terça-feira, 16 de novembro de 2021

VSP Entrevista: Satã

Satã: um dos maiores coadjuvantes do cinema da Boca. Foto: Matheus Trunk

O centro de São Paulo continua o mesmo. O Cine Marabá também está lá. Mas modificado como multiplex. “Você precisava ver isso aqui quando tinha lançamento de filme. Eram filas e filas”, recorda-se com espanto Melquíades França Netto. Aos 73 anos, ele mora no bairro de São Mateus, zona leste e dificilmente vai ao centro da capital paulista. “É longe. Tudo mudou muito rápido”, afirma espantado. Mas esse simpático senhor foi testemunha ocular de outro tempo do centro de São Paulo. Se você inquirir pelo seu nome de batismo dele entre os antigos da Boca paulista quase ninguém se lembrará dele.

Mas se você perguntar por Satã todo mundo sabe quem é. Alto, robusto e forte, ele esteve presente em mais de 25 longas-metragens nacionais entre as décadas de 1970 e 1980. “Gostava mais quando puxava pra ação, aventura, policial”, diz sorrindo. Satã teve inúmeras ocupações antes de vir para o cinema. Foi engraxate, vendedor de balas, trabalhou em obra. Mas foi quando era lutador de telecatch que conheceu o homem que mudou a sua trajetória: o ator e cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão. “Ele é um segundo pai que esteve na minha vida. Um grande homem”, fala emocionado. Satã tornou-se motorista e segurança de Mojica. Eles estiveram juntos em vários episódios e muitos filmes. Colecionaram histórias juntos. O fortão também teve tempo até para ser capa do disco A Peleja do Diabo Contra o Dono do Céu (1979) do cantor Zé Ramalho. “O Zé Ramalho era fã do Mojica e onde ia o Mojica eu ia também”, diz sorrindo.

Satã também esteve presente em inúmeras produções da rua do Triunfo. Sua presença era obrigatória quando precisavam do tipo físico forte ou com cara de mal. “Não me importava o tamanho do papel ou o tipo de filme. Podia ser uma ponta ou um papel menor. Eu fazia”. É interessante notar que ele esteve em longas-metragens de diretores diversos. Do premiado A Próxima Vítima de João Batista de Andrade até As Prisioneiras da Ilha do Diabo de Agenor Alves. Do cult O Abismo de Rogério Sganzerla até o pornô Um Pistoleiro Chamado Papaco de Mário Vaz Filho. Satã encontrou-se comigo num boteco na avenida São João e contou suas histórias. Desde a infância em Minas Gerais até chegar no cinema da Boca. Passando pelo telecatch, José Mojica Marins e de como ganhou seu endiabrado pseudônimo. “Eu sou bastante religioso, católico. O apelido é do trabalho não tem nada haver com a realidade”.
  
Satã na avenida Ipiranga, centro de São Paulo em 2019...

E o mesmo ator na mesma avenida em frente ao Marabá em 1983

Violão, Sardinha e Pão- Seu Satã, o senhor nasceu em Mateus Leme? Quando foi? O que os pais do senhor faziam?

Satã- Bom...Eu nasci em Mateus Leme (cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais) e com a idade de um ano eu fui pra Belo Horizonte. Aí mais ou menos com vinte ou vinte e um anos eu vim pra São Paulo. Aqui em São Paulo eu estou até hoje. A minha chegada aqui foi meio embaraçosa...Porque eu cheguei sem conhecer nada, sem conhecer a idade. Eu tinha a minha irmã aqui que já morava a algum tempo, mas eu não ficar muito na saia dela o que eu fiz? Eu fui me virar sozinho. Assim que eu cheguei fui procurar um serviço sem saber se era pra esquerda, se era pra direita, onde eu ia ficar. Entendeu? Eu pensei: “O primeiro serviço que eu encontrar é aqui que eu vou ficar”. Aí arrumei um serviço, sabe onde? Na obra.

VSP- Construção civil?

S- Construção civil. Foi na (rua) Florêncio de Abreu com...Perto da (avenida) Tiradentes. Na Ecisa. Trabalhei na Andrade Gutierrez, na Camargo Correia. Aí eu fui...Eu comecei de auxiliar, entende? De cachimbo, meia-colher.

VSP- Preparava a concreto?

S- Na obra a gente faz de tudo, né? A gente faz de tudo. Aí depois nessa época para cá...No decorrer da obra tinha um senhor na rua Mauá. Ele via eu trabalhando lá deu ir me esforçando lá de segunda a segunda. Aí aos domingos ele me chamava pra ir na casa dele. Um senhor que nessa época...Tinha uns setenta e poucos anos. Uns oitenta e poucos. Porque os filhos dele já tinham casado, ele tinha um casal de filhos. Aí de domingo eu ia pra lá e passava o dia com ele. Era bem de frente ao serviço, entendeu? Tinha um pessoal que frequentava a casa desse senhor que era lutador. Era o Hélio Silva, era o Aquiles, era o Volpe. Eles frequentavam uma casa de ferragem porque o dono da casa de ferragem era o empresário deles. Entendeu? Naquilo lá eles viram o movimento lá. Aí um dia o Hélio Silva me convidou para ir na academia dele justamente era no (largo do) Paissandu (centro de São Paulo), no primeiro andar. O primeiro andar inteiro. Entendeu? Aí vim pra aqui e comecei a treinar com eles. Aí daqui fui pra...Fiquei um bom tempo treinando com eles. Nessa época eu conheci o pai do Éder Jofre.

VSP- Seu Kid Jofre?

S- É...Acho que ele era italiano. Ele tinha uma academia aqui na rua Genebra, entendeu? Ele tinha academia na rua Genebra. Aí eu lutei boxe lá com ele, luta livre com ele, tudo misturado. Me preparando, me preparando para tudo. Porque em Belo Horizonte eu era bagunceiro. O negócio meu era só brigar, só brigar. Qualquer coisinha era briga de época.

VSP- Pera aí. Só pra gente voltar. O senhor ficou pouco em Mateus Leme? A infância do senhor foi em Belo Horizonte?

S- Ah não...Em Mateus Leme eu só nasci. Com a idade de um ano eu já fui pra Belo Horizonte. Em Mateus Leme eu só nasci, o meu pai me registrou lá e eu vim pra Belo Horizonte.

VSP- O que os pais do senhor faziam?

S- O meu pai mexia com roça. Meu pai trabalhava nisso.

VSP- Na lavoura?

S- Lavoura, pedreira, essas coisas assim. Batuta. Lá no interior de Minas eles falam: “Esse é o batuta” (rindo). Entendeu?
 
VSP- E a mãe do senhor dona de casa?

S- Dona de casa.

VSP- E o senhor tem muitos irmãos?

S- Somos em cinco. Éramos seis, mas um morreu. Tem...Eram seis, morreu um e ficamos em cinco. Moram todos em Belo Horizonte.

VSP- O senhor estudou até qual série? O senhor chegou a estudar na infância?

S- Não. Eu estudei até a quarta série. Entendeu? Inclusive eu pretendia estudar aqui para fazer a oitava série. Porque na minha época lá pegava o diploma só até a quarta série, entendeu? Mas isso tinha que lutar muito: trabalhar de dia, estudar a noite pra completar os estudos.

VSP- Em Belo Horizonte o senhor ficou até com que idade?

S- Vinte.

VSP- E lá o senhor chegou a trabalhar com alguma coisa?

S- Trabalhava. Lá em Belo Horizonte o que aparecesse eu fazia. Fui camelô, fui engraxate, fui motorista. Com doze, treze anos eu já trabalhava na Igreja São José na avenida Afonso Pena, entendeu? Conhece lá? Na época tinha o padre José. Na época, os donos de lá era o padre José e Paulo Estevão Portugal. Eles eram os donos de lá, entendeu? Eu com doze, treze anos já era o manobrista na Igreja São José.

VSP- Então o senhor ficou bastante tempo em Belo Horizonte. O senhor conhece bem...

S- Praticamente eu conheço lá como a palma da minha mão.

VSP- Qual bairro que o senhor morava lá?

S- No antigo Pau Comeu. Hoje chama-se bairro Primeiro de Maio. Você conhece bem lá? Belo Horizonte?

VSP- Um pouquinho. Não muito.

S- Conhece a Renascença? Depois da Renascença. Quem vai pra Santa Luzia (cidade da região metropolitana de Belo Horizonte)...

VSP- Ah, sim. Esse é o caminho pro Aeroporto de Confins?

S- Ah, mas na época que eu saí de lá não existia esse Aeroporto de Confins. Era na Pampulha. Depois...

VSP- Mas ali é Vespasiano, aqueles lados ali?

S- Sim. Vim pra cá: treinei, treinei. Depois passei pra profissional e lutei bastante tempo na Gazeta. Fiz algumas lutas com o Paulista de Guarulhos na Band...

VSP- Mas só voltando. Em Belo Horizonte o senhor via cinema?

S- Não saia de lá. Eu era o vendedor de bala do Cine Brasil, colocava o tabuleiro. Cinema lá, sabe como era? A gente trabalhava de engraxate até uma hora. Até uma hora, dez pra uma. Dez pra uma descia, corria e ia pro bandejão. Hoje é a rodoviária. Do lado tinha um bandejão, sabe? E o Cine São Geraldo era na Lagoinha perto do bandejão. Então, todo dia a gente ia pra cinema. Trabalhava um pouco o que tinha pra fazer na parte da manhã e depois ia pro cinema no Cine São Geraldo. Depois ia lá e assistia os filmes até quatro horas da tarde. Depois trabalhava até sete horas da noite e vinha embora. Entendeu?

VSP- Que tipo de filme o senhor via na época?

S- Olha...Mais aventura. Ainda mais naquela época tinha bangue-bangue. Muitas vezes a gente não ia pelo filme, entendeu? Sabe o que tinha? Episódio. A gente ia ver os episódios. Então, eram os seriados igual novela. Entendeu? Na melhor parte o que eles faziam? Cortava. Parava, por quê? Pra enrolar o público pra voltar no outro dia. Entendeu? O filme era o mesmo mas a maioria do pessoal não ia pra assistir o filme. Eles iam pra ver o seriado. Entendeu?

Mojica e Satã em Brasília (1978)

VSP- Sim. Parece que o Zé do Caixão o senhor chegou a ver lá um programa em Belo Horizonte. O senhor chegou a ter algum contato com os filmes dele?

S- Não. Lá a gente via os filmes dele na televisão. Entendeu? Inclusive os filmes dele passavam na televisão. Inclusive na vila onde eu morava só tinha uma televisão que pegava em preto-e-branco. Sabe? Que era... A gente ficava lá até tarde uma hora, duas horas da manhã. Por quê? Pra assistir o filme do Zé do Caixão, pra assistir o Haway 250 ou senão tinha um outro....O filme que passava a gente assistia no decorrer da noite. Somente nessa casa tinha uma televisão num boteco...Porque lá não se fala bar, nem venda, era no boteco. Entendeu? Aí ficava aquela molecada vendo os filmes que se passavam no decorrer da noite.

VSP- O senhor veio pra São Paulo com vinte anos?

S- Vinte.

VSP- O senhor veio para cá buscando algum trabalho? Ou algum de sonho de profissão?

S- Primeiro eu tinha que pegar qualquer coisa que viesse pela frente. Porque eu não queria depender da minha irmã que morava aqui (em São Paulo). Inclusive ela ficou mal de mim por vários anos por causa das atitudes que eu tomei.

VSP- Sério?

S- É...

VSP- Os irmãos do senhor são todos assim altos, fortes? Ou senhor é o mais...

S- Agora até que eu estou fraquinho (risos). Eu sou o mais forte. Eles quase que não praticaram esporte os meus irmãos.

VSP- Mas na família o pai do senhor era assim?

S- Era. Senão fosse mais alto. Seu Claudiomiro.

VSP- Claudiomiro.

S- Meu pai era Claudiomiro. Minha mãe chamava-se Vicentina de Jesus. Então...Aí quando eu cheguei em São Paulo fui fazendo as lutas. Aqui no Paissandu era um encontro nosso toda segunda-feira.

VSP- Do telecatch?

S- Telecatch. Pra poder pegar show. Hoje não tem nenhum cirquinho aqui. Hoje em dia o negócio do circo tem no primeiro andar aqui na galeria.

VSP- Sim, fizeram um memorial. Mas tinha um Café dos Artistas?

S- Sim...Não tem o Ponto Chic? Então, aqui na praça. Entendeu? Aqui ficavam duzentos, trezentas pessoas de segunda-feira.

VSP- Tonico e Tinoco, Tião Carreiro?

S- Tudo. Tudo quanto é tipo de show caia pra cá.

VSP- E vocês iam pro interior lutando o telecatch? Como era isso?

S- Olha, a minha agenda...A minha e do Michel Serdan, você sabe como era? A gente marcava daqui a vinte e um dias pra ter vaga pra poder apresentar. Porque a minha agenda já estava lotada. Ás vezes nem mudava de praça e a gente já estava marcada a data. Mas isso acabou que a praça fechou e não tem. Pra você encontrar um circo aqui é mosca branca.

VSP- Sim, sim. Mas naquela época o circo...

S- Não...Qualquer lugar que você chegasse tinha dois, três circos. Muitas vezes a gente fazia...Sábado e domingo a gente fazia dois circos. Dois shows a noite e um durante o dia que era a matinê. Entendeu? Era tanto circo que tinha que a gente fazia dois, três circos.

VSP- Era o senhor, o Serdan e mais quem?

S- Ah, a equipe era grande.

VSP- E o Serdan um cara muito legal?

S- Tranquilo.

VSP- Ele é pai ou irmão do Paulo Serdan?

S- Pai. Os dois sempre se falaram muito bem.

VSP- Mas essas lutas do telecatch eram arranjadas ou de verdade?

S- Não...Entenda bem: existe a luta-livre e existem vários tipos de lutas. Para você chegar, pra eu começar a fazer um show...Porque a luta-livre é um show. Pra você fazer esse show você tem que passar por diversos tipos de artes marciais. Sabe por quê? Porque você tem que estar preparado pra tudo. Você vai passar numa cidade, certo? E se tiver um desafiante com vale-tudo. Certo? Você tem que encarar. Quer dizer, a luta-livre é só show. Tem tudo marcado: “Show de luta-livre”. É um show, um espetáculo. Mas ali todos estão preparados, entende?

VSP- Se acontecer uma eventualidade?

S- Isso, tranquilo.

VSP- Mas vocês se machucavam?

S- Machucava. Sabe por quê? Em cima do ringue é tatame. Tem tatame, tem lona que é mais macio. Agora no chão duro quando vai pra fora não tem. Então, quando você voa...Voo que tem o que acontece? Você já voa na altura em quase dois metros e salve-se se puder. Entendeu? Pra isso você tem que estar treinado a cair. Aí você vai se acostumando. Acontece de você se machucar.

VSP- O senhor e o Serdan eram lutas de verdade? Ou mais show?

S- Não, não. Só show.

VSP- E o senhor ganhava bem? O senhor gostava do negócio de telecatch?

S- Olha: ali era um cachê, entendeu? Não era mal. Aí depois que eu e o Michel Serdan passamos a ser sócios aí a coisa complica. Eu e o Michel Serdan complicam em que sentido: muitas vezes você põe dinheiro do bolso e muitas vezes você tira dinheiro do bolso. Muitas vezes mais tira que põe porque você já sai de casa com uma despesa alta. Aí você vai chegar em determinado show e se não der bilheteria?

VSP- Aí você fica com o prejuízo. É uma aposta, né?

S- Sim. Inclusive eu e o Michel Serdan tivemos um bom tempo um programa no ar no canal 7.

VSP- Na Record?

S- Na Record.

VSP- Era o Gigantes do Ringue?

S- Gigantes do Ringue.

VSP-Era o Ted Boy Marino?

S- Não. O Ted Boy Marino era de outra época. Quando era aqui na rua das Palmeiras, entendeu? Terminava o programa do Sílvio Santos e aí entrava a luta-livre. Depois nós fomos pra Manchete, Rede Manchete, aqui na Nestor Pestana, canal nove que era o Bolinha.

VSP- Mas o senhor esteve nisso muito tempo?

S- É...Fiz aqui e depois a gente viajava. Por exemplo: ia pra Belo Horizonte, fazia em Belo Horizonte. Canal doze de Porto Alegre, o seis de Curitiba. Entendeu?

VSP- O senhor viajou o Brasil todo com isso?

S- Bastante partes. Bastante...

VSP- O senhor lembra os lugares mais estranhos?

S- Você sabe por quê a gente quase não lembra nada? Luta-livre, show é o seguinte: você anoitece mas não amanhece. Você chega a tarde numa cidade e termina o show já foi pra outra cidade. Terminou ali e não conhecia nada. Você ficava duas, três horas numa cidade. Entende? O pessoal da época chamava: “Anoitece, mas não amanhece”.

Satã durante gravação do programa Um Show do Outro Mundo  (1981) da TV Bandeirantes. Mojica ao centro

VSP- E o senhor conheceu o Mojica antes do Chico (Cavalcanti)? Ou o Chico antes?

S- Agora vem a história boa, agora nós estamos conversando a nossa língua. O Mojica...Primeiro eu conheci o Mojica. Eu treinava...Eu tinha uma empresária chamada Marlene. E ela fazia filme com o Zé do Caixão, o José Mojica Marins que era lá na (rua) Oscar Horta na Mooca. Entende? E teve um dia que ela falou: “Vamos lá no estúdio do Zé do Caixão pra você conhecer ele”. E lá nos fomos. Eu fui lá conhecer o Mojica e nessa época eu fiquei conhecendo ele. Inclusive teve uma festa de formatura...

VSP- Que foi no Museu do Ipiranga?

S- Não. Essa foi em 1975. O primeiro foi no Viola de Ouro. Mas antes eu já estava trabalhando com ele.

VSP- O senhor conheceu ele em 72?

S- Foi em 71 ou 72. Por aí. Nisso, ele me convidou pra ir trabalhar com ele. Aí fui trabalhar com ele no estúdio dele. Lá no estúdio eu dava aula pro pessoal.

VSP- De luta?

S- De luta. Preparando o pessoal, na escola, os alunos. Ele dava aula da gramática dele e a parte de luta, violência era comigo.

VSP- Mas o senhor pegou amizade com o Mojica fácil?

S- A nossa amizade começou ali. E a nossa amizade está até hoje. Porque fiquei com ele direto, direto durante catorze anos.

VSP- De 72 até 85?

S- É...Em 81 nós fizemos a capa do disco do Zé Ramalho. Mas que nós ficamos juntos trabalhando pra cima e pra baixo foram de catorze pra quinze anos mais ou menos. Aí eu mais o Mojica...Nós tivemos várias coisas juntos. Fiz produção de cinema, atuei como ator, a equipe do Zé do Caixão eu acabei levantando a produção de vários filmes dele. E a produção nossa fizemos assim: ele dirigiu uma fita pra nós e nós atuamos numa fita pra ele. Nós fizemos com ele...

VSP- Foi o Estranha Hospedaria?

S- Não. Foi uma das fitas que teve. Mas nós fizemos A Estranha Hospedaria.

VSP- O senhor estava com ele quando ele fez o filme com Massaini?

S- Estava, estava. Como que chama? Não foi A Estranha Hospedaria. Inclusive eu trabalhei como ator nessa fita que foi feita lá na (avenida) Celso Garcia. Foi lá na Celso Garcia, 563. Não tem o nome da fita aí?

VSP- Não. Aqui tenho de outros. Porque o senhor trabalhou com o Mojica em vários. Eu lembro do Mundo, Mercado do Sexo?

S- O Mundo, Mercado do Sexo essa fita foi minha e da Débora Muniz. Essa que nós produzimos. Foi uns doze que nós fizemos.

Francisco Cavalcanti e José Mojica Marins: dois diretores que foram muito próximos a Satã. Acervo pessoal de Fabrício Cavalcanti

VSP- Quando o senhor conheceu o Mojica a escolinha dele era na Mooca (bairro da zona leste de São Paulo)?

S- Na Mooca. Na rua Oscar Horta, 120.

VSP- Como surgiu a história do senhor ser segurança dele? Foi já na hora?

S- Não, não. Demorou porque tinha dois irmãos gêmeos que trabalhavam como segurança dele. Mas de vez em quando deixavam ele na mão.

VSP- Dois irmãos gêmeos? Mas o senhor lembra o nome deles?

S- Ah, não lembro não.

VSP- E ele era muito visado?

S- Não? O Mojica? Ele era tranquilo, muito tranquilo.

VSP- Mas ele andava de segurança com medo de alguma coisa?

S- A gente tem que prevenir antes que aconteça. Porque se ele estava comigo só de verem uma pessoa do tamanho dele aí não encostavam. “Não vamos encostar porque ele está com segurança”.

VSP- E como o senhor ganhou esse apelido de Satã?

S- Olha, quando eu estava fazendo luta-livre na Gazeta o meu nome começou como Mel Kid: “Aí vem Mel Kid”. Aí depois o locutor falou: “Esse não tem nada de Mel Kid. Esse é o Satanás. É o Satã mesmo em pessoa” (risos). Aí começou. Depois como eu fui trabalhar com o Zé do Caixão aí juntou: Satã e Zé do Caixão. Aí todo mundo falava. Pegou.

VSP- E a mãe do senhor não gostava desse nome?

S- Não. Nessa época...A minha mãe. Coitada da minha mãezinha, ela não chegava a ter muito conhecimento não. Inclusive quando ele foi em Belo Horizonte nós tivemos lá com a família da dona Vicentina ela até gostou. Na época quem ficou meio assim foi a minha esposa que faz mais ou menos doze a treze anos que ela faleceu...

VSP- Poxa, meus sentimentos.

S- É...Aí ela que falou: “Será que está certo?”. Eu falei: “Isso não vem do Mojica, não vem do Zé do Caixão. Isso já vem da luta, das lutas”.

VSP- Mas o senhor nunca se incomodou com esse apelido?

S- Não.

VSP- Porque o pessoal mais religioso pode se incomodar com esse apelido...

S- Não. Eu sou inclusive sou bastante religioso. Não tem nada haver o trabalho com...

VSP- E o senhor é católico?

S- Sou muito católico. Sou muito devoto de Nossa Senhora Aparecida, São Jorge, de Deus.

VSP- E o senhor conheceu primeiro o Mojica? Depois o Chico?

S- Isso.

VSP- Mas o primeiro filme que o senhor fez foi com o Chico: As Mulheres do Sexo Violento?

S- Foi. Mas aí foi por intermédio do Mojica. Eu acompanhava e o Mojica também estava junto como diretor. Eu fiz com o Chico Cavalcanti, fiz com o George Turquinho em Um Homem nas Suas Duas Noites de Núpcias (o filme chama-se O Fracasso de Um Homem nas Duas Noites de Núpcias, direção de George Michel Serkeis, conhecido como Turco).

VSP- Como era o convívio com o Mojica? Na época ele era muito popular na rua...

S- Até hoje, né? Ele continua...Inclusive eu ia passar na casa dele hoje mas o bom é ir na casa dele na parte da manhã. Porque essa hora ele está tirando o descansinho dele.

VSP- Teve uma vez que o senhor dirigiu uma Kombi com o Mojica e teve um acidente?

S- Teve. Foi lá na Vila Mariana (zona sul de São Paulo). Era uma Kombi do João. Foi assim: um carro entrou na nossa frente, um carro pequeno que entrou na nossa frente o João estava na frente travou o meu braço. E foi tudo por água abaixo. Você está sabendo de tudo, né?

VSP- Imagina. Mas o senhor se machucou muito?

S- Não, não.

VSP- Mas a Kombi acabou?

S- A Kombi bateu de frente. Acaba, entorta tudo. O negócio do Mojica era bater um papo, tomar os vinhozinhos dele. Na época juntava ele, o Chico tomava o chopinho dele.

VSP- O senhor começou a ser ator com o Chico. Como foi esse filme: As Mulheres do Sexo Violento?

S- Eu me lembro de algumas coisas. Foi uma filmagem muito boa, uma época muito boa. A gente saia daqui de São Paulo e ia lá para Mogi das Cruzes (região metropolitana de São Paulo). Naquela época, eu estava bem inteirão. Inclusive nós fomos fazer uma cena e eu lutava contra um tambor...Mas a câmera não ia ser direto em mim. Era contraplano, né? Eu falei: “Chico manda jogar direto”. “Não mas vai machucar”. “Não, pode deixar”. Pode perguntar pro Mojica pra você ver como que era. Por detrás da câmera dois jogaram o tambor em mim. Eles queriam fazer contraplano, né? Jogava e depois caia logo na testa. Naquela época tinha aquele negócio de economizar negativo: “Não, joga direto”. Hoje não. Você faz uma fita...

VSP- Não tinha dublê? Não tinha nada, né?

S- Não tinha nada. Tinha mas quase ninguém gostava de dublê, entendeu? Até nas novelas que eu participei. Depois eu vou te contar a história...O pessoal falava: “Vamos colocar o dublê pra ele”. Numa novela fui fazer uma queda de costas. Eu tomava uma pancada e caia de costas. Inclusive foi naquela novela Essas Mulheres que era da Record. Eu participei dela e inclusive foi reprisada outro dia. Já foi reprisada pela segunda vez.

VSP- O senhor começou com o Mojica mas o primeiro filme foi com o Chico, né?

S- Foi.

VSP- E o Chico como diretor. Como era o relacionamento dele com os  atores?

S- Muito bom. Excelente, calmo, tranquilo, sossegado. Graças a Deus: com todos esses (diretores) com quem eu trabalhei. Inclusive com quase todos os diretores da Boca eu trabalhei. E quantos anos ali na Boca também. Eu trabalhei com o Tony Vieira, Ary Fernandes. Com o Ary Fernandes trabalhei com o Antônio Fonzar uma outra produção do Vigilante Rodoviário.

VSP- O senhor começou a frequentar a Boca com o Mojica?

S- Com o Mojica. Porque da (rua) Visconde de Parnaíba nós viemos pra Boca. Entendeu? Aqui na Boca nós estávamos todo dia. Mesmo se estávamos lá vinha aqui pra Boca.

VSP- Como era a Boca nessa época? Como era a rua do Triunfo?

S- Era muito calma. Calma no sentido assim...Hoje não. Você não pode deixar nada que os caras levam. Antigamente não. Eu tinha carro e deixava o meu carro todo aberto ali de frente ao bar do Serafim ou no bar do Ferreira. E ninguém mexia, não faziam nada.

VSP- Qual carro que o senhor tinha?

S- Eu tinha um Opala. Tive uma Kombi também. E nunca tive problema com nada. Pelo contrário: os maninhos lá tomavam conta. Porque teve uma vez na luta livre quando eu quebrei a perna o meu cunhado me levava e depois mais tarde ele vinha me buscar. Teve um dia que o meu cunhado foi parar o carro de frente ao bar do Soberano e os maninhos falaram: “Cadê o Satã mano?”. Falaram pro Negão: “Cadê o Satã?”. “O Satã é meu cunhado”. “Não”. Se não fosse o Serafim (dono do bar Soberano) que conhecia ele: “Esse senhor é o cunhado do Satã”.

VSP- Olha só. Senão ele ia se ferrar?

S- Ia se ferrar. Porque ele chegou lá todo posudo. O Mojica nós trabalhamos esse tempo tudo. Era cinema, jornal, rádio, televisão. Inclusive no programa do Raul Gil eu fazia o homem mudo. Eu ficava atrás dele no Programa Raul Gil. Você lembra quando tinha auditório na rua Augusta? Um programa de calouros do Raul Gil que era aqui na (rua) Augusta? Nessa época nós ficamos um ano e dois meses. Entendeu?

VSP- O senhor ficou direto?

S- Direto. Ficava o tempo lá durante o decorrer do programa. Porque o Mojica era o jurado dos calouros. Eu ficava atrás dele como segurança. Inclusive foi nessa época que surgiu aquele cantor Antônio Marcos com aquela música O Homem de Nazareth. Foi nessa época. Eu lembro que foi no ano mais ou menos do lançamento dessa música.

VSP- Depois os estúdios do Mojica foram pra rua Visconde de Parnaíba. Esse estúdio era maior? Menor?

S- Eu estava essa época. O estúdio era mais ou menos do mesmo tamanho. Mas lá na Oscar Horta era térreo, tinha o estúdio e a padaria em frente que era do português. O estúdio era no fundo. Aqui na Visconde de Parnaíba era no segundo andar. Embaixo tinha o Salvador. Você conheceu o Salvador do Amaral?

VSP- Não conheci pessoalmente. Marido da Marli (Machado).

S- Isso, da Marli. Sei que o Salvador era no primeiro andar e o Mojica tinha estúdio no segundo. Aí nos fizemos...Ficamos lá um bom tempo. Esse lugar, esse estúdio era mais pra ter a escola de preparação dos atores e atrizes.

VSP- O senhor conheceu o Giorgio Attili? Fala um pouco sobre ele...

S- Conheci. O Giorgio Attili era um italiano muito bom. Tantos diretores que eu tinha que ter preparado os nomes de todos. Foi muito bom ter trabalhado com ele. Trabalhei...Até hoje não tenho queixa de ter trabalhado com nenhum diretor ou produtor.

VSP- O Attili se dava muito bem com o Mojica. Como eram os dois no set?

S- Muito bem. Muito bom. Os dois eram iguais irmãos. De vez em quando a gente ia na casa do Attili comer macarronada. Era na rua Santo Antônio que ele morava, entendeu?

Satã, Rogério Sganzerla, Mojica e Wilson Grey

VSP- O senhor começa a trabalhar na Boca. O senhor fez um filme com o Rogério Sganzerla chamado O Abismo. Como foi?

S- Lembro. Foi no Rio. Foi muito bom, muito bom mesmo. Você sabe que o carioca tem outro sistema de trabalho, né? Mais sossegado, tranquilo, né? Trabalhar não era muito com eles. Aí quando chegava três, quatro horas da tarde: “Parou, parou, parou”. Entendeu?

VSP- O Sganzerla era um cara legal?

S- Legal. Lá nesse filme nós ficamos uma semana ou outra. Mais ou menos.

VSP- O senhor lia os roteiros ou era mais participação? Figuração?

S- Era mais participação. Não era totalmente figuração porque tinha papel de destaque. Porque inclusive onde eu aparecia roubava a cena, sabe? Só por causa da minha cara. Porque não precisava nem de fala. Entendeu? Com o Tony Vieira a minha participação foi curta. Quando foi feito o lançamento aqui no Cine Art Palácio na (avenida) São João tinha um restaurante que passou a ser bingo. Aí quando foi a avant premiere terminou aqui e viemos no restaurante aqui: “Olha Satã, gostei do seu filme, tal, tal”. Sabe o que aconteceu? O Tony Vieira sentado igual nós estamos aqui sentado do lado veio me tirar: “Filho da puta. Você rouba a cena. Está aí? O pessoal conhece você”. Porque muita gente reconhecia o Tony pela voz porque ele tinha a voz grossa. Entendeu?

VSP- O Tony...Como era ele? O senhor foi bem próximo a ele?

S- Conheci, conheci porque a gente ficou na Boca. Ele tinha escritório no mesmo prédio do Galante (produtor). Eu tinha escritório no 134 sexto andar sala 61. Então, todo dia nós estávamos convivendo lá dia e noite.

VSP- E o Tony era um cara legal?

S- Legal. Você sabe que nesse meio não adianta nada o camarada ser grosseiro, ser estúpido, não adianta. Sabe por quê? Ele só tem a perder, entendeu? O camarada tem que ser tranquilo, sossegado, querido, porque aí já ganha moral com todo mundo.

VSP- E o Tony o senhor via os filmes dele? Gostava de ação, faroeste?

S- Gostava. O negócio dele era só filme de ação? Sabe que estou querendo martelar com ele...Eu fiz O Tortura Cruel. Mas estou pensando qual aquele filme do Massaini que eu fiz...Foi Exorcismo Negro.

VSP- Exorcismo Negro. O senhor tem ideia de quantos filmes o senhor fez?

S- Têm. Foram vários. A quantidade não sei não...

VSP- Com os diretores da Boca o senhor trabalhou com quase todos, né? Com o Alfredinho Sternheim o senhor não trabalhou. Com o Jean o senhor trabalhou?

S- Com o Jean? Trabalhei, trabalhei com o Marinho (Mário Vaz Filho), com o Deny Cavalcanti. Foi na fita que teve com a Gretchen e o Alexandre Frota. Com o Agenor trabalhei.

VSP- Com o Agenor: O Prisioneiras da Ilha do Diabo.

S- Isso.

VSP- Com o Tony...Como era o trato com vocês? Mesmo depois que ficou famoso?

S- Era legal. No sábado nós íamos lá pra Itaquera jogar bola com ele. Bom, eu ia lá pra poder zoar porque de bola mesmo...Gostar eu até gostava. Mas a bola corria atrás de mim e não eu da bola. Teve um dia que atravessaram a bola pra mim e eu marquei, tal, tal. Todo mundo aplaudiu. Depois eu sozinho, sozinho nem goleiro não tinha porque o goleiro tinha vazado. Meti um pouco na bola e ela saiu. Aí acabou, aí foi o xingo. Mesmo lá em Belo Horizonte também eu corria atrás da bola ela corria atrás de mim.

VSP- O senhor nunca foi muito bom em futebol?

S- Não, não.

VSP- O Tony nessa época ainda estava com a Claudete? O senhor lembra deles juntos?

S- Lembro....

VSP- Como era a MQ a produtora dele? Era organizado? Razoável?

S- Olha...Vamos dizer assim, mais ou menos, mais ou menos. Porque escritório de produção, escritório bem arrumado...Acontecia em empresa grande. Falou em empresa pequena...Se você chegasse na minha sala de produção, sabe? A mesa então nem se fala. Só eu sabia onde estava papel por papel. Se você chegasse lá...Não ia entender aquilo ali.

VSP- Só voltando ao Tony: o senhor conheceu na época o Heitor Gaiotti...

S- Conheci.

VSP- O Tony tinha uma turma dele: ele, o Gaiotti, o Índio...

S- Olha, cada produtor tinha aquela turminha, entendeu? Já concentrada na mente da pessoa. O Heitor Gaiotti nós viajamos muito tempo. O Heitor Gaiotti trabalhou comigo numa das fitas do Chico Cavalcanti. A gente viajava numa Brasília que ele tinha ou Variant pra não ir em dois carros. Quando terminava a filmagem nossa já vínhamos embora na frente. Era um camarada muito legal.

VSP- Sim, sim. Imagino que muito engraçado pelo menos nos filmes.

S- Engraçado...O cara é comediante, entendeu?

VSP- O filme do Tony sempre tinha ele...

S- Todos, todos. Era ele, Gaiotti, o Índio.


Chegada em Congonhas: Satã levanta o prêmio conquistado por Mojica na Espanha

VSP- Nunca houve rivalidade do Tony com o Chico? Com o Mojica?

S- Não, não. Inclusive com o Mojica já cheguei a viajar com ele para a Espanha.

VSP- Como foi isso?

S- Foi muito bom. Não só pelo festival, mas pelo passeio. Conhecemos outras pessoas. Foi muito bacana. Vários episódios.

VSP- E o Mojica causou muito lá?

S- Causou (risos). Inclusive lá ele chega com guarda-costas...Lá quem tem direito a ter guarda-costas é o presidente e o rei. Aí na hora de anunciar não era guarda-costas lá se chama guarda-espadas. Aí fui aplaudido do começo ao fim. Lá na hora do festival, nos passeios, nos restaurantes, nas boates, na tourada.

VSP- Porque ele é de família espanhola.

S- Sim. Inclusive fomos pra lá cm uma equipe grande. Foi um jornalista do Rio, esqueci o nome dele, não me lembro mais. Foi o Luiz Fernando Garcia que era um dos produtores de algumas fitas do Mojica que tinha uma loja de ferragens na (rua) Barão de Limeira. Ele produziu uma fita com a Arlete Moreira, você deve ter o nome?

VSP- Perversão.

S- É. Então, tinha outra mulher que morava aqui na Barão de Limeira que chegou a viajar lá com nós pra lá também.

VSP- E depois ele foi pra Paris. O senhor foi junto?

S- Não. Ele foi....Não, nessa coisa nós viajamos lá eu fui só pra Espanha.

VSP- O senhor falou no Mojica. O senhor chegou a conhecer a dona Carmen, mãe do Mojica?

S- Sim. Oh...Aquela ali não era só mãe dele não, era minha também (rindo). Porque todo dia de manhã quando ia buscar o Mojica nós passamos lá você tomava um café, uma samuca.

VSP- O que é samuca?

S- Samuca é uma bebidinha espanhola que eles colocam no café com a casquinha de limão. Ali pra não poder pegar resfriado. E ela aqui na (rua) 24 de Maio tinha o Baile da Saudade na época. Eu trabalhava, tomava conta do Mojica e ainda trazia ela no Baile da Saudade.

VSP- O seu Antônio (pai do Mojica) o senhor não chegou a conhecer imagino...

S- Não.

VSP- Mas o senhor conheceu bem ela...

S- Sim. Eu até acompanhava ela nos bailinhos aqui pra ela se divertir. Era uma senhora tranquila. Os dois se davam muito bem (ela e Mojica). Ela morava no lado da (rua) Odorico Mendes (Mooca) e naquela época dava muita enchente. Não sei se você se lembra?

VSP- Não, não.

S- Ali na Mooca. Depois que eles arrumaram o rio não, ficou bom. Mas quantas vezes eu não ia tirar ela ali de barco na Odorico Mendes? Ele teve também estúdio ali na (rua) Barão de Jaguara. Entendeu? Ele ficou ali uns cinco anos na Barão de Jaguara.

Satã auxiliando Zé Ramalho para cortar as unhas de Mojica no programa Viva a Noite de Gugu Liberato

VSP- E muita gente começou nesses cursos do Mojica: Luizinho Oliveira, a Débora (Muniz). Quem mais começou nessa época?

S- A equipe quase toda, todo mundo. Ali passava todo mundo. O Luizinho mesmo que passou ali é um tremendo profissional, sabe? A Débora Muniz não é só atriz, aquela é tudo. Se é pra trabalhar em produção ela trabalha, se é pra trabalhar como atriz ela trabalha. Se é pra dirigir ela dirige, se é pra fazer a montagem ela faz. Porque ela conhece a sétima arte toda. Na película ela conhece take por take. Porque hoje em dia não é qualquer um que conhece assim. O que você perguntar para ela...Se você for filmar com ela, ela vai falar: “Que lente você vai usar? Vinte e cinco? Trinta e cinco? Dezoito? Trinta e dois?”. Entendeu? Aí ela já sabe que enquadramento que ela dá. Porque isso é muito importante pro ator pra saber qual lente está usando.

VSP- E o senhor conheceu a Débora (Muniz, atriz) ela estava começando?

S- Olha, essa história ela mesma pode te contar. Quando ela chegou no estúdio...Os pais dela levaram ela tinha doze anos. Os pais dela chegaram e me falaram: “Nós confiamos muito em você. Vou deixar a minha filha nas suas mãos”. Até hoje ela me chama de pai. Na hora que você perguntar pra ela que idade ela chegou e com que idade ela chegou, como os pais dela chegaram. Ela já fez um bocado de filme paralelo em pornô, pornô. Eles queriam colocar eu e ela junto. Ela falou: “Com o meu pai não”. Entendeu? Ela tem o maior respeito por mim e eu também tenho o maior respeito por ela. Entendeu?

VSP- O senhor tinha dez anos a mais que ela? Como uma irmã mais nova ou filha?

S- É...

Satã na contracapa do LP A Peleja do Diabo Contra o Dono do Céu (1979) de Zé Ramalho. Foto de Ivan Cardoso

VSP- Como foi fazer a capa do disco do Zé Ramalho?

S- Não...É que o Mojica e ele eram muito apegados os dois. Então, ele estava fazendo seleção de gente porque ele queria fazer uma capa diferente. Nessa capa diferente surgiu A Peleja do Diabo Contra o Dono do Céu. Quer dizer, ele era o dono do céu e o Mojica era o Deus. Não sei se você chegou a ver a capa?

VSP- Já, já. Tem a Xuxa Lopes também.

S- Tem eu, tem a Xuxa Lopes, tem mais outro menino que é ator.

VSP- Foi no Rio que foi tirado?

S- Foi.

VSP- Vocês foram só para isso? Ou foram fazer mais coisa lá?

S- Nós fomos fazer essas fotos e nisso ficamos quinze dias lá. Ia, trabalhava duas, três horas por dia. Aí até levantar, tomar seu café, se preparar, tudo, acabou a luz. Aí ficava pra outro dia.

VSP- Foi o Ivan Cardoso (cineasta e fotógrafo) que fez as fotos?

S- Isso. Então, o Ivan Cardoso que viajou com a gente pra Espanha. Ele que fazia os curtas-metragens. Tem ele, tinha um escritor que morava num lugar longe no Rio...

VSP- O Lucchetti?

S- Lucchetti. Agora ele está morando aqui em Ribeirão Preto (interior de São Paulo. Lucchetti mora em Jardinópolis, cidade bem próxima a Ribeirão Preto).

VSP- E a capa do disco o senhor achava que ia ter essa repercussão toda?

S- Não.

VSP- Porque o Zé Ramalho estava começando, né? Ele não tinha esse nome todo.

S- Não. Inclusive depois acho que foi lançado...Não, não. Foi lançado no mesmo ano que nós aparecemos no programa do Gugu e o Zé Ramalho também participou do programa.

VSP- E ali eles se conheceram?

S- Não. Eles se conheciam antes. Isso foi antes da capa.

VSP- Ah eu achei que eles tinham se conhecido quando ele tinha cortado a unha...

S- Não. Ficava muito atrofiado os dedos por causa das unhas.

VSP- Porque ele deixava as unhas de uma mão grandes e da outra não pra fazer as coisas, assinar.

S- Não...Ele mesmo com as unhas, não sei o que ele fazia que arrumava um jeitinho: “Vou tirar”. Mojica era um camarada muito legal. Aquele é irmão, é pai, é amigo, é tudo.

VSP- O senhor também trabalhou com o Adriano Stuart no filme dos Trapalhões?

S- Com o Adriano Stuart eu fiz com ele duas fitas. Com Os Trapalhões foi até no Playcenter como se eu fosse o Hulk. E depois que fiz com o (José) Miziara que também estava na produção. Foi lá em Campestre, lá em Minas.

VSP- É um filme de episódios. Foi em Campestre. E o Adriano como era trabalhar com ele?

S- Ah, também era um camarada legal, tranquilo, sossegado. Entendeu? Olha, você sabe que não existe, não existe ruim nem mal pra poder trabalhar com as pessoas. Quem faz as pessoas somos nós. Se nós damos motivos para pessoa não se sentir bem, sentir algo que não é bom parte da gente. Não é mesmo?

VSP- Com certeza. E nos Trapalhões era um papel pequeno? O senhor lembra da cena que o senhor fez? O senhor aparecia, dava um susto?

S- Não. Trabalhar, trabalhava bastante. Foi bastante tempo trabalhando, só que mas era mais encapuçado. Encapuçado eu digo porque a minha cara era mesmo era conhecida. Eu usava aqueles capuchinhos, aqueles capotão, então era pouca coisa que aparecia. Aparecia mais quando nas lutas mesmo que aparecia ou de relance. Era muito difícil nos filmes que eles faziam que outra pessoa aparecesse assim. Entendeu? Mais ou menos, praticamente era figuração. Era mais figuração.

VSP- Mas o Renato Aragão o senhor conheceu?

S- Conheci. Conheci mais o Dedé que de vez em quando a gente se fala, né? O Mussum cheguei a conhecer. Porque eles faziam muito shows. Não o Didi, mas o Dedé, Mussum e o Zacarias faziam muito show em circo. E muitas vezes a gente estava saindo de um circo e a gente estava chegando com a luta-livre. Entendeu? Então, muitas vezes a gente se encontrava nos trajetos de estrada. Com a Mara (Maravilha) eu participei do programa dela, do Gugu quando ele tinha o programa do personagem Rambo. Eu fazia o personagem vilão no quadro inclusive a finalista era para ser lá em Florianópolis. Tinha mais de sessenta candidatos. E toda segunda-feira nós filmávamos em Guarulhos, em Bonsucesso. Você chegou a ver isso?

VSP- Não, não. Deve fazer muito tempo. O senhor ia na estreia dos filmes?

S- Olha, se sobrasse tempo eu iria. Tem filmes que eu participei que eu nem cheguei a ver. Do Chico mesmo tem uns três ou quatro. Porque segunda-feira mesmo eu estava viajando com luta ou estava fazendo outra atividade.

VSP- Com o Chico o senhor tem ideia de quantos longas fez? Porque foram vários. Foram cinco, seis?

S- Fiz O Cafetão, Ivone, a Rainha do Pecado...Os Violentadores de Meninas Virgens. Tem O Cafetão em que trabalhou a Zilda Mayo. Tem outro que nós fizemos aqui inclusive que eu quebro toda a choperia do Walter...

VSP- Do Walter Wanny?

S- É.

VSP- Mulheres  Violentadas?

S- Nesse eu ajudei na produção.

VSP- O Porão das Condenadas?

S- Eu ajudei na produção também.

VSP- Os Violentadores de Meninas Virgens...?

S- Fiz.

VSP- O Cafetão?

S- Fiz.

VSP- Padre Pedro e a Revolta das Crianças?

S- Esse foi com o Pedro de Lara.

VSP- Esse o senhor fez?

S- Não.

VSP- O senhor fez vários com o Chico, né?

S- Sim. Fizemos vários.

VSP- Os filmes dele se pagavam? Os filmes dele tinham sucesso na época?

S- Olha, a maioria...A maioria deles quase não se pagavam sabe por quê? Porque era o Teixeira Mendes que ficava com a parte grossa, entendeu? Porque ele fazia...Ia fazer uma fita. Quando estava para terminar o dinheiro acabava e aí precisava vender as partes. Nesse vender as partes do filme e quando ia ver já estava devendo. Igual aconteceu com o Mojica várias vezes.

VSP- O Mojica vendia as cotas dos filmes?

S- Para começar: a primeira fita que o Chico fez...Como se chamava? As Mulheres do Sexo Violento, certo? Quando ele chegou a terminar a fita quem era o dono da fita?

VSP- Nelson Teixeira Mendes.

S- Então.

VSP- E o Nelson Teixeira era um cara meio malandro?

S- Não é malandro...Negócio é negócio. Ele punha dinheiro...Igual agiota: agiota quer tomar tudo que tem, né?

VSP- O Nelson (Teixeira Mendes) o senhor conheceu?

S- Conheci...Conheci assim na Boca, na Boca. Não tive muita amizade com ele.

VSP- Agora o Augusto de Cervantes o senhor deve ter conhecido melhor...

S- O espanhol? Conheci. Aquele começou com o Mojica. Ele era torneiro mecânico. Entende? Aquele ali eu conheci. E virou um produtor forte. Ele era um cara tranquilo. Você veja que ele era tão legal porque ele foi um dos que invés de não se apoderou nada do Mojica. Pelo contrário: ele ajudava o Mojica. Entendeu?

VSP- O senhor falou do Chico. E o Chico trabalhava muito com o Salvador (do Amaral, diretor de fotografia). Como era a relação deles? Pelo que o senhor entendia.

S- Boa, muito boa. Os dois se entendiam muito bem.

VSP- O senhor gostava de filme do Chico?

S- Sim. Tudo que era coisa que partia pra violência e aventura eu gostava. Entendeu?

VSP- Era o senhor mesmo que se dublava nos filmes?

S- Não. Quem dublava pra mim tinha....O João Paulo Ramalho me dublou, fez dublagem. Tinha o Maro que também era dublador lá na Odil Fonobrasil e por incrível que pareça ninguém acredita. Sabe quem me dublada? O anãozinho.

VSP- O Chumbinho? Ele dublava você?

S- Te juro.

VSP- Ele tinha uma voz boa?

S- Tem. Inclusive quando eu fiz Branca de Neve e os Sete Anões...

VSP- Sim. Histórias Que As Babás Não Contavam. Ele que dublou o senhor?

S- Muitas vezes nas fitas do Chico ele que fazia a dublagem.

VSP- O que o senhor se lembra desse trabalho com a Adele Fátima?

S- Ah, foi um trabalho muito bom. Foi dois ou três dias. O pouco tempo que eu convivi com o pessoal foi muito bom.

VSP- E o Osvaldo de Oliveira como diretor? O Carcaça?

S- Legal, sossegado. Bom diretor, excelente. Nota dez pra ele.

VSP- O senhor trabalhou poucas vezes com o Massaini como produtor...

S- Eu ia trabalhar na Marcha com o Pelé na produção. Mas não cheguei a trabalhar porque estava fazendo outro trabalho. Aí tinha que fazer na sequencia, né? Mas na sequencia não dava.

VSP- E o seu Osvaldo, pai do Massaini o senhor conheceu?

S- Conheci,  um cara legal. Ah ali naquela Boca eu conheci todos, a família toda. Um cara legal. Querendo ou não a gente sempre se encontrava porque o escritório dele ficava no primeiro andar e o meu no sexto andar.

VSP- Você tinha um escritório seu?

S- Era no sexto andar sala 61 onde eu dividia o espaço eu e o seu Brito. O seu Brito mexia com produção de cinema depois com a Aurora Duarte. Ele produziu um bocado de filme e depois mexeu com curta-metragem, entendeu?

VSP- O escritório do Chico era no outro prédio que era com o Custódio?

S- Outro prédio. No 173.

VSP- E o escritório do Chico era arrumado?

S- Não, arrumado.

VSP- A Dona Mada também teve um papel importante na carreira do Chico?

S- Olha, pra fazer os roteiros quem fazia mais era o Chico. Mas a Mada era o braço-direito dele pra tudo.

VSP- O Chico e o Mojica eram como irmãos imagino? Eles eram bem próximos. O senhor deve ter acompanhado...

S- Tranquilo. Acompanhei sim. Os dois eram mais que irmãos. Entendeu?

VSP- A Dona Yolanda, mãe da Mada o senhor deve ter conhecido?

S- Conheci. Aquela ali a gente ia na casa dela...Bom, o Mojica morava nos estúdios na Caetano Pinto ou Floriano Pinto uma dessas ruas. Sei que a Mada...A mãe dela morava pertinho do estúdio. A Dona Yolanda era também gente muito boa.

VSP- E era muito engraçada. Lembro dela nos filmes fazia mais ou menos o que a Wilza Carla fazia?

S- Ah falando em Wilza Carla. Eu trabalhei com a Wilza Carla no Rei da Boca.

VSP- Do Clery. O Clery também um amigo próximo.

S- É até hoje, né? Na hora que a gente se encontra é aquela festa.

VSP- O senhor nunca trabalhou com Mazzaropi?

S- Não.

VSP- Mas o senhor trabalhou num filme chamado A Volta do Jeca dirigido pelo Pio Zamuner e protagonizado pelo Chico Fumaça?

S- Trabalhei. Olha...Eu nem...Eu sei que eu trabalhei. Mas nem cheguei a assistir esse filme. Se puxar no You Tube, será que tem?

VSP- Não tem acho. O senhor lembra alguma coisa do Chico Fumaça? Ele era parecido com o Mazzaropi mesmo?

S- Não tinha nada a ver. Esse filme não deu certo. Você vê que nem eu lembro. Eu lembro que fiz mas nunca assisti. Como chama ele?

VSP- A Volta do Jeca. Depois que o Mazzaropi morreu parece que ele quis fazer uma imitação mas não deu muito certo.

S- Inclusive eu ganhei muito dinheiro na Boca. Sabe como? Vendendo ponta de negativo...Por exemplo: as grandes produtoras quase não usavam as pontas. Quer ver um exemplo: se fosse uma lata de 120 caia no 50 ainda mais quando terminava a produção, quando terminava o filme. Aí caia na minha mão. E a maioria dos que estavam começando compravam as pontas. Não sei se você chegou a ver que tinha um casal que ficava aqui na (avenida) São João na época que ficava de noite tirando foto? Da turma que passava. Certo? O que eles compravam de negativo, ponta de negativo minha. Eles iam, fotografavam, faziam o trabalho. Se você fosse buscar você ganhava dinheiro senão fosse você não ganhava. E esse casal ganhou foi dinheiro, entendeu?

VSP- Naquela época não tinha celular, essas coisas...

S- Não tinha nada. Ou tirava, usava aquelas Polaroid. Aí mostrava, gostava, dava um dinheiro e levava a foto. Hoje quem for fazer isso vai morrer de fome.

VSP- Qual filme o senhor mais gostou de ter participado? Ou teve o papel maior?

S- Olha, esse A Rota do Brilho eu apareci bastante, gostei. Com o Chico Cavalcanti, sabe? O Cafetão foi um belo filme. Com o Agenor Alves gostei muito do As Prisioneiras da Ilha do Diabo.

VSP- Foi um papel grande também?

S- Foi. Porque os outros mais foi participação.

VSP- Na Rota do Brilho foi um papel grande a do senhor?

S- Foi. Teve o Alexandre Frota, teve a Gretchen. Com o Chico Cavalcanti também foi com a Zilda Mayo. Foi bom.

VSP- O Deny (Cavalcanti, diretor de A Rota do Brilho) foi um cara legal de trabalhar?

S- Sim. Ele faleceu...O menino que fazia produção para ele também faleceu.

VSP- O senhor fez vários filmes...Se a gente for falar de todos também. 

S- Sim.

VSP- Quando os filmes da Boca foram esquentando e foram pro explícito na época. O que o senhor achou?

S- O que eu achei na época? Não...Na época o seguinte: eu mesmo participei de vários desses mas eu fazia sempre papel de vilão. Entendeu? Tinha aqueles, a turma falava: “Aqueles que fazem explícito, que fazem filme pornô não são atores”. Alguns comentam até hoje: “A mulher que faz explícito também não faz filme”. Entendeu? Hoje em dia é normal. Inclusive na época quem trouxe isso para cá foi um filme japonês: O Império dos Sentidos. Essa fita ficou em cartaz aqui no Cine Windsor um ano e dois meses em cartaz. Sendo que o filme nacional o único que ficava em cartaz dando bilheteria ficava um mês. Você vê a diferença: saiu dando bilheteria, as filas dobravam quarteirão no Cine Windsor.

VSP- Pro senhor tudo bem participar desses filme? Porque seu papel não era as principal como o Gabarron, Oássis Minitti...

S- Conheci o Oássis. Na época, ele tentava ser ator romântico. Quando foi lançada uma fita aqui no Art Palácio ele contratou umas meninas para quando terminasse a fita pra elas rasgarem a roupa dele.

VSP- Só pra aparecer?

S- É...

VSP- E ele era advogado, né?

S- Acho que era. Não tenho muita certeza não. Mas era um cara legal. Muito...Como de diz? Muito galã. Tinha um outro menino que fazia sexo explícito também coitado...

VSP- O Gabarron?

S- Não. Tinha ele e tinha um outro. Inclusive esse outro teve até um acidente com ele aqui eu que socorrei ele dentro de um Opala pra Santa Casa. Quando chegou na Santa Casa não quiseram aceitar e depois tive que levar ele até o Hospital das Clínicas. Entendeu?

VSP- O Sílvio Júnior?

S- Não. Lembro mas não era. Tem um Alemão que vendia carro que morava aqui. O Sílvio Júnior que você está falando é de (São José do) Rio Preto (interior de São Paulo) ele já faleceu inclusive. Já faleceu e ele fez filme com o Chico Cavalcanti. Inclusive que estava no explícito estava o mesmo.

VSP- Mas participar de um filme que tinha sexo explícito mesmo o senhor não participando da cena não tinha problema?

S- Não. Para mim, não, não dizia nada. Porque o meu trabalho não tinha nada a ver com pornô. Meu negócio era fazer vilão: “Tem uma pontinha lá”. Inclusive tem uma fita do Marinho que não me lembro dela...

VSP- O Papaco?

S- Tem uma outra. Antes dessa. Inclusive esse papel foi bom pra mim inclusive, né? Eu contraceno com o Índio. Vou dar uma enrabada no Índio (risos). Simulado lógico...Era uma cena na piscina. A gente rouba um Fusca velho e vou fechar a porta do carro a porta caí. Parecia filme de comédia.

VSP- O Marinho uma pessoa legal de trabalhar? Intelectual, bacana?

S- Ah, aquele...Quando junta ele e o Marinho (Mário Lúcio), maquiador, fica mais divertido ainda. Inclusive eu fui fazer um trabalho agora pro pessoal da televisão Canal Brasil. Eu e o Mário Lúcio nos encontramos.

VSP- O senhor chegou a fazer produção de alguns filmes? Como era isso?

S- Ah, eu fiz...Fazer produção naquela época eu lembro que era muito bom. Se continuasse sendo bom do jeito que era eu estava até hoje.

VSP- O senhor gostava de fazer produção?

S- Sim. E outra: antigamente você ocupava trinta, quarenta pessoas pra fazer um longa. Hoje você ocupa cinco, seis pessoas e faz um longa. Hoje através de um celular ou computador. Você marca toda locação, tal, tal. Já marcou. Antigamente não: “Você vai pra tal lugar, vai pra esse, vai pra aquele”. Aí numa tarde seguinte ele falava: “Você tem essa locação, tem aquilo e aquilo”.

VSP- Como era levantar produção naquela época?

S- Tudo, tudo. No começo...Em geral. Tudo que precisasse numa filmagem era com a produção. Produção fazia isso, aquilo e entregava na mão do diretor. Hoje não, hoje já está tudo mastigado.

VSP- O senhor dirigiu produção para quem? Ou ajudou pelo menos?

S- Ajudei pro Chico, pro Mojica. Muitas vezes a pessoa chegava no meu escritório lá: “Eu vou fazer uma produção e vou contar contigo”. Entendeu? Aí uma semana, duas semanas de segurança na época. Muitas vezes entrava como ator e era um contrato de freelancer de sete dias. Por isso que muitas vezes o ator não ganhava dinheiro, entendeu?

VSP- O senhor chegou a trabalhar com o João Batista de Andrade num filme chamado A Próxima Vítima com o Antônio Fagundes. Como foi isso? O senhor lembra disso mais ou menos?

S- Trabalhei. Ah com ele...Foi uns quinze dias. Contracenei com o Fagundes, com o Othon Bastos. Foi bom. No decorrer da filmagem a partir...Você vai trabalhar como ator é um respeito. Na verdade, o respeito é em tudo. Mas se você vai trabalhar como ator o respeito é um, na produção é outro. Em cada setor é um respeito diferente de respeito que eu digo. Agora no geral o respeito é um só.

VSP- O senhor falou ter papel pequeno ou ponta isso não te incomodava?

S- Fazia. Não tinha problema.

VSP- E se tivesse de decorar fala também?

S- Tranquilo.

VSP- Era o tipo que chamava atenção...

S- Era o tipo.

VSP- Porque o senhor não é de briga, certo? Vejo que o senhor é uma pessoa bem tranquila.

S- Ah, não. A briga minha era antigamente quando era pivete. Depois quando passei a profissional de luta a educação é outra, entendeu? É mais uma defesa.

VSP- Isso imagino o senhor deve ter aprendido com o Kid Jofre?

S- Ah, o respeito...Não é só comigo, com todos. Entendeu? Na academia ensinam muitas coisas. A disciplina é completamente diferente. E muitas vezes muda de uma academia pra outra.

VSP- O senhor teve pretensão de dirigir ou fazer alguma outra atividade que o senhor nunca teve? Ou até produzir?

S- Não, não. Para mim poder produzir só se um dia eu tiver bastante dinheiro, ganhar na Mega Sena pra poder falar: “Eu vou produzir uma superprodução”. Pra não depender de governo...Porque se for depender de governo, entendeu? É ruim.

VSP- Como vocês da Boca viam o pessoal do Rio que tinham ajuda da Embrafilme? Existia uma rivalidade?

S- Existia e existe até hoje, né? Porque o primeiro grosso chega lá e até chegar aqui demora. Do grosso só chega o cheiro. Do bacalhau só chega o cheiro, não é mesmo?

VSP- Depois que a Boca caiu o senhor foi trabalhar com o quê? O senhor tinha outra atividade?

S- Ah, não...Depois fui trabalhar com...Eu continuei na luta, viajando com as lutas. Continuava nisso. Aí depois fui trabalhar com reciclagem, fazia reciclagem. Eu e o Gringo aqui na (rua) Barão de Campinas. Nós tínhamos uma firma de reciclagem. Mas aí quando o pessoal...Em 2008 mais ou menos. Começou a fechar esse tipo de empresa porque até hoje a prefeitura não dá alvará. Chegava lá, tirava, pagava, entendeu? Eu mesmo devo ter em casa algumas cópias dos documentos. Eles diziam: “Vem semana que vem que a licença saí”. Aí o que acontecia? Cada mês que passava eles mandavam um paredão de tijolo nas firmas, fechava um bocado de comércio. Entendeu? Aí foi a falência. Aí fui pra Registro (interior de São Paulo), fui pra Registro.

VSP- Registro no Vale do Ribeira. O senhor tem uma firma lá?

S- Não tinha. Eu trabalhava com o Gringo lá com reciclagem. E o Gringo também dava a participação nos lucros da reciclagem. Mas lá em Registro também começou a fechar e até hoje quem está mexendo com reciclagem não tem alvará. Tem poucos que tem alvará. Eles não davam pra gente eles abrirem os deles e não deixar as cooperativas.

VSP- E vocês empregavam pessoas com a empresa?

S- Sim.

VSP- E mesmo dando emprego, pagando imposto e mesmo assim fechavam...

S- Fechavam.

VSP- E hoje o senhor faz o quê?

S- Hoje...De vez em quando eu viajo muito pra marcar show de luta, entendeu? Está fraco mas não pode parar.

VSP- O senhor faz até hoje?

S- Faço. Mas hoje faço a programação de eventos.

VSP- O senhor não luta?

S- Não, não. São 72 anos não dá mais...

VSP- O senhor tem 72? Achei que o senhor era mais novo...Achei que era mais novo...

S- Sou nada. Sou de 1947. Sou de 7 de março de 1947.

VSP- O senhor é ariano?

S- Não. Sou de peixes. Aí já não dá...

VSP- Sou ariano. De 26 de março.

S- Minha neta é dia 31 de março. É ariana.

VSP- O senhor tem muitos netos?

S- Catorze netos e três bisnetos. Sete filhos.

VSP- Pô, três bisnetos já. Que glória. A galera é rápida, né?

S- Sim.

VSP- Poxa, catorze netos, três bisnetos. O senhor decora o nome de todo mundo? Não erra o nome não?

S- Ah, muitas vezes eu tenho que procurar na lista (risos). Não dá para guardar tudo (risos).

VSP- Que glória, família grande. Seu Satã, o que o Mojica significou na sua vida?

S- Na minha vida? Tudo que a gente esperava de um bom amigo até hoje. Ele é um grande diretor, um segundo pai que esteve na minha vida. Um grande homem que é muito considerado não só por mim mas por todos. Eu espero que um dia nós voltemos a trabalhar juntos.

VSP- No Encarnação do Demônio o senhor estava lá?

S- Estava.

VSP- O Mário Lima estava lá também. O senhor devia conhecer ele bem?

S- Sim. Mas ele faleceu, né? Mas o Mário Lima chegamos a trabalhar juntos. Porque o Mário Lima também foi cria do Mojica. Se você pensar bem quase todos os diretores que teve ali Boca passaram pelo Mojica.

VSP- Sim. Jean Garrett, Luizinho Oliveira, uma porrada de gente.

S- O Rafael Bastos já falecido. Também já falecido.

VSP- O Alex Prado...

S- Alex Prado.

VSP- O Gaúcho, Roveda.

S- Gauchinho.

VSP- O Lafon.

S- Também.

VSP- Uma porrada de gente que começou com o Mojica.

S- Se você tivesse me perguntado antes eu tinha marcado antes, né?

VSP- O que significou a Boca na sua vida Satã?

S- Olha, uma experiência que eu tive ali na Boca pra mim foi muito bom. Os anos que eu passei ali foram muito bem aproveitáveis. Só foi ruim que...Não acabou de tudo. Ainda tem uma resta do tacho ainda, entendeu? Vai ser difícil levantar a Boca como era antes. Em 81, 82, a gente fechava...Ligava e fazia um comunicado pras autoridades fechando ali uma festa de final de ano. O quarteirão ficava ali só para festa. Churrasco, todo mundo era amigo. Você vê: pra fazer a festa de final de ano ali ficava tomado e não tinha muito penetra não. Os penetras que tinha chegavam: “Posso pegar isso? Posso pegar aquilo?”. Hoje não chega nem a fazer.

VSP- Era outra época, né?

S- Até para fazer uma ceninha lá hoje você precisa ter cuidado porque senão você fica sem nada.

VSP- Ali não tinha drogado? Não tinha?

S- Eu filmei no teatro lá há pouco tempo. Eu filmei um documentário sobre mim. Foi agora a pouco tempo. Mas a Boca ali não dá nem gosto de passar.

VSP- Mas naquela época era melhor? Naquela época era mais seguro?

S- Sim. Agora ali você não pode nem...Dali você podia sair de madrugada, podia ser de dia, qualquer hora não acontecia nada. Agora vai andar ali hoje de madrugada pra você ver. Nem precisa ser de madrugada não qualquer hora.

VSP- Na sua opinião, qual é o legado que a Boca deixa pro cinema brasileiro? Qual legado?

S- O que ela deixa? A Boca deixa pro cinema brasileiro: fim de carreira, tristeza, cevada. Ali...Não vai ter mais jeito pra voltar.

VSP- O que significou o Chico (Cavalcanti) na vida do senhor?

S- O Chico? Muita coisa. Porque quase todas as coisas que eu aprendi, que eu convivi foi com ele, foi com o José Mojica Marins. Porque todos os diretores comigo foram excelentes. Porque eu nunca tive discussão. Se eu gosto eu gosto, se eu não gosto nem perto eu chegava.

VSP- Apesar do tamanho, da força o senhor era tranquilo?

S- Tranquilo. 

VSP- E os filhos do senhor, as pessoas que convivem sabem que o senhor trabalhou nesses filmes todos? Conviveu com o Mojica?

S- Sabem, sabem. Todos eles sabem.

Satã e este escriba num restaurante no centro de São Paulo. Foto de maio de 2019

2 comentários:

Israel Melo disse...

Excelente entrevista, Matheus Trunk, parabéns. Ótimo bate-papo com esse que é um dos grandes atores do cinema nacional e da antiga Boca do Lixo. Satã se mostrou uma pessoa bem simpática e humilde. Mas quando aconteceu essa entrevista, em 2019?

Matheus Trunk disse...

Olá Israel, obrigado. Foi em maio de 2019. Estou mexendo em coisas antigas que ficaram inéditas por algum tempo. Semana que vem posto outra entrevista inédita com outro personagem do cinema paulista. Agradeço o carinho e a leitura. Abraço, Matheus Trunk