segunda-feira, 19 de julho de 2021

Entrevistas históricas da Sexy: Rubens Ewald Filho (outubro de 1997)

30 Anos Esta Noite

 


Rubens Ewald Filho acaba de completar 30 anos como crítico de cinema. Já assistiu a 17.000 filmes e tem uma memória prodigiosa para lembrar detalhes curiosos da maioria deles. Mais que isso, conseguiu virar uma personalidade exercendo atividade muito perigosa: a crítica

 

Num universo paralelo, Rubens Ewald Filho não é um crítico de cinema, mas sim um próspero exportador de bananas. Não, você não está assistindo ao filme errado. A família dele, era, afinal, proprietária de uma enorme fazenda de bananas em Santos, litoral de São Paulo. Menino tímido e desajeitado, oprimido pela avó – uma matriarca de romance do Gabriel Garcia Márquez -, Rubens encontrou nos livros e no escurinho do cinema sua passagem para outra dimensão. “Minha infância é uma mistura de ‘História sem Fim’ com ‘A Rosa Púrpura do Cairo’”, confessa, fazendo reverências, naturalmente, ao cinema.

 

Nesta época, começou a fazer, num caderno escolar, anotações sobre os filmes que via. Escrevia o enredo, nomes de atores, diretores, e ainda fazia cotações. Graças ao caderninho, ele sabe, hoje, exatamente a quantos filmes já assistiu: 16.950 (até o fechamento dessa edição).

 

Estudante de colégio marista, seu destino parecia traçado: ser encaminhado ao seminário, como queria a avó. Tentando escapar a esse destino pior que a morte, Rubens, 17 anos, encarou três faculdades: Direito de manhã, História e Geografia à tarde e Jornalismo, á noite.

 

Para desespero doa pais, acabou optando por Jornalismo. Nesta época, porém, as finanças da família já não iam tão bem. A falência batia à porta e, sem poder econômico, a matriarca não teve pulso para impedir a decisão do neto.

 

Chegando a São Paulo, Rubens acabou entrando na equipe do “Jornal da Tarde” que, naquela época, se, dedicava ao nobre propósito de revolucionar a imprensa diária no País. Começou fazendo a coluna “filmes na TV”. Segundo ele mesmo, foi a primeiro crítico a vir “das bases”. Ao contrário de seus colegas da época, que perdiam em teses eruditas sobre a Sétima Arte, Rubens escrevia como um fã: dava detalhes sobre os bastidores e contava, por exemplo, quem havia comigo quem durante as filmagens – isso tudo sem perder o apurado senso crítico, sua marca registrada.

 

Mas, inquieto, recusou-se a ficar apenas atrás de uma máquina de escrever. Virou ator de teatro e cinema, escreveu roteiros e acabou como autor de telenovelas. Seu trabalho mais recente foi “Éramos Seis”, para o SBT.

 

Hoje, aos 51 anos, 30 como crítico, Rubens Ewald Filho é diretor de produção e programação da HBO Brasil, canal a cabo distribuído pela TVA. Ali desenvolve vários projetos de parceria com o cinema nacional, além de começar a garimpar novos autores.

 

Nesta entrevista, realizado no Restaurante Tucupy, em São Paulo, Rubens contra um pouco de sua história e fala de jornalismo, novela, personalidades...E cinema, naturalmente. Tudo temperado com deliciosas doses de sacanagem.



Para cercar a fera, SEXY escalou o diretor de redação Palmério Dória, o editor Edson Aran e três convidados muito especiais: Paulo Cabral (nosso ex-editor adjunto, que debandou da SEXY para virar autor de novelas na Record), Maria Ângela de Jesus (gerente de produção da HBO Brasil e crítica de cinema da “Vogue”) e Paulo Leite (ator e proprietário do Tucupy).

Silêncio no set, claquete...Rodando!

Palmério Dória: Você escreveu no “Aqui São Paulo”, do Samuel Wainer, um artigo chamado “Eu, Pornógrafo”. Você é pornógrafo?

Rubens Ewald Filho: Eu vim de Santos, sou da Baixada, e peguei uma época em que o cais ainda tinha cabaré. Hoje o cais é feio, mas naquela época o cais tinha shows; as putas dançavam, cantavam...

PD: A putaria tinha seu charme...

REF: Gente, era um filme inacreditável. Santos tinha uma coisa de nudez...Porque é uma cidade litorânea, né? Então tinha o lado família e também o lado putaria. As duas coisas convivam harmonicamente.

PD: A sua iniciação sexual foi lá?

REF: Não; curiosamente não foi. Foi internacional: foi na Argentina. Na verdade, eu acho que não sou exatamente um pornógrafo. Acho que sou voyeur. Quem trabalha com cinema é voyeur, gosta de observar compulsivamente. Eu vinha de uma família classe média alta...Sabe aquela família que tinha dinheiro e nunca soube? Só soube que era rica quando perdeu tudo? A gente exportava banana para a Argentina. Tinha uma matriarca, a minha avó, que controlava toda a família. E eu era a principal vítima dela. Nunca tive amigo, nunca brinquei com ninguém; era muito tímido.

Paulo Cabral: E quem te levava ao cinema?

REF: Meu pai e minha mãe. Eles também eram vítimas da minha avó, que era uma personagem muito forte. Eu era um menino arrumadinho, enfim, um pentelho insuportável! (Risadas) Minha infância é uma mistura do filme “História Sem Fim” e “A Rosa Púrpura do Cairo”, porque tudo o que eu fazia era ler e ir ao cinema. Eu não podia jogar futebol porque era um desastre, era muito desajeitado...(Rubens começa a gesticular e derruba um copo de suco na mesa). Tá vendo? Sou assim até hoje! (Risos).

Paulo Leite: Mas, apesar disso, você tem uma paixão notória pelo futebol.

REF: Eu cresci em Santos na época do Pelé. Era impossível não se interessar. Tenho cadeira cative no Santos Futebol Clube.

PD: Mas o crítico de cinema, quando começou a nascer?

REF: Eu tinha um caderninho quando era garoto. Todo filme que eu via eu anotava no caderninho.

PD: Via várias vezes o mesmo filme?

REF: Não, era só uma vez. Os filmes mudavam semanalmente. Por causa desse caderninho sei exatamente quantos filmes já vi até hoje.

PD: E quantos são?

REF: Quase 17.000. Está mais ou menos em 16.950.

PL: Você nunca pensou em atuar ou dirigir? Ou você sublimou isso?

REF: Eu não sublimei, eu fui à luta. Mas, só pra não perder o fio da meada, nesse caderninho eu anotava o nome do filme, o nome do ator e o nome do diretor.

PD: Desde garoto você tinha interesse pelo diretor? Porque na minha infância isso não existia, só tinha o mocinho e o bandido.

REF: Eu tinha interesse pelos diretores grandes como Hitchcock, John Ford. Na minha época tinha duas revistas que foram importantes na minha formação: a “Filmelândia” e a “Cinelândia”. Isso me ajudou muito, porque até hoje eu tenho na cabeça a história dos filmes, dos bastidores.

Edson Aran: Nessa época, quem eram seus tesões? Que atrizes despertavam sua líbido?

REF: Eu andava com uma foto da Kim Novak na carteira.

Maria Ângela de Jesus: Rubens, já que você falou na Kim Novak, você fez uma entrevista com ela e ficou visivelmente abalado...

REF: É, ela me deu o telefone, pedindo que eu a trouxesse ao Brasil. Ela está com 64 anos, mas está deslumbrante.

PL: Comível?

REF: Não só comível, como sedutora. Ele tem aqueles olhos verdes que são uma coisa! A voz rouca dela é absolutamente sedutora.

PD: Você ainda tá apaixonado pela Kim Novak! (Risos)

REF: O problema de infância só agravou. É muito difícil você encontrar uma pessoa 30 anos depois e ela ainda estar linda, sedutora...

PD: Aliás, falando em tesões, parece que a Liv Ullmann ficou caidinha por você...

REF: Não, a Liv Ullmann...Você conhece a atriz, né? São sedutoras profissionais. A Liv Ullmann chegou pra entrevista e disse que não tinha nada a dizer porque já tinha sido entrevistada pela HBO recentemente. Mas aí ela completou: “Ah, não tem importância, a gente vai ficar flertando”. Fizemos a entrevista de mãos dadas. Eu com as velhas sou sucesso absoluto! (Risadas). Tem uma outra também que eu nunca contei pra ninguém, que é a Esther Williams. No primeiro Festival do Rio de Janeiro, o FestRio, em 85, 86, chega a Esther Williams como convidada. Ela tinha acabado de ficar viúva do Fernando Lhamas e estava bem bonitona ainda. Ela entrou no Hotel Nacional e disse: “Gente, isso aqui é um circo! Eu não vou ficar aqui!”. E foi embora. Maravilhosa, né? Daí a gente se conheceu numa festa, ela olhou pra mim e disse: “Você vai ser meu escort”. E eu fui escort dela.

PL: E rolou?

REF: Para de ser vulgar! Eu não vou contar quem eu comi. Continuo sendo um cavalheiro.

EA: Mas as pernas mais bonitas do cinema eram da Esther Williams ou da Cyd Charisse?

REF: Eram da Cyd Charisse. Eu coloco outra pessoa, que não sei se você já prestou atenção: Ann Miller.

PD: Bem, mas vamos voltar à história da Argentina. Como foi sua primeira vez?

REF: Lembra da história da banana, né? Eu tinha 16, 17 anos e fui pra Argentina com meu primo para negociar bananas. O representante que negociava com a gente nos deu de presente duas prostitutas. Aí ele arranjou um apartamento e meu primo ficou com uma mulher de um lado e eu fiquei com a outra num divã. E você sabem, a puta argentina é uma grande puta...

EA: Qual é a diferença?

REF: Ah, não vai me deixar mal...Olha, eu sempre fui preocupado com a performance. Não gostava daquele negócio de encostar na mulher e ela: “Ah! Ah! Ah!”. (Risos) Mas o detalhe é que no quarto tinha um espalho pelo qual eu observava o outro casal...E teve um agravante: na hora, a puta do outro menstruou. Quer dizer, virou mesmo uma novela mexicana. (Risadas). Achei muito divertido.

PD: No dos outros é groselha, né?

EA: Rubens, você já transou no cinema?

REF: Nos meus bons tempos, já. Você me lembrou uma coisa que era muito emocionante, que é aquela coisa de passar as mãos nos peitos no cinema. Por isso que o filme “Houve Uma Vez Um Verão” é marcante para muita gente.

PL: Você fez uma legendagem brilhante para o filme “As Sandálias de Um Pescador”. Dá pra fazer sacanagem assistindo um filme como aquele?

REF: Totalmente. Eu acho que só excita mais. Eu estudei num colégio marista, né? Queriam que eu virasse padre.

PD: Você já apresentou o Oscar quantas vezes?

REF: Quinze. Você sabe como eu comecei a apresentar um Oscar? Eu convidava alguns amigos e fazia a festa do Oscar na minha casa. Uma vez a Globo foi lá, me entrevistou e perguntou quem iria ganhar. Eu acertei na mosca. Quando eles precisaram de alguém pra um debate antes do Oscar, me chamaram. Depois me convidaram pra fazer a transmissão.

MAJ: Hoje em dia, quem você gosta de entrevistar?

REF: Gosto dos velhos ou das velhas, gente que na minha infância significavam alguma coisa. Ou diretores. Gosto de conversar com pessoas inteligentes, e atores em geral, me desculpem, não são lá muito inteligentes. Particularmente o ator americano, que é meio abobado, centrado, só sabe dele.

PD: Quem são os grandes atores do cinema?

REF: O grande ator constrói o personagem de dentro pra fora. Aqueles atores naturalistas americanos como Cary Grant, Gary Cooper, Humprey Bogart, James Stewart dão uma aparência de absoluta naturalidade. São eternos. Antiatores são, por exemplo, o Dustin Hoffman e o Robert De Niro, que, pra cada acerto, erram cinco. Mas...Ah, eu ia contar uma fofoca maravilhosa que ninguém no Brasil publicou!



PD: Vá em frente!

REF: Nos Estados Unidos se pode publicar tudo, né? Mas na França não. Então você só fica sabendo das fofocas quando vai lá. Vocês sabem por que a Simone Signoret ficou daquele jeito? Era uma mulher maravilhosa e em um ano virou uma velha. Ela bebia. Tudo bem, muitos bebem, mas sabe por que ela bebia? Porque o Yves Montand, marido dela, a traía com a filha dela.

PD: Transava com a enteada?

REF: É, transava com a enteada.

MAJ: Woody Allen 20 anos antes...

REF: É...Eles conviviam naquele ménage à trois, que para ela era muito dolorido. Ele foi ficando cada dia mais destruída e foi se acabando.

PD: Estou muito chateado com você Rubens, porque você não se apaixonou pela Ava Gardner...

REF: Ava Gardner era meu ídolo! Você se lembra de um filme chamado “O Barco das Ilusões”? É a primeira lembrança que eu tenho de ter chorando no cinema. Ela era o máximo, a mulher mais linda que já existiu.

PL: O Sinatra também achava, né?

REF: Ele era enlouquecido por ela. A Ava Gardner tinha o dom natural de fazer a vagina se contrair, como se fosse uma gueixa.

EA: Era a famosa xoxota de alicate.

REF: Isso. Por isso que os homens enlouqueciam com ela. Vocês conhecem a história do Ali Khan, o playboy árabe que comeu todas em Hollywood?

PD: Não, qual é?

REF: Não é que ele tinha pau grande, não. É que desde criança ele foi treinado para segurar o orgasmo. Ele ficava horas de pau duro. Por isso, ele foi o grande comedor da época. Mas no caso dele não era dom, era treino, tanto é que ele teve câncer na próstata.

PD: Pra tudo se tem um preço...

EA: Mas, mudando de assunto, o que você pensa dessa tonelada de críticos que tem aí hoje em dia?

REF: Bom, não tem mais críticos, né? Os que sobraram são o Sérgio Augusto e o Inácio Araújo...O problema é que crítica sempre foi assim: a pessoa precisava de um bico, mandavam o cara escrever sobre cinema. O cara cobria notícias policiais e escrevia sobre cinema. Eu fui, na verdade, o primeiro crítico que veio das bases. Embora eu tivesse formação intelectual, eu contava o que era importante, quem havia feito, as fofocas de bastidores...Quer dizer, escrevia como um fã.

PD: Aliás, como você se sente sendo uma enciclopédia ambulante?

REF: É muito bom. Eu tenho meu telefone na lista e se uma pessoa me liga, querendo alguma informação, eu atendo, converso com ela.

PD: Você é uma utilidade pública cinematográfica! Mas fale um pouco de seu trabalho na Globo, onde, aliás, nós fomos colegas...

REF: Eu tenho uma historinha bonitinha sobre a Globo. Eu estava no Rio, hospedado na casa do Ney Latorraca, quando morreu a Ingrid Bergman. Ligaram pra mim nove horas da manhã. Eu tinha de entrar ao vivo. Sentei, no estúdio e a Leda Nagle, que apresentava o jornal disse: “Rubinho, o cinema perdeu hoje uma grande estrela, Ingrid Bergman...” Eu tinha de olhar pra câmera e ler o texto. Quando olhei, a câmera tinha recuado e eu não estava enxergando absolutamente nada! Aí teve aquele segundo interminável, eu respirei e falei o texto...E tinha um pedaço que eu não me lembrava...Quer dizer, foi uma merda. Saí dali pensando “me fodi em rede nacional, acabou minha carreira”. Fui a última pessoa a sair do estúdio e o editor estava me esperando. E ele disse: “Puxa vida, você gostava muito da Ingrid Bergman não? Você é tão frio, mas ficou tão emocionado! Parabéns!” (Risadas).

PD: Mudando de assunto, você gosta do cinema brasileiro?

REF: Sim, sim.

EA: Mas durante anos você foi tido como inimigo do cinema nacional, por quê?

REF: Porque eu trabalhava num lugar chamado Globo...Quando me chamaram pra ser comentarista da Globo foi um pouco de caso pensado. Eles não podiam falar mal de nada. Eu era a única pessoa que podia chegar no ar e falar tal filme é uma merda, o Stallone é um bosta. E tinha filmes nacionais ruins também. Quase matei o Nelson Rodrigues do coração porque, num festival aí, o público saiu no meio da apresentação de “Os Sete Gatinhos”. E eu disse na Globo que era um exemplo típico da coisa certa pela razão errada. Não era para sair por motivos moralistas, mas porque o filme era péssimo. O Nelson tava vendo e quase morreu. O Neville de Almeida me odeia até hoje por causa disso. Mas o filme é mesmo um pavor e o Neville é um péssimo cineasta.



PL: O que tá acontecendo com o cinema nacional hoje é fogo de palha ou está pintando mesmo algo novo?

REF: Olha, nem fui almoçar com o pessoal da Disney, que quer produzir filmes brasileiros. Se a Disney entrou nessa é porque algo mudou.

EA: Mas isso também não decorre de uma indigência atual do cinema americano?

REF: O grande cinema comercial americano está muito ruim, muito fraco. O ano passado foi um ano negro, tanto que o Oscar premiou filmes independentes como “O Paciente Inglês” e “Segredos e Mentiras”, que não são excelentes, mas eram os melhores entre o que havia. Mas, independentemente disso, o cinema brasileiro está se recuperando. Aliás, vocês conhecem a minha teoria sobre por que o Collor acabou com o cinema?

Todos: Não.

REF: Se vocês virem “Joanna, a Francesa”, vão encontrar nos créditos o ex-presidente Collor como motorista de produção! Devia ser um moço jovem, pretensioso, querendo virar ator. E o Cacá Diegues naturalmente não deu colher de chá. Eu imagino a cena: ele dizendo “um dia me vingo, um dia vou foder você!”. (Risos) Tem outra história com o ex-presidente: eu já briguei com o Collor. Antes dele ser presidente, claro. Eu e o Ney Latorraca estávamos no Gallery e tinha um cara brigando com uma moça. O sujeito tava sendo supergrosseiro. Aí fomos lá, intervimos e botamos o cara pra fora. E a moça explicou “esse cafajeste tem vergonha de me namorar porque eu sou aeromoça!” Corta. Anos depois, estou num avião da Transbrasil e a aeromoça vem falar comigo. Disse: “Você não se lembra de mim, mas eu sou aquela moça da boate e sabe quem era a pessoa da qual vocês me protegeram? O presidente Collor”. (Risos)

PD: “Dona Flor” é um bom filme na sua opinião?   

REF: É um bom filme. Tem uma coisa sensual. Nesse ponto de venda no exterior é mesmo a sensualidade. Somos um país quente, a gente se toca, se abraça...“Dona Flor” fez sucesso no mundo inteiro porque é a encarnação da sensualidade brasileira. A Sônia Braga é a personificação disso; ela é naturalmente sensual.

MAJ: Mas, então, por que a Sônia Braga não deu certo nos Estados Unidos?

REF: Primeiro, ela foi pros Estados Unidos já madura, com 34 anos. E, depois, a Soninha é preguiçosa. Ela morou um ano e meio em Nova York sem aprender inglês. Como alguém pode fazer carreira lá sem aprender inglês? Uma vez encontrei com ela em Cannes, chamei ela num canto e disse: “Sônia, você precisa se arrumar, você é uma estrela e tal”, mas não adiantou...Bom, mas tem uma coisa: no ano seguinte ela voltou de caso com o Robert Redford. (Risadas). Quer dizer, acho que ela deu certo sim...

PL: Você também foi ator, né?

REF: Eu nunca quis ser ator, mas, quando cheguei aqui em São Paulo, o Rubem Biáfora, diretor de cinema, olhou pra mim e falou “você tem uma cara ótima, parece o Orson Welles jovem” e me chamou pra fazer um filme chamado “As Gatinhas”. Eu fazia um bancário mau-caráter. Logo depois, o Ozualdo Candeias me convidou para fazer outro filme. Era uma espécie de faroeste brasileiro e eu era bandido. Fiz seis filmes, na verdade.

MAJ: Você trabalhou com o Walter Hugo Khouri também, né?

REF: O Khouri era outro que achava que eu tinha cara boa pra fazer cinema. Aí me convidou para fazer “Amor, Estranho Amor”. O astro era o Tarcísio Meira, mas ele estava fazendo uma peça no interior e não chegou a tempo para uma filmagem. Era uma cena de uma festa que tinha como convidado o governador de Minas, que era o Mauro Mendonça. O Tarcísio tinha que receber os convidados, mas como não estava, o Khouri me colocou para fazer isso. Aí a Vera Fischer, que era a estrela do filme, me viu e disse pro Khouri que eu era um bom ator, que talvez fosse legal aumentar meu papel. E assim foi. É nesta sequência da festa que a Xuxa faz um strip-tease.

PD: Você gostou do strip?

REF: Naquela época se dizia o seguinte: o Pelé não deixava ela filmar de costas porque ela não tinha bunda, mas tinha belos seios. E ela tinha o encanto, uma juventude, era super-espontânea. Aliás, é só ver o filme para perceber que ela fez plástica. Ela tinha duas bochechonas.

PC: Por que você parou de fazer cinema?

REF: Essas experiências foram muito legais porque eu aprendi a fazer cinema. Acho que você não pode criticar algo que não sabe fazer. Não precisa fazer bem, mas tem que saber como se faz. Noventa por centro dos críticos não têm a menor noção do que seja montar, roteirizar, dirigir. Mas eu desisti porque uma vez, num avião, uma pessoa falou pra mim: “Olha, se fosse você fazendo a si mesmo, eu ainda aceitava...Mas você fazendo outro personagem eu não gostei”. Quer dizer, eu criei uma persona que é o Rubens, uma figura pública do cinema. Quem gosta de cinema se identifica comigo; então acho que se faço outro papel as pessoas não gostam. Vou dar um exemplo: Marília Gabriela é uma pessoa adorável, gosto muitíssimo da Gabi. Ela era uma ótima repórter, fazia brilhantemente a TV Mulher, era a deusa da Globo, até o dia em que resolveu cantar. Fez um disco e um especial que era assim: o Gil virava pra ela e dizia: “Gabi, você é maravilhosa”; o Caetano, “Gabi, você é maravilhosa”. No dia seguinte, o Brasil inteiro odiava a Gabi. Porque foi uma overdose. O público não perdoa, o público sabe quando alguém está querendo aparecer demais. Tanto que a Gabi pirou, foi demitida da Globo por telefone, e só foi se reencontrar no “Cara a Cara”, na Bandeirantes. Não sei se ela vai ficar zangada comigo, mas não canta, Gabi! O público não quer; da mesma forma que não quer me ver na tela trabalhando como ator.

PC: Isso significa que, quando o público não gosta de um filme, ele tem razão?

REF: Noventa e oito por cento das vezes. Entre a opinião da crítica e do público, prefiro a do público. Ele tem uma intuição maravilhosa.

PC: E os 2% que sobram? Por que eles cometem injustiça contra algum filme?

REF: Esses 2% representam o não-acesso. Existem filmes muito interessantes que as pessoas não descobrem. Semana passada estreou em São Paulo “O Último Jantar”, que é um filme ótimo, mas ninguém viu. Ficou só uma semana em cartaz.

PL: O mercado exibidor é o vilão?

REF: É vilão. É vilão porque é tipicamente brasileiro: o dono é rico, mas a empresa é pobre. Os exibidores têm uma mentalidade dos anos 1940. É um absurdo um país como o nosso, com a população que tem, ter 1.400 salas de cinema. É ridículo. Um filme americano normal estreia nos Estados Unidos com 2.200, 2.400 salas. É como se todas as salas brasileiras estivessem passando um único filme.

(The End)

Publicado originalmente na revista “Sexy” em outubro de 1997

Chamada da entrevista com Rubens Ewald Filho na capa da revista "Sexy" de outubro de 1997


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