30 Anos Esta Noite
Rubens Ewald Filho acaba de
completar 30 anos como crítico de cinema. Já assistiu a 17.000 filmes e tem uma
memória prodigiosa para lembrar detalhes curiosos da maioria deles. Mais que
isso, conseguiu virar uma personalidade exercendo atividade muito perigosa: a
crítica
Num universo paralelo,
Rubens Ewald Filho não é um crítico de cinema, mas sim um próspero exportador
de bananas. Não, você não está assistindo ao filme errado. A família dele, era,
afinal, proprietária de uma enorme fazenda de bananas em Santos, litoral de São
Paulo. Menino tímido e desajeitado, oprimido pela avó – uma matriarca de
romance do Gabriel Garcia Márquez -, Rubens encontrou nos livros e no escurinho
do cinema sua passagem para outra dimensão. “Minha infância é uma mistura de
‘História sem Fim’ com ‘A Rosa Púrpura do Cairo’”, confessa, fazendo
reverências, naturalmente, ao cinema.
Nesta época, começou a
fazer, num caderno escolar, anotações sobre os filmes que via. Escrevia o
enredo, nomes de atores, diretores, e ainda fazia cotações. Graças ao
caderninho, ele sabe, hoje, exatamente a quantos filmes já assistiu: 16.950
(até o fechamento dessa edição).
Estudante de colégio
marista, seu destino parecia traçado: ser encaminhado ao seminário, como queria
a avó. Tentando escapar a esse destino pior que a morte, Rubens, 17 anos,
encarou três faculdades: Direito de manhã, História e Geografia à tarde e
Jornalismo, á noite.
Para desespero doa pais,
acabou optando por Jornalismo. Nesta época, porém, as finanças da família já
não iam tão bem. A falência batia à porta e, sem poder econômico, a matriarca
não teve pulso para impedir a decisão do neto.
Chegando a São Paulo, Rubens
acabou entrando na equipe do “Jornal da Tarde” que, naquela época, se, dedicava
ao nobre propósito de revolucionar a imprensa diária no País. Começou fazendo a
coluna “filmes na TV”. Segundo ele mesmo, foi a primeiro crítico a vir “das bases”.
Ao contrário de seus colegas da época, que perdiam em teses eruditas sobre a
Sétima Arte, Rubens escrevia como um fã: dava detalhes sobre os bastidores e
contava, por exemplo, quem havia comigo quem durante as filmagens – isso tudo
sem perder o apurado senso crítico, sua marca registrada.
Mas, inquieto, recusou-se a
ficar apenas atrás de uma máquina de escrever. Virou ator de teatro e cinema,
escreveu roteiros e acabou como autor de telenovelas. Seu trabalho mais recente
foi “Éramos Seis”, para o SBT.
Hoje, aos 51 anos, 30 como
crítico, Rubens Ewald Filho é diretor de produção e programação da HBO Brasil,
canal a cabo distribuído pela TVA. Ali desenvolve vários projetos de parceria
com o cinema nacional, além de começar a garimpar novos autores.
Nesta entrevista, realizado
no Restaurante Tucupy, em São Paulo, Rubens contra um pouco de sua história e
fala de jornalismo, novela, personalidades...E cinema, naturalmente. Tudo
temperado com deliciosas doses de sacanagem.
Para cercar a fera, SEXY
escalou o diretor de redação Palmério Dória, o editor Edson Aran e três
convidados muito especiais: Paulo Cabral (nosso ex-editor adjunto, que debandou
da SEXY para virar autor de novelas na Record), Maria Ângela de Jesus (gerente
de produção da HBO Brasil e crítica de cinema da “Vogue”) e Paulo Leite (ator e
proprietário do Tucupy).
Silêncio no set,
claquete...Rodando!
Palmério Dória: Você escreveu
no “Aqui São Paulo”, do Samuel Wainer, um artigo chamado “Eu, Pornógrafo”. Você
é pornógrafo?
Rubens Ewald Filho: Eu vim de Santos, sou da Baixada, e peguei uma época
em que o cais ainda tinha cabaré. Hoje o cais é feio, mas naquela época o cais
tinha shows; as putas dançavam, cantavam...
PD: A putaria tinha seu
charme...
REF: Gente, era um filme inacreditável. Santos tinha uma coisa
de nudez...Porque é uma cidade litorânea, né? Então tinha o lado família e
também o lado putaria. As duas coisas convivam harmonicamente.
PD: A sua iniciação
sexual foi lá?
REF: Não; curiosamente não foi. Foi internacional: foi na
Argentina. Na verdade, eu acho que não sou exatamente um pornógrafo. Acho que
sou voyeur. Quem trabalha com cinema é voyeur, gosta de observar
compulsivamente. Eu vinha de uma família classe média alta...Sabe aquela
família que tinha dinheiro e nunca soube? Só soube que era rica quando perdeu
tudo? A gente exportava banana para a Argentina. Tinha uma matriarca, a minha
avó, que controlava toda a família. E eu era a principal vítima dela. Nunca
tive amigo, nunca brinquei com ninguém; era muito tímido.
Paulo Cabral: E quem te
levava ao cinema?
REF: Meu pai e minha mãe. Eles também eram vítimas da minha avó,
que era uma personagem muito forte. Eu era um menino arrumadinho, enfim, um
pentelho insuportável! (Risadas) Minha infância é uma mistura do filme
“História Sem Fim” e “A Rosa Púrpura do Cairo”, porque tudo o que eu fazia era
ler e ir ao cinema. Eu não podia jogar futebol porque era um desastre, era
muito desajeitado...(Rubens começa a gesticular e derruba um copo de suco na
mesa). Tá vendo? Sou assim até hoje! (Risos).
Paulo Leite: Mas, apesar
disso, você tem uma paixão notória pelo futebol.
REF: Eu cresci em Santos na época do Pelé. Era impossível não se
interessar. Tenho cadeira cative no Santos Futebol Clube.
PD: Mas o crítico de
cinema, quando começou a nascer?
REF: Eu tinha um caderninho quando era garoto. Todo filme que eu
via eu anotava no caderninho.
PD: Via várias vezes o
mesmo filme?
REF: Não, era só uma vez. Os filmes mudavam semanalmente. Por
causa desse caderninho sei exatamente quantos filmes já vi até hoje.
PD: E quantos são?
REF: Quase 17.000. Está mais ou menos em 16.950.
PL: Você nunca pensou em
atuar ou dirigir? Ou você sublimou isso?
REF: Eu não sublimei, eu fui à luta. Mas, só pra não perder o
fio da meada, nesse caderninho eu anotava o nome do filme, o nome do ator e o
nome do diretor.
PD: Desde garoto você
tinha interesse pelo diretor? Porque na minha infância isso não existia, só
tinha o mocinho e o bandido.
REF: Eu tinha interesse pelos diretores grandes como Hitchcock,
John Ford. Na minha época tinha duas revistas que foram importantes na minha
formação: a “Filmelândia” e a “Cinelândia”. Isso me ajudou muito, porque até
hoje eu tenho na cabeça a história dos filmes, dos bastidores.
Edson Aran: Nessa época,
quem eram seus tesões? Que atrizes despertavam sua líbido?
REF: Eu andava com uma foto da Kim Novak na carteira.
Maria Ângela de Jesus: Rubens, já que
você falou na Kim Novak, você fez uma entrevista com ela e ficou visivelmente
abalado...
REF: É, ela me deu o telefone, pedindo que eu a trouxesse ao
Brasil. Ela está com 64 anos, mas está deslumbrante.
PL: Comível?
REF: Não só comível, como sedutora. Ele tem aqueles olhos verdes
que são uma coisa! A voz rouca dela é absolutamente sedutora.
PD: Você ainda tá
apaixonado pela Kim Novak! (Risos)
REF: O problema de infância só agravou. É muito difícil você
encontrar uma pessoa 30 anos depois e ela ainda estar linda, sedutora...
PD: Aliás, falando em
tesões, parece que a Liv Ullmann ficou caidinha por você...
REF: Não, a Liv Ullmann...Você conhece a atriz, né? São
sedutoras profissionais. A Liv Ullmann chegou pra entrevista e disse que não
tinha nada a dizer porque já tinha sido entrevistada pela HBO recentemente. Mas
aí ela completou: “Ah, não tem importância, a gente vai ficar flertando”.
Fizemos a entrevista de mãos dadas. Eu com as velhas sou sucesso absoluto!
(Risadas). Tem uma outra também que eu nunca contei pra ninguém, que é a Esther
Williams. No primeiro Festival do Rio de Janeiro, o FestRio, em 85, 86, chega a
Esther Williams como convidada. Ela tinha acabado de ficar viúva do Fernando
Lhamas e estava bem bonitona ainda. Ela entrou no Hotel Nacional e disse:
“Gente, isso aqui é um circo! Eu não vou ficar aqui!”. E foi embora.
Maravilhosa, né? Daí a gente se conheceu numa festa, ela olhou pra mim e disse:
“Você vai ser meu escort”. E eu fui escort dela.
PL: E rolou?
REF: Para de ser vulgar! Eu não vou contar quem eu comi.
Continuo sendo um cavalheiro.
EA: Mas as pernas mais
bonitas do cinema eram da Esther Williams ou da Cyd Charisse?
REF: Eram da Cyd Charisse. Eu coloco outra pessoa, que não sei
se você já prestou atenção: Ann Miller.
PD: Bem, mas vamos voltar
à história da Argentina. Como foi sua primeira vez?
REF: Lembra da história da banana, né? Eu tinha 16, 17 anos e
fui pra Argentina com meu primo para negociar bananas. O representante que
negociava com a gente nos deu de presente duas prostitutas. Aí ele arranjou um
apartamento e meu primo ficou com uma mulher de um lado e eu fiquei com a outra
num divã. E você sabem, a puta argentina é uma grande puta...
EA: Qual é a diferença?
REF: Ah, não vai me deixar mal...Olha, eu sempre fui preocupado
com a performance. Não gostava daquele negócio de encostar na mulher e ela:
“Ah! Ah! Ah!”. (Risos) Mas o detalhe é que no quarto tinha um espalho pelo qual
eu observava o outro casal...E teve um agravante: na hora, a puta do outro
menstruou. Quer dizer, virou mesmo uma novela mexicana. (Risadas). Achei muito
divertido.
PD: No dos outros é
groselha, né?
EA: Rubens, você já
transou no cinema?
REF: Nos meus bons tempos, já. Você me lembrou uma coisa que era
muito emocionante, que é aquela coisa de passar as mãos nos peitos no cinema.
Por isso que o filme “Houve Uma Vez Um Verão” é marcante para muita gente.
PL: Você fez uma
legendagem brilhante para o filme “As Sandálias de Um Pescador”. Dá pra fazer
sacanagem assistindo um filme como aquele?
REF: Totalmente. Eu acho que só excita mais. Eu estudei num
colégio marista, né? Queriam que eu virasse padre.
PD: Você já apresentou o
Oscar quantas vezes?
REF: Quinze. Você sabe como eu comecei a apresentar um Oscar? Eu
convidava alguns amigos e fazia a festa do Oscar na minha casa. Uma vez a Globo
foi lá, me entrevistou e perguntou quem iria ganhar. Eu acertei na mosca.
Quando eles precisaram de alguém pra um debate antes do Oscar, me chamaram.
Depois me convidaram pra fazer a transmissão.
MAJ: Hoje em dia, quem
você gosta de entrevistar?
REF: Gosto dos velhos ou das velhas, gente que na minha infância
significavam alguma coisa. Ou diretores. Gosto de conversar com pessoas inteligentes,
e atores em geral, me desculpem, não são lá muito inteligentes. Particularmente
o ator americano, que é meio abobado, centrado, só sabe dele.
PD: Quem são os grandes
atores do cinema?
REF: O grande ator constrói o personagem de dentro pra fora.
Aqueles atores naturalistas americanos como Cary Grant, Gary Cooper, Humprey
Bogart, James Stewart dão uma aparência de absoluta naturalidade. São eternos.
Antiatores são, por exemplo, o Dustin Hoffman e o Robert De Niro, que, pra cada
acerto, erram cinco. Mas...Ah, eu ia contar uma fofoca maravilhosa que ninguém
no Brasil publicou!
PD: Vá em frente!
REF: Nos Estados Unidos se pode publicar tudo, né? Mas na França
não. Então você só fica sabendo das fofocas quando vai lá. Vocês sabem por que
a Simone Signoret ficou daquele jeito? Era uma mulher maravilhosa e em um ano
virou uma velha. Ela bebia. Tudo bem, muitos bebem, mas sabe por que ela bebia?
Porque o Yves Montand, marido dela, a traía com a filha dela.
PD: Transava com a
enteada?
REF: É, transava com a enteada.
MAJ: Woody Allen 20 anos
antes...
REF: É...Eles conviviam naquele ménage à trois, que para ela era
muito dolorido. Ele foi ficando cada dia mais destruída e foi se acabando.
PD: Estou muito chateado
com você Rubens, porque você não se apaixonou pela Ava Gardner...
REF: Ava Gardner era meu ídolo! Você se lembra de um filme
chamado “O Barco das Ilusões”? É a primeira lembrança que eu tenho de ter
chorando no cinema. Ela era o máximo, a mulher mais linda que já existiu.
PL: O Sinatra também
achava, né?
REF: Ele era enlouquecido por ela. A Ava Gardner tinha o dom
natural de fazer a vagina se contrair, como se fosse uma gueixa.
EA: Era a famosa xoxota
de alicate.
REF: Isso. Por isso que os homens enlouqueciam com ela. Vocês
conhecem a história do Ali Khan, o playboy árabe que comeu todas em Hollywood?
PD: Não, qual é?
REF: Não é que ele tinha pau grande, não. É que desde criança
ele foi treinado para segurar o orgasmo. Ele ficava horas de pau duro. Por
isso, ele foi o grande comedor da época. Mas no caso dele não era dom, era
treino, tanto é que ele teve câncer na próstata.
PD: Pra tudo se tem um
preço...
EA: Mas, mudando de
assunto, o que você pensa dessa tonelada de críticos que tem aí hoje em dia?
REF: Bom, não tem mais críticos, né? Os que sobraram são o
Sérgio Augusto e o Inácio Araújo...O problema é que crítica sempre foi assim: a
pessoa precisava de um bico, mandavam o cara escrever sobre cinema. O cara
cobria notícias policiais e escrevia sobre cinema. Eu fui, na verdade, o
primeiro crítico que veio das bases. Embora eu tivesse formação intelectual, eu
contava o que era importante, quem havia feito, as fofocas de bastidores...Quer
dizer, escrevia como um fã.
PD: Aliás, como você se
sente sendo uma enciclopédia ambulante?
REF: É muito bom. Eu tenho meu telefone na lista e se uma pessoa
me liga, querendo alguma informação, eu atendo, converso com ela.
PD: Você é uma utilidade
pública cinematográfica! Mas fale um pouco de seu trabalho na Globo, onde,
aliás, nós fomos colegas...
REF: Eu tenho uma historinha bonitinha sobre a Globo. Eu estava
no Rio, hospedado na casa do Ney Latorraca, quando morreu a Ingrid Bergman.
Ligaram pra mim nove horas da manhã. Eu tinha de entrar ao vivo. Sentei, no
estúdio e a Leda Nagle, que apresentava o jornal disse: “Rubinho, o cinema
perdeu hoje uma grande estrela, Ingrid Bergman...” Eu tinha de olhar pra câmera
e ler o texto. Quando olhei, a câmera tinha recuado e eu não estava enxergando
absolutamente nada! Aí teve aquele segundo interminável, eu respirei e falei o
texto...E tinha um pedaço que eu não me lembrava...Quer dizer, foi uma merda.
Saí dali pensando “me fodi em rede nacional, acabou minha carreira”. Fui a
última pessoa a sair do estúdio e o editor estava me esperando. E ele disse:
“Puxa vida, você gostava muito da Ingrid Bergman não? Você é tão frio, mas
ficou tão emocionado! Parabéns!” (Risadas).
PD: Mudando de assunto,
você gosta do cinema brasileiro?
REF: Sim, sim.
EA: Mas durante anos você
foi tido como inimigo do cinema nacional, por quê?
REF: Porque eu trabalhava num lugar chamado Globo...Quando me
chamaram pra ser comentarista da Globo foi um pouco de caso pensado. Eles não
podiam falar mal de nada. Eu era a única pessoa que podia chegar no ar e falar
tal filme é uma merda, o Stallone é um bosta. E tinha filmes nacionais ruins
também. Quase matei o Nelson Rodrigues do coração porque, num festival aí, o
público saiu no meio da apresentação de “Os Sete Gatinhos”. E eu disse na Globo
que era um exemplo típico da coisa certa pela razão errada. Não era para sair por
motivos moralistas, mas porque o filme era péssimo. O Nelson tava vendo e quase
morreu. O Neville de Almeida me odeia até hoje por causa disso. Mas o filme é
mesmo um pavor e o Neville é um péssimo cineasta.
PL: O que tá acontecendo
com o cinema nacional hoje é fogo de palha ou está pintando mesmo algo novo?
REF: Olha, nem fui almoçar com o pessoal da Disney, que quer
produzir filmes brasileiros. Se a Disney entrou nessa é porque algo mudou.
EA: Mas isso também não
decorre de uma indigência atual do cinema americano?
REF: O grande cinema comercial americano está muito ruim, muito
fraco. O ano passado foi um ano negro, tanto que o Oscar premiou filmes
independentes como “O Paciente Inglês” e “Segredos e Mentiras”, que não são
excelentes, mas eram os melhores entre o que havia. Mas, independentemente
disso, o cinema brasileiro está se recuperando. Aliás, vocês conhecem a minha
teoria sobre por que o Collor acabou com o cinema?
Todos: Não.
REF: Se vocês virem “Joanna, a Francesa”, vão encontrar nos
créditos o ex-presidente Collor como motorista de produção! Devia ser um moço
jovem, pretensioso, querendo virar ator. E o Cacá Diegues naturalmente não deu
colher de chá. Eu imagino a cena: ele dizendo “um dia me vingo, um dia vou
foder você!”. (Risos) Tem outra história com o ex-presidente: eu já briguei com
o Collor. Antes dele ser presidente, claro. Eu e o Ney Latorraca estávamos no
Gallery e tinha um cara brigando com uma moça. O sujeito tava sendo
supergrosseiro. Aí fomos lá, intervimos e botamos o cara pra fora. E a moça
explicou “esse cafajeste tem vergonha de me namorar porque eu sou aeromoça!”
Corta. Anos depois, estou num avião da Transbrasil e a aeromoça vem falar
comigo. Disse: “Você não se lembra de mim, mas eu sou aquela moça da boate e
sabe quem era a pessoa da qual vocês me protegeram? O presidente Collor”.
(Risos)
PD: “Dona Flor” é um bom
filme na sua opinião?
REF: É um bom filme. Tem uma coisa sensual. Nesse ponto de venda
no exterior é mesmo a sensualidade. Somos um país quente, a gente se toca, se abraça...“Dona
Flor” fez sucesso no mundo inteiro porque é a encarnação da sensualidade
brasileira. A Sônia Braga é a personificação disso; ela é naturalmente sensual.
MAJ: Mas, então, por que a
Sônia Braga não deu certo nos Estados Unidos?
REF: Primeiro, ela foi pros Estados Unidos já madura, com 34
anos. E, depois, a Soninha é preguiçosa. Ela morou um ano e meio em Nova York
sem aprender inglês. Como alguém pode fazer carreira lá sem aprender inglês?
Uma vez encontrei com ela em Cannes, chamei ela num canto e disse: “Sônia, você
precisa se arrumar, você é uma estrela e tal”, mas não adiantou...Bom, mas tem
uma coisa: no ano seguinte ela voltou de caso com o Robert Redford. (Risadas).
Quer dizer, acho que ela deu certo sim...
PL: Você também foi ator,
né?
REF: Eu nunca quis ser ator, mas, quando cheguei aqui em São
Paulo, o Rubem Biáfora, diretor de cinema, olhou pra mim e falou “você tem uma
cara ótima, parece o Orson Welles jovem” e me chamou pra fazer um filme chamado
“As Gatinhas”. Eu fazia um bancário mau-caráter. Logo depois, o Ozualdo
Candeias me convidou para fazer outro filme. Era uma espécie de faroeste
brasileiro e eu era bandido. Fiz seis filmes, na verdade.
MAJ: Você trabalhou com o
Walter Hugo Khouri também, né?
REF: O Khouri era outro que achava que eu tinha cara boa pra
fazer cinema. Aí me convidou para fazer “Amor, Estranho Amor”. O astro era o
Tarcísio Meira, mas ele estava fazendo uma peça no interior e não chegou a
tempo para uma filmagem. Era uma cena de uma festa que tinha como convidado o
governador de Minas, que era o Mauro Mendonça. O Tarcísio tinha que receber os
convidados, mas como não estava, o Khouri me colocou para fazer isso. Aí a Vera
Fischer, que era a estrela do filme, me viu e disse pro Khouri que eu era um
bom ator, que talvez fosse legal aumentar meu papel. E assim foi. É nesta
sequência da festa que a Xuxa faz um strip-tease.
PD: Você gostou do strip?
REF: Naquela época se dizia o seguinte: o Pelé não deixava ela
filmar de costas porque ela não tinha bunda, mas tinha belos seios. E ela tinha
o encanto, uma juventude, era super-espontânea. Aliás, é só ver o filme para
perceber que ela fez plástica. Ela tinha duas bochechonas.
PC: Por que você parou de
fazer cinema?
REF: Essas experiências foram muito legais porque eu aprendi a
fazer cinema. Acho que você não pode criticar algo que não sabe fazer. Não
precisa fazer bem, mas tem que saber como se faz. Noventa por centro dos
críticos não têm a menor noção do que seja montar, roteirizar, dirigir. Mas eu
desisti porque uma vez, num avião, uma pessoa falou pra mim: “Olha, se fosse
você fazendo a si mesmo, eu ainda aceitava...Mas você fazendo outro personagem
eu não gostei”. Quer dizer, eu criei uma persona que é o Rubens, uma figura
pública do cinema. Quem gosta de cinema se identifica comigo; então acho que se
faço outro papel as pessoas não gostam. Vou dar um exemplo: Marília Gabriela é
uma pessoa adorável, gosto muitíssimo da Gabi. Ela era uma ótima repórter,
fazia brilhantemente a TV Mulher, era a deusa da Globo, até o dia em que resolveu
cantar. Fez um disco e um especial que era assim: o Gil virava pra ela e dizia:
“Gabi, você é maravilhosa”; o Caetano, “Gabi, você é maravilhosa”. No dia
seguinte, o Brasil inteiro odiava a Gabi. Porque foi uma overdose. O público
não perdoa, o público sabe quando alguém está querendo aparecer demais. Tanto
que a Gabi pirou, foi demitida da Globo por telefone, e só foi se reencontrar
no “Cara a Cara”, na Bandeirantes. Não sei se ela vai ficar zangada comigo, mas
não canta, Gabi! O público não quer; da mesma forma que não quer me ver na tela
trabalhando como ator.
PC: Isso significa que,
quando o público não gosta de um filme, ele tem razão?
REF: Noventa e oito por cento das vezes. Entre a opinião da
crítica e do público, prefiro a do público. Ele tem uma intuição maravilhosa.
PC: E os 2% que sobram?
Por que eles cometem injustiça contra algum filme?
REF: Esses 2% representam o não-acesso. Existem filmes muito
interessantes que as pessoas não descobrem. Semana passada estreou em São Paulo
“O Último Jantar”, que é um filme ótimo, mas ninguém viu. Ficou só uma semana
em cartaz.
PL: O mercado exibidor é
o vilão?
REF: É vilão. É vilão porque é tipicamente brasileiro: o dono é
rico, mas a empresa é pobre. Os exibidores têm uma mentalidade dos anos 1940. É
um absurdo um país como o nosso, com a população que tem, ter 1.400 salas de
cinema. É ridículo. Um filme americano normal estreia nos Estados Unidos com
2.200, 2.400 salas. É como se todas as salas brasileiras estivessem passando um
único filme.
(The End)
Publicado originalmente na
revista “Sexy” em outubro de 1997
Chamada da entrevista com Rubens Ewald Filho na capa da revista "Sexy" de outubro de 1997
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