesa com você ali feito um... de jeito nenhum cara”. “Não, não. Você arruma
outra lá”. Eu lembro que nessa noite nós estávamos sentados quando chegaram o
Jorginho Guinle e a Ionita. A Ionita era muito minha amiga e sentaram com a
gente. De cara senti que o casal não estava bem, brigavam. Para piorar, a
garota que marcara com o Jece estava demorando. Caí fora. Ao mesmo tempo o
Valadão tinha atitudes inesperadas. Era estranho. Porque um dia, ele sabia que
a gente estava lá trabalhando e colocou outro cara, sem falar com ninguém. Nós...
isso era sagrado: seis horas parávamos o trabalho, íamos pra sala dos
diretores, tomávamos um uísque, ficávamos bebendo. Éramos o Aurélio, o Oliosi
(José Oliosi, diretor de produção), eu, o Carlos Alberto Souza Barros...Enfim,
uma turminha. Eu me lembro como se fosse agora: assim que cheguei e falei pra
secretária: “Vê os copos e o gelo pra nós”, ela disse: “Chediak, tem uma ordem
aí que não é pra beber mais no escritório e tem um horário de chegada de cada
um na parte da manhã”. “O quê?”. “Acabaram de colocar um aviso, um cronograma”.
Li o tal cronograma, pregado num quadro na parede e falei: “Tudo bem. Não estou
nem aí”. Saí e encontrei o Aurélio na portaria do prédio: “Chediak, você vai
onde?”. “Eu vou beber na Fiorentina”. “Ué, acabou o uísque?”. “Não pode mais,
Aurélio. Agora a Magnus tem cronograma”. O Aurélio com toda delicadeza, foi lá,
viu o tal cronograma e falou pra secretária: “Fala pro fulano que fez enfiar o
cronograma no rabo” (risos). E fomos pra Fiorentina...O Jece foi lá: “O que
houve?”. “Jece, pelo amor de Deus, cara. Não vamos seguir isso aí”. Aproveitei
e falei: “Tem outra coisa. O filme que você vai fazer vai ser uma merda”.
Qual filme que
era?
Eu não lembro. Era um com ele e com o
Rubens de Falco (ator). Eu falei: “Você tem cara de bandido. Você vai fazer o
mocinho...O Rubens de Falco que é um cara bonito, tem cara de galã vai fazer o
bandido? Na hora que você for salvar a mocinha o pessoal vai falar: ‘Vai
currar’. E esse filme vai fracassar”. “Pô, vocês não querem que eu mude a minha
imagem?”. Falei: “Porra, você conseguiu
construir uma imagem, coisa rara. Quem conseguiu isso foi o Humprey Bogart, o
Robert Mitchum. Você conseguiu cara, você quer destruir? Eu estou fora”.
Aurélio completou: “Eu também estou fora.” Acabou. Encerrou a parceria. Mas isto
era nos filmes, como amigos continuamos a nos frequentar, conversar...
Quando o senhor conheceu ele já estava casado com a Vera (Gimenez)?
Não. Quando o conheci o Jece era casado
com a Dulce Rodrigues, irmã do Nelson Rodrigues. Com quem teve dois filhos: o
Alberto Magno e a Stella. A dona Dulce era a irmã caçula do Nelson. Ele
escreveu Valsa Número 6 para ela. Era
atriz e gostava muito dela. Ela já morreu, eu gostava muito dela, me tratava
como se eu fosse um filho. Mas um dia ela teve um pequeno atrito comigo e com
toda a razão. Dou toda razão a ela porque eu fui preso.
Como
foi isso?
Duas horas da manhã, cara. Eu não tinha
a quem recorrer... estava na delegacia. Preso. Na realidade eu fui pra
encontrar com uma moça num bar, uma menina com quem eu saía. De repente parou
um monte de carro da polícia e prendeu todo mundo. Chego à delegacia e está um
detetive que era figurante de cinema, famoso, talvez o figurante mais conhecido
chamado Paulo Copacabana. Pesquise que você vai ver. O Paulo Copacabana me viu
e cochichou: “Chediak o que está acontecendo? Daqui você vai pro DOPS. De lá
ninguém sabe o rumo”. Quer dizer... era perigoso. “Mas pô, eu estava esperando
uma moça”. “Fala aí pros “home””. Falar o que? Ele me falou: “Nós vamos sair. O
delegado vai fazer um lanche. Pega um telefone e liga pra quem você conhecer”. Eu
liguei pra um cara que eu conhecia, expliquei, e ele me xingou: “Isso é hora de
telefonar? Você se mete em política...” Porque ele pensou que eu estava nessa
reunião... era uma reunião do Partido Comunista ou um grupo de guerrilha, se
reunindo no bar. Não tinha a quem recorrer. Liguei pro (Jece) Valadão.
Ele foi lá e ele me tirou. Dona Dulce,
quando soube brigou com ele: “Mas o Chediak foi preso. Fui lá tirar o Chediak”,
ele disse. “Não acredito. O Chediak nunca foi preso.” Alguns dias depois, ela
me perguntou, me convidou: “Chediak você quer jantar aqui em casa?”. “Vou sim
dona Dulce”. Fui: “Você foi preso Chediak?”. Falei: “Fui preso”. Contei o caso,
mas ela não acreditou.
Como
assim?
Ela
achou que eu tinha combinado com o Jece pra ele sair. A Dona Dulce achava que
ele tinha ido encontrar outra mulher.
Ah entendi...
Então quando você conheceu o Jece ele ainda era casado com a Dulce?
Era. Tempos depois ela me perdoou, me convidou, inclusive, pra dirigir uma peça com ela como atriz. Eu não quis dirigir, não aceitei porque estava em outro projeto.
Mas ela era uma
pessoa doce pelo que você está contando...
Muito,
muito. Maravilhosa.
Porque
no livro de memórias do Jece ele conta que casou com ela por interesse.
É meio cafajeste em falar isso. Pode
ser...Claro.
Não sei. Mas
está escrito isso...
Não devia (risos). E os filhos que
ficaram? Porque ele era um galã, o Jece era um cara galã na sua juventude...
E
a Vera Gimenez?
Era linda. Que mulher bonita. Creio que
ele a conheceu quando ela trabalhava na Sincro, mas não tenho certeza. E era
boa atriz. Só faltou a ela a oportunidade de trabalhar com um bom diretor de
atrizes e num filme de grande história, bom texto.
O senhor chegou
a conhecer aquele irmão do Nelson que morreu quando caiu o prédio: o Paulinho?
Eu
não conheci.
Mas sabia dessa
história?
Lógico. Eu sabia porque na noite em que aconteceu o fato eu também estava ilhado. O Rio estava ilhado. Nessa época eu morava em Copacabana, mas choveu em todo Rio durante um tempão. Houve muito desabamentos. Pra você ter uma ideia até a minha casa...O desabamento quase chegou nela. Aquilo foi por minutos, sabe? O Nelson...Isto quem me contou foi o Joffre, filho do Nelson. O Nelson tinha brigado com o irmão e ele não brigava com a família, a família era sagrada pra ele. Então, o Nelson estava numa tristeza profunda e o irmão dele, o Paulo, ligou pra ele depois de alguns dias afastados. Isto para o Nelson era uma angústia, um drama. Então, o irmão ligou e convidou ele pra jantar lá, acho que era aniversário do Paulo não me lembro. O Nelson ficou feliz, explodindo de alegria e chamou todo mundo: “Vamos, vamos”. Se vestiram, o Joffre foi dirigindo e caíram num engarrafamento. Isso quem me contou foi o Joffre...E o Nelson nervoso: “Vamos meu filho”. “Papai está engarrafado. Como vamos?”. “Meu Deus...Vamos chegar atrasados”. O Nelson Rodrigues tinha mania da pontualidade. Resumindo: ele chegou uns quarenta minutos depois do prédio ter desabado. Se ele chegasse na hora teria morrido também.
Porque
nesse livro de memórias do Jece ele conta que iria para o apartamento do
Paulinho também, mas como choveu muito acabou ficando num cinema.
Isto ele nunca me falou.
Existe
muito essa acusação que o Jece foi próximo aos militares. Até porque ele foi
teve cargos na Embrafilme ou do INC. Ele era próximo dos militares?
Não, não. Ele nunca foi presidente nem
teve cargo na Embrafilme, nem do INC, nada.
Mas
ele não foi indicado?
Não, não. Pelo contrário: ele não foi indicado e eles boicotavam o Jece. O Jece quando jovem foi do Partido Comunista junto com o Nelson Pereira dos Santos. Só que o Jece saiu do partido e isso era uma atitude imperdoável na época. Mas ele nunca ficou do lado dos militares.
O
senhor tem certeza disso?
Certeza ninguém tem, de nada. Mas, enquanto eu estava trabalhando na Magnus ele nunca foi do lado dos militares.
Mas
do Jece conviver, dele ir a bares...
Não, não. Ele ia aos bares que todos nós
íamos. É como falei. Ia com o Aurélio, comigo, com o Carlos Alberto e, depois,
com a Vera Gimenez. Quando começou a namorá-la só saía com ela.
Porque
há muito esse rumor que o Jece era um homem de direita e que ele teria essa...
Não, não. Não era. E detalhe: todos os
filmes dele eram censurados. Se fosse ele não estaria nem aí. A Censura não ia
mexer com um cara próximo aos militares, né? E conseguiria financiamento fácil,
não é? A direita também tinha uma pinimba com ele.
Sim,
sim.
Então, ele está assim... por exemplo:
quando eu fiz Navalha na Carne nenhum
produtor queria fazer. Ele fez. Nós recebemos recado: “Não façam”.
Sim,
o Plínio (Marcos, dramaturgo) era visado demais.
A única coisa que o Jece me falou foi o seguinte: “Chediak, não pode passar de dezoito dias e dezoito latas de negativo. Porque esse filme vai ser preso”. Eu disse: “Tudo bem”. Nós fizemos, não foi preso, mas foi censurado. Tive de refazer a dublagem, fui chamado a Brasília também... tinha muitos obstáculos, vamos dizer assim, mas demos a volta por cima.
Engraçado.
Existem histórias muito danosas a figura do Jece. Porque ele era um produtor
popular...Acho que o cinema brasileiro é muito ingrato nessa parte?
É. Como dizia o Tom Jobim: “Pro
brasileiro, o sucesso alheio é ofensa pessoal”. O ser humano. O ser humano é
perverso, entendeu? Teve um crítico...Não vou citar nome de quem já morreu, que
não está aí pra se defender. Fica ruim. Nós fizemos um longa-metragem e teve um
crítico que fez uma reunião no jornal dele. Ele era o chefe dos críticos e
falou: “Esse filme do Chediak vai ser lançado. Fulano e ciclano vão meter o
pau. Beltrano e aquele outro falam que é muito ruim, mas defendem a
interpretação do ator tal”. Aí uma jovem jornalista que estava lá disse: “Pera
aí. Nós não vimos o filme”. “Não interessa”. Ela teve dignidade: “Eu não vou
fazer isso”. Saiu de lá e foi na casa do Nelson Rodrigues e falou com o
Nelsinho: “Nelsinho
aconteceu isso, isso, isso”. Aí ele me chamou, me comunicou a história toda. Detalhe:
ela pediu demissão do jornal. Ela foi muito digna. Peguei o telefone e liguei
pro jornal: “Quero falar com o fulano”, o crítico. Aí ele atendeu como se nada
tivesse acontecido: “Chediak e aí rapaz? E o filme sendo lançado? Como está?”. Eu
falei: “O negócio é o seguinte: você na passa de um canalha. Você fez isso,
isso e isso”. “Eu? O que é isso?”. “Fez. Então, se você falar do meu filme eu
vou aí dentro do jornal e acerto com você, seu vagabundo. Pra mim você não
passa de um mau caráter”. Esculhambei. O jornal não deu uma página, uma linha,
nem pra dizer: “Hoje o filme passa em tal sala”. Nada, nada. Ele falou:
“Boicota o filme inteiro”. Então, havia isso, entende? Dentro do cinema, essa
divisão.
Sim. E muitas vezes as pessoas nem estão aqui pra
se defender. O senhor chegou a falar com o Jece depois que ele virou
evangélico?
Sim (rindo).
O senhor acredita que ele era evangélico mesmo?
Não. Foi até engraçado quando eu falei com o Jece...Eu liguei pra ele
para pedir uma declaração: “Jece como está?”. “Chediak, estou bem. Encontrei
meu primeiro amor”. Eu falei: “Porra Valadão de novo. Você vai casar mais uma
vez?”. Ele falou: “Não Chediak não estou falando de mulheres”. “Está falando do
quê?”. “De Jesus. Meu primeiro amor foi Jesus, ele está do meu lado”. Falei:
“Vá se danar, Valadão” (risos).
Entendeu? Eu não acreditei. Ele falou, voz calma: “Chediak: eu estou
falando sério”. E me contou a história da conversão e que estava com uma mulher
evangélica, que era pastor, tal. “Ah tá bom. Estou acreditando”, eu disse com ironia.
Aí eu fui ao Rio, encontrei com um amigo nosso Zé Oliosi que era diretor de produção.
E o Oliosi me confirmou. O Jece Valadão tinha virado pastor evangélico. Acho que ele se
converteu mais porque estava sem dinheiro que por fé. Ele estava...
Mal de vida?
Ele não conseguia trabalho, ele não fez
bons negócios. O Jece não era um trambiqueiro, entendeu? Pode ser...Não estava
bem, não estava.
Ele
trabalhou numa novela da Globo (Bangue-Bangue)
mas já morreu no primeiro capítulo.
É...Fez. Até falei com ele: “Jece, você
devia entrar pra Record”. Ele falou: “É muito complicado, Chediak. A briga lá é
entre os bispos”. Porque a Record é isso, não é? Tem um amigo meu que trabalhou
lá e me falou a mesma coisa. Se a novela está indo bem pra caramba, está ótima,
chega um bispo e manda mudar: “Muda de horário”. Não são executivos como na Globo. Então...Não acredito. Essa última esposa do
Jece eu não conheci. Dizem que era uma mulher bonita.
Nesse
livro ele fala mas já evangélico conta da conversão, encontrou o verdadeiro
amor e não era mais mulherengo (risos). Essas coisas...
Pois é.
O senhor
conheceu muito o Adhemar Gonzaga?
Conheci. Conheci na Cinédia. Eu tinha
feito um filme como ator com o Victor Lima, um papel pequeno, mas tinha fala, contracenei
com a Renata Fronzi. Quando cheguei lá no estúdio dele, não sei quem me levou,
não me lembro acho que foi o Mário (Latini, cineasta) quem me levou. Quando me
apresentaram pro Gonzaga: “Esse é o Braz Chediak que está começando no cinema”.
Ele falou: “Ah sim, ele fez o filme tal, o papel tal”. Eu falei: “Poxa, você
sabe?”. “Sei”. Ele sabia tudo...Ele pegava os filmes, registrava em fichas e
até figurante ele punha. O arquivo dele...Era uma enciclopédia o Gonzaga. Ele
anotava de punho numas fichinhas e tinha um fichário assim...Imenso.
Nossa, e ele já
bem idoso...
Sim. E ele me disse, conversamos muito,
a Alice (Gonzaga) era a filha, ficava sempre próxima a ele. A mulher do Gonzaga
era interessante. Ela era artista de circo e mãe da Renata Fronzi. A Renata era
minha vizinha...Nós morávamos na mesma rua, na Sá Ferreira. Morava no edifício
lá...No mesmo edifício morava o Pedro Bloch, médico e dramaturgo. Fez sucesso
com As Mãos de Eurídice. A Renata era
casada com o César Ladeira.
O senhor chegou
a conhecê-lo?
Sim, ele morreu em 1969, creio. Tinham
dois filhos: o Cesinha e o Renatinho que formaram com o filho do Lívio Bruni um
conjunto de rock chamado Os Bolhas. Até hoje eles mexem com música. Um deles
morreu agora esse ano, não é? E morava...Do lado de cá morava o Jorge Dória que
era um figuraça, o Jorge foi muito meu amigo a vida inteira. Morava... Muita
gente do meio..
O Adhemar, o
senhor conheceu pouco?
Conhecia...Fizemos uma amizade, ele era
uma pessoa legal. O Adhemar era um cara maravilhoso, contador de história,
ótimo. Ele falou comigo: “Chediak deixa comigo: você vai aprender a fazer
cinema. Eu vou te ajudar”. Eu falei: “Está bom Seu Gonzaga”. “Você vai ser
assistente do Lulu de Barros”.
Olha só...
Aí eu falei: “Está bom... Lulu de
Barros”. “Deixa que eu vou falar com o Lulu”. Ele não era de adiar. Falou logo
com o Lulu de Barros. Eu morava na (rua) Sá Ferreira e o Lulu morava numa
pracinha chamada praça Sarah Kubitschek perto da Sá Ferreira. O Lulu falou:
“Manda ele me procurar”. O Adhemar foi a
minha casa, ele era muito gentil: “Chediak você vai trabalhar de assistente do
Lulu. Pra aprender a fazer cinema”. Eu fui...Engraçadíssimo porque o Lulu
tinha uma mania. Ele ficava mordendo os dedos, sabe? E ele tinha um cachorro
boxer que ficava mastigando junto com ele. O Agildo Ribeiro que era um
excelente comediante também percebeu e o imitava de maneira magistral: “Chediak
olha o cachorro”. “Já vi. Ele fica mastigando com o Lulu”. “Parece um com o
outro”. “É mesmo parece”. Bem, o Lulu preparou um filme que era passado na
Segunda Guerra...Escolheu elenco, aquela coisa toda. Ele pediu um navio pra
Marinha pra colocar a equipe e o elenco pra sair em alto mar e avisou à equipe
e ao elenco: “Se alguém enjoar está fora. Não tem conversa”. “Tudo bem”. Nós
fomos, ele foi o único que enjoou pra caramba. Aí suspendeu o filme, acabou o
filme. Me lembro que no elenco estava o Agildo e o Milton Rodrigues que depois
foi para o México.
Só
ele da equipe toda passou mal?
Só ele que enjoou. Eu te confesso que me
senti mal mas...Ele vomitou literalmente. Acabou o filme. O Lulu tem passagens
ótimas. É folclórico. Tem um filme
daquelas bailarinas que ele raspou a perna e ele mesmo fez a bailarina que
faltou às filmagens. Aquelas pernas no can
can parisiense, em primeiro plano, são dele, entendeu? Tem um
longa-metragem dirigido por ele, não lembro qual, mas o John Herbert...Acho
que é Eles Não Voltaram.
É sobre a
guerra?
Sim. Parece que o ator principal era o
Johnny. Começou a filmar e em dez dias de filmagens ele ficou intrigado. O
acerto era de sete dias. Então, ele decidiu pedir um aumento. O Lulu falou:
“Não. Vamos discutir isso depois das filmagens. Agora vamos fazer umas cenas
aqui, vou fazer um plano assim... você corre e pula naquele buraco”. O Johnny,
que fazia um soldado, pulou. Lulu filmou, então, a trincheira explodindo: “Seu
papel terminou”. Corta... Chega o Blackout com a carta pra dar a notícia: “Tem
notícia ruim pra senhora”. Aí a mulher olha, começa a chorar. A menina que está
fazendo a limpeza chega e começa a falar com o Blackout, acompanha os dois, a
cena continua e continua o filme (rindo). O Blackout vira galã. O Lulu fazia
isso... era folclórico. Mas ele entendia. O primeiro longa-metragem dele, esta
história eu não presenciei porque nem
era nascido...Ele fez uma sessão. O público não gostou. Ele pegou o copião e
botou fogo. Esse era Lulu de Barros.
Tem
um filme que ele fez sobre a vida do Sinhô. Chama-se O Rei do Samba. O Carlão Reichenbach me contou que viu esse
filme. O senhor chegou a ver?
Não.
Cheguei
a ver poucas coisas dele, mas bem chanchada assim...
Ele fazia muito. Outro cara que era
cineasta e pouca gente sabe é o Trigueirinho Neto. Mora aqui em Carmo da
Cachoeira (interior de Minas), o Trigueirinho Neto.
Ah o
Trigueirinho mora aqui em Cachoeira?
É...Ele tem uma fazenda aqui. O
Trigueirinho é igual papa: ele anda com aquela roupa, aquela santidade e
cercado de seguranças. Ele não anda com menos de dez, quinze. Está muito velho.
Ele dirigiu o Bahia de Todos os Santos
que era muito bom. Eu assisti, mas na época eu era menino, mas lembro de que
gostei...Ele já devia ter seus trinta anos...Hoje eu estou com 76, ele deve
estar com noventa. Mas está vivo. Encontrei com ele...Não falei com ele porque
não sou ligado a essa religião.
Ele é de uma
religião?
Ele
é o cara máximo de uma religião. Tem seguidores, um feudo inteiro.
Tipo o Inri
Cristo?
Muito mais. Ele tem uma comunidade aqui.
Mas o Trigueirinho tem assim...Essa coisa em volta dele, deve ter mais de cem
livros publicados. Ele é rico. Eu encontrei com ele quando eu fui fazer um
exame de sangue num laboratório que faço anualmente e coincidiu o dia. Não
gostei porque ele veio com aquele monte de gente... eu queria encostar o meu
carro. “Pare”. “Parar o quê caramba?”. Achei estranho um cara vestido tipo
padre, mas era um negócio listrado, me mandar parar. Ele não dá entrevista, mas
o pessoal que frequenta o Trigueirinho fala muito bem dele.
O
senhor chegou a ser próximo do Miguel Borges? Ele morava aqui em Minas também.
Morava em São Lourenço.
O Miguel no fim da vida mudou para cá
(Minas Gerais). Também estava numa situação bem difícil não é? Parece que
estava doente, diabético. Ele veio morar pra cá, mas eu não tinha muita
intimidade com o Miguel, entendeu? Não sei...A gente conversava de vez em
quando. Chegamos a fazer filme no mesmo estúdio. Ele era bom teórico.
Como
cineasta ás vezes...
É...Teórico marxista. E depois ele se
ligou ao Ipojuca Pontes no governo do Collor, aquela coisa de
Embrafilme...O Miguel sempre foi muito
político, entendeu? Ele sempre estava metido num negócio assim. Um dia nós
tivemos uma briga muito séria que confesso que eu perdi um pouco as estribeiras.
Perdi o limite.
O
senhor foi meio grosseiro?
Fui...
O
senhor deu porrada nele?
Que é isso? Não. Quando falo em
grosseiro, é com palavras. Não sou de briga física. No final tudo terminava em
uísque na Fiorentina.
O
senhor falou um pouco do Lulu (de Barros). Vocês só conviveram juntos nesse
projeto?
Sim. Não fomos amigos pessoais, até por
causa da diferença de idade...De vez em quando a gente se encontrava porque
morávamos próximos e ele também estava muito velho. Naquela época ele já devia
estar com uns oitenta anos, por aí.
O
Carlos Machado... quando foi que o senhor trabalhou com ele? Conviveu com ele?
Não trabalhei com ele. Eu digo no meu
livro o seguinte: o Carlos Machado foi um grande produtor... tinha dois
produtores de Teatro de Revista: ele e o Walter Pinto. O Walter Pinto também
fui vizinho dele já na (rua) Nascimento e Silva. Ele era tio da Ângela Leal que
é mãe da Leandra Leal. Então, Walter Pinto é tio da Ângela, tanto que o Teatro
Rival era do Walter Pinto e ele deixou de herança pra família...Creio que no
final ficou pra Ângela, que é ótima atriz. Os dois eram grandes no segmento: o
Carlos Machado e o Walter Pinto. O primeiro era um pouco mais chique porque os
espetáculos dele eram realizados no Copacabana Palace ele dizia o seguinte: “As
vedetes que trabalham comigo não podem tomar sol”. Isso era especificado em
contrato. Hoje, a televisão também especifica, como Hollywood acho que
especificava. Porque se você vai fazer um filme, algum número musical,
peça, a maquiagem não é absorvida numa
pele que tomou muito sol. Entendeu? As vedetes dele eram maravilhosas... ele
mandava buscar vedete na Argentina. Tinha mulheres lindas: Irma Alvarez,
Conchita Mascarenhas, uma mulher maravilhosa, bonita pra caramba. A Nélia
Paula, a Wilza Carla que era incrivelmente bonita.
Sim
quando nova.
Não era tão cheinha. Depois engordou.
Dizem
que o Getúlio namorou ela.
É...Dizem também que o Getúlio namorou
a Virgínia Lane. Virgínia Lane que gravou aquela música Sassaricando. Diziam que o Getúlio era amante dela...Pode ser
porque ele gostava muito de artistas. Ele convivia, assim como o Jango. Ele na
época era solteiro, namorou a Luely Figueiró, atriz, excelente atriz inclusive.
Eu lembro da Luely e tinha uma irmã dela, a Leda.
Leda
Figueiró era atriz também...
Sim. Fez alguma coisa também.
Mas
e o Carlos Machado...
O Carlos Machado. Então, eu só o conheci
assim, de bar, de teatro...Não tínhamos relação de amizade. Eu era mais de
cinema. O Lívio Bruni, por exemplo. O Lívio era um capitalista de cinema, dono
da rede Bruni, uma poderosa rede. O Lívio se dizia meu amicíssimo. Eu dizia:
“Não é amicíssimo, é meu amigo”. Eu conhecia o Lívio porque era cineasta e
moramos na mesma rua, porque o filho dele tinha um conjunto com os filhos do
César Ladeira com a Renata Fronzi. Era tudo na mesma rua e o Lívio era um tipo
interessante. Minha última mulher, no dia em que a conheci, a convidei pra ir à
Fiorentina. Chegamos lá e começamos a bater papo. Estava nos conhecendo. Quando,
do nada, chegou o garçom com uma champanhe Moet Chandon. Olhei pro lado e era o
Lívio, sentado numa mesa próxima, ele que tinha enviado pra nós. Era um gentleman.
2 comentários:
FIZ UM FILME CHAMADO OS MANSOS ERAM TRES EPISÓDIOS E UM ERA COM O AURELIO, FOI NESSE FILME QUE EU FIQUEI PELADO CORRENDO NA PRAIA DE IPANEMA PRODUÇÃO DA SINCRO FILMES DO PEDRO ROVAI E EGON FRANK E FOI AI QUE ACABOU A CAMPANHA DO TEOBALDO PARA O GUARANA ANTARCTICA.
Excelente! Importante documento sobre a história do cinema brasileiro.
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