“Boca de Ouro” **** (Brasil, 2020, ficção, direção: Daniel Filho)
Este filme acaba nos trazendo
uma importante reflexão sobre o cinema brasileiro. Daniel Filho é uma
referência na história da televisão nacional, sendo responsável pela
produção, direção e autoria de diversos programas dentro da TV Globo e fora
dela. Sua relação com a obra do dramaturgo Nelson Rodrigues é bastante antiga.
Ele esteve como ator na primeira versão cinematográfica de Boca de Ouro (1963), dirigido por Nelson Pereira dos Santos. E não
fez um papel pequeno: ele foi o personagem Leleco contracenando com Jece
Valadão que fazia o papel título. Também foi Daniel Filho responsável pela
série A Vida Como Ela É, adaptações
dos textos de jornal de Nelson Rodrigues.
É interessante notar
que em toda a sua trajetória Daniel Filho não descarta ou foge do selo de “artesão”. Pode-se notar que ele passou
pelo Cinema Novo. Estava lá como ator em papéis significativos em Os Cafajestes (1962) de Ruy Guerra ou o
no próprio Boca de Ouro (1963) de
Nelson. Mas invés de fugir do selo de artesão, o experiente diretor o assume. E
assume com o talento e profissionalismo. Possuí uma direção de atores
excepcional, com resultados acima da média. Tem-se Marcos Palmeira no
papel-título. É muito difícil compará-lo com Jece Valadão da primeira versão.
Mas pode-se dizer que ele não deixa nada a desejar. Malu Mader renasce muito
bem como Guigui e mesmo Guilherme Fontes (antigo galã que sumiu após dirigir Chatô) reaparece bem como o marido
Agenor. Agora, a atriz Lorena Comparato dá um show como a personagem Celeste.
Parece que ela nasceu para representar Nelson Rodrigues: ora é a moça ingênua,
comedida. Num segundo momento é a moça pecadora, em chamas de sensualidade.
Realmente eu não conhecia essa atriz e pode-se dizer que seja uma das melhores
dessa geração. Outra moça que desponta com muito talento é Fernanda
Vasconcellos como Maria Luisa ora mais pura e num outro momento mais provocante.
O brilhante Sílvio Guindane, um dos melhores profissionais dessa geração faz o
jornalista sensacionalista também com inspiração. O próprio Daniel Filho faz
uma pequena participação no final. Outras pequenas participações de atores
experientes como Anselmo Vasconcelos e Léa Garcia não são a toa.
O filme passa-se em
poucos ambientes. E ás vezes parece um pouco televisivo demais. Pode-se algumas
vezes parecer um pouco teatral também. Mas uma produção baseada numa peça de
teatro não tem que ser isso mesmo? Parece que sim. Um dos outros fatos que mais
me chamaram a atenção é o constante suspense. Boca de Ouro não para um minuto de ter tensão. Ao final, o
espectador não sabe se ele era mesmo o bandido sanguinário ou um pobre bicheiro
que nasceu numa pia de gafieira. Tem muito Nelson Rodrigues nessa adaptação. A
lição que fica de Daniel Filho tem que ser repassada aos jovens diretores que
querem fazer um filme popular. O realizador com vasta experiência na televisão
não foge do selo de artesão ou de fazer um filme com início, meio e fim. Não,
ele assume sua condição de artesão profissional e dá conta do recado com
notável excelência principalmente na direção do elenco. Pelo elenco ganha a
cotação máxima. Lamento não ter visto no cinema e sim numa pequena tela. Daniel
Filho como diretor de cinema tem uma carreira com altos e baixos. Não tem como
defender A Partilha (2001) ou Se Eu Fosse Você (2006). Mas dá para
dizer que entre seus melhores momentos estão O Casal (1975) e Tempos de
Paz (2009), que com este Boca de Ouro
(2020) ser seus trabalhos mais consistentes.
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