O eterno perdedor Íbis
MEIO SÉCULO NA PIOR
Por Jorge Luiz
Rodrigues
Com uma história cheia
de goleadas humilhantes e personagens pitorescos, o Íbis completa 50 anos de
vexame
O dia 16 de abril de
1989 tinha tudo para entrar na história do Íbis Sport Club, do Recife. Já
acabara o primeiro tempo e os poucos mais de cinquenta espectadores no Estádio
do Arruda testemunhavam o que parecia impossível: com um gol de Derivaldo,
cobrando pênalti, o Íbis vencia o Estudantes de Timbaúba. “Temos de nos fechar
e jogar no erro deles”, dizia um entusiasmado Derivaldo, em meio os eufóricos
companheiros, durante o intervalo. Era a esperança de vitória que o time não via
há onze meses, desde os 2 X 0 no Sete de Setembro, em maio de 1988. Pois
continua sem ver. Final do jogo e o Estudantes virou o marcador para
humilhantes 5 X 1.
Quer dizer, goleada
humilhante para qualquer outro time. Mas o Íbis não é qualquer um. Basta ver os
números. Entre julho de 1980 e junho de 1984, por exemplo, passou exatos três
anos, dez meses e 26 dias sem vencer – foram 54 partidas, 48 derrotas e seis
empates. Um autêntico recorde, mas não o único. Outra marca insuperável são as
23 derrotas consecutivas em 1981. Ano em que o Íbis perdeu todas as partidas
que disputou no Campeonato Estadual.
Um retrospecto que
levaria qualquer clube á extinção. Mas não o Íbis. Ele chegou a seu
cinquentenário, comemorado sem estardalhaço no dia 15 de novembro do ano
passado, dentro da filosofia de seu presidente Ozir Ramos, no cargo há 31 anos.
“O Íbis é como paixão de bêbado por cachaça”, compara. “Sabe que faz mal, mas
não larga o vício”. Afinal, como lembra Ozir, para o time rubro-negro mais que
competir “o importante é existir”.
Nessa dura existência
do Íbis não faltam personagens pitorescos fora de campo. O zagueiro Omar, filho
do presidente, é delegado, o ponta Miratan comissário de polícia, e o volante
Xuxa, vigilante. Pelo menos, segurança não falta ao time. Muito menos gráficos,
estudantes, professores, comerciantes, funcionários públicos e até um
cabelereiro. É o apropriadamente batizado Mauro Shampoo, camisa 10.
Dono de dois salões de
beleza, Shampoo se considera o mais bem sucedido do time. Por incrível que
pareça, o responsável é o próprio Íbis. “As partidas ajudam a me promover como
cabelereiro”, contra o responsável pela cabeça de mais de vinte jogadores de
outras equipes, entre eles Betão, lateral do Sport, e Rinaldo, hoje
centroavante do Fluminense. O problema é que Shampoo não retribui o favor. Ele
está há três anos no clube e nunca sentiu o gostinho de vitória. “O time só
ganhou quando eu não estava em campo”, explica sem jeito. Não é um caso único.
O centroavante Alexandre também está “invicto”. Pior, não marcou um gol sequer
em dois anos. Como castigo, virou goleiro reserva do time.
“Pior que o Íbis só o meu salário”, completa o volante Xua, ainda encontrando humor para falar do time. Nem a falta de recursos parece irritá-lo. “Difícil mesmo é sustentar mulher e quatro filhos com os 93 cruzados novos que ganho como vigilante”, explica. Na verdade, o próprio Íbis, em matéria de finanças, não fica longe de Xuxa. Em dia de jogo, a condução fica por conta dos jogadores. “Nossa concentração é o ponto de ônibus. E quem, quiser bicho tem de esticar até o jardim zoológico”, brinca o zagueiro Iaúca.
Com um pouco de
imaginação, pode-se fazer um contrato vantajoso. No fim dos anos 70, o Íbis
estava desesperado atrás de um goleiro. O atual preparador físico Carnaval era
uma boa opção. Só não havia dinheiro para contratá-lo. “Se me derem uma
dentadura nova, eu topo”, propôs o jogador. O negócio foi fechado na hora.
Infelizmente, desde
então, Carnaval não teve muitos motivos para rir. Em 50 anos de vida, possui
pouco ou quase nada do que orgulhar: o título juvenil de 1946 – o único de sua
história – e a inacreditável vitória de 1 X 0 que tirou o derrotado Sport da
luta pelo título de 1970.
Tantas histórias vão
virar documentário. Um projeto do jornalista Pedro Osterno. “Vou mostrar o lado
poético desses cinquenta anos”, explica. Ele só não sabe onde vai exibir a sua
obra. “O futuro do documentário é tão incerto quanto o do Íbis”, admite.
Exagero. Na vida do eterno derrotado Íbis nada é mais previsível que o futuro.
CRAQUE TAMBÉM NASCE NO
ÍBIS
Se o time tradicional
só dá vexame, as divisões inferiores do Íbis, pelo menos, têm um passado
glorioso. Além do título estadual juvenil de 1946, quatro ídolos passaram pelo
clube no início de carreira. “Foi lá, em 1947, que dei meus primeiros passos no
futebol”, lembra o centroavante Vavá, bicampeão mundial em 1958 e 1962. Outros
dois ex-jogadores da Seleção Brasileira usaram a camisa rubro-negra foram o
lateral santista Rildo, em 1959, e o meia-direita Bodinho, sensação do
Internacional, de Porto Alegre, na década de 50. Mais recentemente, foi a vez
de outro colorado, o meia Vasconcelos, hoje no La Serena, do Chile.
Nos tempos atuais, os
juniores seguem o figurino dos profissionais. Em 1988, o Íbis só venceu dois
jogos, um deles por WO. Nas duas primeiras partidas do Campeonato Estadual, a
garotada já levou dezenove gols: Santa Cruz 8 X 1 e Náutico 11 X 0. “É difícil,
mas não podemos desanimar”, argumenta o técnico Paraguai. Assim, logo cedo,
eles já aprendem o que é ser um jogador sofrido do Íbis.
Publicado originalmente
na revista Placar, edição 986, em 12
de maio de 1989.
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