sábado, 10 de julho de 2021

VSP comenta o cinema brasileiro atual: "Boca de Ouro" (2020)

Boca de Ouro” **** (Brasil, 2020, ficção, direção: Daniel Filho)

Este filme acaba nos trazendo uma importante reflexão sobre o cinema brasileiro. Daniel Filho é uma referência na história da televisão nacional, sendo responsável pela produção, direção e autoria de diversos programas dentro da TV Globo e fora dela. Sua relação com a obra do dramaturgo Nelson Rodrigues é bastante antiga. Ele esteve como ator na primeira versão cinematográfica de Boca de Ouro (1963), dirigido por Nelson Pereira dos Santos. E não fez um papel pequeno: ele foi o personagem Leleco contracenando com Jece Valadão que fazia o papel título. Também foi Daniel Filho responsável pela série A Vida Como Ela É, adaptações dos textos de jornal de Nelson Rodrigues.

É interessante notar que em toda a sua trajetória Daniel Filho não descarta ou foge do selo de “artesão”. Pode-se notar que ele passou pelo Cinema Novo. Estava lá como ator em papéis significativos em Os Cafajestes (1962) de Ruy Guerra ou o no próprio Boca de Ouro (1963) de Nelson. Mas invés de fugir do selo de artesão, o experiente diretor o assume. E assume com o talento e profissionalismo. Possuí uma direção de atores excepcional, com resultados acima da média. Tem-se Marcos Palmeira no papel-título. É muito difícil compará-lo com Jece Valadão da primeira versão. Mas pode-se dizer que ele não deixa nada a desejar. Malu Mader renasce muito bem como Guigui e mesmo Guilherme Fontes (antigo galã que sumiu após dirigir Chatô) reaparece bem como o marido Agenor. Agora, a atriz Lorena Comparato dá um show como a personagem Celeste. Parece que ela nasceu para representar Nelson Rodrigues: ora é a moça ingênua, comedida. Num segundo momento é a moça pecadora, em chamas de sensualidade. Realmente eu não conhecia essa atriz e pode-se dizer que seja uma das melhores dessa geração. Outra moça que desponta com muito talento é Fernanda Vasconcellos como Maria Luisa ora mais pura e num outro momento mais provocante. O brilhante Sílvio Guindane, um dos melhores profissionais dessa geração faz o jornalista sensacionalista também com inspiração. O próprio Daniel Filho faz uma pequena participação no final. Outras pequenas participações de atores experientes como Anselmo Vasconcelos e Léa Garcia não são a toa.

O filme passa-se em poucos ambientes. E ás vezes parece um pouco televisivo demais. Pode-se algumas vezes parecer um pouco teatral também. Mas uma produção baseada numa peça de teatro não tem que ser isso mesmo? Parece que sim. Um dos outros fatos que mais me chamaram a atenção é o constante suspense. Boca de Ouro não para um minuto de ter tensão. Ao final, o espectador não sabe se ele era mesmo o bandido sanguinário ou um pobre bicheiro que nasceu numa pia de gafieira. Tem muito Nelson Rodrigues nessa adaptação. A lição que fica de Daniel Filho tem que ser repassada aos jovens diretores que querem fazer um filme popular. O realizador com vasta experiência na televisão não foge do selo de artesão ou de fazer um filme com início, meio e fim. Não, ele assume sua condição de artesão profissional e dá conta do recado com notável excelência principalmente na direção do elenco. Pelo elenco ganha a cotação máxima. Lamento não ter visto no cinema e sim numa pequena tela. Daniel Filho como diretor de cinema tem uma carreira com altos e baixos. Não tem como defender A Partilha (2001) ou Se Eu Fosse Você (2006). Mas dá para dizer que entre seus melhores momentos estão O Casal (1975) e Tempos de Paz (2009), que com este Boca de Ouro (2020) ser seus trabalhos mais consistentes.

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