Um homem que foi Deus
Walter Clark inventou a Globo, casou com onze das gatas
mais bonitas do país e foi uma das pessoas mais poderosas do Brasil. É um
clássico. E, do alto de sua reputação, não perdoa ninguém: atira para todos os
lados e nem faz perguntas depois. Se você perdeu suas aulas de História do
Brasil, aproveite e faça um curso rápido com Mr. Clark
Poderia ter sido a segunda queda de Walter Clark. A
primeira todo mundo sabe: foi do topo da Vênus Platinada, sede da Globo no
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, Brasil, 1977.
A segunda foi quase no topo da escada do Florentino,
templo boêmio carioca, pouco antes desta entrevista. Conduzido por um de nós,
com o diligente gerente Franco na retaguarda, Walter tropeçou, girou o
corpo...e, felizmente, Deus deu uma mãozinha extra.
Mas, assim que ocupou o lugar à mesa, pintou o SuperClark, livre para voar e
detonar. Walter não tem meias palavras, meias palavras, abre o jogo com aquela
segurança de quem viu e passou por tudo.
Paulistano de nascimento, carioca e rubro-negro de
coração, onze casórios no currículo, ele chega aos 60 anos com a cara que
merece: a de garotão pronto para outra. No caso, a outra é um longa-metragem
sobre Tom Jobim.
Walter Clark pode ter perdido tudo – a Ferrari, o
jatinho estacionado no hangar, o comando do império global, a filha num trágico
acidente. Só não perdeu o senso de aventura que adquiriu galopando como boy nos
corredores na Rádio Tamoio. De tanto tentar escrever programas, virou
publicitário de mão-cheia a ponto de, aos 17 anos, chefiar o tráfego da agência
Interamericana de Publicidade.
Mas o sucesso mesmo veio com a TV Rio, numa luta de
David contra Golias. E eram dois Golias: a Tupi e a Excelsior.
Na TV Rio, Walter se transformava em mil e um. E deu a
primeira tacada ao comprar, da Tupi de São Paulo, “O Direito de Nascer”, que a
Tupi do Rio havia desprezado.
Na Globo, Clark continuou a trajetória de sucesso. Não
demorou muito para que Roberto Marinho percebesse que o número 1 da emissora
não era ele, mas, sim, Walter Bueno Clark. O monstrinho, que se tornara cartão
de visita e diretor-geral da Globo desde 1965, levando 1% de tudo que o império
faturava. Até a queda, em 1977.
Mas Walter foi a luta. Virou produtor de cinema (“Bye
Bye Brasil”, “Eu Te Amo”) e de teatro (“A Chorus Line”), com o mesmo sucesso.
Novas vitórias, novos tombos. Sem problemas. Walter já
provou ao longo dos anos que tem know-how disso. É como se tivesse aprendido o
primeiro fundamento do jiu jitsu – a arte suave: aprender a cair.
(Na mesa do Florentino, Ana Fadigas, Palmério Dória,
Edson Aran e um convidado especial, Jaguar).
Palmério Dória: Você está produzindo um filme sobre o Tom Jobim, né?
Walter
Clark: Até meses atrás eu ia fazer um filme sobre Noel,
que tem uma grandeza extraordinária. Mas Noel não tem o mesmo alcance
internacional do Tom...
PD:
Você produziu “Bye Bye Brasil”, “Eu Te
Amo” e de repente você parou de produzir. O que aconteceu?
WC:
Parei porque fui roubado. Com o “Eu Te Amo” eu ainda ganhei algum dinheiro,
porque vendi o filme para o exterior, até com certa vantagem, na época...
PD:
Deu muito dinheiro?
WC: Chegou a fazer cinco
milhões de espectadores. Não deu para ganhar mais dinheiro porque o drama do cinema
brasileiro é a falácia de falsos. Minha experiência com cinema é engraçada
porque eu vinha da televisão...No primeiro filme que fiz, o Luiz Carlos Barreto
demonstrou que ele é o Luiz Carlos Barreto...
PD: Ou seja...
WC: Uma figura muito pouco
regular. Ele só convive bem com os lucros, os sócios que se danem. Aí eu fiz
com ele outro filme, o “Bye Bye Brasil”. Eu vi que tinha um filme enorme,
enorme mesmo, que tinha todas as possibilidades de ser um grandioso filme
brasileiro. E o Barreto tinha raiva de mim por isso ele fez “Amor Bandido” do
jeito que fez, com o filho...Aquele menino insuportável.
PD: Mas o que houve? Problemas com grana?
WC: Foi grana, grana...Eu não
vi um tostão do “Bye Bye Brasil”.
PD: Evaporou?
WC: Só sei que ele comprou um
apartamento em Nova York.
PD: É verdade que nas filmagens do “Eu Te Amo”, o Pereio comia alho e
deixava de tomar banho pra contracenar com a Sônia Braga?
WC: Bem, ele não precisava
deixar de tomar banho para ser indesejável na cama... (Risadas) Mas ele era desagradável mesmo com a Soninha, que é uma
pessoa maravilhosa. O Pereio comia cebola crua inteira antes de fazer uma cena
com ela...
PD: Que escroto!
Ana Fadigas: Isso é uma maldade quase feminina, né?
WC: Ele era um rebelde, um
selvagem. Não podia competir com a Sônia, que é uma grande atriz...Quando dá o
cliquezinho na câmera, ela cresce, é uma loucura...
PD: Falando nisso...Sônia Braga, Betty Faria, Regina Lecrery...Como você se
sente dispensando três mulheres maravilhosas? Não dá dor de consciência não?
WC: Não, não dispensei. A
Regina Lecrery foi a grande paixão da minha vida...Já, a Betty...A Betty ainda
estava fazendo “Bye Bye Brasil” quando eu comecei a produzir “Eu Te Amo” e
fiquei encantando com a Sônia...Porque a Sônia é uma mulher formidável. A Betty
é uma mulher incrível, mas não é uma grande atriz como a Sônia. Quando ela foi
fazer o filme, eu sentia todos os defeitos dela. E eu vi o filme de uma forma
absolutamente crítica, já que eu não recebi dinheiro nenhum. Podia ter sido um
grande filme, não foi e o Cacá (Diegues)
é o responsável por isso. O filme dependia de uma direção vigorosa. Faltou
isso. Se você vê o filme hoje, doze anos depois, você constata que o filme não
tem personalidade...É quase medíocre...
EA: Aliás, fala-se muito que o Cacá Diegues não é bom diretor de atores,
mas acho que, na verdade, ele não é bom diretor de nada. O que você acha?
WC: (Depois de um longuíssimo silêncio) As músicas que o Cacá escolhe
pros filmes dele são muito boas...
EA: Você viu “Tieta”? O que você achou? Aliás, você não tinha um
projeto de produzir uma versão da mesma história?
WC: A ideia era fazer “Tieta”
com o Joaquim Pedro, mas acabamos fazendo o “Amor Bandido”, um filme que acabou
todo errado...O pernambucano era branco! (Risos)
Depois veio “Bye Bye Brasil”, um filme sofrível, mas que teve uma repercussão
enorme em Cannes. Podia ter ganho o festival, mas era ruim. Eu espero que o
Cacá não pegue o telefone para xingar minha mãe...Mas a verdade é que o filme é
uma merda! Peca pela falta de emoção.
EA: E o Jabor? O Jabor tem mais carpintaria do que o
Cacá, né? Mais acabamento...
WC: Tem mais talento!
AF (Filosofando): O que me espanta é a coerência do Walter. Ele diz as mesmas coisas
desde os anos 70. Será que coerência é loucura?
WC: Não, não é loucura...
AF: Quem faz cinema bem hoje em dia?
WC: Ah, esse menino de São
Paulo, esse Guilherme de Almeida Prado...Ele faz bem.
AF: Tem um fôlego novo no cinema brasileiro?
WC: Quando eu vejo esse
menino, o Guilherme, eu fico animado...
EA: E o Walter Salles Jr. ?
WC: Walter Lima Jr. é o melhor de todos, teve uma série de desgraças na vida...Mas superou. No momento é o melhor diretor de cinema do Brasil.
EA: Ok, mas eu estava falando do Waltinho Salles, que fez “A Grande Arte”.
WC: Ah, desculpa. O Walter
Salles tem dinheiro, é poderoso.
EA: Mas tem talento?
(Outra
longuíssima pausa).
WC: Fica a pausa. (Risadas)
PD: Você sempre se interessou muito por cinema. A Globo atrapalhou sua vida
como produtor? É isso?
WC: Eu sempre fui apaixonado
por cinema...Eu financiei “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, do Glauber
(Rocha)...Assinei 200 promissórias e, no dia seguinte, o Glauber foi preso.
Fiquei em pânico. Cada vez que o Glauber era preso, eu ficava em pânico. Eu
participei do Cinema Novo. Eu queria que a Globo financiasse mais filmes, assim
como fez na gravadora, com o João Araújo. Mas o Roberto Marinho era brecado
nisso pelo Harry Stone e pelo Severiano Ribeiro que diziam “não se mete em
cinema, cinema é loucura...”
EA: Quer dizer
que o Harry Stone (ex-representante da Motion Pictures Associaton of
America, Associação dos Produtores Americanos de Cinema, no Brasil) foi mesmo o cara que acabou com o cinema
nacional? Porque todo mundo detestava o Harry Stone, de repente começaram aos
abraços, os elogios do Jabor...
WC: O que tenho a dizer é que
Harry Stone e Severiano Ribeiro (distribuidor
de cinema no Brasil) eram contra qualquer intervenção da Globo no cinema.
PD: Você continua chamando o Dr. Roberto Marinho de Roberto?
WC: Também chamo ele de “Mais
Velho”.
PD: Vocês se falam?
WC: Muito, por sinal.
PD: E o Boni? Foi o Boni quem te substituiu ou foi o Dr. Roberto?
WC: Quem me substituiu foi o
Roberto.
PD: É verdade que você estava de olho na saída do Boni agora?
WC: De jeito nenhum, eu tô de
olho na minha vida. Estou com 60 anos, preocupado com a vida das minhas filhas,
preocupado com a vida de algumas das minhas ex-mulheres. Seria absolutamente
ridículo eu pensar em substituir o Boni. Eu era o chefe dele.
PD: Isso é evidentemente uma brincadeira, mas o fato é vocês eram muito
unidos, espécie de Bonnie & Clark. Quando foi que a amizade dançou?
WC: Ah, no momento em que ele
não teve visão para um projeto maior. Eu pensava em dar uma virada na Globo
como havia feito em 1969...Aliás, é muito importante que fique registrado: em
1969, eu saí mundo afora pra ver cabo!
PD: Você acha que a Globo não inventou nada depois de você?
WC: Melhorou muito a
qualidade, mas não melhorou a essência.
(Jaguar entra em
cena com dois copos na mão: um de cerveja e outro de whisky)
Jaguar: Já vim com dois copos
para economizar tempo...
AF: Walter, você estava dizendo que a Globo melhorou a qualidade, mas não a
essência. Qual é a televisão que vai chegar perto do padrão XPTO?
WC: Esse padrão não é bom.
AF: Não, por quê?
WF: Por que a televisão
precisa encontrar a verdade, precisa ter contato com o dia-a-dia. Não adianta
tentar fazer o melhor filme, ela não vai fazer o melhor filme, vai fazer a
melhor bobagem. Você sente isso quando liga a televisão.
AF: Não existe a televisão com conteúdo? Ou, se ela existe, onde está?
WC: Eu vejo muita qualidade
nos programas do Guel Arraes, por exemplo. “A Comédia da Vida Privada” é ótimo,
mas fica só ali, uma vez por mês...
Ja: Mas a TV melhorou ou
piorou pós-Clark?
WC: Há vinte anos, a TV já
devia ter encontrado um novo caminho...Agora, esse garoto aí, Guel, está passo
a passo com Bergman, com Antonioni...
Ja: Mas melhorou na forma, não no conteúdo. Tem só embalagem e nada dentro.
WC: Não sei, Jaguar, eles
fazem uma boa televisão.
Ja: Sim, fazem...Eu estive no Uruguai e fiquei em pânico. A TVE parece a
Globo comparada com a TV do Uruguai.
WC: Mas esse menino, Guel
Arraes, que eu não conheço, não sei qual é a cara dele, tem um talento
incomparável.
Ja: Comparável com o quê?
WC: Com o bom padrão
internacional. É pena não vê-lo produzindo mais.
EA: Mas é mesmo possível ter vida inteligente na TV? Porque, veja, a TV a
cabo...Eu tinha cinco canais que eram um horror, assinei a Net e agora tenho 35
canais que são insuportáveis!
WC: Bom, você tem os cinco que
eram um horror e tem mais trinta.
EA: Mas a TV a cabo vai melhorar ou vai continuar essa coisa ridícula feita
em portunhol na Venezuela?
WC: A televisão reflete o
mercado...Depende do consumidor. Mas só a existência do GNT já vale alguma
coisa. A Globo também inventou uma bobagem chamada Globo News, que é horrível,
mas que pode virar um canal excelente no futuro.
Ja: Você não tá de saco cheio de falar de televisão? Você tem saco pra ver
televisão? Você espera ver alguma coisa que você já não esteja cansado de
conhecer?
WC: Não, Jaguar, eu tento
sempre compatibilizar a televisão que eu vejo com a televisão que os outros
veem. É difícil isso.
Ja: Mas você é um telespectador único. Eu quero saber com que olho você vê
televisão. Quantas horas por dia você vê televisão?
WC: Depois do cabo, umas
quatro horas por dia.
Ja: Então você é viciado mesmo.
WC: Vejo muito filme.
Ja: Você pretende ficar homem de televisão pro resto da vida ou pretende
fazer poesia, qualquer coisa assim?
WC: Faria poesia se eu
conseguisse empatar com o Drummond, mas como a minha poesia é inferior a dele,
prefiro fazer televisão.
Ja: Ah, você confessa que faz poesia?
WC: Confesso.
PD: Vamos falar de mulher? Pelas minhas contas, foram onze ex-mulheres?
WC: É, onze.
PD: Um time de futebol?
WC: É.
PD: Como é que você escalaria suas mulheres? Quem era goleira, atacante,
zagueira?
WC: Outro dia fiquei
escrevendo...Pensando...
Ja: Você se dá bem com as ex-mulheres?
WC: Me dou muito bem.
AF: Ele toma conta, eu ouvi
essa frase maravilhosa...Eu, como mulher, ouvi ele falar essa frase “tomo conta
das minhas ex-mulheres”. Fiquei fascinada.
WC: Eu trato muito bem delas.
Ja: Isso deveria dar desconto
pra você no imposto de renda. (Risadas)
PD: Qual é a favorita, qual é
a paixão da sua vida?
Ja: Deve ser a atual, né?
WC: Como eu não tenho atual,
não é nenhuma.
Ja: Tá sem mulher? Você e o Chico Buarque estão sem mulher??!! (Risadas)
WC: A minha mulher mais
importante foi a segunda
Ja: Você tinha quantos anos nessa época?
WC: Eu tinha 22, 23 anos.
Ja: Já tinha segunda mulher com 22 anos? E o que você fazia naquela altura
do campeonato?
WC: Era o diretor da TV Rio.
PD: Qual o nome dela?
WC: Sandra Sandré. Foi uma
mulher muito legal.
Ja: Sandra Sandé não foi uma das certinhas do Lalau?
WC: Era uma das certinhas do
Lalau, hoje é milionária, mora na Vieira Souto. Acho que não quer nem que eu
diga isso...
PD: Ouvi você dizer uma vez, numa roda, que começou a transar com as
estrelas depois que saiu da Globo. Eu nunca acreditei nisso.
Ja: Você não usava o poder da Globo para comer as moças não?
WC: Não.
Ja: Nunca?
WC: Nunca.
AF: Mas, olha, o poder não precisa ser usado...
Ja: E você era o poderoso chefão.
WC: Não, eu não era o poderoso
chefão, eu tinha 21 anos.
AF: Um poderoso com 21 anos é invencível.
WC: Me desculpa, mas eu
entendia menos das artimanhas do amor do que da vida real.
PD: Uma das coisas mais edificantes que eu ouvi em termos de casamento
moderno, crise de consciência, foi aquela história da babá que você contou...
WC: É, essa foi genial. Eu era
casado com a Ilka, namorava a Regina, tinha outra namorada chamada Ângela, que
era muito bonita, e um dia eu fui cantar a babá da minha esposa...
PD: E foi correspondido?
WC: Não, não.
Ja: Aí, despediu a babá?
WC: Não, eu ia embora pra
Chicago no dia seguinte...Aí eu vi que a vida afetiva não tem solução. Você tem
a sua mulher, tem a sua amásia...
Ja: Amásia é muito bom. Não tem mais isso hoje em dia...Não se fazem mais
amásias como antigamente.
WC: Naquele tempo tinha! Aí a
babá me esnobou e eu fui embora, fui machucado...
Ja: Agora me diz uma coisa, não sei se falaram no assunto...Eu, por
exemplo, sou insuspeito pra falar porque eu sou um alcoólatra conhecido, já
entrei aqui com dois copos na mão...Você largou a bebida?
WC:
Não. Por que eu vou largar a bebida? Descobri que a bebida é um negócio muito
necessário, muito bom.
Ja:
O pior cara é o que para de beber, para
de fumar e começa a encher o saco...
PD:
A bebida atrapalhou seu trabalho, Walter?
WC: Não, meu trabalho é
romântico...
Ja: Você no momento está de porre?
WC: Não.
Ja: Mas tá com voz de porre.
WC: Ah, então estou de porre.
(Risadas)
Ja: Alguém já perguntou sobre o Roniquito? Uma vez saí com o Roniquito (Roniquito
Chevalier, irmão de Scarlet Moon, figura folclórica da noite carioca e assessor
pessoal de Clark na Globo) e fomos para a
Fiorentina, onde te encontramos. Aí o Roniquito disse assim: “Você é um corno!”. E eu olhava para os
dois e sentia...Era paixão! O Roniquito adorava o Walter e o Walter adorava o
Roniquito. Você estava jantando e o Roniquito xingando. E você: “Não faz assim
comigo, Roniquito”. Aí você largou o prato e saiu correndo. O Roniquito subiu
em cima da mesa, pra ter uma visão melhor sua, e caiu em cima de uma mesa cheia
de argentinos (Risadas). Saiu porrada
pra cacete, eu levei sobra e você saiu correndo pela noite.
WC:
Tenho de fazer pipi.
Ja:
Procedia a acusação de corno?
WC: Não, não procedia.
(Inicia-se a
operação “segura o Walter, para não deixar o entrevistado despencar no
banheiro. Depois de alguns minutos de suspense, Walter retorna à mesa. São e
salvo.)
Ja: Mas Walter, o Roniquito era um desastre ambulante. O que levou você a
pegar uma figura assim, perigosíssima, e transformar em seu assessor?
WC: Eu tinha um enorme carinho
pelo Roniquito...Mas o Roniquito era irresponsável.
Ja: Você não arriscava sua posição dentro da empresa com aquela figura que
era uma bomba-relógio, podia explodir a qualquer momento?
WC: Talvez, mas o Roniquito
não me deixou nenhuma mágoa, não. O Roniquito entrou na TV Globo pobre e saiu
de lá pobre...Coisa que raras pessoas conseguiram.
Ja: Você, por exemplo, não conseguiu.
WC: Diria que eu não saí
pobre, mas também não saí milionário...
Ja: O Nelson Rodrigues disse uma vez que seu carro tinha até chafariz, com
jacaré e tudo...
WC: Isso era carinho especial
do Nelson...
Ja: Você conheceu bem o Nelson?
WC:
Amei o Nelson.
Ja:
Você não acha que essa série que estão
fazendo do Nelson é uma série diet, um Nelson light?
WC: Aquele Nelson é
irreconhecível. Parei de ver a série porque acho chata.
Ja: Por que foi que você saiu
da Globo? Me disseram o seguinte, mas eu
não acreditei porque me pareceu muito mais a história do Roniquito do que sua,
que você teria chegado num general, batido a mão na barriga e falando assim: “E
aí, general? quando é que vai acabar essa porra de ditadura?”. Foi você ou o
Roniquito?
WC: Roniquito nem tava.
Ja: Foi você, então?
WC: Não fui eu...
Ja: Foi o Boni?
WC: E o Boni tem caráter pra
fazer isso?! Só garanto que não fui eu.
AF: Mas dizem que você incomodava. A quem você incomodava?
WC: Olha, vamos inverter
isso...A Globo queria que eu saísse dela. Eu precisava tomar a decisão.
Ja: Mas porque que a Globo queria sua saída?
WC: Porque, na época, eu era
capa de quatro revistas, eu era conhecido, era famoso e o Roberto Marinho
achava que isso era injusto. Fomos almoçar, ele pegou uma revista e disse: “Por
que você e não eu?”. Eu falei: “Olha, o senhor ligue pra revista e pergunte
para o editor...”. A realidade é que eu desfrutava do comando da Globo e o
Roberto não desfrutava. E se crise era gerada por uma exuberante presença minha
no mercado...Bolas, só me restava ir embora!
EA: Mas qual foi a gota d´água?
WC: O pretexto absoluto foi
essa revista, a “Vogue”, que apresentava os melhores sujeitos do ano e eu era
um deles. Era impossível que a vaidade dele aceitasse aquilo...
Ja: Foi a chamada incompatibilidade de gênios.
WC: Não, não foi
incompatibilidade de gênios. É que tinha chegado a um ponto que eu era muito
mais a imagem da Globo do que ele.
AF: Foi inveja...
WC: Inveja ou ciúme...Acho que
ficou claro que ele não gostava quando eu aparecia.
PD: E o Boni? Qual o papel dele na história?
WC: O Boni era uma pessoa
absolutamente colocada dentro do processo da Rede Globo...Olha, a coisa
aconteceu muito rápido. Eu fui pra Portugal lançar “Gabriela” e os caras
ficaram aqui, fazendo uma conspiração contra mim.
PD: Comandada por quem?
WC: Pelo Boni...Outra coisa,
eu gostaria muito que vocês registrassem que, quando eu entrei na Globo, eu
disse ao Roberto Marinho: “Vou fazer pro senhor uma estrutura que vai
sobreviver a mim e ao senhor”. E isso foi feito.
AF: O que você
gostaria de fazer hoje na televisão?
WC: A televisão que eu
gostaria de fazer tem de ser a TV por cabo, específica para um determinado
espectador...Eu acho que a gente tem de procurar caminhos mais específicos. Com
uma TV dessas eu posso combater a Globo.
Ja: Seria como combater um filho...A
Globo é sua filha, de certa maneira.
AF: Você se acha o inventor da Rede Globo de televisão?
WC: Disso eu não tenho a menor
dúvida. Fui eu que inventei a Globo. Quando fui pra lá, ela estava falida. A
Globo era muito pobre. As primeiras novelas da Globo, “O Sheik de Agadir”,
essas coisas, eram muito chatas...
AF: E hoje, quem tá fazendo novela melhor? Não estou falando da qualidade
técnica, operacional...
PD: O Sílvio Santos pode fazer um rombo no iate do Roberto Marinho?
WC: Não, porque vive mexendo na
programação! Um galante sedutor e um ingênuo. Agora, o cabo...O cabo vai
enfraquecer os tendões da Globo muito mais do que a gente pensa.
PD: Em
quanto tempo?
WC: Pode acontecer em seis meses ou pode
demorar dois anos.
EA: Mas,
Walter, a distribuição do cabo está, de certa forma, nas mãos da Globo. Isso
não compromete a qualidade da programação?
WC: Compromete, mas, veja, antes da Globo
teve a Rádio Nacional, que foi uma potência maior que a Globo. Dava de 10 a
0...E acabou. Vocês são jovens mas...
Ja: Eu
sou mais velho que você, pô!
WC:
Eu não estava querendo ser indelicado.
Ja:
Quantos anos você tem?
WC: 60.
Ja: Eu tenho 64. Mas, peraí, eu queria fazer uma pergunta enquanto
humorista: como é que você vê o humor na TV? Houve muita modificação no humor
da televisão depois da sua saída. Quero a sua avaliação.
WC:
Nem digo que foi depois que eu saí. O que dominou nos anos 60 foi o humor. A TV
Rio foi a rainha do humor com “Chico Anysio Show”, “Noite de Gala”, “Noites
Cariocas”...O que a novela faz hoje, o humor fazia naquela época.
PD:
O humor do pessoal da “Casseta” diverte
hoje?
WC: Me chateia um pouco. São
muito autoritários...Como tudo na Globo.
Ja: Hoje em dia, quem é melhor que Walter Clark?
WC: O Guel Arraes.
Ja: Lá vem ele de novo com o Guel Arraes!
WC: Eu nunca vi o Guel Arraes,
mas acho que um rapaz desses tem competência pra revolucionar uma empresa.
Ja: Mentira, melhor do que você só conheço um: o Carlos Manga!
WC: Esse é um gozador! (Risos)
PD: E o Armando Nogueira?
WC: Ele se traveste de
jornalista. Sempre fugiu da notícia.
(Amparado por
Palmério, Walter Clark desceu cambaleante as escadas do Florentino e é colocado
no banco de trás de um Escort vermelho. Franco, o gerente, assume a tarefa de
leva-lo em casa, na Lagoa. Aquele que foi o homem mais poderoso do país
desaparece na noite carioca).
Publicado originalmente
na revista “Sexy” em março de 1997
Chamada da capa da revista "Sexy" de março de 1997 com a entrevista de Walter Clark
Um comentário:
Um personagem interessante da TV
Postar um comentário