TRADIÇÃO
Ontem, o Juventus
anarquizou mais um
Não é á toa que nasceu
na Mooca, entre as chaminés, filho espiritual de Bakunin
TONICO DUARTE
O patrono do Juventus é
um certo conde Rodolpho Crespi, nobre italiano de Turim, antigo proprietário de
um cotonifício que existia na Mooca. Mas bem que poderia ser Proudhon, Bakunin
ou Malatesta. Os seus 55 anos de vida são entremeados de passagens tipicamente
anarquistas, como o fato de ter sido ele um dos últimos times do futebol
paulista a ter admitido a estrutura profissional. É também o “Moleque Travesso”,
sempre pronto a surpreender os times grandes com as suas estilingadas
certeiras. E surgiu na Mooca, fundado pelos operários do cotonifício de tal
conde, das indústrias Matarazzo, da São Paulo Alpargatas e da Companhia Antarctica
Paulista – todos de origem italiana.
Já não é tão pequeno
quanto possa parecer, mas continua – e vai continuar sempre – atrevido.
A casa é humilde, mas
decente
Ontem, a estilingada
deste mini Palmeiras acertou em cheio o América de Rio Preto. O Juventus venceu
por 1 a 0, com um gol do veterano centroavante Bebeto, aos trinta minutos do
segundo tempo. O jogo foi realizado no velho estádio Conde Rodolpho Crespi que,
apesar da iminência social, é no mínimo acanhado com aquele seu gramado que faz
lembrar o menor dos campos de várzea. Lá, a gente tem a impressão de que logo na
entrada receberá três tapinhas nas costas: “Pode entrar, a casa é humilde mas
decente”.
Hoje em dia, o Clube
Atlético Juventus tem cerca de 130 mil associados, possui um dos grandes
conjuntos poliesportivos da cidade e é considerado, por sua parte social, um
dos maiores da América do Sul. Mas nem sempre foi assim. Corria o ano de 1924
e, entre os imigrantes operários da Mooca, certas doutrinas exóticas
encontravam eco. A velha Mooca ainda está lá, com suas chaminés apontando para
o céu, as ruas poeirentas daquele começo de Zona Leste, um trânsito infernal.
De um Crespi a um Zé da
Farmácia
Para os moradores mais
antigos, o espaço físico que recebeu o conceito abstrato do bairro é como se
fosse uma grande casa. O Beppo conhece o Dino, que conhece o Giuseppe, que
conhece o Salvatore, que conhece o Luigi. Todos se encontram em setembro, na
festa de San Genaro, numa igreja da baixa Mooca. Bem, alguém aportuguesou o
nome do santo para São Januário, mas o próprio Juventus se aportuguesou. Hoje
em dia, o poder já não pertence a um Crespi, mas ao Egydio Pereira, aos
Ferreira de Oliveira. O presidente é um Ferreira Pinto – José, Filho – também conhecido
por Zé da Farmácia, homem poderoso do futebol e da política.
Entretanto, o Juventus
continua sendo um vício, o time do bairro ou talvez até uma forma de se revoltar
contra os times grandes, a estrutura oficial do futebol. Anarquismo?
“Não sei” – diz me o torcedor
Sebastião de Andrade -, “acho que torcer para o Juventus é mais divertido do
que qualquer outro. Além do mais eu não simpatizo com os grandes”.
Nome de turco
Perto, pertíssimo,
estão os jogadores patinando na lama. O juiz Pedro Inácio Filho foi logo
saudado com o apelido de “Boca de Litro”. Ataliba não está no time. Contam-me
que, depois de ter sido um dos artilheiros do campeonato paulista do ano
passado, ele ficou mascarado – “com nome de turco não podia dar boa coisa”, diz
um torcedor e Brida saco-o do time. A Mooca também tem os seus gossips. E o
Juventus a sua enciclopédia, um gentil-homem de 52 anos chamado Sérgio
Agarelli.
Ele me conta que o
clube surgiu com o nome de Extra São Paulo, no dia 200 de abril de 1924. Pouco
depois, passaria para Cotonifício Rodolpho Crespi FC. Em 33, passou a integrar
a Divisão Especial, mas os operários italianos se recusaram a aceitar, de
imediato, o profissionalismo. Um ano depois, houve um racha no seio da família
e surgiu o Fiorentino, que não vingou. O Juventus, com esse nome, existia desde
30.
Por volta de 40, o
falecido jornalista Thomaz Mazzoni apelidou-o de “Moleque Travesso”: afinal, no
conhecido “fortim” da Rua Javari, onde permanece até hoje, era muito difícil
vencê-lo. Ao que parece, uma das tradicionais vítimas de suas estilingadas
sempre foi o Corinthians: “Nós sempre fomos mestres em acertar os grandes” –
diz Agarelli.
O jogo termina e o
pequeno placar colocado num dos cantos do estádio indica: Juventus 1, Visitante
0. O “Boca de Litro”, sai protegido pelos PMs, enquanto a Mooca joga para o
alto a sua fumaça. Estes anticonvencionais torcedores estão satisfeitos: o “Moleque”
acabara de praticar outra molecagem.
O JOGO FOI ASSIM
Juventus: Sérgio, Deodoro,
Fagundes, Jair Gonçalves e Paulinho; Cedenir, Ivo e César; Mica (Ataliba),
Bebeto e Anchieta (Cuca).
América: Luís Fernando,
Berto, Mauro, Aílton Silva e Ademir Gomes; Gérson Andreotti, Cléo e Arlem
(Serginho); Marinho, Luís Fernando Gaúcho e Osnir (Mazolinha).
Juiz: Pedro Inácio
Filho, “Boca de Litro”, segundo a torcida.
Renda: Cr$ 87.970,00,
para um público pagante de 1.769 pessoas.
Gol: Bebeto, aos trinta
minutos do segundo tempo.
Publicado originalmente
no “Jornal da República” em 13 de setembro de 1979, edição 16
Um comentário:
Otima materia
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