Nosso bandido favorito
Chanchada, Cinema Novo,
Cinema Marginal, anos 80 e 90, enfim, o cinema brasileiro passou por altos e
baixos e continua na área (se derrubar é pênalti!). A sétima arte tupiniquim
sobrevive porque tem quem acredita no trabalho, no esforço de se enfrentar um
set de filmagens em condições nem sempre boas e dar o máximo para que o
resultado seja o melhor. José Lewgoy é um desses heróis da resistência. Atuante
desde a época da Atlântida, deu vida aos mais variados personagens e atualmente
concluí mais um filme, “A Hora Mágica”, de Guilherme de Almeida Prado. Nesta
quinta década de atividade, aos 76 anos, o ator já perdeu a conta do número de
produções que participou. “Acho que foram 135...”
Filho de russo com americana, Lewgoy teve intensa rigorosa formação
intelectual. Sua quebra pela literatura o levou para o cargo de tradutor da
editora Globo, a original dos anos 40, chefiada por Érico Veríssimo. De lá foi
para os Estados Unidos – Yale! – estudar Artes Dramáticas. De volta, criou seu
tipo mais característico: o vilão quase suave das chanchadas da Atlântida.
Quando o gênero começou a dar sinais de fraqueza, foi fazer cinema na França e
ficou por lá até o advento da Nouvelle Vague.
Em 1964, quando todos
pensavam em se mandar, Lewgoy voltou. Na época, um cara chamado Glauber Rocha
liderava o Cinema Novo com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Lewgoy
acabou escalado por Glauber para “Terra em Transe”, um dos melhores filmes
nacionais. Mas foi o único trabalho dele no Cinema Novo. “Eles tinham medo de
mim”, diz Lewgoy, referindo-se hoje aos diretores do movimento.
A televisão se
popularizou, a Globo se impôs e José Lewgoy foi fazer novelas. Incontáveis
participações e os mais variados personagens fizeram dele uma história viva da
telinha. Mas nem por isso deixou o cinema de lado, trabalhando inclusive com um
dos diretores mais badalados dos anos 70 e 80, o alemão Werner Herzog.
Pode-se dizer que o
cinema brasileiro apenas sobrevive, mas José Lewgoy vive sua plenitude. Nem
Alexandre Borges, galã e marido da Júlia Lemmertz, a protagonista, teve vez,
pois quem dança tango com ela em “A Hora Mágica” é o próprio Lewgoy. E o ator
promete ainda dar muitos passos nessa vida. Nesta entrevista, ele bate um papo
delicioso e de rara inteligência com Jaguar, Ana Fadiga, Palmério Dória e Edson
Aran.
Jaguar:
Eu sonho que vocês me convidaram para
entrevistar o Lewgoy como uma referência cultural, porque se trata de um dos
grandes intelectuais brasileiros. Então eu pergunto: Lewgoy, quais são as suas
preferências sexuais?
José Lewgoy: Eu tô voltando agora dos
Estados Unidos onde fui consertar a coxa esquerda, me enchi de próteses de toda
natureza. Então eu inventei uma nova perversão: o fetichismo coxo-femural. No
momento eu tenho grande inveja das coxas do Ronaldinho. Se o assunto é assumir,
eu assumo. Meu fetiche, minhas próteses. (Risadas).
Ja: Quer dizer que a parte do corpo que mais te interessa são as coxas?
JL: As minhas coxas! Elas têm
absolutamente prioridade, porque o resto é resto...É silêncio.
Edson Aran: Falando das suas coxas, você vai fazer um dançarino de
tango no filme “A Hora Mágica”, do Guilherme de Almeida Prado, não?
JL: Não, eu vou dançar um
tanto numa sequencia do filme.
Palmério Dória: Você também fez um dançarino em “Dancin´Days”. O que você está
querendo, ser o novo John Travolta?
JL: Ah, eu dançava muito.
Estava inteiro, ainda não tinha me pervertido.
Ja: Que tipo de dança?
JL: Na minha juventude não
havia boate, nem discoteca, a gente ia ao cabaré mesmo. Eu frequentava o
Oriente e o Royal, e a gente, cerimoniosamente, convidava as senhoritas para
dançar, sem nenhuma intenção.
PD: Você vai dançar com quem no filme do Guilherme?
JL: Com a Júlia Lemmertz.
Ja: E quem é seu professor de tango? Se bem que eu acho que ele não tem
nada pra te ensinar.
JL: Jaime Arocha. Inclusive é
uma terapia muito boa, viu!? Eu vou dançar na sequência final do filme.
EA: Você acha que vai dançar melhor ou pior que o Al Pacino em “Perfume de
Mulher”?
JL: O Pacino estava fazendo o
personagem de um cego e tinha de dançar como um cego. Não foi um tanto
coreografado como é o tanto que eu vou dançar com a Júlia.
Ja: Eu queria prestar um depoimento aqui. Uma vez, na casa de um amigo
comum, de repente começou a tocar aquela música daquele filme australiano, “Vem
Dançar Comigo”, e nosso aleijadinho aqui largou a bengala e dançou de maneira
deslumbrante.
JL: E eu ainda pesada 120
quilos.
Ja: Fred Astaire perde de goleada, ele parecia uma sílfide!
JL: Difícil parecer uma sílfide
com 120 quilos.
Ana Fadigas: Mas algumas pessoas têm leveza no movimento. A dança é uma coisa muito
sensual, né?
JL: Mas eu dancei sozinho,
nenhuma sensualidade.
Ja: Você me lembrou muito o Madame Satã (malandro carioca dos anos 50,
assumidamente homossexual e bom de briga), que dançava divinamente e dançava
sozinho...
JL: Eu acho que a semelhança
tem que parar por aí. (Risadas)
PD: Já que entrou bandido no papo, me contaram uma história fantástica. Uma
vez o Castor de Andrade encontrou você por acaso e disse: “Meu vilão favorito”.
É verdade?
JL: É verdade! Eu respondi: “O
senhor é, quem sabe, né!?” (Risadas)
PD: Ainda sobre vilões: quem era o melhor na Atlântida: Grande Otelo,
Oscarito ou José Lewgoy?
JL: Os três se completavam,
mas chegar perto do Oscarito era impossível. Oscarito era único, é o meu tipo
inesquecível. Otelo também era único. Eu aprendi muito com aquela dupla, porque
a gente tinha que improvisar. Eles podiam ser cômicos, mas eu não, porque era o
vilão. O trio se completava. E é bom que se diga que a Atlântida, hoje
praticamente lendária, fez só meia dúzia de filmes. Mas foram filmes que se
estabeleceram no inconsciente coletivo.
AF: Por que, na sua opinião, esses filmes entraram no nosso inconsciente?
JL: Eles eram o retrato da
época. O Brasil era um país feliz. O Oscarito era um homem de sua humanidade
incrível, simples, sem nenhuma sofisticação. Eu me lembro que ele ficava
forçando para a filmagem entrar noite adentro, porque não gostava de levantar
cedo no dia seguinte.
Ja: Os cachês da época permitiam que eles levassem uma vida compatível com
a fama que tinham?
JL: Não, absolutamente não.
Oscarito ganhava pouco, morreu pobre como eu vou morrer pobre. Eu fiz filmes
que deram uma fortuna e ganhei três contos de réis. Três contos de réis dava
para passar quinze ou vinte dias.
PD: O que é incrível é que você passou dez anos no exterior e voltou para o
Brasil em 64 achando que o cinema brasileiro ia dar certo. Quando foi que esse
cinema dançou?
JL: Dançou porque o cinema da
época era um reflexo dos gurus daqueles diretores. Eles tinham obsessão pela
modernidade e isso impedia que eles fizessem um cinema que atendesse ao
público. Eles estavam mais interessados em satisfazer a si próprios.
EA: Você não acha que o “miserê” atrapalhou um pouco? No cinema brasileiro,
o pobre é um santo, incapaz de cometer o mal. É uma visão meio ingênua do
mundo.
JL: Mas também tinha a
dificuldade em arrumar recursos pra filmar. Só se podia fazer filmes pobres.
PD: O ideal seria juntar a genialidade do Glauber com o comercialismo do
Lima Barreto, né?
JL: O Spielberg consegue fazer
essas duas coisas. Na “Lista de Schindler” ele reuniu essas duas coisas. Eu não
tenho um modelo de cinema, não tenho preferências...Mas sempre me choquei com
as pessoas do Cinema Novo. Tenho a impressão de que eles tinham algum medo de
mim.
Ja: Mas tinham de ter, porque você é um poliglota, cultíssimo. Sua
envergadura intelectual assustava esse pessoal?
JL: Eu acho que eles ficavam
um pouco assustados porque eu tinha muita experiência e eles eram bastante
inseguros. Nunca me deram papéis, como também minha participação no cinema
francês terminou quando começou a Nouvelle Vague (movimento cinematográfico dos
anos 60 que privilegiava filme de autor).
Ja: Com quem você preferiu
trabalhar? Watson Macedo ou Werner Herzog?
JL: Bom, eu fui indicado para
o filme do Watson Macedo, “Carnaval de Fogo”, por desespero de causa dele,
porque o Macedo queria o Luís Tito. Mas o Luís Tito havia cansado de fazer
vilão e não quis o papel. Como eu teria de brigar com o Anselmo Duarte, um
rapaz forte e alto, e eu pesava 50 e poucos quilos, magérrimo, o Macedo não me
via no papel. Escapou a ele um fato muito simples, que me tornou conhecido da
noite para o dia: o fato de eu ter inventado o vilão suave, o vilão não violento.
Ele estava inconsolado durante a filmagem, até que começou a ver os copiões e
se surpreendeu com o meu trabalho. Esse foi o começo da minha bela carreira de
vilão.
Ja: Quem era mais difícil de tolerar, o Klaus Kinski ou o Glauber Rocha?
JL: É uma parada. São loucuras
totalmente diferentes. O Kinski como diretor foi sempre um fracasso. O Glauber,
não. A loucura do Glauber é uma loucura total. Ele me levou à loucura nas
filmagens de “Terra em Transe”. Me fez ficar no centro do Parque Lage enquanto
acertava foco e enquadramento. Demorou horas e aí eu comecei a ficar de saco
cheio. Ele podia ter colocado qualquer sujeito lá. A verdade é que, quando
voltei da Europa, eu não em ajustei ao Brasil. Acho que não me ajustei até
hoje. Sou o Ivan Lessa que ficou no Brasil.
PD: Mas e a loucura do Kinski, como era? Você não falou...
JL: Ele deixou um livro de
memórias em que fala das mulheres com que dormiu, dá até detalhes anatômicos.
Entre uma mulher e outra, malha o Herzog. Depois já fala do novo filme que ia
fazer com ele.
PD: Era amor mesmo, né?
JL: E ódio.
Ja: E como anda o Herzog?
JL: Anda por aí. Eu soube pelo
Gabriel Garcia Márquez que o roteiro que ele fez sobre os astecas é uma
obra-prima. O Coppola está disposto a produzir o filme, mas também está sem recurso.
Não começou até agora porque não conseguiu reunir dinheiro.
PD: Aliás, o Garcia Márquez participou recentemente de um júri que concedeu
a você um prêmio especial no Festival de Cartagena, na Colômbia.
JL: Exatamente. E esse é um
prêmio do qual eu mais me orgulho, além da ovação que recebi, totalmente
inesperada. Jamais pensei que Cartagena fosse me receber daquela maneira.
Ja: Deixemos os prêmios. Além de você, existe vida inteligente na televisão?
JL: Vou colocar de maneira
diferente. Falam muito mal da Globo. Mas, se ela se tornou o veículo preferido
do público, alguma coisa ela deve ter, né? Abro um parênteses para dizer que eu
tenho a maior admiração pelos meus patrões. Não é puxa-saquismo, mas a Globo é
um dos melhores patrões que já tive.
AF: Na sua opinião, por que falam tão mal da Globo?
JL: Porque é uma empresa que
deu certo e o espírito do brasileiro é derrubador. Se tá lá em cima, derruba.
Olha, passei dois meses nos Estados Unidos fechado num quarto de hotel. Não
tinha outra coisa pra ver se não a televisão comercial, que é muito pior que a
nossa. E tive a infelicidade de ver a campanha eleitoral de dois idiotas,
Clinton e Dole.
PD: Na televisão, qual você considera seu grande momento?
JL: Na televisão, “Louco Amor”.
Foi um personagem que o Gilberto Braga escreveu e eu gostei tanto que me
entreguei completamente. Na televisão, a gente tem o tempo necessário para
desenvolver o personagem, coisa que raramente se tem no cinema e no teatro. Eu
diria que em “Louco Amor” fiz o melhor trabalho da minha carreira.
Ja: Você subverteu a novel porque seu personagem, Edgar, estava programado
para terminar logo e foi crescendo...
JL: Foi essa novela que causou
meu acidente. Eu me entreguei tanto a ela que, no último dia de gravação,
estava tão exausto que meu carro ficou sem freio e não pude reagir.
Ja: O seu carro estava sem freio? Conte essa história.
JL: Eu estava numa ladeira
muito íngreme. Era um carro que eu havia comprado do Lima Duarte. Sei que perdi
o freio no meio da ladeira e não tive nenhuma reação. E é por isso que hoje eu
tô esculpindo em pedra-sabão.
EA: Voltando às novelas, que você elogiou tanto...O Paulo Autran
disse, numa entrevista, que é impossível
fazer personagens em novelas, mas apenas tipos. O que você acha?
JL: O Paulo Autran não pegou
os textos que eu peguei. O Paulo fala dos autores de novela de um tempo para
cá, mas quando tinha Bráulio Pedroso, o Gilberto Braga estava no auge, aí valia
a pena trabalhar.
AF: Você acompanha novela até hoje?
JL: Não, porque não fico em
casa, não sou um homem caseiro.
PD: Você parece o Jaguar na “busca insaciável do prazer”. Onde você arranja
energia para rodar toda noite?
JL: Não tenho muita energia
não. Eu simplesmente não gosto de ficar em casa. Ficar em casa sozinho
envelhece.
AF: O que você gosta de fazer à noite?
JL: Ir ao cinema.
PD: Você é o melhor ator do Brasil, mas quem é o melhor ator do mundo?
JL: Isso é uma coisa
extremamente difícil. Não é corrida de cavalo.
EA: Então nós damos nomes...Al Pacino.
JL: Pacino é um grande ator.
Vi ele no teatro em “Ricardo III” e “Amadeus”, como Salieri. É excelente.
PD: E o Paul Newman?
JL: Paul Newman não é da minha
área. Os atores que eu mais admiro são os franceses de certa época. Raimu, que
fazia o papel de padeiro na “Mulher do Padeiro”, é excelente.
Ja: Nessa altura da vida, o que você prefere: cinemão ou cinema de arte?
JL: O cinemão americano é uma
coisa que me diverte. As coisas mais cerebrais me dão um pouco no saco.
EA: Bergman, você assiste ou não consegue?
JL: Adoro Bergman.
EA: E o cinema independente americano? Quentin Tarantino é um talento
verdadeiro?
JL: Eu acho que ele exagera um
pouco, pisa um pouco fundo nos pedais. E é maneirista também.
Ja: Vamos falar da sua
vida mundana. Você sentou-se à mesa com Porfírio Rubirosa (playboy do jetset internacional
dos anos 50)?
JL: Eu bati muito papo com Porfírio Rubirosa, sujeito
simpaticíssimo. Na época em que eu o conheci, morava em Mer de La Coquete, onde
também morava meu amigo Jean Marais.
PD: Você era amigo do
Jean Marais?
JL: Muito amigo meu! Jean Marais é uma das pessoas mais
queridas da França, foi herói da Resistência, coisa e tal. As preferências
sexuais dele são bastante conhecidas, mas eu não fui sócio dessas preferências,
é bom que se diga. Passamos bons domingos juntos...Eu, ele e a mãe dele.
Batíamos longos papos.
Ja: Você cozinhava?
Porque esse cara diz que cozinha melhor do que representa.
JL: Agora, de bengala, é difícil cozinhar. Eu aprendi a
cozinhar em Paris.
Ja: Qual é seu melhor
prato?
JL: A omelete ao champanhe.
Ja: Quantas batidas tem
que dar?
JL: Treze. Nem 13 nem 14, são só 13 batidinhas. Não precisa
assassinar os ovos (Risadas). A omelete é uma coisa difícil, tem vários
truques. Eu costumo colocar fígado de pato também.
AF: Quando você morou em
Paris?
JL: De 54 a 64.
Ja: Tava duro ou com
grana?
JL: Passei por todos os estágios, da dureza mais absoluta até
gastando dinheiro nos restaurantes mais caros.
Ja: Por que toda vez que
a gente fala mal do Ibrahim Sued você o defende?
JL: Eu encontrei o Ibrahim em Paris quando estava muito duro. O
Ibrahim não estava lá muito melhor, mas deixou um terno novinho pra mim.
Ja: Você fez curso de
artes dramáticas em Yale. Como foi isso?
JL: Graças à amizade do Érico Veríssimo com o adido cultural
americano, que me conseguiu uma bolsa. Era durante a Segunda Guerra e não tinha
as passagens. Meus amigos me deram o dinheiro, mas, na hora de conseguir o
visto, o Consulado Americano recusou. Comecei a insistir e eles disseram que
talvez eu não entrasse nos Estados Unidos, devido às minhas tendências de
esquerda. A verdade é que eu era amigo de alguns artistas de esquerda. Mas já
era amigo deles antes de saber o que era comunismo. Foi apenas um acidente.
PD: Você foi getulista?
JL: Muito. O Getúlio era muito amigo da gente. Quando era
presidente, recebia o Oscarito, o Otelo, eu, o Anselmo Duarte e a Eliana uma ou
duas vezes por ano. Quando ele estava em Petrópolis, sempre levava a gente.
Quando eu trabalhava na editora Globo, acompanhei o Getúlio a Buenos Aires para
entrevistar o Perón. Conheci a Evita pessoalmente.
AF: Fale um pouco dela.
Era sensual?
JL: Não me deu a impressão de uma mulher sensual. Era uma
mulher firme, feminina, de cabeça amadurecida. Agora, era uma mulher muito
vaidosa e a vaidade dela era mostrar as peles. Ela tinha dois quartos cheios de
armários. Ela abria e mostrava as peles que tinha. Eram maravilhosos.
Ja: Você tinha quantos
anos?
JL: Tinha 20 e poucos anos. Foi nessa época que conheci o Ivan
Lessa criança.
PD: Que revelação! O Ivan
Lessa foi de menor!?
Ja: Ele continua o de menor
mais velho do mundo.
JL: Aliás, eu continuo escrevendo na mesma máquina que herdei
do Ivan, a máquina de escrever que ele usava no “Pasquim”. Uma Olivetti
Lettera.
EA: Por falar em
“Pasquim”, eu me lembro que você escrevia uma colina de cinema maravilhosa no
jornal. Por que você não escreveu mais?
JL: Depois do “Pasquim” escrevi para a revista “Rio-Capital”.
Acho que as melhores coisas que escrevi estão dentro daqueles quatro números
que foram publicados. Sempre fui rato de redação. Muito antes do “Pasquim”,
trabalhei no “Cruzeiro”, no “Diário Carioca”.
Ja: Como anda sua
autobiografia?
JL: A minha autobiografia depende do computador que eu não
tenho grana pra comprar. Já tenho até editora.
Ja: Agora quero fazer uma
pergunta fundamental: você é filho de americana, é isso?
JL: É, mamãe era americana.
Ja: E seu pai era russo.
Isso só era possível antes da Guerra Fria.
JL: É, judeu russo. Ele saiu da Rússia com 14 anos.
Ja: Quais foram as
influências que levaram você para esse tipo de vida?
JL: A minha formação passou pelos estágios certos, eu adorava o
“Tico-Tico” (primeiro gibi a ser
publicado no Brasil). Daí evoluí para Monteiro Lobato. Passei por todos os
estágios, até que fui trabalhar na editora Globo, fundada pelo Érico Veríssimo.
Ja: Quem te levou para
lá, foi o Érico?
JL: Não, não foi. Eu consegui emprego por meio de um dos
editores. Eu fazia tradução dos contos que a revista da Globo publicava. A
editora tinha facilidade de importar livros e eu aproveitei para comprar montes
de livros de teatro. Só de Molière eu tenho várias edições comentadas. Foi
nessa época que eu entrei para o teatro estudantil.
PD: Consta que você teve
um entrevero com um diretor brasileiro que terminou em pancadaria; é verdade?
JL: Não, eu fui agredido por um diretor. Ele estava desesperado,
não sabia como realizar uma cena. Eu tinha que embarcar naquela noite e ele
cada vez mais desesperado. Essa tensão ainda me deu uma enxaqueca terrível.
Ainda por cima ele inventou um negócio pra dar um efeito de luz nos meus olhos
e isso me incomodava. Eu dizia: “não aguento mais a merda dessa luz”. Aí ele me
agrediu pelas costas. Como filme é uma merda, ficou duas semanas em cartaz, não
vale a pena nem dar o nome dele.
AF: O que você acha dos
atores jovens?
JL: O que está havendo é uma proliferação de escolas de teatro.
Isso parte de uma falha na lei que regulamenta a profissão. Ela diz que para
exercer a profissão precisa fazer um curso. Eu acho que antes vem o talento,
depois o curso. Mas com o controle do mercado de trabalho se criou essa obrigatoriedade
e isso levou à proliferação dos cursos de teatro, que são falhos. Antes de
explicar para os pretendentes a atores que não se deve olhar para a câmera,
deve-se ensinar geografia, história...Falta um curso de apreciação de arte,
música, literatura. Afinal, na literatura é que está o aprendizado do ator, é
onde os personagens estão melhor definidos. Nós não temos memória. Duvido que
essa gente que está no teatro agora conheça a história do teatro no Brasil.
Ja: Por que você, com
essa cultura toda, não partiu para escrever ou dirigir cinema e teatro?
JL: Porque eu nunca tive meios próprios. Eu tinha que
sobreviver, e meu meio de sobrevivência era trabalhar no cinema e na televisão.
Ja: Qual a sua maior
frustração como ator de teatro?
JL: Bem, de teatro, não ter feito um bom teatro universal.
Ja: Já fez Shakespeare?
JL: Nunca. Shakespeare é uma frustração minha.
EA: Com sua experiência
de vilão, você faria um ótimo Ricardo III.
JL: Não, eu não tenho idade para um Ricardo III. Estou na idade
para “Rei Lear”.
PD: Quantos filmes você
já fez?
JL: Acho que 135.
Ja: Ridículo perto do
John Wayne. (Risadas) Escuta, sempre conheci você como uma pessoa solitária.
Você já teve um grande amor na sua vida?
JL: Tive relacionamentos complicados, como todo mundo, mas por
que expor isso ao público?
Ja: Eu nunca te
perguntaria isso numa mesma do bar, mas numa entrevista eu pergunto.
JL: Então eu respondo: sou reservado. Tive separações
dolorosas, foram momentos difíceis pra mim. Só porque sou um sujeito notório
vou deixar isso por escrito? Por quê?
Ja: Escuta, daqui a uma
hora eu vou fazer 65 anos e estou achando uma merda. Você tem 10 anos mais que
eu. O que acha de ter 75 anos?
JL: Os italianos dizem o seguinte: depois dos quarentinha cada dia vem uma dorzinha. Com 76 anos você tem cada dia um troço...Dói a cabeça, dói o rabo, dói a perna...Esse negócio de tirar calça, colocar calça, tirar a calça...É horrível. (Gargalhadas)
AF: O que mais te irrita?
JL: O que mais me irrita é motorista de táxi que não para pra
mim (Gargalhadas).
Ja: Eu já vi você dar
bengalada em garçom. Por quê?
JL: Porque eu sou exigente demais e o garçom é elemento de
ligação entre a cozinha e o comedor. A obrigação do garçom é ouvir a reclamação
e transmitir.
AF: Vamos falar de
política agora. Em quem você votaria para presidente?
JL: Não tenho a menor ideia.
AF: Não seria melhor uma
mulher pra presidir o Brasil?
JL: Não, não, não. Se elas não dão pro marido, é um horror.
AF: Ele é machista!
JL: Não, não sou, mas me chateio, por exemplo, com essas mulheres
economistas. Não é o forte delas.
AF: Qual é o símbolo da
mulher brasileira?
JL: Vera Fischer.
PD: Boa atriz?
JL: Nem precisa ser (Risadas). Ela é daquelas mulheres com que
os homens têm medo de trepar. Não pense que é qualquer homem que trepa com a
Vera Fischer!
AF: Broxa?
JL: Broxa.
PD: Você fez “O Monge e a
Filha do Carrasco”, “O Quatrilho”. Você tá no auge da sua carreira. Você
reclama, mas está filmando com o Guilherme de Almeida Prado. Na verdade, você
está filmando mais do que nos seus áureos tempos.
JL: É, primeiro estou caminhando melhor, a operação foi
bem-sucedida, estou fazendo dieta, perdendo peso.
Ja: Se você não fosse
ator, o que você gostaria de ser?
JL: Diretor do Banco Bradesco, por exemplo. (E fim...!)
Publicado originalmente na revista
“Sexy” em junho de 1997
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