COALHADA VAI EMBORA
O humorista não está
satisfeito com os atuais jogadores do futebol brasileiro e faz uma série de
propostas para atrair o público brasileiro de volta.
A vida do humorista
Chico Anysio sempre foi marcada por grandes mudanças. Ele já teve quatro
mulheres e, desde 1960, muda de cara todas as semanas, quando interpreta 1709
personagens diferentes, que divertem milhões de pessoas. Também no futebol, seu
esporte preferido, Chico trocou três vezes de time. Voltou a ser vascaíno, sua
primeira paixão. “Esse negócio de clube do coração é pura bobagem”, afirma. Por
gostar tanto de futebol, Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, 57 anos,
concordou em atrasar por uma hora as gravações de seu programa especial de fim
de ano, nos estúdios da Cinédia, no Rio de Janeiro, e conversou com o repórter
Jorge Luiz Rodrigues.
Apesar de não perder os jogos do Vasco no Maracanã e em São Januário, sempre acompanhado de Bruno, um dos seus cinco filhos, Chico acha que o futebol está sem graça e até sugere diversas mudanças em suas regras. “O Brasil não é mais o país do futebol”, acredita. “Os clubes estão cheios de ‘Coalhadas’”. É o retrato fiel de muitos brasileiros que sempre imaginaram ser craques e, na verdade, nunca foram.
PLACAR-
Por que você resolveu trocar o América pelo Vasco?
CHICO- Você está
surpreso? Já fui Vasco e Flamengo antes de torcer pelo América e voltar a ser
vascaíno. Quando torcia pelo Vasco, os dirigentes deram bilhete azul ao técnico
Gentil Cardoso em 1952 assim que ele ganhou o título estadual. Era uma manobra
para trazer Flávio Costa de novo. Achei uma injustiça e mudei para o Flamengo,
que tinha ficado em sétimo lugar, atrás até do Olaria.
PLACAR-
Para você, então não existe esse negócio de “clube do coração”?
CHICO- Exatamente. Essa
história de “vira casaca” é uma bobagem sem tamanho. Sou o único torcedor
carioca tetracampeão. Fui campeão com o Vasco em 1952 e tri com o Flamengo em
1953, 1954 e 1955.
PLACAR-
E o que fez você mudar do Flamengo para o América?
CHICO- Fui Flamengo até
1961. Um dia, Fadel Fadel (ex-presidente
do clube) fez uma grande safadeza com o Fleitas Solich. Aí tirei o que
tinha de sujo na camisa e ela ficou só vermelha (risos).
PLACAR-
Por que você desistiu do América?
CHICO- Fui América até
completar 50 anos. A equipe precisava empatart com o Náutico, em São Januário,
se quisesse passar para a segunda fase do Campeonato Brasileiro. Era um jogo do
qual eu não tinha medo. Aí, o América perdeu de 3 x 1. Quando a partida
terminou, resolvi mudar. Não posso passar minha velhice preocupado. Fim de
semana é para se divertir e não para sofrer. Voltei a ser Vasco, clube que eu
nunca deveria ter abandonado.
PLACAR-
Mas você não acha estranho tantas mudanças assim?
CHICO- Nunca li que
fosse errado mudar de time. A gente muda de partido e não é “vira-voto”. Muda
de mulher e não é “vira-mulher”. Muda de religião e não é “vira-cruz”. Muda de
rua e não é “vira-placa”. Muda de tudo, menos de mãe. Torço por um clube, não
por um time. E um clube que toma uma atitude errada, feia, me perdoe.
PLACAR-
Só que isso não aconteceu com o América, não é?
CHICO- O América
deveria ser o “Clube do Bairro”. O dinheiro que ele perde no futebol deveria
ser aplicado no basquete, na natação, no vôlei. Não há torcedores suficientes
para abastecer tantos clubes como no Rio de Janeiro. Roma tem dois: a Roma e a
Lazio. Turim tem dois: a Juventus e o Torino. Milão tem o Milan e a Inter.
Porto Alegre tem Grêmio e Internacional. O América tinha que esquecer o
futebol.
PLACAR-
Seu filho Bruno torce pelo Vasco e joga no Flamengo (veja o quadro na próxima
página). Você vê algum problema nisso?
CHICO- Se ele jogar
pelo Flamengo contra o Vasco, vou torcer perlo Flamengo feito um louco. Para se
ter uma ideia, o Vasco fez um gol contra o São Paulo, em São Januário, já
algumas semanas e eu fiquei muito triste. Não vibrei porque foi um frango de
Gilmar, que é meu amigo. Só fiquei contente quando o São Paulo empatou.
PLACAR-
Você se comporta como qualquer outro torcedor?
CHICO- Pode parecer
estranho, mas eu nunca gritei “gol” em toda a kmia a minha vida. Vejo o futebol
de longe, atento. Já fui comentarista da TV Excelsior, de 1963 a 1966, e não
sigo só a bola. Não pude continuar porc causa dos meus shows.
PLACAR-
Ultimamente, o Coalhada e o Meinha, seus dois personagens que são jogadores de
futebol não têm aparecido no Chico Anysio Show. O futebol está em baixa para o
humor?
CHICO- Nada disso. A
baixa do futebol é gerada pela economia do ái;s Eu apenas quis dar um descanso
aos dois.
PLACAR-
Quais são seus outros personagens que poderiam falar do futebol atual?
CHICO- Justo Veríssimo
(político que odeia pobres) seria um
deles, mas acho que não vale a pena mexer nisso. Está tão ruim a situação do
futebol! Não sou favorável a pisar mais quando já está ruim. Mas não está feio
só o futebol. Está feio também para o país.
PLACAR-
Apesar de tudo, você continua indo aos estádios, não é?
CHICO- Tenho ido a
praticamente todos os jogos do Vasco, no Rio, pela Copa União. Mas a minha
empolgação não é a mesma. Sou de um tempo em que o torcedor ia ver Danilo
marcar Zizinho, e os dois saíam como os melhores em campo. Agora, num jogo,
vemos no máximo 50 minutos de bola e o resto de catimba. Não perco uma partida do
Campeonato italiano, aos domingos, na Rede Bandeirantes. Parece até outro
esporte. A bola não para. O futebol daqui está saindo de moda. Se continuarmos
assim, vamos virar Honduras.
PLACAR-
Em sua opinião, qual é o melhor time do momento?
CHICO- O melhor time
para se torcer é o “Juan Figer” (risos).
Esse empresário tem os melhores jogadores.
PLACAR-
Você acompanha o noticiário esportivo?
CHICO- Leio tudo, até a
Gazzeta dello Sport, o maior jornal
esportivo da Itália, todas as segundas-feiras. Enquanto o espaço do futebol nos
jornais brasileiros está cada vez menor, a Gazzetta dá três páginas só de
Segunda Divisão. Aqui ninguém sabe nem a cor da camisa do Nova Cidade (novo integrante da Primeira Divisão Carioca).
Num dia desses, peguei o Jornal do brasil e tomei um susto ao encontrar o
noticiário de surfe na página nobre do futebol. É um absurdo!
PLACAR-
O que está faltando para o futebol brasileiro sair desta crise?
CHICO- Falta mais
divulgação. O futebol deixou de ser uma festa. O preço do ingresso ficou muito
caro. Só que, se colocarem o ingresso muito barato, a renda não cobre as
despesas.
PLACAR-
Qual é a solução?
CHICO- Seria necessário
mudar as regras. O futebol continua sendo a mesma coisa há anos.
PLACAR-
Você teria alguma sugestão para essas mudanças?
CHICO- Muitas. Tinham
de ser dez jogadores de cada lado, e não onze. Assim, seriam criados mais
espaços no campo. Em vez de duas substituições, eu permitiria três em cada
tempo. A lei do impedimento tinha de ser mudada. Eu traçaria uma linha no prolongamento
da grande área e só haveria impedimento ali.
PLACAR-
Só isso?
CHICO- Não. O tamanho
do gol precisa ser aumentado. Lateral tinha de ser cobrado com o pé. Jogador
que saísse de maca não poderia voltar antes de 5 minutos. Jogador que cometesse
falta e saísse com a bola tinha de levar cartão. Jogador que fosse expulso não
deveria sair de campo na hora. A penalidade seria aplicada no jogo seguinte,
com suspensão, para não estragar o espetáculo do treinador.
PLACAR-
E o que você acha dos dirigentes?
CHICO- Aí tinha que
começar tudo de novo. Não há calendário. Tivemos quatro jogos da Copa União
aqui no Rio no mesmo dia.
PLACAR-
Você se interessa por outros esportes?
CHICO- Estou até
achando que o nosso esporte é o automobilismo. Já temos seis títulos mundiais,
sem contar as inúmeros conquistas de F´órmula Ford, Fórmula 3000, Fórmula 3 e
pilotos brasileiros que brilham na Fórmula Indy. Mas eu me interesso por todos
os esportes. Outro dia, fui dormir ás 4 da manhã para assistir à luta do
“Sugar” Ray Leonord. O esporte é o meu grande hobby.
PLACAR-
Você pratica algum esporte?
CHICO- Agora não tenho
tempo. Mas já joguei futebol no Fluminense, em 1946 e 1947, como juvenil. Nadei
no Fluminense e joguei basquete no colégio. Fui até cestinha. Em nenhum par-ou-ímpar
era o último a ser escolhido (risos).
Estava começando no meio artístico e não valia a pena continuar.
PLACAR-
O que o motivou a criar os personagens Coalhada e Meinha?
CHICO- Foi a paixão do
brasileiro pelo futebol. Ainda se fala que o Brasil tem o melhor futebol do
mundo. Nós não somos o país do futebol, mas tivemos Pelé e Garrincha, os dois
melhores jogadores de todos os tempos. Essa é a diferença. Se Garrincha fosse
chileno, o Chile seria campeão do mundo em 1962 – como a Argentina, com Maradona,
foi campeã do mundo em 1986. Desde que Pelé parou, não ganhamos mais nada. Fui
criado levando pau da Argentina, com exceção do tempo em que tivemos Pelé e
Garrincha.
PLACAR-
A Argentina é melhor que nós?
CHICO- Houve uma época
que havia dez jogadores brasileiros na Europa e cento e poucos argentinos por
lá. Agora, essa situação se inverteu porque nossa moeda não vale nada e a dos
argentinos, apesar da inflação, vale mais.
PLACAR-
Nossos jogadores atuais não lhe agradam?
CHICO- Nossa realidade
hoje é Zé do Carmo, Nílson, Geovani. Na posição que joga Geovani, hoje, com
muito brilho, ele não teria vaga na Seleção de 1970. Pois se Ademir da Guia não
foi...Eu fico vendo as pessoas satisfeitíssimas com o ataque do Flamengo, que
tem Sérgio Araújo, Bebeto, Luvanor e Zinho. Compare com Joel, Rubem, Dida e
Zagalo. Onde jogaria o Bebeto?
PLACAR-
Você quer dizer que não há mais craques?
CHICO- O grande craque
do Flamengo é o Zico, que tem 35 anos. E joga livre, pois, se tocar nele, é um
drama.
PLACAR-
Estão sobrando “Coalhadas”?
CHICO- Há muito tempo.
Tem até demais. Coalhada é aquele cara que nunca fez nada e tem a impressão de
que fez.
PLACAR-
Quem é Coalhada hoje em dia?
CHICO- O torcedor já
sabe quem são os do seu time (risos).
PLACAR-
Se Coalhada retornasse ao seu programa agora, como seria?
CHICO- Posso revelar
que Coalhada vai voltar em 1989. Só que jogando na Itália.
Chico Anysio tem cinco
filhos. O mais velho, Lugui, 31 anos e o do meio Ricardo, 18, torcem pelo
Flamengo. Nizo, 24 torce pelo Goytacaz. O caçula, Cícero, 5, e Bruno, 11, são
vascaínos. Bruno Mazzeo de Oliveira Paula, aliás, enfrente atualmente uma
pequena crise existencial: atua na escolinha do Flamengo. Ele mesmo fala sobre
o assunto, esta minientrevista.
PLACAR-
Como você se sente torcendo pelo Vasco da Gama e vestindo a camisa do Flamengo?
BRUNO- Só fui jogar lá
porque é perto da minha casa. Minha mãe (a
atriz Alcione Mazzeo, ex-mulher de Chico Anysio) não deixou eu ir para o
Vasco porque e muito longe.
PLACAR-
Você é craque ou “Coalhada”?
BRUNO- Sou um volante
razoável, mas o que eu quero mesmo é ser ator, como meu pai.
PLACAR-
Chico Anysio dá força para que você continue jogando?
BRUNO- Ele nunca foi
ver um jogo meu, mas fica entusiasmado quando falo sobre isso.
PLACAR-
Você concorda com a tese de seu pai de ter um time de coração é pura bobagem?
BRUNO- Sou Vasco até
morrer. Só se o Vasco acabasse eu pensaria\ em escolher outro clube.
Publicado originalmente
na revista Placar, edição 964, 25 de
novembro de 1988.
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