Satã: um dos maiores coadjuvantes do cinema da Boca. Foto: Matheus Trunk |
O centro de São Paulo continua o mesmo. O
Cine Marabá também está lá. Mas modificado como multiplex. “Você precisava ver isso aqui quando
tinha lançamento de filme. Eram filas e filas”, recorda-se com espanto
Melquíades França Netto. Aos 73 anos, ele mora no bairro de São Mateus, zona
leste e dificilmente vai ao centro da capital paulista. “É longe. Tudo mudou
muito rápido”, afirma espantado. Mas esse simpático senhor foi testemunha ocular de
outro tempo do centro de São Paulo. Se você inquirir pelo seu nome
de batismo dele entre os antigos da Boca paulista quase ninguém se lembrará dele.
Mas se você perguntar por Satã todo mundo sabe quem é. Alto, robusto e
forte, ele esteve presente em mais de 25 longas-metragens nacionais entre as
décadas de 1970 e 1980. “Gostava mais quando puxava pra ação, aventura,
policial”, diz sorrindo. Satã teve inúmeras ocupações antes de vir para o
cinema. Foi engraxate, vendedor de balas, trabalhou em obra. Mas foi quando era
lutador de telecatch que conheceu o homem que mudou a sua trajetória: o
ator e cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão. “Ele
é um segundo pai que esteve na minha vida. Um grande homem”, fala emocionado.
Satã tornou-se motorista e segurança de Mojica. Eles estiveram juntos em vários
episódios e muitos filmes. Colecionaram histórias juntos. O fortão também teve
tempo até para ser capa do disco A Peleja
do Diabo Contra o Dono do Céu (1979) do cantor Zé Ramalho. “O Zé Ramalho
era fã do Mojica e onde ia o Mojica eu ia também”, diz sorrindo.
Satã também esteve
presente em inúmeras produções da rua do Triunfo. Sua presença era obrigatória quando
precisavam do tipo físico forte ou com cara de mal. “Não me importava o tamanho do papel ou o tipo de filme. Podia ser uma ponta ou um papel menor. Eu fazia”. É
interessante notar que ele esteve em longas-metragens de diretores diversos. Do premiado A Próxima Vítima
de João Batista de Andrade até As
Prisioneiras da Ilha do Diabo de Agenor Alves. Do cult O Abismo de Rogério Sganzerla até o pornô Um Pistoleiro Chamado Papaco de Mário Vaz Filho. Satã encontrou-se
comigo num boteco na avenida São João e contou suas histórias. Desde a infância
em Minas Gerais até chegar no cinema da Boca. Passando pelo telecatch, José Mojica Marins e de como
ganhou seu endiabrado pseudônimo. “Eu sou bastante religioso, católico. O
apelido é do trabalho não tem nada haver com a realidade”.
Satã na avenida Ipiranga, centro de São Paulo em 2019... |
Violão,
Sardinha e Pão- Seu Satã, o senhor nasceu em Mateus Leme? Quando foi? O que os
pais do senhor faziam?
Satã- Bom...Eu nasci em
Mateus Leme (cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais)
e com a idade de um ano eu fui pra Belo Horizonte. Aí mais ou menos com vinte
ou vinte e um anos eu vim pra São Paulo. Aqui em São Paulo eu estou até hoje. A
minha chegada aqui foi meio embaraçosa...Porque eu cheguei sem conhecer nada,
sem conhecer a idade. Eu tinha a minha irmã aqui que já morava a algum tempo,
mas eu não ficar muito na saia dela o que eu fiz? Eu fui me virar sozinho.
Assim que eu cheguei fui procurar um serviço sem saber se era pra esquerda, se
era pra direita, onde eu ia ficar. Entendeu? Eu pensei: “O primeiro serviço que
eu encontrar é aqui que eu vou ficar”. Aí arrumei um serviço, sabe onde? Na
obra.
VSP-
Construção civil?
S- Construção civil. Foi
na (rua) Florêncio de Abreu com...Perto da (avenida) Tiradentes.
Na Ecisa. Trabalhei na Andrade Gutierrez, na Camargo Correia. Aí eu fui...Eu
comecei de auxiliar, entende? De cachimbo, meia-colher.
VSP-
Preparava a concreto?
S- Na obra a gente faz de
tudo, né? A gente faz de tudo. Aí depois nessa época para cá...No decorrer da
obra tinha um senhor na rua Mauá. Ele via eu trabalhando lá deu ir me
esforçando lá de segunda a segunda. Aí aos domingos ele me chamava pra ir na
casa dele. Um senhor que nessa época...Tinha uns setenta e poucos anos. Uns
oitenta e poucos. Porque os filhos dele já tinham casado, ele tinha um casal de
filhos. Aí de domingo eu ia pra lá e passava o dia com ele. Era bem de frente
ao serviço, entendeu? Tinha um pessoal que frequentava a casa desse senhor que
era lutador. Era o Hélio Silva, era o Aquiles, era o Volpe. Eles frequentavam
uma casa de ferragem porque o dono da casa de ferragem era o empresário deles.
Entendeu? Naquilo lá eles viram o movimento lá. Aí um dia o Hélio Silva me
convidou para ir na academia dele justamente era no (largo do) Paissandu
(centro de São Paulo), no primeiro
andar. O primeiro andar inteiro. Entendeu? Aí vim pra aqui e comecei a treinar
com eles. Aí daqui fui pra...Fiquei um bom tempo treinando com eles. Nessa
época eu conheci o pai do Éder Jofre.
VSP-
Seu Kid Jofre?
S- É...Acho que ele era
italiano. Ele tinha uma academia aqui na rua Genebra, entendeu? Ele tinha
academia na rua Genebra. Aí eu lutei boxe lá com ele, luta livre com ele, tudo
misturado. Me preparando, me preparando para tudo. Porque em Belo Horizonte eu
era bagunceiro. O negócio meu era só brigar, só brigar. Qualquer coisinha era
briga de época.
VSP-
Pera aí. Só pra gente voltar. O senhor ficou pouco em Mateus Leme? A infância
do senhor foi em Belo Horizonte?
S- Ah não...Em Mateus Leme
eu só nasci. Com a idade de um ano eu já fui pra Belo Horizonte. Em Mateus Leme
eu só nasci, o meu pai me registrou lá e eu vim pra Belo Horizonte.
VSP-
O que os pais do senhor faziam?
S- O meu pai mexia com
roça. Meu pai trabalhava nisso.
VSP-
Na lavoura?
S- Lavoura, pedreira,
essas coisas assim. Batuta. Lá no interior de Minas eles falam: “Esse é o
batuta” (rindo). Entendeu?
VSP- E a mãe do senhor dona de casa?
S- Dona de casa.
VSP-
E o senhor tem muitos irmãos?
S- Somos em cinco. Éramos seis, mas um morreu. Tem...Eram seis, morreu um e ficamos em cinco. Moram todos em Belo Horizonte.
VSP- O senhor estudou até qual série? O senhor chegou a estudar na infância?
S- Não. Eu estudei até a
quarta série. Entendeu? Inclusive eu pretendia estudar aqui para fazer a oitava
série. Porque na minha época lá pegava o diploma só até a quarta série,
entendeu? Mas isso tinha que lutar muito: trabalhar de dia, estudar a noite pra
completar os estudos.
VSP-
Em Belo Horizonte o senhor ficou até com que idade?
S- Vinte.
VSP-
E lá o senhor chegou a trabalhar com alguma coisa?
S- Trabalhava. Lá em Belo
Horizonte o que aparecesse eu fazia. Fui camelô, fui engraxate, fui motorista.
Com doze, treze anos eu já trabalhava na Igreja São José na avenida Afonso
Pena, entendeu? Conhece lá? Na época tinha o padre José. Na época, os donos de
lá era o padre José e Paulo Estevão Portugal. Eles eram os donos de lá,
entendeu? Eu com doze, treze anos já era o manobrista na Igreja São José.
VSP-
Então o senhor ficou bastante tempo em Belo Horizonte. O senhor conhece bem...
S- Praticamente eu conheço
lá como a palma da minha mão.
VSP- Qual bairro que o senhor morava lá?
S- No antigo Pau Comeu.
Hoje chama-se bairro Primeiro de Maio. Você conhece bem lá? Belo Horizonte?
VSP- Um pouquinho. Não muito.
S- Conhece a Renascença?
Depois da Renascença. Quem vai pra Santa Luzia (cidade da região metropolitana de Belo Horizonte)...
VSP-
Ah, sim. Esse é o caminho pro Aeroporto de Confins?
S- Ah, mas na época que eu
saí de lá não existia esse Aeroporto de Confins. Era na Pampulha. Depois...
VSP-
Mas ali é Vespasiano, aqueles lados ali?
S- Sim. Vim pra cá: treinei, treinei. Depois passei pra profissional e lutei bastante tempo na Gazeta. Fiz algumas lutas com o Paulista de Guarulhos na Band...
VSP-
Mas só voltando. Em Belo Horizonte o senhor via cinema?
S- Não saia de lá. Eu era
o vendedor de bala do Cine Brasil, colocava o tabuleiro. Cinema lá, sabe como
era? A gente trabalhava de engraxate até uma hora. Até uma hora, dez pra uma.
Dez pra uma descia, corria e ia pro bandejão. Hoje é a rodoviária. Do lado
tinha um bandejão, sabe? E o Cine São Geraldo era na Lagoinha perto do
bandejão. Então, todo dia a gente ia pra cinema. Trabalhava um pouco o que
tinha pra fazer na parte da manhã e depois ia pro cinema no Cine São Geraldo.
Depois ia lá e assistia os filmes até quatro horas da tarde. Depois trabalhava
até sete horas da noite e vinha embora. Entendeu?
VSP-
Que tipo de filme o senhor via na época?
S- Olha...Mais aventura.
Ainda mais naquela época tinha bangue-bangue. Muitas vezes a gente não ia pelo
filme, entendeu? Sabe o que tinha? Episódio. A gente ia ver os episódios.
Então, eram os seriados igual novela. Entendeu? Na melhor parte o que eles
faziam? Cortava. Parava, por quê? Pra enrolar o público pra voltar no outro
dia. Entendeu? O filme era o mesmo mas a maioria do pessoal não ia pra assistir
o filme. Eles iam pra ver o seriado. Entendeu?
VSP-
Sim. Parece que o Zé do Caixão o senhor chegou a ver lá um programa em Belo Horizonte.
O senhor chegou a ter algum contato com os filmes dele?
S- Não. Lá a gente via os
filmes dele na televisão. Entendeu? Inclusive os filmes dele passavam na
televisão. Inclusive na vila onde eu morava só tinha uma televisão que pegava
em preto-e-branco. Sabe? Que era... A gente ficava lá até tarde uma hora, duas
horas da manhã. Por quê? Pra assistir o filme do Zé do Caixão, pra assistir o
Haway 250 ou senão tinha um outro....O filme que passava a gente assistia no
decorrer da noite. Somente nessa casa tinha uma televisão num boteco...Porque
lá não se fala bar, nem venda, era no boteco. Entendeu? Aí ficava aquela
molecada vendo os filmes que se passavam no decorrer da noite.
VSP-
O senhor veio pra São Paulo com vinte anos?
S- Vinte.
VSP-
O senhor veio para cá buscando algum trabalho? Ou algum de sonho de profissão?
S- Primeiro eu tinha que pegar qualquer coisa que viesse pela frente. Porque eu não queria depender da minha irmã que morava aqui (em São Paulo). Inclusive ela ficou mal de mim por vários anos por causa das atitudes que eu tomei.
VSP- Sério?
S- É...
VSP-
Os irmãos do senhor são todos assim altos, fortes? Ou senhor é o mais...
S- Agora até que eu estou fraquinho (risos). Eu sou o mais forte. Eles quase que não praticaram esporte os meus irmãos.
VSP-
Mas na família o pai do senhor era assim?
S- Era. Senão fosse mais
alto. Seu Claudiomiro.
VSP- Claudiomiro.
S- Meu pai era
Claudiomiro. Minha mãe chamava-se Vicentina de Jesus. Então...Aí quando eu
cheguei em São Paulo fui fazendo as lutas. Aqui no Paissandu era um encontro
nosso toda segunda-feira.
VSP- Do telecatch?
S- Telecatch.
Pra poder pegar show. Hoje não tem nenhum cirquinho aqui. Hoje em dia o negócio
do circo tem no primeiro andar aqui na galeria.
VSP- Sim, fizeram um memorial. Mas tinha um Café dos Artistas?
S- Sim...Não tem o Ponto
Chic? Então, aqui na praça. Entendeu? Aqui ficavam duzentos, trezentas pessoas
de segunda-feira.
VSP-
Tonico e Tinoco, Tião Carreiro?
S- Tudo. Tudo quanto é
tipo de show caia pra cá.
VSP-
E vocês iam pro interior lutando o telecatch?
Como era isso?
S- Olha, a minha agenda...A minha e do Michel Serdan, você sabe como era? A gente marcava daqui a vinte e um dias pra ter vaga pra poder apresentar. Porque a minha agenda já estava lotada. Ás vezes nem mudava de praça e a gente já estava marcada a data. Mas isso acabou que a praça fechou e não tem. Pra você encontrar um circo aqui é mosca branca.
VSP-
Sim, sim. Mas naquela época o circo...
S- Não...Qualquer lugar
que você chegasse tinha dois, três circos. Muitas vezes a gente fazia...Sábado
e domingo a gente fazia dois circos. Dois shows a noite e um durante o dia que
era a matinê. Entendeu? Era tanto circo que tinha que a gente fazia dois, três
circos.
VSP-
Era o senhor, o Serdan e mais quem?
S- Ah, a equipe era
grande.
VSP- E o Serdan um cara muito legal?
S- Tranquilo.
VSP-
Ele é pai ou irmão do Paulo Serdan?
S- Pai. Os dois sempre se
falaram muito bem.
VSP-
Mas essas lutas do telecatch eram
arranjadas ou de verdade?
S- Não...Entenda bem:
existe a luta-livre e existem vários tipos de lutas. Para você chegar, pra eu
começar a fazer um show...Porque a luta-livre é um show. Pra você fazer esse
show você tem que passar por diversos tipos de artes marciais. Sabe por quê?
Porque você tem que estar preparado pra tudo. Você vai passar numa cidade,
certo? E se tiver um desafiante com vale-tudo. Certo? Você tem que encarar.
Quer dizer, a luta-livre é só show. Tem tudo marcado: “Show de luta-livre”. É
um show, um espetáculo. Mas ali todos estão preparados, entende?
VSP- Se acontecer uma eventualidade?
S- Isso, tranquilo.
VSP-
Mas vocês se machucavam?
S- Machucava. Sabe por
quê? Em cima do ringue é tatame. Tem tatame, tem lona que é mais macio. Agora
no chão duro quando vai pra fora não tem. Então, quando você voa...Voo que tem
o que acontece? Você já voa na altura em quase dois metros e salve-se se puder.
Entendeu? Pra isso você tem que estar treinado a cair. Aí você vai se
acostumando. Acontece de você se machucar.
VSP-
O senhor e o Serdan eram lutas de verdade? Ou mais show?
S- Não, não. Só show.
VSP- E o senhor ganhava bem? O senhor gostava do negócio de telecatch?
S- Olha: ali era um cachê,
entendeu? Não era mal. Aí depois que eu e o Michel Serdan passamos a ser sócios
aí a coisa complica. Eu e o Michel Serdan complicam em que sentido: muitas
vezes você põe dinheiro do bolso e muitas vezes você tira dinheiro do bolso.
Muitas vezes mais tira que põe porque você já sai de casa com uma despesa alta.
Aí você vai chegar em determinado show e se não der bilheteria?
VSP-
Aí você fica com o prejuízo. É uma aposta, né?
S- Sim. Inclusive eu e o
Michel Serdan tivemos um bom tempo um programa no ar no canal 7.
VSP-
Na Record?
S- Na Record.
VSP- Era o Gigantes do Ringue?
S- Gigantes
do Ringue.
VSP-Era
o Ted Boy Marino?
S- Não. O Ted Boy Marino era de outra época. Quando era aqui na rua das Palmeiras, entendeu? Terminava o programa do Sílvio Santos e aí entrava a luta-livre. Depois nós fomos pra Manchete, Rede Manchete, aqui na Nestor Pestana, canal nove que era o Bolinha.
VSP-
Mas o senhor esteve nisso muito tempo?
S- É...Fiz aqui e depois a
gente viajava. Por exemplo: ia pra Belo Horizonte, fazia em Belo Horizonte.
Canal doze de Porto Alegre, o seis de Curitiba. Entendeu?
VSP-
O senhor viajou o Brasil todo com isso?
S- Bastante partes.
Bastante...
VSP-
O senhor lembra os lugares mais estranhos?
S- Você sabe por quê a
gente quase não lembra nada? Luta-livre, show é o seguinte: você anoitece mas
não amanhece. Você chega a tarde numa cidade e termina o show já foi pra outra
cidade. Terminou ali e não conhecia nada. Você ficava duas, três horas numa
cidade. Entende? O pessoal da época chamava: “Anoitece, mas não amanhece”.
Satã durante gravação do programa Um Show do Outro Mundo (1981) da TV Bandeirantes. Mojica ao centro |
VSP-
E o senhor conheceu o Mojica antes do Chico (Cavalcanti)? Ou o Chico
antes?
S- Agora vem a história boa, agora nós estamos conversando a nossa língua. O Mojica...Primeiro eu conheci o Mojica. Eu treinava...Eu tinha uma empresária chamada Marlene. E ela fazia filme com o Zé do Caixão, o José Mojica Marins que era lá na (rua) Oscar Horta na Mooca. Entende? E teve um dia que ela falou: “Vamos lá no estúdio do Zé do Caixão pra você conhecer ele”. E lá nos fomos. Eu fui lá conhecer o Mojica e nessa época eu fiquei conhecendo ele. Inclusive teve uma festa de formatura...
VSP-
Que foi no Museu do Ipiranga?
S- Não. Essa foi em 1975. O primeiro foi no Viola de Ouro. Mas antes eu já estava trabalhando com ele.
VSP-
O senhor conheceu ele em 72?
S- Foi em 71 ou 72. Por aí. Nisso, ele me convidou pra ir trabalhar com ele. Aí fui trabalhar com ele no estúdio dele. Lá no estúdio eu dava aula pro pessoal.
VSP- De luta?
S- De luta. Preparando o pessoal, na escola, os alunos. Ele dava aula da gramática dele e a parte de luta, violência era comigo.
VSP-
Mas o senhor pegou amizade com o Mojica fácil?
S- A nossa amizade começou
ali. E a nossa amizade está até hoje. Porque fiquei com ele direto, direto
durante catorze anos.
VSP-
De 72 até 85?
S- É...Em 81 nós fizemos a
capa do disco do Zé Ramalho. Mas que nós ficamos juntos trabalhando pra cima e
pra baixo foram de catorze pra quinze anos mais ou menos. Aí eu mais o
Mojica...Nós tivemos várias coisas juntos. Fiz produção de cinema, atuei como
ator, a equipe do Zé do Caixão eu acabei levantando a produção de vários filmes
dele. E a produção nossa fizemos assim: ele dirigiu uma fita pra nós e nós
atuamos numa fita pra ele. Nós fizemos com ele...
VSP-
Foi o Estranha Hospedaria?
S- Não. Foi uma das fitas que teve. Mas nós fizemos A Estranha Hospedaria.
VSP-
O senhor estava com ele quando ele fez o filme com Massaini?
S- Estava, estava. Como
que chama? Não foi A Estranha Hospedaria.
Inclusive eu trabalhei como ator nessa fita que
foi feita lá na (avenida) Celso
Garcia. Foi lá na Celso Garcia, 563. Não tem o nome da fita aí?
VSP-
Não. Aqui tenho de outros. Porque o senhor trabalhou com o Mojica em vários. Eu
lembro do Mundo, Mercado do Sexo?
S- O Mundo, Mercado do Sexo essa fita foi minha e da Débora Muniz. Essa
que nós produzimos. Foi uns doze que nós fizemos.
Francisco Cavalcanti e José Mojica Marins: dois diretores que foram muito próximos a Satã. Acervo pessoal de Fabrício Cavalcanti |
VSP-
Quando o senhor conheceu o Mojica a escolinha dele era na Mooca (bairro da zona leste de São Paulo)?
S- Na Mooca. Na rua Oscar
Horta, 120.
VSP-
Como surgiu a história do senhor ser segurança dele? Foi já na hora?
S- Não, não. Demorou
porque tinha dois irmãos gêmeos que trabalhavam como segurança dele. Mas de vez
em quando deixavam ele na mão.
VSP-
Dois irmãos gêmeos? Mas o senhor lembra o nome deles?
S- Ah, não lembro não.
VSP-
E ele era muito visado?
S- Não? O Mojica? Ele era
tranquilo, muito tranquilo.
VSP-
Mas ele andava de segurança com medo de alguma coisa?
S- A gente tem que
prevenir antes que aconteça. Porque se ele estava comigo só de verem uma pessoa
do tamanho dele aí não encostavam. “Não vamos encostar porque ele está com
segurança”.
VSP-
E como o senhor ganhou esse apelido de Satã?
S- Olha, quando eu estava
fazendo luta-livre na Gazeta o meu nome começou como Mel Kid: “Aí vem Mel Kid”.
Aí depois o locutor falou: “Esse não tem nada de Mel Kid. Esse é o Satanás. É o
Satã mesmo em pessoa” (risos). Aí começou. Depois como eu fui trabalhar
com o Zé do Caixão aí juntou: Satã e Zé do Caixão. Aí todo mundo falava. Pegou.
VSP-
E a mãe do senhor não gostava desse nome?
S- Não. Nessa época...A
minha mãe. Coitada da minha mãezinha, ela não chegava a ter muito conhecimento
não. Inclusive quando ele foi em Belo Horizonte nós tivemos lá com a família da
dona Vicentina ela até gostou. Na época quem ficou meio assim foi a minha esposa
que faz mais ou menos doze a treze anos que ela faleceu...
VSP- Poxa, meus sentimentos.
S- É...Aí ela que falou:
“Será que está certo?”. Eu falei: “Isso não vem do Mojica, não vem do Zé do
Caixão. Isso já vem da luta, das lutas”.
VSP- Mas o senhor nunca
se incomodou com esse apelido?
S- Não.
VSP- Porque o pessoal
mais religioso pode se incomodar com esse apelido...
S- Não. Eu sou inclusive
sou bastante religioso. Não tem nada haver o trabalho com...
VSP- E o senhor é
católico?
S- Sou muito católico. Sou
muito devoto de Nossa Senhora Aparecida, São Jorge, de Deus.
VSP- E o senhor
conheceu primeiro o Mojica? Depois o Chico?
S- Isso.
VSP- Mas o primeiro filme que o senhor fez foi com o Chico: As Mulheres do Sexo Violento?
S- Foi. Mas aí foi por intermédio do Mojica. Eu acompanhava e o Mojica também estava junto como diretor. Eu fiz com o Chico Cavalcanti, fiz com o George Turquinho em Um Homem nas Suas Duas Noites de Núpcias (o filme chama-se O Fracasso de Um Homem nas Duas Noites de Núpcias, direção de George Michel Serkeis, conhecido como Turco).
VSP- Como era o
convívio com o Mojica? Na época ele era muito popular na rua...
S- Até hoje, né? Ele continua...Inclusive eu ia passar na casa dele hoje mas o bom é ir na casa dele na parte da manhã. Porque essa hora ele está tirando o descansinho dele.
VSP- Teve uma vez que o
senhor dirigiu uma Kombi com o Mojica e teve um acidente?
S- Teve. Foi lá na Vila Mariana (zona sul de São Paulo). Era uma Kombi do João. Foi assim: um carro entrou na nossa frente, um carro pequeno que entrou na nossa frente o João estava na frente travou o meu braço. E foi tudo por água abaixo. Você está sabendo de tudo, né?
VSP- Imagina. Mas o
senhor se machucou muito?
S- Não, não.
VSP- Mas a Kombi
acabou?
S- A Kombi bateu de
frente. Acaba, entorta tudo. O negócio do Mojica era bater um papo, tomar os
vinhozinhos dele. Na época juntava ele, o Chico tomava o chopinho dele.
VSP-
O senhor começou a ser ator com o Chico. Como foi esse filme: As Mulheres do Sexo Violento?
S- Eu me lembro de algumas
coisas. Foi uma filmagem muito boa, uma época muito boa. A gente saia daqui de
São Paulo e ia lá para Mogi das Cruzes (região metropolitana de São Paulo). Naquela época, eu estava bem inteirão.
Inclusive nós fomos fazer uma cena e eu lutava contra um tambor...Mas a câmera
não ia ser direto em mim. Era contraplano, né? Eu falei: “Chico manda jogar
direto”. “Não mas vai machucar”. “Não, pode deixar”. Pode perguntar pro Mojica
pra você ver como que era. Por detrás da câmera dois jogaram o tambor em mim.
Eles queriam fazer contraplano, né? Jogava e depois caia logo na testa. Naquela
época tinha aquele negócio de economizar negativo: “Não, joga direto”. Hoje
não. Você faz uma fita...
VSP- Não tinha dublê?
Não tinha nada, né?
S- Não tinha nada. Tinha mas quase ninguém gostava de dublê, entendeu? Até nas novelas que eu participei. Depois eu vou te contar a história...O pessoal falava: “Vamos colocar o dublê pra ele”. Numa novela fui fazer uma queda de costas. Eu tomava uma pancada e caia de costas. Inclusive foi naquela novela Essas Mulheres que era da Record. Eu participei dela e inclusive foi reprisada outro dia. Já foi reprisada pela segunda vez.
VSP-
O senhor começou com o Mojica mas o primeiro filme foi com o Chico, né?
S- Foi.
VSP-
E o Chico como diretor. Como era o relacionamento dele com os atores?
S- Muito bom. Excelente,
calmo, tranquilo, sossegado. Graças a Deus: com todos esses (diretores)
com quem eu trabalhei. Inclusive com quase todos os diretores da Boca eu
trabalhei. E quantos anos ali na Boca também. Eu trabalhei com o Tony Vieira,
Ary Fernandes. Com o Ary Fernandes trabalhei com o Antônio Fonzar uma outra
produção do Vigilante Rodoviário.
VSP-
O senhor começou a frequentar a Boca com o Mojica?
S- Com o Mojica. Porque da (rua) Visconde de Parnaíba nós viemos pra Boca. Entendeu? Aqui na Boca nós estávamos todo dia. Mesmo se estávamos lá vinha aqui pra Boca.
VSP-
Como era a Boca nessa época? Como era a rua do Triunfo?
S- Era muito calma. Calma no sentido assim...Hoje não. Você não pode deixar nada que os caras levam. Antigamente não. Eu tinha carro e deixava o meu carro todo aberto ali de frente ao bar do Serafim ou no bar do Ferreira. E ninguém mexia, não faziam nada.
VSP- Qual carro que o
senhor tinha?
S- Eu tinha um Opala. Tive
uma Kombi também. E nunca tive problema com nada. Pelo contrário: os maninhos
lá tomavam conta. Porque teve uma vez na luta livre quando eu quebrei a perna o
meu cunhado me levava e depois mais tarde ele vinha me buscar. Teve um dia que
o meu cunhado foi parar o carro de frente ao bar do Soberano e os maninhos
falaram: “Cadê o Satã mano?”. Falaram pro Negão: “Cadê o Satã?”. “O Satã é meu
cunhado”. “Não”. Se não fosse o Serafim (dono do bar Soberano) que
conhecia ele: “Esse senhor é o cunhado do Satã”.
VSP- Olha só. Senão ele ia se ferrar?
S- Ia se ferrar. Porque ele chegou lá todo posudo. O Mojica nós trabalhamos esse tempo tudo. Era
cinema, jornal, rádio, televisão. Inclusive no programa do Raul Gil eu fazia o
homem mudo. Eu ficava atrás dele no Programa Raul Gil. Você lembra quando tinha
auditório na rua Augusta? Um programa de calouros do Raul Gil que era aqui na (rua)
Augusta? Nessa época nós ficamos um ano e dois meses. Entendeu?
VSP- O senhor ficou
direto?
S- Direto. Ficava o tempo lá durante o decorrer do programa. Porque o Mojica era o jurado dos calouros. Eu ficava atrás dele como segurança. Inclusive foi nessa época que surgiu aquele cantor Antônio Marcos com aquela música O Homem de Nazareth. Foi nessa época. Eu lembro que foi no ano mais ou menos do lançamento dessa música.
VSP-
Depois os estúdios do Mojica foram pra rua Visconde de Parnaíba. Esse estúdio
era maior? Menor?
S- Eu estava essa época. O
estúdio era mais ou menos do mesmo tamanho. Mas lá na Oscar Horta era térreo,
tinha o estúdio e a padaria em frente que era do português. O estúdio era no
fundo. Aqui na Visconde de Parnaíba era no segundo andar. Embaixo tinha o
Salvador. Você conheceu o Salvador do Amaral?
VSP- Não conheci
pessoalmente. Marido da Marli (Machado).
S- Isso, da Marli. Sei que
o Salvador era no primeiro andar e o Mojica tinha estúdio no segundo. Aí nos
fizemos...Ficamos lá um bom tempo. Esse lugar, esse estúdio era mais pra ter a
escola de preparação dos atores e atrizes.
VSP- O senhor conheceu
o Giorgio Attili? Fala um pouco sobre ele...
S- Conheci. O Giorgio
Attili era um italiano muito bom. Tantos diretores que eu tinha que ter
preparado os nomes de todos. Foi muito bom ter trabalhado com ele.
Trabalhei...Até hoje não tenho queixa de ter trabalhado com nenhum diretor ou
produtor.
VSP- O Attili se dava
muito bem com o Mojica. Como eram os dois no set?
S- Muito bem. Muito bom.
Os dois eram iguais irmãos. De vez em quando a gente ia na casa do Attili comer
macarronada. Era na rua Santo Antônio que ele morava, entendeu?
Satã, Rogério Sganzerla, Mojica e Wilson Grey |
VSP- O senhor começa a
trabalhar na Boca. O senhor fez um filme com o Rogério Sganzerla chamado O
Abismo. Como foi?
S- Lembro. Foi no Rio. Foi
muito bom, muito bom mesmo. Você sabe que o carioca tem outro sistema de
trabalho, né? Mais sossegado, tranquilo, né? Trabalhar não era muito com eles.
Aí quando chegava três, quatro horas da tarde: “Parou, parou, parou”. Entendeu?
VSP- O Sganzerla era um
cara legal?
S- Legal. Lá nesse filme nós ficamos uma semana ou outra. Mais ou menos.
VSP- O senhor lia os
roteiros ou era mais participação? Figuração?
S- Era mais participação.
Não era totalmente figuração porque tinha papel de destaque. Porque inclusive
onde eu aparecia roubava a cena, sabe? Só por causa da minha cara. Porque não
precisava nem de fala. Entendeu? Com o Tony Vieira a minha participação foi
curta. Quando foi feito o lançamento aqui no Cine Art Palácio na (avenida)
São João tinha um restaurante que passou a ser bingo. Aí quando foi a avant
premiere terminou aqui e viemos no restaurante aqui: “Olha Satã, gostei do
seu filme, tal, tal”. Sabe o que aconteceu? O Tony Vieira sentado igual nós
estamos aqui sentado do lado veio me tirar: “Filho da puta. Você rouba a cena.
Está aí? O pessoal conhece você”. Porque muita gente reconhecia o Tony pela voz
porque ele tinha a voz grossa. Entendeu?
VSP- O Tony...Como era
ele? O senhor foi bem próximo a ele?
S- Conheci, conheci porque a gente ficou na Boca. Ele tinha escritório no mesmo prédio do Galante (produtor). Eu tinha escritório no 134 sexto andar sala 61. Então, todo dia nós estávamos convivendo lá dia e noite.
VSP- E o Tony era um
cara legal?
S- Legal. Você sabe que
nesse meio não adianta nada o camarada ser grosseiro, ser estúpido, não
adianta. Sabe por quê? Ele só tem a perder, entendeu? O camarada tem que ser
tranquilo, sossegado, querido, porque aí já ganha moral com todo mundo.
VSP- E o Tony o senhor
via os filmes dele? Gostava de ação, faroeste?
S- Gostava. O negócio dele
era só filme de ação? Sabe que estou querendo martelar com ele...Eu fiz O
Tortura Cruel. Mas estou pensando qual aquele filme do Massaini que eu
fiz...Foi Exorcismo Negro.
VSP- Exorcismo Negro.
O senhor tem ideia de quantos filmes o senhor fez?
S- Têm. Foram vários. A
quantidade não sei não...
VSP- Com os diretores
da Boca o senhor trabalhou com quase todos, né? Com o Alfredinho Sternheim o
senhor não trabalhou. Com o Jean o senhor trabalhou?
S- Com o Jean? Trabalhei,
trabalhei com o Marinho (Mário Vaz Filho), com o Deny Cavalcanti. Foi na
fita que teve com a Gretchen e o Alexandre Frota. Com o Agenor trabalhei.
VSP- Com o Agenor: O
Prisioneiras da Ilha do Diabo.
S- Isso.
VSP- Com o Tony...Como
era o trato com vocês? Mesmo depois que ficou famoso?
S- Era legal. No sábado
nós íamos lá pra Itaquera jogar bola com ele. Bom, eu ia lá pra poder zoar
porque de bola mesmo...Gostar eu até gostava. Mas a bola corria atrás de mim e
não eu da bola. Teve um dia que atravessaram a bola pra mim e eu marquei, tal,
tal. Todo mundo aplaudiu. Depois eu sozinho, sozinho nem goleiro não tinha
porque o goleiro tinha vazado. Meti um pouco na bola e ela saiu. Aí acabou, aí
foi o xingo. Mesmo lá em Belo Horizonte também eu corria atrás da bola ela
corria atrás de mim.
VSP- O senhor nunca foi
muito bom em futebol?
S- Não, não.
VSP- O Tony nessa época
ainda estava com a Claudete? O senhor lembra deles juntos?
S- Lembro....
VSP- Como era a MQ a
produtora dele? Era organizado? Razoável?
S- Olha...Vamos dizer
assim, mais ou menos, mais ou menos. Porque escritório de produção, escritório
bem arrumado...Acontecia em empresa grande. Falou em empresa pequena...Se você
chegasse na minha sala de produção, sabe? A mesa então nem se fala. Só eu sabia
onde estava papel por papel. Se você chegasse lá...Não ia entender aquilo ali.
VSP- Só voltando ao
Tony: o senhor conheceu na época o Heitor Gaiotti...
S- Conheci.
VSP- O Tony tinha uma
turma dele: ele, o Gaiotti, o Índio...
S- Olha, cada produtor
tinha aquela turminha, entendeu? Já concentrada na mente da pessoa. O Heitor
Gaiotti nós viajamos muito tempo. O Heitor Gaiotti trabalhou comigo numa das
fitas do Chico Cavalcanti. A gente viajava numa Brasília que ele tinha ou
Variant pra não ir em dois carros. Quando terminava a filmagem nossa já
vínhamos embora na frente. Era um camarada muito legal.
VSP- Sim, sim. Imagino
que muito engraçado pelo menos nos filmes.
S- Engraçado...O cara é comediante, entendeu?
VSP- O filme do Tony
sempre tinha ele...
S- Todos, todos. Era ele,
Gaiotti, o Índio.
Chegada em Congonhas: Satã levanta o prêmio conquistado por Mojica na Espanha |
VSP- Nunca houve
rivalidade do Tony com o Chico? Com o Mojica?
S- Foi muito bom. Não só pelo festival, mas pelo passeio. Conhecemos outras pessoas. Foi muito bacana. Vários episódios.
VSP- Porque ele é de família espanhola.
S- Samuca é uma bebidinha espanhola que eles colocam no café com a casquinha de limão. Ali pra não poder pegar resfriado. E ela aqui na (rua) 24 de Maio tinha o Baile da Saudade na época. Eu trabalhava, tomava conta do Mojica e ainda trazia ela no Baile da Saudade.
VSP- E a capa do disco o senhor achava que ia ter essa repercussão toda?
VSP- Com certeza. E nos Trapalhões era um papel pequeno? O senhor lembra da cena que o senhor fez? O senhor aparecia, dava um susto?
VSP- Os Violentadores de Meninas Virgens...?
S- Fiz.
VSP- Agora o Augusto de Cervantes o senhor deve ter conhecido melhor...
VSP- Ele tinha uma voz boa?
S- Não, arrumado.
S- Olha, pra fazer os roteiros quem fazia mais era o Chico. Mas a Mada era o braço-direito dele pra tudo.
VSP- A Volta do Jeca. Depois que o Mazzaropi morreu parece que ele quis fazer uma imitação mas não deu muito certo.
VSP- Qual filme o senhor mais gostou de ter participado? Ou teve o papel maior?
VSP- Foi um papel grande também?
S- Foi. Porque os outros mais foi participação.
S- Foi. Teve o Alexandre Frota, teve a Gretchen. Com o Chico Cavalcanti também foi com a Zilda Mayo. Foi bom.
S- Sim. Ele faleceu...O menino que fazia produção para ele também faleceu.
VSP- Só pra aparecer?
VSP- Era o tipo que chamava atenção...
S- Era o tipo.
S- Hoje...De vez em quando eu viajo muito pra marcar show de luta, entendeu? Está fraco mas não pode parar.
S- Faço. Mas hoje faço a programação de eventos.
S- Alex Prado.
S- Sim. Agora ali você não pode nem...Dali você podia sair de madrugada, podia ser de dia, qualquer hora não acontecia nada. Agora vai andar ali hoje de madrugada pra você ver. Nem precisa ser de madrugada não qualquer hora.
S- Não, não. Inclusive com
o Mojica já cheguei a viajar com ele para a Espanha.
VSP- Como foi isso?
S- Foi muito bom. Não só pelo festival, mas pelo passeio. Conhecemos outras pessoas. Foi muito bacana. Vários episódios.
VSP- E o Mojica causou
muito lá?
S- Causou (risos).
Inclusive lá ele chega com guarda-costas...Lá quem tem direito a ter
guarda-costas é o presidente e o rei. Aí na hora de anunciar não era
guarda-costas lá se chama guarda-espadas. Aí fui aplaudido do começo ao fim. Lá
na hora do festival, nos passeios, nos restaurantes, nas boates, na tourada.
VSP- Porque ele é de família espanhola.
S- Sim. Inclusive fomos
pra lá cm uma equipe grande. Foi um jornalista do Rio, esqueci o nome dele, não
me lembro mais. Foi o Luiz Fernando Garcia que era um dos produtores de algumas
fitas do Mojica que tinha uma loja de ferragens na (rua) Barão de
Limeira. Ele produziu uma fita com a Arlete Moreira, você deve ter o nome?
VSP- Perversão.
S- É. Então, tinha outra
mulher que morava aqui na Barão de Limeira que chegou a viajar lá com nós pra
lá também.
VSP- E depois ele foi
pra Paris. O senhor foi junto?
S- Não. Ele foi....Não,
nessa coisa nós viajamos lá eu fui só pra Espanha.
VSP- O senhor falou no
Mojica. O senhor chegou a conhecer a dona Carmen, mãe do Mojica?
S- Sim. Oh...Aquela ali
não era só mãe dele não, era minha também (rindo). Porque todo dia de
manhã quando ia buscar o Mojica nós passamos lá você tomava um café, uma
samuca.
VSP- O que é samuca?
S- Samuca é uma bebidinha espanhola que eles colocam no café com a casquinha de limão. Ali pra não poder pegar resfriado. E ela aqui na (rua) 24 de Maio tinha o Baile da Saudade na época. Eu trabalhava, tomava conta do Mojica e ainda trazia ela no Baile da Saudade.
VSP- O seu Antônio (pai
do Mojica) o senhor não chegou a conhecer imagino...
S- Não.
VSP- Mas o senhor
conheceu bem ela...
S- Sim. Eu até acompanhava
ela nos bailinhos aqui pra ela se divertir. Era uma senhora tranquila. Os dois
se davam muito bem (ela e Mojica). Ela morava no lado da (rua)
Odorico Mendes (Mooca) e naquela época dava muita enchente. Não sei se
você se lembra?
VSP- Não, não.
S- Ali na Mooca. Depois
que eles arrumaram o rio não, ficou bom. Mas quantas vezes eu não ia tirar ela
ali de barco na Odorico Mendes? Ele teve também estúdio ali na (rua)
Barão de Jaguara. Entendeu? Ele ficou ali uns cinco anos na Barão de Jaguara.
Satã auxiliando Zé Ramalho para cortar as unhas de Mojica no programa Viva a Noite de Gugu Liberato |
VSP- E muita gente começou
nesses cursos do Mojica: Luizinho Oliveira, a Débora (Muniz). Quem mais
começou nessa época?
S- A equipe quase toda,
todo mundo. Ali passava todo mundo. O Luizinho mesmo que passou ali é um
tremendo profissional, sabe? A Débora Muniz não é só atriz, aquela é tudo. Se é
pra trabalhar em produção ela trabalha, se é pra trabalhar como atriz ela
trabalha. Se é pra dirigir ela dirige, se é pra fazer a montagem ela faz.
Porque ela conhece a sétima arte toda. Na película ela conhece take por take.
Porque hoje em dia não é qualquer um que conhece assim. O que você perguntar para
ela...Se você for filmar com ela, ela vai falar: “Que lente você vai usar?
Vinte e cinco? Trinta e cinco? Dezoito? Trinta e dois?”. Entendeu? Aí ela já
sabe que enquadramento que ela dá. Porque isso é muito importante pro ator pra
saber qual lente está usando.
VSP- E o senhor
conheceu a Débora (Muniz, atriz) ela estava começando?
S- Olha, essa história ela
mesma pode te contar. Quando ela chegou no estúdio...Os pais dela levaram ela
tinha doze anos. Os pais dela chegaram e me falaram: “Nós confiamos muito em
você. Vou deixar a minha filha nas suas mãos”. Até hoje ela me chama de pai. Na
hora que você perguntar pra ela que idade ela chegou e com que idade ela
chegou, como os pais dela chegaram. Ela já fez um bocado de filme paralelo em
pornô, pornô. Eles queriam colocar eu e ela junto. Ela falou: “Com o meu pai
não”. Entendeu? Ela tem o maior respeito por mim e eu também tenho o maior
respeito por ela. Entendeu?
VSP- O senhor tinha dez
anos a mais que ela? Como uma irmã mais nova ou filha?
S- É...
Satã na contracapa do LP A Peleja do Diabo Contra o Dono do Céu (1979) de Zé Ramalho. Foto de Ivan Cardoso |
VSP- Como foi fazer a
capa do disco do Zé Ramalho?
S- Não...É que o Mojica e
ele eram muito apegados os dois. Então, ele estava fazendo seleção de gente
porque ele queria fazer uma capa diferente. Nessa capa diferente surgiu A
Peleja do Diabo Contra o Dono do Céu. Quer dizer, ele era o dono do céu e o
Mojica era o Deus. Não sei se você chegou a ver a capa?
VSP- Já, já. Tem a Xuxa
Lopes também.
S- Tem eu, tem a Xuxa
Lopes, tem mais outro menino que é ator.
VSP- Foi no Rio que foi
tirado?
S- Foi.
VSP- Vocês foram só para
isso? Ou foram fazer mais coisa lá?
S- Nós fomos fazer essas
fotos e nisso ficamos quinze dias lá. Ia, trabalhava duas, três horas por dia.
Aí até levantar, tomar seu café, se preparar, tudo, acabou a luz. Aí ficava pra
outro dia.
VSP- Foi o Ivan Cardoso (cineasta e fotógrafo) que fez as fotos?
S- Isso. Então, o Ivan
Cardoso que viajou com a gente pra Espanha. Ele que fazia os curtas-metragens.
Tem ele, tinha um escritor que morava num lugar longe no Rio...
VSP- O Lucchetti?
S- Lucchetti. Agora ele
está morando aqui em Ribeirão Preto (interior de São Paulo. Lucchetti mora em Jardinópolis, cidade bem próxima a Ribeirão Preto).
VSP- E a capa do disco o senhor achava que ia ter essa repercussão toda?
S- Não.
VSP- Porque o Zé
Ramalho estava começando, né? Ele não tinha esse nome todo.
S- Não. Inclusive depois
acho que foi lançado...Não, não. Foi lançado no mesmo ano que nós aparecemos no
programa do Gugu e o Zé Ramalho também participou do programa.
VSP- E ali eles se
conheceram?
S- Não. Eles se conheciam
antes. Isso foi antes da capa.
VSP- Ah eu achei que
eles tinham se conhecido quando ele tinha cortado a unha...
S- Não. Ficava muito
atrofiado os dedos por causa das unhas.
VSP- Porque ele deixava
as unhas de uma mão grandes e da outra não pra fazer as coisas, assinar.
S- Não...Ele mesmo com as
unhas, não sei o que ele fazia que arrumava um jeitinho: “Vou tirar”. Mojica
era um camarada muito legal. Aquele é irmão, é pai, é amigo, é tudo.
VSP- O senhor também
trabalhou com o Adriano Stuart no filme dos Trapalhões?
S- Com o Adriano Stuart eu
fiz com ele duas fitas. Com Os Trapalhões foi até no Playcenter como se eu
fosse o Hulk. E depois que fiz com o (José) Miziara que também estava na
produção. Foi lá em Campestre, lá em Minas.
VSP- É um filme de
episódios. Foi em Campestre. E o Adriano como era trabalhar com ele?
S- Ah, também era um
camarada legal, tranquilo, sossegado. Entendeu? Olha, você sabe que não existe,
não existe ruim nem mal pra poder trabalhar com as pessoas. Quem faz as pessoas
somos nós. Se nós damos motivos para pessoa não se sentir bem, sentir algo que
não é bom parte da gente. Não é mesmo?
VSP- Com certeza. E nos Trapalhões era um papel pequeno? O senhor lembra da cena que o senhor fez? O senhor aparecia, dava um susto?
S- Não. Trabalhar,
trabalhava bastante. Foi bastante tempo trabalhando, só que mas era mais encapuçado.
Encapuçado eu digo porque a minha cara era mesmo era conhecida. Eu usava
aqueles capuchinhos, aqueles capotão, então era pouca coisa que aparecia.
Aparecia mais quando nas lutas mesmo que aparecia ou de relance. Era muito
difícil nos filmes que eles faziam que outra pessoa aparecesse assim. Entendeu?
Mais ou menos, praticamente era figuração. Era mais figuração.
VSP- Mas o Renato
Aragão o senhor conheceu?
S- Conheci. Conheci mais o
Dedé que de vez em quando a gente se fala, né? O Mussum cheguei a conhecer.
Porque eles faziam muito shows. Não o Didi, mas o Dedé, Mussum e o Zacarias
faziam muito show em circo. E muitas vezes a gente estava saindo de um circo e
a gente estava chegando com a luta-livre. Entendeu? Então, muitas vezes a gente
se encontrava nos trajetos de estrada. Com a Mara (Maravilha) eu
participei do programa dela, do Gugu quando ele tinha o programa do personagem
Rambo. Eu fazia o personagem vilão no quadro inclusive a finalista era para ser
lá em Florianópolis. Tinha mais de sessenta candidatos. E toda segunda-feira
nós filmávamos em Guarulhos, em Bonsucesso. Você chegou a ver isso?
VSP- Não, não. Deve
fazer muito tempo. O senhor ia na estreia dos filmes?
S- Olha, se sobrasse tempo
eu iria. Tem filmes que eu participei que eu nem cheguei a ver. Do Chico mesmo
tem uns três ou quatro. Porque segunda-feira mesmo eu estava viajando com luta
ou estava fazendo outra atividade.
VSP- Com o Chico o
senhor tem ideia de quantos longas fez? Porque foram vários. Foram cinco, seis?
S- Fiz O Cafetão, Ivone,
a Rainha do Pecado...Os Violentadores de Meninas Virgens. Tem O
Cafetão em que trabalhou a Zilda Mayo. Tem outro que nós fizemos aqui
inclusive que eu quebro toda a choperia do Walter...
VSP- Do Walter Wanny?
S- É.
VSP- Mulheres Violentadas?
S- Nesse eu ajudei na
produção.
VSP- O Porão das
Condenadas?
S- Eu ajudei na produção
também.
VSP- Os Violentadores de Meninas Virgens...?
S- Fiz.
VSP- O Cafetão?
S- Fiz.
VSP- Padre Pedro e a
Revolta das Crianças?
S- Esse foi com o Pedro de
Lara.
VSP- Esse o senhor fez?
S- Não.
VSP- O senhor fez
vários com o Chico, né?
S- Sim. Fizemos vários.
VSP- Os filmes dele se
pagavam? Os filmes dele tinham sucesso na época?
S- Olha, a maioria...A
maioria deles quase não se pagavam sabe por quê? Porque era o Teixeira Mendes
que ficava com a parte grossa, entendeu? Porque ele fazia...Ia fazer uma fita.
Quando estava para terminar o dinheiro acabava e aí precisava vender as partes.
Nesse vender as partes do filme e quando ia ver já estava devendo. Igual
aconteceu com o Mojica várias vezes.
VSP- O Mojica vendia as
cotas dos filmes?
S- Para começar: a
primeira fita que o Chico fez...Como se chamava? As Mulheres do Sexo
Violento, certo? Quando ele chegou a terminar a fita quem era o dono da
fita?
VSP- Nelson Teixeira
Mendes.
S- Então.
VSP- E o Nelson
Teixeira era um cara meio malandro?
S- Não é
malandro...Negócio é negócio. Ele punha dinheiro...Igual agiota: agiota quer
tomar tudo que tem, né?
VSP- O Nelson (Teixeira
Mendes) o senhor conheceu?
S- Conheci...Conheci assim
na Boca, na Boca. Não tive muita amizade com ele.
VSP- Agora o Augusto de Cervantes o senhor deve ter conhecido melhor...
S- O espanhol? Conheci.
Aquele começou com o Mojica. Ele era torneiro mecânico. Entende? Aquele ali eu
conheci. E virou um produtor forte. Ele era um cara tranquilo. Você veja que
ele era tão legal porque ele foi um dos que invés de não se apoderou nada do
Mojica. Pelo contrário: ele ajudava o Mojica. Entendeu?
VSP- O senhor falou do
Chico. E o Chico trabalhava muito com o Salvador (do Amaral, diretor de fotografia).
Como era a relação deles? Pelo que o senhor entendia.
S- Boa, muito boa. Os dois
se entendiam muito bem.
VSP- O senhor gostava
de filme do Chico?
S- Sim. Tudo que era coisa
que partia pra violência e aventura eu gostava. Entendeu?
VSP- Era o senhor mesmo
que se dublava nos filmes?
S- Não. Quem dublava pra
mim tinha....O João Paulo Ramalho me dublou, fez dublagem. Tinha o Maro que
também era dublador lá na Odil Fonobrasil e por incrível que pareça ninguém
acredita. Sabe quem me dublada? O anãozinho.
VSP- O Chumbinho? Ele
dublava você?
S- Te juro.
VSP- Ele tinha uma voz boa?
S- Tem. Inclusive quando
eu fiz Branca de Neve e os Sete Anões...
VSP- Sim. Histórias
Que As Babás Não Contavam. Ele que dublou o senhor?
S- Muitas vezes nas fitas
do Chico ele que fazia a dublagem.
VSP- O que o senhor se
lembra desse trabalho com a Adele Fátima?
S- Ah, foi um trabalho
muito bom. Foi dois ou três dias. O pouco tempo que eu convivi com o pessoal
foi muito bom.
VSP- E o Osvaldo de
Oliveira como diretor? O Carcaça?
S- Legal, sossegado. Bom
diretor, excelente. Nota dez pra ele.
VSP- O senhor trabalhou
poucas vezes com o Massaini como produtor...
S- Eu ia trabalhar na Marcha
com o Pelé na produção. Mas não cheguei a trabalhar porque estava fazendo outro
trabalho. Aí tinha que fazer na sequencia, né? Mas na sequencia não dava.
VSP- E o seu Osvaldo,
pai do Massaini o senhor conheceu?
S- Conheci, um cara legal. Ah ali naquela Boca eu conheci
todos, a família toda. Um cara legal. Querendo ou não a gente sempre se
encontrava porque o escritório dele ficava no primeiro andar e o meu no sexto
andar.
VSP- Você tinha um
escritório seu?
S- Era no sexto andar sala
61 onde eu dividia o espaço eu e o seu Brito. O seu Brito mexia com produção de
cinema depois com a Aurora Duarte. Ele produziu um bocado de filme e depois
mexeu com curta-metragem, entendeu?
VSP- O escritório do
Chico era no outro prédio que era com o Custódio?
S- Outro prédio. No 173.
VSP- E o escritório do
Chico era arrumado?
S- Não, arrumado.
VSP- A Dona Mada também
teve um papel importante na carreira do Chico?
S- Olha, pra fazer os roteiros quem fazia mais era o Chico. Mas a Mada era o braço-direito dele pra tudo.
VSP- O Chico e o Mojica
eram como irmãos imagino? Eles eram bem próximos. O senhor deve ter
acompanhado...
S- Tranquilo. Acompanhei
sim. Os dois eram mais que irmãos. Entendeu?
VSP- A Dona Yolanda,
mãe da Mada o senhor deve ter conhecido?
S- Conheci. Aquela ali a
gente ia na casa dela...Bom, o Mojica morava nos estúdios na Caetano Pinto ou
Floriano Pinto uma dessas ruas. Sei que a Mada...A mãe dela morava pertinho do
estúdio. A Dona Yolanda era também gente muito boa.
VSP- E era muito
engraçada. Lembro dela nos filmes fazia mais ou menos o que a Wilza Carla
fazia?
S- Ah falando em Wilza
Carla. Eu trabalhei com a Wilza Carla no Rei da Boca.
VSP- Do Clery. O Clery
também um amigo próximo.
S- É até hoje, né? Na hora
que a gente se encontra é aquela festa.
VSP- O senhor nunca
trabalhou com Mazzaropi?
S- Não.
VSP- Mas o senhor
trabalhou num filme chamado A Volta do Jeca dirigido pelo Pio Zamuner e
protagonizado pelo Chico Fumaça?
S- Trabalhei. Olha...Eu
nem...Eu sei que eu trabalhei. Mas nem cheguei a assistir esse filme. Se puxar
no You Tube, será que tem?
VSP- Não tem acho. O
senhor lembra alguma coisa do Chico Fumaça? Ele era parecido com o Mazzaropi
mesmo?
S- Não tinha nada a ver.
Esse filme não deu certo. Você vê que nem eu lembro. Eu lembro que fiz mas
nunca assisti. Como chama ele?
VSP- A Volta do Jeca. Depois que o Mazzaropi morreu parece que ele quis fazer uma imitação mas não deu muito certo.
S- Inclusive eu ganhei
muito dinheiro na Boca. Sabe como? Vendendo ponta de negativo...Por exemplo: as
grandes produtoras quase não usavam as pontas. Quer ver um exemplo: se fosse
uma lata de 120 caia no 50 ainda mais quando terminava a produção, quando
terminava o filme. Aí caia na minha mão. E a maioria dos que estavam começando
compravam as pontas. Não sei se você chegou a ver que tinha um casal que ficava
aqui na (avenida) São João na época que ficava de noite tirando foto? Da
turma que passava. Certo? O que eles compravam de negativo, ponta de negativo
minha. Eles iam, fotografavam, faziam o trabalho. Se você fosse buscar você
ganhava dinheiro senão fosse você não ganhava. E esse casal ganhou foi
dinheiro, entendeu?
VSP- Naquela época não
tinha celular, essas coisas...
S- Não tinha nada. Ou
tirava, usava aquelas Polaroid. Aí mostrava, gostava, dava um dinheiro e levava
a foto. Hoje quem for fazer isso vai morrer de fome.
VSP- Qual filme o senhor mais gostou de ter participado? Ou teve o papel maior?
S- Olha, esse A Rota do
Brilho eu apareci bastante, gostei. Com o Chico Cavalcanti, sabe? O
Cafetão foi um belo filme. Com o Agenor Alves gostei muito do As
Prisioneiras da Ilha do Diabo.
VSP- Foi um papel grande também?
S- Foi. Porque os outros mais foi participação.
VSP- Na Rota do Brilho
foi um papel grande a do senhor?
S- Foi. Teve o Alexandre Frota, teve a Gretchen. Com o Chico Cavalcanti também foi com a Zilda Mayo. Foi bom.
VSP- O Deny (Cavalcanti,
diretor de A Rota do Brilho) foi um cara legal de trabalhar?
S- Sim. Ele faleceu...O menino que fazia produção para ele também faleceu.
VSP- O
senhor fez vários filmes...Se a gente for falar de todos também.
S- Sim.
VSP- Quando os filmes
da Boca foram esquentando e foram pro explícito na época. O que o senhor achou?
S- O que eu achei na
época? Não...Na época o seguinte: eu mesmo participei de vários desses mas eu
fazia sempre papel de vilão. Entendeu? Tinha aqueles, a turma falava: “Aqueles
que fazem explícito, que fazem filme pornô não são atores”. Alguns comentam até
hoje: “A mulher que faz explícito também não faz filme”. Entendeu? Hoje em dia
é normal. Inclusive na época quem trouxe isso para cá foi um filme japonês:
O Império dos Sentidos. Essa fita ficou em cartaz aqui no Cine Windsor um
ano e dois meses em cartaz. Sendo que o filme nacional o único que ficava em
cartaz dando bilheteria ficava um mês. Você vê a diferença: saiu dando
bilheteria, as filas dobravam quarteirão no Cine Windsor.
VSP- Pro senhor tudo
bem participar desses filme? Porque seu papel não era as principal como o
Gabarron, Oássis Minitti...
S- Conheci o Oássis. Na
época, ele tentava ser ator romântico. Quando foi lançada uma fita aqui no Art
Palácio ele contratou umas meninas para quando terminasse a fita pra elas
rasgarem a roupa dele.
VSP- Só pra aparecer?
S- É...
VSP- E ele era
advogado, né?
S- Acho que era. Não tenho
muita certeza não. Mas era um cara legal. Muito...Como de diz? Muito galã. Tinha
um outro menino que fazia sexo explícito também coitado...
VSP-
O Gabarron?
S- Não. Tinha ele e tinha
um outro. Inclusive esse outro teve até um acidente com ele aqui eu que
socorrei ele dentro de um Opala pra Santa Casa. Quando chegou na Santa Casa não
quiseram aceitar e depois tive que levar ele até o Hospital das Clínicas. Entendeu?
VSP- O Sílvio Júnior?
S- Não. Lembro mas não
era. Tem um Alemão que vendia carro que morava aqui. O Sílvio Júnior que você
está falando é de (São José do) Rio Preto (interior de São Paulo) ele já faleceu inclusive. Já faleceu e ele fez
filme com o Chico Cavalcanti. Inclusive que estava no explícito estava o mesmo.
VSP- Mas participar de
um filme que tinha sexo explícito mesmo o senhor não participando da cena não
tinha problema?
S- Não. Para mim, não, não
dizia nada. Porque o meu trabalho não tinha nada a ver com pornô. Meu negócio
era fazer vilão: “Tem uma pontinha lá”. Inclusive tem uma fita do Marinho que
não me lembro dela...
VSP- O Papaco?
S- Tem uma outra. Antes
dessa. Inclusive esse papel foi bom pra mim inclusive, né? Eu contraceno com o
Índio. Vou dar uma enrabada no Índio (risos). Simulado lógico...Era uma
cena na piscina. A gente rouba um Fusca velho e vou fechar a porta do carro a
porta caí. Parecia filme de comédia.
VSP- O Marinho uma
pessoa legal de trabalhar? Intelectual, bacana?
S- Ah, aquele...Quando
junta ele e o Marinho (Mário Lúcio), maquiador, fica mais divertido
ainda. Inclusive eu fui fazer um trabalho agora pro pessoal da televisão Canal
Brasil. Eu e o Mário Lúcio nos encontramos.
VSP- O senhor chegou a
fazer produção de alguns filmes? Como era isso?
S- Ah, eu fiz...Fazer produção
naquela época eu lembro que era muito bom. Se continuasse sendo bom do jeito
que era eu estava até hoje.
VSP- O senhor gostava
de fazer produção?
S- Sim. E outra:
antigamente você ocupava trinta, quarenta pessoas pra fazer um longa. Hoje você
ocupa cinco, seis pessoas e faz um longa. Hoje através de um celular ou
computador. Você marca toda locação, tal, tal. Já marcou. Antigamente não:
“Você vai pra tal lugar, vai pra esse, vai pra aquele”. Aí numa tarde seguinte
ele falava: “Você tem essa locação, tem aquilo e aquilo”.
VSP- Como era levantar
produção naquela época?
S- Tudo, tudo. No
começo...Em geral. Tudo que precisasse numa filmagem era com a produção.
Produção fazia isso, aquilo e entregava na mão do diretor. Hoje não, hoje já
está tudo mastigado.
VSP- O senhor dirigiu
produção para quem? Ou ajudou pelo menos?
S- Ajudei pro Chico, pro
Mojica. Muitas vezes a pessoa chegava no meu escritório lá: “Eu vou fazer uma
produção e vou contar contigo”. Entendeu? Aí uma semana, duas semanas de
segurança na época. Muitas vezes entrava como ator e era um contrato de
freelancer de sete dias. Por isso que muitas vezes o ator não ganhava dinheiro,
entendeu?
VSP- O senhor chegou a
trabalhar com o João Batista de Andrade num filme chamado A Próxima Vítima
com o Antônio Fagundes. Como foi isso? O senhor lembra disso mais ou menos?
S- Trabalhei. Ah com
ele...Foi uns quinze dias. Contracenei com o Fagundes, com o Othon Bastos. Foi
bom. No decorrer da filmagem a partir...Você vai trabalhar como ator é um
respeito. Na verdade, o respeito é em tudo. Mas se você vai trabalhar como ator
o respeito é um, na produção é outro. Em cada setor é um respeito diferente de
respeito que eu digo. Agora no geral o respeito é um só.
VSP- O senhor falou ter
papel pequeno ou ponta isso não te incomodava?
S- Fazia. Não tinha
problema.
VSP- E se tivesse de
decorar fala também?
S- Tranquilo.
VSP- Era o tipo que chamava atenção...
S- Era o tipo.
VSP- Porque o senhor
não é de briga, certo? Vejo que o senhor é uma pessoa bem tranquila.
S- Ah, não. A briga minha
era antigamente quando era pivete. Depois quando passei a profissional de luta
a educação é outra, entendeu? É mais uma defesa.
VSP- Isso imagino o
senhor deve ter aprendido com o Kid Jofre?
S- Ah, o respeito...Não é
só comigo, com todos. Entendeu? Na academia ensinam muitas coisas. A disciplina
é completamente diferente. E muitas vezes muda de uma academia pra outra.
VSP- O senhor teve
pretensão de dirigir ou fazer alguma outra atividade que o senhor nunca teve?
Ou até produzir?
S- Não, não. Para mim
poder produzir só se um dia eu tiver bastante dinheiro, ganhar na Mega Sena pra
poder falar: “Eu vou produzir uma superprodução”. Pra não depender de
governo...Porque se for depender de governo, entendeu? É ruim.
VSP- Como vocês da Boca
viam o pessoal do Rio que tinham ajuda da Embrafilme? Existia uma rivalidade?
S- Existia e existe até
hoje, né? Porque o primeiro grosso chega lá e até chegar aqui demora. Do grosso
só chega o cheiro. Do bacalhau só chega o cheiro, não é mesmo?
VSP- Depois que a Boca
caiu o senhor foi trabalhar com o quê? O senhor tinha outra atividade?
S- Ah, não...Depois fui
trabalhar com...Eu continuei na luta, viajando com as lutas. Continuava nisso.
Aí depois fui trabalhar com reciclagem, fazia reciclagem. Eu e o Gringo aqui na
(rua) Barão de Campinas. Nós tínhamos uma firma de reciclagem. Mas aí
quando o pessoal...Em 2008 mais ou menos. Começou a fechar esse tipo de empresa
porque até hoje a prefeitura não dá alvará. Chegava lá, tirava, pagava,
entendeu? Eu mesmo devo ter em casa algumas cópias dos documentos. Eles diziam:
“Vem semana que vem que a licença saí”. Aí o que acontecia? Cada mês que
passava eles mandavam um paredão de tijolo nas firmas, fechava um bocado de
comércio. Entendeu? Aí foi a falência. Aí fui pra Registro (interior de São
Paulo), fui pra Registro.
VSP- Registro no Vale
do Ribeira. O senhor tem uma firma lá?
S- Não tinha. Eu
trabalhava com o Gringo lá com reciclagem. E o Gringo também dava a
participação nos lucros da reciclagem. Mas lá em Registro também começou a
fechar e até hoje quem está mexendo com reciclagem não tem alvará. Tem poucos
que tem alvará. Eles não davam pra gente eles abrirem os deles e não deixar as
cooperativas.
VSP- E vocês empregavam
pessoas com a empresa?
S- Sim.
VSP- E mesmo dando
emprego, pagando imposto e mesmo assim fechavam...
S- Fechavam.
VSP- E hoje o senhor
faz o quê?
S- Hoje...De vez em quando eu viajo muito pra marcar show de luta, entendeu? Está fraco mas não pode parar.
VSP- O senhor faz até
hoje?
S- Faço. Mas hoje faço a programação de eventos.
VSP- O senhor não luta?
S- Não, não. São 72 anos
não dá mais...
VSP- O senhor tem 72?
Achei que o senhor era mais novo...Achei que era mais novo...
S- Sou nada. Sou de 1947.
Sou de 7 de março de 1947.
VSP- O senhor é ariano?
S- Não. Sou de peixes. Aí
já não dá...
VSP- Sou ariano. De 26
de março.
S- Minha neta é dia 31 de
março. É ariana.
VSP- O senhor tem
muitos netos?
S- Catorze netos e três
bisnetos. Sete filhos.
VSP- Pô, três bisnetos
já. Que glória. A galera é rápida, né?
S- Sim.
VSP- Poxa, catorze
netos, três bisnetos. O senhor decora o nome de todo mundo? Não erra o nome
não?
S- Ah, muitas vezes eu
tenho que procurar na lista (risos). Não dá para guardar tudo (risos).
VSP- Que glória, família
grande. Seu Satã, o que o Mojica significou na sua vida?
S- Na minha vida? Tudo que
a gente esperava de um bom amigo até hoje. Ele é um grande diretor, um segundo
pai que esteve na minha vida. Um grande homem que é muito considerado não só
por mim mas por todos. Eu espero que um dia nós voltemos a trabalhar juntos.
VSP- No Encarnação
do Demônio o senhor estava lá?
S- Estava.
VSP- O Mário Lima
estava lá também. O senhor devia conhecer ele bem?
S- Sim. Mas ele faleceu,
né? Mas o Mário Lima chegamos a trabalhar juntos. Porque o Mário Lima também
foi cria do Mojica. Se você pensar bem quase todos os diretores que teve ali
Boca passaram pelo Mojica.
VSP- Sim. Jean Garrett,
Luizinho Oliveira, uma porrada de gente.
S- O Rafael Bastos já
falecido. Também já falecido.
VSP- O Alex Prado...
S- Alex Prado.
VSP- O Gaúcho, Roveda.
S- Gauchinho.
VSP- O Lafon.
S- Também.
VSP- Uma porrada de
gente que começou com o Mojica.
S- Se você tivesse me
perguntado antes eu tinha marcado antes, né?
VSP- O que significou a
Boca na sua vida Satã?
S- Olha, uma experiência
que eu tive ali na Boca pra mim foi muito bom. Os anos que eu passei ali foram
muito bem aproveitáveis. Só foi ruim que...Não acabou de tudo. Ainda tem uma
resta do tacho ainda, entendeu? Vai ser difícil levantar a Boca como era antes.
Em 81, 82, a gente fechava...Ligava e fazia um comunicado pras autoridades
fechando ali uma festa de final de ano. O quarteirão ficava ali só para festa.
Churrasco, todo mundo era amigo. Você vê: pra fazer a festa de final de ano ali
ficava tomado e não tinha muito penetra não. Os penetras que tinha chegavam:
“Posso pegar isso? Posso pegar aquilo?”. Hoje não chega nem a fazer.
VSP- Era outra época,
né?
S- Até para fazer uma
ceninha lá hoje você precisa ter cuidado porque senão você fica sem nada.
VSP- Ali não tinha
drogado? Não tinha?
S- Eu filmei no teatro lá
há pouco tempo. Eu filmei um documentário sobre mim. Foi agora a pouco tempo.
Mas a Boca ali não dá nem gosto de passar.
VSP- Mas naquela época
era melhor? Naquela época era mais seguro?
S- Sim. Agora ali você não pode nem...Dali você podia sair de madrugada, podia ser de dia, qualquer hora não acontecia nada. Agora vai andar ali hoje de madrugada pra você ver. Nem precisa ser de madrugada não qualquer hora.
VSP-
Na sua opinião, qual é o legado que a Boca deixa pro cinema brasileiro? Qual
legado?
S- O que ela deixa? A Boca
deixa pro cinema brasileiro: fim de carreira, tristeza, cevada. Ali...Não vai
ter mais jeito pra voltar.
VSP- O que significou o
Chico (Cavalcanti) na vida do senhor?
S- O Chico? Muita coisa.
Porque quase todas as coisas que eu aprendi, que eu convivi foi com ele, foi
com o José Mojica Marins. Porque todos os diretores comigo foram excelentes.
Porque eu nunca tive discussão. Se eu gosto eu gosto, se eu não gosto nem perto
eu chegava.
VSP- Apesar do tamanho,
da força o senhor era tranquilo?
S- Tranquilo.
VSP- E os filhos do
senhor, as pessoas que convivem sabem que o senhor trabalhou nesses filmes
todos? Conviveu com o Mojica?
S- Sabem, sabem. Todos
eles sabem.
Satã e este escriba num restaurante no centro de São Paulo. Foto de maio de 2019 |
2 comentários:
Excelente entrevista, Matheus Trunk, parabéns. Ótimo bate-papo com esse que é um dos grandes atores do cinema nacional e da antiga Boca do Lixo. Satã se mostrou uma pessoa bem simpática e humilde. Mas quando aconteceu essa entrevista, em 2019?
Olá Israel, obrigado. Foi em maio de 2019. Estou mexendo em coisas antigas que ficaram inéditas por algum tempo. Semana que vem posto outra entrevista inédita com outro personagem do cinema paulista. Agradeço o carinho e a leitura. Abraço, Matheus Trunk
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